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Revista Brasileira de Terapias Cognitivas

Print version ISSN 1808-5687On-line version ISSN 1982-3746

Rev. bras.ter. cogn. vol.15 no.1 Rio de Janeiro Jan./June 2019

https://doi.org/10.5935/1808-5687.20190010 

10.5935/1808-5687.20190010 RELATOS DE PESQUISAS

 

Fatores motivacionais, cognitivos, emocionais e os efeitos relacionados ao voluntariado

 

Motivational, cognitive, emotional factors and effects related to volunteering

 

 

Monique Placido ViegasI; Evlyn Rodrigues OliveiraII; Eliane Mary de Oliveira FalconeIII

IMestre em Psicologia - (Doutoranda do Programa de Pós-graduação em Psicologia Social da UERJ) - Maricá - SP - Brasil
IIMestre em Psicologia Social - (Doutoranda do Programa de Pós-graduação em Psicologia Social da UERJ)
IIIPós doutorado - (Docente do Programa de Pós-graduação em Psicologia Social da UERJ)

Correspondência

 

 


RESUMO

O trabalho voluntário é um comportamento pró-social planejado, que não envolve recompensas financeiras ou materiais e tem sido associado ao bem-estar social e pessoal. O objetivo deste artigo é apresentar e discutir os fatores motivacionais, cognitivos, afetivos e os efeitos relacionados à prática do voluntariado para quem o realiza. Foram entrevistados dez indivíduos, de ambos os sexos, que residiam e realizavam trabalho voluntário no Estado do Rio de Janeiro. As respostas foram analisadas e categorizadas a partir da análise de conteúdo. Os resultados encontrados apontam que a maioria dos voluntários entrevistados tem motivações focadas no outro, experiencia sentimentos positivos e parece ampliar o comportamento de ajuda para outros contextos. A partir deste estudo pode-se considerar que o trabalho voluntário parece acarretar mais efeitos positivos que custos.

Palavras-chave: Trabalho voluntário; Voluntariado; Voluntários.


ABSTRACT

Volunteer work is a planned prosocial behavior, which does not involve financial or material rewards and has been associated with social and personal well-being. The objective of this article is to present and discuss the motivational, cognitive, affective factors and the effects related to the practice of volunteering for those who perform it. Ten individuals of both genders were interviewed. All participants lived and volunteered in the State of Rio de Janeiro. The answers given to the interview questions were analyzed and categorized from the content analysis. The results show that most of the volunteers interviewed have motivations focused on the other, experience positive feelings and seem to amplify the behavior of help to other contexts. From this study it can be considered that voluntary work seems to have more positive effects than costs.

Keywords: Voluntary work; Volunteering; Volunteers.


 

 

O contexto brasileiro atual é marcado por desigualdades sociais, trabalho precário, alto índice de desemprego, entre outros fenômenos. Essa realidade justifica o crescimento das organizações que se propõem a auxiliar na redução das dificuldades presentes no sistema vigente (Cavalcante, 2014). Além disso, a realidade reforça a importância de iniciativas solidárias a fim de contribuir para uma sociedade mais justa e igualitária. O trabalho voluntário é reconhecido há cerca de cinco séculos, com a fundação da Santa Casa de Misericórdia, mas somente a partir da década de 1960 tem sido alvo de estudos científicos (Souza, 2007).

A investigação empírica sobre o trabalho voluntário o assinala como um fator promotor de bem-estar capaz de reduzir custos individuais com a saúde (Becchetti, Conzo, & Di Febbraro, 2018). Ele produz efeitos positivos para quem o realiza, para os indivíduos que são alvo do trabalho, para as organizações envolvidas, assim como para a sociedade em geral (Becchetti et al., 2018; Monteiro, Gonçalves, & Pereira, 2012; Oliveira, 2018; Snyder & Lopez, 2009; Stukas, Snyder, & Clary, 2014; Wilson, 2012).

O trabalho voluntário é uma atividade planejada realizada pela própria vontade do indivíduo em levar benefícios ao outro, sem envolver qualquer forma de recompensa material. É definido por três características fundamentais: 1) o comportamento é voluntário e planejado; 2) o benefício do trabalho deve ser dirigido a outra pessoa; e 3) não deve envolver expectativa de reciprocidade pela ajuda prestada (Branco, 1983). Pressupõe uma decisão consciente, deliberada e livre do indivíduo para sua realização (Marques, 2006). O voluntariado pertence à classe dos comportamentos pró-sociais por refletir atos de ajuda que promovem consequências sociais positivas (Batson, Van Lange, Ahmad, & Lishner, 2003). Diferencia-se dos outros comportamentos pró-sociais por requerer um maior compromisso de assistência espontânea de âmbito menos restrito do que o atendimento prestado à família e aos amigos (Pilati & Hees, 2011; Wilson, 2000).

Entre os fatores associados ao trabalho voluntário, destacam-se os estudos sobre as motivações existentes para sua realização e os benefícios sociais da atividade. A motivação influencia diretamente na tomada de decisão e na manutenção do trabalho voluntário (Cavalcante, 2014; Pilati & Hees, 2011), que podem ser autocentradas ou centradas no outro (Gebauer, Riketta, Broemer, & Maio, 2008). Uma pesquisa que revisou as motivações dos voluntários para doarem seu tempo às organizações não governamentais (ONGs) revelou quatro tipos de motivações associadas ao trabalho voluntário não dirigente, no qual as atividades envolvem um contato próximo ou direto com o público-alvo da ajuda (Ferreira, Proença, & Proença, 2008):

1. Altruísmo: ajudar os outros, sentido de missão ou vontade de fazer algo que valha a pena;

2. Pertença: fazer novos amigos, conhecer pessoas (ou ser bem aceito na comunidade);

3. Ego: esperar que o voluntariado compense para si e que isso seja uma fonte de confiança e satisfação, uma fonte de respeito e reconhecimento, uma fonte impulsionadora de estatuto, inclui também a procura crescente de contatos institucionais;

4. Reconhecimento social, aprendizagem e desenvolvimento: trazer impacto positivo para a aprendizagem, enriquecimento pessoal e alargamento de horizontes.

5. Diferentemente, Silva e Feitosa (2002) apresentam cinco categorias de motivações em uma ONG:

6. Assistencial: percepção do outro como carente de afeto, de coisas materiais e de conhecimento;

7. Humanitária: contribuição com o outro, visto como semelhante/próximo, podendo incluir o desejo de crescimento espiritual;

8. Política: exercício da cidadania e/ou de ação emancipatória;

9. Profissional: vontade de experimentar conhecimentos adquiridos, aplicar conhecimentos, obter emprego em ONGs;

10. Pessoal: tratamentos terapêuticos, busca de relações interpessoais e de retorno emocional.

11. McCurley e Lynch (1998) também avaliaram a motivação associada ao voluntariado e encontraram três categorias:

12. Altruísta: ajudar os outros, obrigação de retribuição por algo recebido, dever cívico, convicção religiosa, fazer diferença no mundo ou por acreditar na causa;

13. Interesse próprio: adquirir experiência, desenvolver novas habilidades, constituir amizades, causar boa impressão a alguém, sentir-se importante e útil, exibir capacidade de liderança, experimentar novos estilos de vida, culturas, prazer e alegria;

14. Familiar: aproximar a família, servir de exemplo, benefício e retorno próprio, retribuir algo recebido por membro da família.

Evidências empíricas apoiam a relação existente entre trabalho voluntário e indicadores favoráveis de saúde. Quanto mais elevadas forem as pontuações nos fatores positivos, como experiência, crescimento e autoestima, maiores são as pontuações em bem-estar psicológico e qualidade de vida (Monteiro et al., 2012). Um levantamento em hospitais ressaltou a satisfação experimentada pelos próprios voluntários (Nogueira-Martins, Bersusa, & Siqueira, 2010). Foram investigados os efeitos neurobiológicos, apontando que ajudar alguém em necessidade ativa no cérebro o mesmo sistema de gratificação de quando uma pessoa é beneficiada com uma gratificação. Esses resultados neurobiológicos corroboram as consequências positivas para a saúde em ajudar (Moll et al., 2006). Outros estudos apontam que o voluntariado está associado a benefícios para a saúde dos voluntários, especialmente idosos (Mundaca & Gutiérrez, 2014; Piliavin, 2010). Foi encontrada uma relação positiva com o bem-estar e a satisfação (Nogueira-Martins et al., 2010; Oliveira, 2018; Snyder & Lopez, 2009), a promoção da autoconfiança (Canale & Beckley, 1999), o aumento da satisfação com a vida (Oliveira 2018) e a redução da sintomatologia depressiva (Van Willigen, 1998 citado por Monteiro et al., 2012, p. 209). Wilson (2000), por meio de uma revisão, vai ao encontro desses achados e sugere que o trabalho voluntário é agente da satisfação com a vida, da autoestima, da autopercepção de saúde, da realização educacional e ocupacional, da capacidade funcional e da redução da mortalidade. Em pessoas mais jovens, o voluntariado reduz a probabilidade de se engajar em comportamentos desadaptativos, como o absentismo escolar e o abuso de drogas (Eccles & Barber, 1999).

Pode-se considerar que o trabalho voluntário é um tipo de capital psicológico, promotor de bem-estar (Mundaca & Gutiérrez, 2014), associado também ao aumento da resiliência e da adaptação a mudanças, principalmente à resistência a depressão e ansiedade quando as pessoas estão sob estresse (Becchetti et al., 2018). Quando foram comparados idosos que realizavam algum trabalho voluntário com os que não realizavam, foi encontrado um nível significativamente maior de bem-estar nos primeiros. Conforme os idosos se percebem como agentes ativos de apoio, há a ocorrência de alterações positivas na visão de si, além da experiência de bem-estar (Rocha, Oliveira, & Motta, 2017).

Em pacientes crônicos com esquizofrenia, o envolvimento em atividades voluntárias em grupo destinado a ajudar outras pessoas repercutia em melhora em seu quadro clínico e menos re-hospitalizações. Além disso, os pacientes que auxiliavam na terapia de grupo dirigida a outros (voluntários) tinham melhoras clínicas superiores aos que apenas recebiam a terapia (Otteson, 1979).

Associadas ao trabalho voluntário encontram-se algumas demandas em sua concretização que podem interferir na execução e no engajamento no trabalho (Penner, 2002). A realização de mais atividades, além das quais o voluntário se compromete, pode acarretar sobrecarga de trabalho e desestimular os voluntários (Nogueira-Martins et al., 2010). Penner (2002) e Penner e Finkelstein (1998) identificaram que os voluntários permaneciam mais tempo nas atividades se estivessem satisfeitos com a instituição e com a realização de suas atividades. A consciência social sobre o trabalho do voluntariado permite que ele ocorra de maneira mais persistente e contínua (Bocchi, Andrade, Juliani, Berto, & Spiri, 2010).

Um fator pouco explorado nas pesquisas sobre o voluntariado é o papel das crenças. Muito pode ser aprendido acerca de como as pessoas pensam sobre seu trabalho voluntário, visto que os pensamentos interferem em nossos estados emocionais e em como reagimos às situações (Beck & Alford, 2016). Algumas crenças religiosas, bem como valores sociais aprendidos, podem incentivar a decisão de realizar um trabalho voluntário (Omoto & Snyder, 1993). Indivíduos que apresentam disposição voluntária para ajudar alguém necessitado o fazem influenciados pela crença de ter um controle sobre o procedimento ou sobre a própria capacidade de fornecer ajuda (Preston & De Waal, 2002). Por exemplo, pensar na adolescência em exercer responsabilidades e direitos incentiva os indivíduos a se voluntariarem quando se tornam adultos, independentemente de terem sido voluntários anteriormente (Janoski, Musick, & Wilson, 1998). Portanto, o papel das crenças deve ser considerado no voluntariado.

Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2012), em 2008 havia no Brasil cerca de 19,7 milhões de voluntários. Apesar da importância da ajuda humanitária e do número de brasileiros que a realizam, um levantamento de artigos feito para esta pesquisa encontrou poucos estudos brasileiros que avaliam a prática voluntária. Destarte o impacto social do trabalho voluntário, este estudo de natureza exploratória e qualitativa teve por objetivo identificar fatores motivacionais, cognitivos, afetivos e os efeitos desse tipo de trabalho a partir da percepção de quem o realiza.

 

MÉTODO

Participantes

Foi utilizada uma amostra de conveniência e, por saturação, chegou-se a dez participantes adultos, de ambos os sexos, que realizavam algum tipo de trabalho voluntário. A Tabela 1 apresenta as características gerais da amostra.

 

 

Procedimentos

O estudo foi submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) por meio da Plataforma Brasil (CAAE: 17881113.6.0000.5282). Logo após a aprovação, os pesquisadores entraram em contato com seu círculo social para convidar os participantes. Aos que aceitaram participar da pesquisa, foi esclarecido o objetivo geral do estudo e informado que seria preservado seu anonimato. Após concordarem, assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido, preencheram a ficha do participante, que continha questões sociodemográficas, e responderam verbalmente às perguntas da entrevista estruturada. Todos foram entrevistados individualmente, em local reservado, livre de interferência de outras pessoas e ruídos. Cabe ressaltar que os participantes eram livres para responder às questões, podendo, portanto, dar mais de uma resposta para cada pergunta realizada. As entrevistas foram gravadas, na íntegra, em formato digital.

Análise dos dados

As informações sociodemográficas coletadas foram digitadas em planilha do Statistical Package for Social Sciences (SPSS, versão 17), em que foram calculadas as médias, os desvios padrões e as frequências para a descrição da amostra. Paralelamente, as entrevistas foram transcritas na íntegra para arquivos digitais.

Os dados brutos transcritos foram separados para cada pergunta da entrevista, facilitando sua pré-análise, etapa que consistiu na impregnação do discurso. As respostas foram relidas até a obtenção da clareza das principais informações. Posteriormente, as falas pré-analisadas dos participantes foram reduzidas, mantendo-se apenas informações fundamentais que respondiam às questões da entrevista.

As perguntas construídas na entrevista fundamentaram a organização dos dados. Não foram baseadas em uma revisão de literatura, mas buscaram identificar: 1) motivações; 2) cognições; 3) sentimentos; 4) obstáculos; 5) pontos positivos; 6) pontos negativos; 7) benefícios pessoais; e 8) impacto do trabalho para outros contextos. A Tabela 2 apresenta as perguntas da entrevista estruturada e os propósitos correspondentes.

 

 

O processo de análise de conteúdo refletiu a busca de padrões nas respostas reduzidas dos participantes a fim de organizar e estruturar categorias. A partir dessa análise, os dados foram classificados e categorizados para cada pergunta da entrevista. Finalmente, os dados categorizados foram apresentados ao terceiro pesquisador deste estudo para supervisão, discussão e validação dos resultados.

 

RESULTADOS

motivação

Quatro motivações estão envolvidas na escolha da realização do trabalho voluntário:

1. Motivação altruísta: encontrada na maior parte da amostra, reflete o desejo de aliviar o sofrimento e/ou a preocupação com o bem-estar do outro;

2. Consciência pró-social: segunda mais identificada, aponta uma motivação oriunda da consciência de seu papel para uma sociedade menos carente e mais igualitária;

3. Crença religiosa: terceira mais encontrada, aponta a influência religiosa para a prática do bem; e

4. Desenvolvimento profissional: relatada por um participante, difere das anteriores por não se vincular à satisfação das necessidades do outro, mas das próprias, como prestígio social e crescimento profissional.

Cognições

As 17 cognições encontradas sobre o trabalho voluntário estão classificadas em cinco categorias:

1. Fazer a diferença na vida de alguém: inclui crenças de que a realização do trabalho voluntário pode contribuir para melhorar a vida de outras pessoas;

2. Fazer um bom trabalho com amor/ser útil: acreditar que ajudar o outro com dedicação e carinho é um dever, além de crer na própria utilidade para ajudar alguém em necessidade;

3. Contribuir para um mundo melhor: reflete crenças na boa natureza humana e na responsabilidade pessoal por um mundo melhor;

4. Cumprir sua missão na Terra/alcançar a plenitude: relaciona-se com a obrigação de ajudar a quem está em necessidade e/ou que a razão da própria existência é satisfazer as necessidades do outro, sendo esse o sentido da vida; e

5. Superar o próprio individualismo: acreditar que fazer algo em prol de alguém é promover a transformação da própria vida, tornando-se uma pessoa menos egoísta e mais sensível às necessidades do outro.

Sentimentos

Os sentimentos experienciados no trabalho voluntário estão relatados em 21 respostas, classificadas em cinco categorias: 1) Gratificação/satisfação; 2) Alegria/felicidade/ êxtase; 3) Preocupação/tristeza: relatado principalmente quando o voluntário não consegue ajudar alguém em necessidade; 4) Sentir-se útil; e 5) Esperança.

Obstáculos enfrentados

As 15 respostas estão classificadas em cinco categorias: 1) Relacionamento/falta de comprometimento dos voluntários: reflete intolerância à falta de comprometimento e engajamento de outros voluntários, além de dificuldades em lidar com ideias divergentes em relação ao trabalho; 2) Lidar com angústia e frustração ante a impotência de ajudar em alguns casos: percepção de que a ajuda realizada não está alcançando a pessoa-alvo e de que nem sempre se tem condições para realizar o trabalho por falta de colaboradores e/ou materiais; 3) Lidar com críticas sobre o trabalho: enfrentar a desconfiança sobre a seriedade e a genuinidade do trabalho; 4) Cansaço ante a demanda das pessoas-alvo do trabalho: a constatação de que há um excesso de pessoas em necessidade e poucos voluntários faz com que estes se sobrecarreguem e assumam mais funções, o que gera fadiga e cansaço; e 5) Falta de remuneração e gasto de tempo e dinheiro: apontada por apenas um voluntário, trata do investimento de tempo e dinheiro com transporte em detrimento da consciência da importância do trabalho.

Pontos positivos

Os pontos positivos envolvidos no trabalho voluntário são identificados em 14 respostas, classificadas em três categorias: 1) Fazer com que a pessoa-alvo experiencie bem-estar/promover crescimento pessoal na vida de outra pessoa, identificado na metade das respostas; 2) Contribuir para que a pessoa-alvo da ajuda passe adiante o bem recebido, encontrado em cerca de 30% das respostas; e 3) Satisfação pessoal a partir do outro: considerar que o ganho envolvido em seu trabalho voluntário é sentir alívio e satisfação a partir da ajuda dada a outras pessoas.

Custos pessoais

As 13 respostas dadas estão distribuídas em sete categorias, apresentadas em ordem crescente: 1) Nenhum prejuízo ou ponto negativo é dito em quase um terço das respostas; 2) Perceber que nem sempre o trabalho alcança as expectativas/constatar que as pessoas-alvo têm necessidades que o trabalho não alcança: dificuldade em perceber a limitação do próprio trabalho e aceitar que nem todos estão dispostos a ser ajudados; 3) Abrir mão de algo pelo compromisso com o trabalho voluntário; 4) Lidar com a falta de comprometimento de outros colegas voluntários; 5) Ser muito elogiado ou agradecido pelo trabalho realizado, reconhecido por um único participante, considera que ajudar alguém em necessidade é obrigação e não algo a ser reconhecido; 6) Não reconhecimento da coordenação da instituição: enfrentar críticas e cobrança dos dirigentes afeta negativamente a relação dos voluntários com a coordenação do projeto; e 7) Falta de remuneração, último ponto negativo, também citado por um único participante: descreve a falta de remuneração ou ajuda de custo como agente dificultador da dedicação ao trabalho.

Benefícios pessoais

Quanto ao impacto que o voluntariado desempenha na vida pessoal, as 17 respostas obtidas formam cinco categorias: 1) Tornar-se uma pessoa mais satisfeita, feliz e grata foi declarado em quase metade das respostas; 2) Sentir-se mais cansado e com pouco tempo para realizar outras atividades: demonstração de grande comprometimento e de disponibilizar muito tempo para o voluntariado; 3) Tornar-se mais útil e sensível às necessidades do outro: perceber que a prática voluntária desenvolve a capacidade de se colocar no lugar do outro; 4) Crescimento profissional: estar em contato com pessoas que demandam ajuda e com outros voluntários parece desenvolver habilidades de interação, principalmente ligadas à comunicação, contribuindo para o desenvolvimento profissional; 5) Experienciar angústia com relativa frequência foi reportado por um único voluntário: este experimenta angústia interpessoal quando não se pode levar auxílio a quem precisa, mas, embora angustiado, considera isso como algo positivo, pois o mobiliza para continuar buscando ajudar.

Impacto em outros contextos

Para este fator foram obtidas 15 respostas, agrupadas em três categorias: 1) Tornar-se mais útil para as pessoas de seu convívio diário (família e amigos) – esses voluntários se autoavaliam mais sensíveis e propensos a atender às necessidades de pessoas próximas, fornecendo informações, auxiliando nas tarefas domésticas, dando apoio, compartilhando roupas, por exemplo; 2) Perceber-se mais sensível a ajudar desconhecidos, principalmente no transporte público, foi declarado em cerca de um terço das respostas – é o reconhecimento de que o voluntariado aumenta a autoconfiança e ocasiona satisfação em ajudar quem precisa, como idosos, gestantes e deficientes; e 3) Ajudar frequentemente as pessoas independentemente do contexto foi apontado por voluntários que alegam estar mais dispostos a ajudar em várias situações, atendendo às necessidades de pessoas próximas e desconhecidas do mesmo modo.

A Tabela 3 apresenta as respostas de cada participante e as frequências segundo as categorias encontradas.

 

DISCUSSÃO

Muitos são os fatores que influenciam na execução do trabalho voluntário. Esta pesquisa de natureza exploratória investigou os fatores motivacionais, cognitivos, afetivos e os efeitos decorrentes da prática.

Os voluntários apresentaram diversas motivações envolvidas na decisão de realizar trabalho voluntário (Cavalcante, 2014; Ferreira et al., 2008; McCurley & Lynch, 1998; Silva & Feitosa, 2002), sendo essas autocentradas ou centradas no outro (Gebauer et al., 2008; Oliveira, 2018). A motivação altruísta e a consciência pró-social, juntas, foram encontradas em 70% dos participantes, sugerindo que a maior parte dos voluntários entrevistados foi motivada pela possibilidade de ajudar a satisfazer as necessidades do outro e não as próprias.

Mesmo que a princípio nem todas as motivações envolvidas na escolha da realização do trabalho voluntário tenham sido centradas no outro, como o desenvolvimento profissional, identificado em um participante, parece que o envolvimento com o trabalho gerou uma mudança na motivação. Isso é amparado por quatro evidências: 1) As crenças e os pontos positivos encontrados refletiram o foco no outro e não em benefícios para si; 2) Os pensamentos relatados pelos voluntários indicaram o desejo de aliviar o sofrimento, de promover auxílio e de contribuir para o bem-estar do próximo; 3) Os pontos positivos diziam respeito a contribuir e a experimentar satisfação pessoal ajudando o outro. Não podemos considerar esse tipo de satisfação como autocentrada se ela tem como fonte outra pessoa; e 4) Sentimentos positivos experimentados na realização do voluntariado foram um fator motivacional importante para sua manutenção.

De modo geral, o trabalho voluntário também pareceu contribuir para o desenvolvimento do comportamento de ajuda, ampliando-o para outros contextos. Os voluntários relataram que ficaram mais sensíveis e úteis às necessidades de outras pessoas, indicando que o voluntariado pode desenvolver habilidades pró-sociais como a empatia e comportamentos de ajuda, generalizando-os para fora do contexto da atividade. Isso é congruente com os resultados encontrados por Oliveira (2018), em que os voluntários reportaram uma mudança de valores e comportamentos, passaram a ser menos autofocados e mais voltados para as pessoas com as quais conviviam ou com que se deparavam.

Estudos que avaliam características de personalidade seriam úteis para entender como os aspectos disposicionais influenciam na decisão e manutenção do voluntariado. É possível que a disposição em satisfazer o outro seja influenciada por traços de personalidade como a amabilidade, na qual o indivíduo tem tendência a ser amável, cooperativo e afetuoso (Falcone, 2014). Os padrões de ajuda também poderiam ser explicados por uma personalidade altruísta. Além disso, presenciar outros em necessidade e/ou experienciar necessidades próprias pode ser um fator situacional que favorece o contágio emocional do voluntário, motivando-o a ajudar (Falcone, 2012).

Quanto às cognições, como apresentado por Preston e De Waal (2002), parece haver uma relação positiva entre traços voluntários para ajudar necessitados e crenças sobre o controle do procedimento ou sobre a própria capacidade de fornecer ajuda. Embora esse estudo não tenha investigado diretamente a autoeficácia, há indícios dessa relação. A maioria das crenças encontradas expressou o significado de poder ajudar ao próximo (Fazer a diferença na vida de alguém; Fazer um bom trabalho com amor/ser útil, Contribuir para um mundo melhor; Cumprir sua missão na Terra/alcançar a plenitude; e Superar o próprio individualismo). Um indício que corrobora esta relação é o fato da ajuda ter ocorrido em outros contextos, sugerindo que os voluntários se percebiam como capazes de fornecê-la em relação a diferentes demandas. Talvez a realização do trabalho voluntário tenha impactado positivamente a autoeficácia dos voluntários. Em consonância, Oliveira (2018) identificou um aumento estatisticamente significativo no nível da autoestima de pessoas que passaram a realizar algum trabalho voluntário e que descreveram uma avaliação mais positiva acerca de si após o início da atividade, identificando com mais facilidade suas qualidades, habilidades, utilidades e possibilidades. Outros estudos também indicaram relação direta entre voluntariado e autoeficácia (Canale & Beckley, 1999; Nogueira-Martins et al., 2010; Snyder & Lopez, 2009).

Quanto aos sentimentos encontrados, assim como em outros estudos (Nogueira-Martins et al., 2010; Mundaca & Gutiérrez, 2014; Oliveira, 2018; Snyder & Lopez, 2009), a maioria se referiu a sentimentos positivos, como utilidade e satisfação, apoiando a existência da relação entre voluntariado e bem-estar. Embora haja a identificação de sentimentos desagradáveis de preocupação e tristeza, estes podem ser explicados pela presença de distorções na percepção das necessidades do outro. A percepção distorcida pode sobrepor-se à satisfação e à alegria de atender a algumas das necessidades do outro. A angústia e a frustração experimentada por alguns voluntários, quando há impossibilidade de ajudar, bem como o cansaço e ter pouco tempo para realizar outras atividades, foram dificuldades encontradas que podem ser explicadas por distorções cognitivas, uma vez que os voluntários podem superestimar as necessidades dos outros e subestimar as próprias (Krieger & Falcone, 2017).

A maioria dos voluntários não identificou prejuízos ou pontos negativos em sua prática, mas foram mencionadas dificuldades que podem ser provocadas ou ampliadas devido às distorções cognitivas, como, por exemplo, conflitos interpessoais ou desmotivação com as atividades. Escolhas envolvidas no trabalho sugerem que os voluntários dessa amostra colocaram menos valor na satisfação pessoal e demonstraram pouca disposição em avaliar os custos e benefícios associados à prática voluntária.

Algumas limitações importantes foram encontradas neste estudo, principalmente em relação ao fato de a amostra ter sido composta por apenas dez participantes, em sua maioria estudantes de Psicologia. A própria escolha por estudar psicologia pode ter sido fundamentada pelo desejo de ajudar outras pessoas, o que reflete uma disposição a ser pró-social, e essa mesma premissa pode ter orientado os estudantes a realizarem trabalho voluntário. O sexo foi outra limitação, sendo a amostra majoritariamente composta por mulheres (80%). Na busca da literatura não foram encontrados estudos que avaliaram as diferenças quanto ao sexo no voluntariado, mas essa diferença poderia explicar os resultados obtidos. Por exemplo, o papel de cuidador na nossa sociedade é predominantemente das mulheres, atribuindo-lhes um foco maior às necessidades do outro, característica presente em grande parte das respostas aos fatores investigados.

A importância social e pessoal que o trabalho voluntário exerce faz com que sejam relevantes estudos acerca dos fenômenos que o influenciam. Visto sua relação positiva com a autoeficácia, a empatia e o bem-estar, o engajamento no voluntariado pode ser útil para desenvolver esses fenômenos e ajudar a superar psicopatologias, como a depressão, por exemplo. Além disso, pode ser útil para o desenvolvimento da autoeficácia e de habilidades sociais, como a empatia.

Esta pesquisa apresentou e discutiu os fatores motivacionais, cognitivos e afetivos, bem como o impacto da prática da atividade voluntária para quem a realiza. De acordo com os resultados encontrados, o voluntariado parece acarretar mais efeitos positivos do que negativos, e parece também ser pouco custoso. Os achados foram congruentes com a literatura sobre o tema. Na revisão realizada para este estudo não foram encontradas pesquisas brasileiras que avaliaram os fatores pessoais envolvidos no voluntariado, com exceção das suas motivações. Isso ressalta seu caráter exploratório. São necessárias, assim, novas pesquisas, com amostras mais abrangentes, que permitam ampliar o entendimento sobre os fatores psicológicos que afetam a tomada de decisão e a realização do trabalho voluntário, o que possibilitaria lançar luz sobre o papel que desempenham as dimensões disposicionais, motivacionais, cognitivas e afetivas nas decisões dos voluntários em iniciar e manter a atividade voluntária. Espera-se que novas pesquisas sobre o tema preencham as lacunas aqui apresentadas.

 

REFERÊNCIAS

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Correspondência:
Monique Placido Viegas
Universidade do Estado do Rio de Janeiro
Rua Joaquim Pereira de Magalhães, 180 Galo Branco
São Gonçalo Rio de Janeiro CEP: 24422-430
E-mail: monique_placido@yahoo.com.br

Este artigo foi submetido no SGP (Sistema de Gestão de Publicações) da RBTC em 30 de Junho de 2018. cod. 665
Artigo aceito em 12 de Março de 2019

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