INTRODUÇÃO
Estudos de diversos países indicam que estudantes universitários apresentam sofrimento psicológico maior que a média da população (Ibrahim et al., 2013; Padovani et al., 2014). No Brasil, foi observada a prevalência de estresse em 52,88% dos universitários (Padovani et al., 2014).
Frente a isso, o bem-estar e a saúde mental desse grupo são tópicos que chamam a atenção dos pesquisadores. A transição ao ensino superior é um momento que envolve mudanças importantes, um ponto crítico no desenvolvimento que acompanha o ingresso na vida adulta. Essa passagem introduz aos jovens uma realidade inédita, repleta de obstáculos e pressões, como a necessidade de se adaptar a uma rotina diferente, lidar com a ansiedade relacionada ao desempenho, enfrentar ambientes desafiadores e lidar com níveis mais intensos de exigências acadêmicas e demandas sociais (Archanjo & Rocha, 2019; Dawson et al., 2020). Assim, as adversidades podem acarretar estratégias de enfrentamento mal adaptativas, contribuindo para escolhas de vida não saudáveis.
São necessárias iniciativas com propósito de acolher, ensinar habilidades de enfrentamento efetivas e mitigar os efeitos do estresse nessa população. Uma alternativa que tem se mostrado promissora tanto por seus efeitos como pelo baixo custo de implementação são as intervenções baseadas em mindfulness (IBM) (Resende et al., 2021). Além de estar relacionado com estratégias de enfrentamento positivas, mindfulness promove habilidades de atenção e conscientização que têm impacto direto na discriminação do comportamento, ampliando a possibilidade de novas estratégias de enfrentamento (Munoz-Martinez et al., 2017; Stanislawski, 2019).
Estresse e enfrentamento
Estresse e enfrentamento são duas partes de um mesmo processo. Quando o ambiente exige ou limita recursos, emerge o estresse e, por consequência, o indivíduo concentra esforços para lidar com a demanda, caracterizando o enfrentamento (Lazarus & Folkman, 1984). Entretanto, não há consenso sobre como dividir as diferentes categorias de enfrentamento (Skinner et al., 2003; Stanislawski, 2019).
Uma extensa revisão a partir de 100 estudos encontrou mais de 400 estilos de enfrentamento e propôs 13 categorias de estratégias de enfrentamento: solução de problemas, busca de suporte, fuga ou evitação, distração, reestruturação cognitiva, ruminação, desesperança, retirada social, regulação emocional, busca por informação, negociação, oposição e delegação. Essas categorias apresentam considerável robustez, haja vista a clara conceitualização. Além disso, a síntese das diversas propostas de estilos de enfrentamento aparenta uma possível saturação (Skinner et al., 2003).
Em contrapartida, existe a proposta de um modelo circunflexo de enfrentamento, ou seja, um continuum circular no qual as categorias são distribuídas uniformemente (Stanislawski, 2019). De acordo com essa conceitualização, na presença de um estressor, existem duas demandas: resolver o problema e regular as emoções. Desse modo, divide-se o enfrentamento em emocional e de solução de problema.
Uma prática que vem sendo relacionada com o aumento de enfrentamentos positivos, como o enfrentamento ativo e a aceitação, além da diminuição de estratégias de esquiva, é o mindfulness (Palmer & Rodger, 2009). Isso provavelmente se deve ao treino de habilidades pertinente à prática de mindfulness, que desenvolve habilidades de consciência e aceitação que aparentam ter um papel importante na flexibilidade comportamental.
Mindfulness
Oriundo de um contexto de prática meditativa, mindfulness compreende a experiência de ter a atenção focada no momento presente de forma intencional e sem julgamentos (Kabat-Zinn, 2000). Outra conceitualização define mindfulness como processo de dois componentes: a autorregulação da atenção na experiência imediata e a postura curiosa, aberta e de aceitação (Bishop et al., 2004). Entende-se que, em um estado mindful, o indivíduo observa pensamentos, sensações, ações e emoções sem atribuir avaliações e classificações (Creswell, 2017). Dessa maneira, é possível quebrar padrões comportamentais automáticos e aumentar o repertório direcionado a ações comprometidas (Bishop et al., 2004). Além disso, é possível entender mindfulness como um traço de personalidade inato que varia de acordo com a pessoa, sendo chamado de mindfulness disposicional. Entretanto, essa disposição pode ser desenvolvida com o treinamento de habilidades, as quais comumente são direcionadas as intervenções (Tang & Tang, 2020).
Em virtude de baixo custo, fácil disseminação, interesse do público, baixa propensão a efeitos adversos e amplos benefícios, é pertinente desenvolver estudos com intenção de entender os efeitos da prática de mindfulness e servir de embasamento para projetos e intervenções futuras (Hirshberg et al., 2020). Desse modo, a partir de um levantamento transversal, este estudo teve como objetivo geral investigar as relações da prática de mindfulness com o estresse e as estratégias de enfrentamento em jovens estudantes universitários brasileiros durante a pandemia de covid-19. Foram objetivos específicos: examinar a presença e a frequência da prática de mindfulness, ou algum tipo de meditação equivalente, em jovens estudantes universitários; explorar o interesse dos jovens estudantes universitários em intervenções baseadas em mindfulness; explorar o impacto da pandemia na estafa psicológica dos jovens estudantes universitários; explorar diferenças entre os grupos do sexo masculino e feminino; investigar o mindfulness disposicional em jovens estudantes universitários; explorar as estratégias de enfrentamento utilizadas por jovens estudantes universitários; investigar o estresse percebido em jovens estudantes universitários; e explorar as relações entre a frequência da prática de mindfulness, mindfulness disposicional, estresse percebido e uso de estratégias de enfrentamento.
MÉTODO
Delineamento
Delineamento não experimental, caracterizado como uma pesquisa de levantamento transversal (Creswell, 2010).
Participantes
O cálculo amostral foi feito no programa estatístico GPower 3.1, que sugeriu o mínimo de 300 participantes para as comparações entre grupos. Foram excluídas 302 pessoas que não tinham entre 18 e 29 anos, que estavam cursando a graduação pela segunda vez ou que não completaram ao menos um dos instrumentos. A amostra final foi composta por 609 estudantes brasileiros do ensino superior, sendo a maioria do sexo feminino (68,4%), com idade entre 18 e 29 anos (M = 22,6, DP = 2,65) e solteira (93,1%). Os participantes eram brancos (71,3%), pardos (20,6%) e negros (8,1%) das regiões Sul (38,9%), Sudeste (35,9%), Nordeste (15,1%), Centro-Oeste (7,6%) e Norte (2,5%).
Instrumentos
Questionário sociodemográfico e de informações sobre saúde e família (QSI): desenvolvido pelos autores, contém informações autorrelatadas sobre o participante em relação à percepção de sua condição de saúde e experiência de mindfulness, além de aspectos financeiros e de escolaridade.
Escala Filadélfia de Mindfulness (EFM) (Cardaciotto et al., 2008): adaptada por Silveira et al. (2012), é baseada na conceitualização de Bishop et al. (2004). A escala apresenta dois fatores: 1) aceitação, composto por 10 itens com consistência interna de 0,85; e 2) consciência, também composto por 10 itens com consistência interna de 0,81. Foi utilizada neste estudo pela adequação da operacionalização baseada em Bishop et al. (2004). Os escores podem variar de 10 a 50 em ambas as variáveis, sendo 10 um escore extremamente baixo e 50 um escore extremamente alto.
Questionário COPE Breve (Carver, 1997): adaptado e validado por Brasileiro (2012) com consistência interna de 0,84 em uma amostra composta por 240 indivíduos. Consiste em 28 itens divididos em 14 fatores: coping ativo, planejamento, suporte instrumental, suporte emocional, religiosidade, reinterpretação positiva, autoculpa, aceitação, desabafo, negação, autodistração, desinvestimento comportamental, uso de substâncias e humor. Todos apresentaram consistência interna satisfatória (> 0,7). Pela variedade de estratégias e brevidade, é considerada adequada para pesquisas no contexto da saúde (Brasileiro, 2012). Os escores podem variar de 2 a 8 em cada variável, sendo 2 o escore mínimo, representando a rara utilização da estratégia de enfrentamento, e 8 o escore máximo, representando a utilização frequente da estratégia.
Escala de Estresse Percebido (EEP-14) (Cohen et al., 1983): adaptada por Luft et al. (2007), é um instrumento unidimensional composto por 14 itens com consistência interna de 0,82. Avalia a percepção do participante sobre o quão incontroláveis e imprevisíveis foram os eventos vividos no último mês (Machado et al., 2014). O escore pode variar de 0 a 56, sendo 56 um escore de extremo estresse percebido.
Considerações éticas
O presente estudo seguiu todos os procedimentos indicados sobre os preceitos éticos para pesquisas com seres humanos, conforme as resoluções do Conselho Nacional de Saúde nº 466/2012 (Resolução nº 466) e nº 510/2016 (Resolução nº 510). O projeto foi submetido ao Comitê de Ética do Instituto de Psicologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), parecer nº 5.029.483. Seguinte à aprovação, foi iniciada a divulgação da pesquisa. Os participantes tiveram acesso a um link que os encaminhou ao formulário da pesquisa, no qual o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) estava exposto para leitura e concordância obrigatórias.
Procedimentos
Os participantes foram convidados a participar da pesquisa por meio de e-mail direcionado aos centros acadêmicos, diretórios acadêmicos e coordenações de cursos de universidades. Os e-mails das instituições foram obtidos por meio de seus websites. Além disso, foi feita uma publicação na rede social Instagram. No conteúdo dos e-mails e da publicação havia um convite e um link que encaminhava o participante para a plataforma SurveyMonkey. Nela, estava exposto o TCLE, obrigatório para o seguimento no formulário, seguido pelos instrumentos, que deveriam ser preenchidos de maneira on-line por meio de um questionário.
Análise de dados
A ferramenta estatística utilizada foi a Jamovi 2.2 (The Jamovi Project, 2023). Os instrumentos foram divididos em 17 variáveis: consciência EFM e aceitação EFM (pertinentes a EFM), autodistração, coping ativo, negação, uso de substâncias, suporte emocional, suporte instrumental, desinvestimento comportamental, desabafo, reinterpretação positiva, planejamento, humor, aceitação COPE, religiosidade e autoculpa (pertinentes ao COPE Breve) e EEP (referente à EEP-14). A normalidade foi testada e foi possível concluir que apenas as variáveis consciência e EEP seguiram uma distribuição normal. Os testes foram escolhidos com base na distribuição da variável numérica e no número de grupos da variável categórica. Os testes utilizados foram: ANOVA, Wilcoxon-Mann-Whitney, Teste T de Student, Teste U de Wilcoxon-Mann-Whitney e coeficiente de correlação p de Spearman. As variáveis foram analisadas por meio de frequência, média (M) e desvio padrão (DP) ou mediana (m) e variação interquartil (IQR). Para todos os testes, foi considerado um nível de significância p < ,05. Foram consideradas correlações entre 0,1 e 0,29 fracas, entre 0,3 e 0,49, moderadas, e, acima de 0,5, fortes (Cohen, 1988).
RESULTADOS
Acessaram a plataforma SurveyMonkey e aceitaram o TCLE 911 pessoas, 609 confirmaram ter entre 18 e 29 anos, estar cursando o ensino superior pela primeira vez e responderam até o final do primeiro questionário (QSI), 543 (89,16%) responderam até a EFM, 488 (80,13%) até o COPE Breve e 442 (72,57%) a EEP-14, finalizando o formulário. Considerando-se as respostas válidas, a taxa de conclusão foi de 72,57% e a duração média de preenchimento do formulário foi de 13 minutos.
Dos 609 participantes, por meio do QSI, 48,36% afirmaram ter tido ansiedade ou depressão em algum momento, 35,30% afirmaram ter feito terapia, e 16,58% responderam que praticavam mindfulness ou alguma meditação semelhante. Em relação ao tempo de prática de mindfulness, 43,88% dos praticantes afirmaram ter experiência de menos de um ano, 40,82%, entre um e três anos, e 15,31% relataram três anos ou mais. Quanto à frequência semanal, 29,59% relataram fazer somente uma vez, 25,51%, duas, 27,55%, de três a seis vezes, e 17,35% afirmaram praticar diariamente.
A fim de observar a prevalência do estresse percebido e as estratégias de enfrentamento que os estudantes universitários mais utilizavam, foram consideradas as médias dos escores da COPE Breve e da EEP-14. Todas as estratégias de enfrentamento variaram entre os escores de 2 a 8, sendo as duas maiores médias de planejamento (M = 6,02, DP = 1,53) e autodistração (M = 5,98, DP = 1,53) e as duas menores de negação (M = 3,26, DP = 1,72) e uso de substâncias (M = 3,41, DP = 1,52). A possível variação da EEP-14 é de 0 a 56, os participantes tiveram escores com amplitude de 3 a 56 (M = 34,94 e DP = 9,48).
Tendo em vista investigar os efeitos da prática de mindfulness no estresse e nas estratégias de enfrentamento, por meio do Teste T de Student e do Teste U de Wilcoxon-Mann-Whitney, foram comparadas as médias, os desvios padrão, ou medianas, e a IQR das variáveis EFM, EEP-14 e COPE Breve entre praticantes e não praticantes de mindfulness. Os resultados apontaram diferenças estatisticamente significativas entre os participantes, sendo que o grupo de praticantes apresentou resultados menores na EEP e em autoculpa, e maiores nas variáveis consciência e aceitação (EFM) e nos enfrentamentos de reinterpretação positiva e planejamento (Tabela 1). Também foram feitas comparações entre as variáveis dos instrumentos EFM, EEP-14 e COPE Breve entre os participantes do sexo masculino e feminino - puderam ser observadas diferenças estatisticamente significativas nas variáveis EEP-14, aceitação (EFM), suporte emocional e aceitação (COPE) (Tabela 1).
Grupos | ||||||||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
Praticantes | Não Praticantes | Feminino | Masculino | |||||||
Variável | N | M (DP) m (IQR) | N | M (DP) m (IQR) | p1 | N | M (DP) m (IQR) | N | M (DP) m (IQR) | p1 |
Consciência (EFM) | 96 | 35,84 (7,02) | 447 | 33,18 (6,95) | < ,001 | 375 | 33,63 (6,96) | 157 | 34,04 (6,92) | ,377 |
Aceitação (EFM) |
96 | 25,50 (10,25) |
447 | 22,00 (11,00) |
,0042 | 375 | 22,00 (10,00) | 157 | 25,00 (11,00) | < ,0012 |
EEP | 83 | 30,84 (9,36) | 359 | 35,89 (9,27) | < ,0012 | 310 | 35,73 (9,57) | 122 | 32,64 (8,94) | ,0022 |
Coping Ativo | 89 | 6,00 (2,00) | 399 | 5,00 (3,00) | < ,001 | 338 | 5,00 (3,00) | 140 | 6,00 (2,00) |
,108 |
Suporte emocional | 89 | 6,00 (4,00) | 399 | 5,00 (3,00) | ,044 | 338 | 6,00 (4,00) | 140 | 5,00 (2,00) |
,016 |
Planejamento | 89 | 7,00 (2,00) | 399 | 6,00 (2,00) | < ,001 | 338 | 6,00 (2,00) | 140 | 6,00 (2,00) |
,675 |
Aceitação (COPE) | 89 | 6,00 (2,00) | 399 | 6,00 (3,00) | ,010 | 338 | 6,00 (3,00) | 140 | 6,00 (2,00) |
< ,001 |
Religiosidade | 89 | 5,00 (3,00) | 399 | 2,00 (2,00) | < ,001 | 338 | 3,00 (3,00) | 140 | 2,50 (3,00) |
0,743 |
Autoculpa | 89 | 5,00 (3,00) | 399 | 6,00 (3,00) | ,009 | 338 | 6,00 (4,00) |
140 | 6,00 (2,00) |
,748 |
Negação | 89 | 3,00 (2,00) | 399 | 3,00 (2,00) | ,574 | 338 | 3,00 (2,00) | 140 | 2,00 (2,00) | < ,001 |
Nota.
1Teste U de Wilcoxon-Mann-Whitney
2 Teste T de Student
Com interesse em explorar os efeitos da frequência da prática, foram feitas comparações das médias, dos desvios padrão, ou medianas, e da IQR das variáveis dos instrumentos EFM, EEP-14 e COPE Breve entre grupos de praticantes de mindfulness. Os dados indicaram diferenças estatisticamente significativas entre a prática de três anos ou mais e a prática de menos de um ano nas variáveis EEP e aceitação (EFM). Além disso, o grupo de prática diária apresentou resultados menores e estatisticamente significativos no uso da estratégia de enfrentamento de autoculpa (Tabela 2).
Grupos | ||||||||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
Menos de um ano | 3 anos ou mais | Uma vez na semana | Diariamente | |||||||
Variável | N | M (DP) m (IQR) | N | M (DP) m (IQR) | p1 | N | m (IQR) | N | m (IQR) | p1 |
Aceitação (EFM) | 40 | 24,00 (8,50) | 14 | 29,001 (9,50) | ,031 | 28 | 26,00 (9,75) | 17 | 33,00 (15,00) |
,222 |
EEP | 34 | 33,41 (8,72) | 14 | 26,29 (10,83) |
,0472 | 26 | 32,77 (9,67) | 14 | 26,36 (10,47) |
,183 |
Autoculpa | 37 | 6,00 (2,00) |
14 | 5,00 (1,00) |
,088 | 27 | 6,00 (3,00) |
15 | 4,00 (1,50) |
,012 |
Nota.
1Teste Kruskal Wallis
2Teste ANOVA
Com o intuito de explorar as relações entre as variáveis, foi realizada a correlação de Spearman entre as variáveis dos instrumentos EFM, EEP-14 e COPE Breve (Tabela 3). Tendo em vista o estresse e o mindfulness, a variável EEP apresentou correlações negativas, estatisticamente significativas e de efeito moderado com as duas variáveis da EFM, aceitação e consciência. Considerando-se as estratégias de enfrentamento e suas intersecções com mindfulness, foi observado que a variável consciência (EFM) apresentou correlações positivas, estatisticamente significativas e de efeito moderado com coping ativo, planejamento e aceitação (COPE). Também apresentou correlações positivas, de efeito fraco, com os enfrentamentos de suporte emocional, suporte instrumental, desabafo, reinterpretação positiva e religiosidade, e correlações negativas, de efeito fraco, com desinvestimento comportamental e autoculpa. A variável aceitação (EFM), por sua vez, apresentou correlações negativas, estatisticamente significativas e de efeito moderado com autodistração, negação e autoculpa. Também apresentou correlações positivas, estatisticamente significativas e de efeito fraco com aceitação (COPE), e correlações negativas, de efeito fraco, com os enfrentamentos uso de substâncias, desinvestimento comportamental, desabafo e humor.
Variável | 1 | 2 | 3 | 4 | 5 | 6 | 7 | 8 | 9 | 10 | 11 | 12 | 13 | 14 | 15 | 16 | 17 |
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
1. Consciência EFM | - | ||||||||||||||||
2. Aceitação EFM | ,01 | - | |||||||||||||||
3. Autodistração | ,05 | -,43* | - | ||||||||||||||
4. Coping Ativo | ,32* | ,09* | ,13* | - | |||||||||||||
5. Negação 6. Uso de |
,04 | -,37* | ,14* | -,01 | - | ||||||||||||
Substâncias | -,04 | -,25* | ,19* | -,01 | ,27* | - | |||||||||||
7. Suporte Emocional | ,13* | ,07 | ,08 | ,36* | -,04 | ,07 | - | ||||||||||
8. Suporte Instru-mental | ,16* | ,01 | ,14* | ,35* | -,01 | ,09* | ,75* | - | |||||||||
9. Desinvestimento Comportamental | -,14* | -,28* | ,05 | -,35* | ,30* | ,18* | -, 18* | -,1 1* | - | ||||||||
10. Desabafo | ,19* | -,1 1* | ,14* | ,25* | ,16* | ,16* | ,33* | ,43* | ,07 | - | |||||||
11. Reinterpretação Positiva | ,27* | -,06 | ,17* | ,37* | ,04 | ,05 | ,29* | ,31* | -,21* | ,12* | - | ||||||
12. Planejamento | ,36* | ,07 | ,17* | ,53* | -,03 | -,09* | ,30* | ,37* | -,24* | ,25* | ,49* | - | |||||
13. Humor | ,08 | -,17* | ,2* | ,01 | ,17* | ,18* | ,11* | ,12* | ,11* | ,23* | ,10* | ,06 | - | ||||
14. Aceitação COPE | ,34* | ,22* | ,06 | ,38* | -,17* | ,00 | ,22* | ,22* | -,22* | ,14* | ,38* | ,41* | ,08 | - | |||
15. Religiosidade | ,24* | ,02 | ,02 | ,19* | -,00 | -,04 | ,14* | ,21* | -,15* | -,00 | ,30* | ,28* | ,01 | ,16* | - | ||
16. Autoculpa | -,09* | -,43* | ,14* | -,08 | ,31* | ,25* | -,06 | ,03 | ,35* | ,21* | -,10* | -,01 | ,21* | -,22* | -,14* | - | |
17.EEP | -,29* | -,47* | ,11* | -,35* | ,24* | ,20* | -,15* | -,08 | ,46* | ,15* | -,34* | -,27* | ,14* | -,42* | -,19* | ,54* | - |
Nota.
*p < ,05.
Também foram observadas correlações positivas, estatisticamente significativas e de efeito forte da EEP com a autoculpa, de efeito moderado com desinvestimento comportamental, e de efeito fraco com negação, uso de substâncias, desabafo e humor. Além disso, foram observadas correlações negativas e estatisticamente significativas de efeito moderado da EEP com coping ativo, aceitação (COPE) e reinterpretação positiva, e de efeito fraco com suporte emocional, desabafo e humor.
Outro tópico investigado por meio do QSI foi o interesse da população quanto às intervenções baseadas em mindfulness. Dos 609 participantes, 28,36% relataram ter nenhum ou pouco interesse, enquanto 39,34% demonstraram interesse médio e 32,3% apontaram muito ou extremo interesse. Por fim, também foi investigado, por meio do QSI, o impacto da pandemia de covid-19 no estado psicológico dos participantes (N = 609): 42,37% consideraram que a pandemia de covid-19 os afetou muito, 23,97% disseram ter sido afetados extremamente, enquanto 20,69% consideraram um efeito médio, 10,67% um efeito pequeno e 2,30% nenhum efeito.
DISCUSSÃO
O objetivo deste estudo foi investigar as relações da prática de mindfulness com o mindfulness disposicional, o estresse e as estratégias de enfrentamento em jovens estudantes universitários. A amostra foi composta por participantes de diversos cursos, faculdades e estados brasileiros. Os resultados apontaram que a média dos níveis de estresse dos participantes (34,94) foi mais elevada do que a média da população geral (15,58), como apontado pela literatura (Padovani et al., 2014; Silva, 2018). Desse modo, ressalta-se a preocupação e a necessidade de buscar alternativas viáveis e preventivas para promover a saúde nesse público. Considerando-se os benefícios, a fácil implementação, o baixo custo e o aparente interesse dos universitários, as IBM apresentam uma proposta promissora (Resende et al., 2021). Foi observada uma motivação satisfatória dessa população para participar das IBM, sendo que praticamente três quartos dos participantes relataram interesse médio ou alto, o que ratifica o interesse da população universitária nesse tipo de intervenção (Menezes et al., 2012).
De acordo com o levantamento desta pesquisa, um em cada seis jovens universitários pratica mindfulness ou alguma meditação e as estratégias de enfrentamento utilizadas com maior frequência foram planejamento, autodistração, autoculpa e aceitação (COPE). Os praticantes de mindfulness apresentaram menos estresse percebido, bem como escores maiores nas variáveis de mindfulness disposicional: consciência (EFM) e aceitação (EFM). O grupo de praticantes também aparentou usar mais estratégias de enfrentamento positivas do que os não praticantes, tendo médias maiores em coping ativo, suporte emocional, reinterpretação positiva, religiosidade e planejamento, e média menor em autoculpa. Ainda, os resultados apontaram relações negativas de efeito moderado entre o estresse percebido e a estratégia de enfrentamento de aceitação (COPE) e a variável aceitação (EFM). Em face disso, a aceitação parece ter uma relação inversa com o estresse. Ressalta-se que a variável consciência (EFM) também apresentou correlações negativas de efeito moderado com a EEP. Esses achados corroboram a literatura que aponta o mindfulness disposicional como eficaz para promover estratégias de enfrentamento saudáveis e reduzir o estresse (Dawson et al., 2020).
Em relação aos grupos do sexo feminino e masculino, foi observada uma diferença significativa nos níveis de estresse percebido, com maiores índices para o grupo feminino do que para o masculino, o que também foi observado em outras amostras de estudantes universitários (Graves et al., 2021). Neste estudo, também foram verificadas diferenças nas estratégias de enfretamento entre os grupos, nas quais o sexo feminino apontou maior uso das estratégias de suporte emocional e negação e menor nível de aceitação (EFM). É possível interpretar que a diferença nos escores de estresse esteja relacionada ao escores de aceitação, tendo em vista seu papel no reconhecimento e abstração das experiências sensoriais difíceis ou estressantes (Lindsay et al., 2018).
Salienta-se que a amostra deste estudo foi coletada no final de 2021 e início de 2022, assim, é preciso levar em conta os efeitos da pandemia de covid-19. Dois terços dos participantes (66,34%) consideraram ter seu estado psicológico muito ou extremamente afetado pela pandemia; aspecto relevante diante do aumento da prevalência de estresse e de ansiedade na população universitária durante aquele período (Son et al., 2020). Os achados deste estudo sugerem que a prática frequente de mindfulness pode ter um efeito protetor contra o estresse decorrente de crises como a covid-19 (Yeun & Kim, 2022).
Mindfulness disposicional e enfrentamento
Foram encontradas correlações positivas de efeito moderado da variável consciência (EFM) com coping ativo, planejamento e aceitação (COPE). Esses achados corroboram a literatura, que sugere que o mindfulness disposicional tem afinidade com enfrentamentos positivos e de aproximação, além de uma relação negativa com os enfrentamentos de esquiva (Palmer & Rodger, 2009). A variável aceitação (EFM) apresentou correlações negativas de efeito moderado com autodistração, autoculpa e negação, o que ratifica a hipótese de que mindfulness disposicional tende a diminuir o uso de estratégias emocionais negativas (Menezes & Bizarro, 2015). Portanto, esses resultados podem fortalecer o pressuposto de que mindfulness tem um papel importante na flexibilidade comportamental, emocional e cognitiva, as quais são pertinentes às habilidades de enfrentamento (Palmer & Rodger, 2009).
Estresse
O estresse apresentou correlações negativas de efeito moderado com as variáveis aceitação (EFM) e consciência (EFM), indo ao encontro de estudos que indicam que mindfulness disposicional tem um papel importante na redução de estresse (Carpena & Menezes, 2018). Em relação às estratégias de enfrentamento e estresse percebido, foram notadas correlações positivas de efeito forte com autoculpa e de efeito moderado com desinvestimento comportamental. Também foram observadas correlações negativas de efeito moderado com coping ativo, aceitação (COPE) e reinterpretação positiva. Esses achados sugerem que estratégias de enfrentamento de esquiva ou focadas na emoção de forma negativa se relacionam com a manutenção e a intensidade do estresse. Assim, faz sentido ponderar que o treinamento de habilidades proporcionado por mindfulness tenha um efeito protetor contra os estressores presentes nessa fase do desenvolvimento. Pode-se levantar a hipótese de que a consciência e a aceitação promovidas pela prática de mindfulness ajudam a lidar com o aumento de exigências, o afastamento da família e a adaptação à nova rotina. Também é possível inferir que o treino de mindfulness tenha um papel importante na resiliência, apontado como fator importante para a adaptação no ensino superior (Archanjo & Rocha, 2019; Keye & Pidgeon, 2013). Além disso, sugere-se que as habilidades de não julgamento e de curiosidade do mindfulness disposicional possam ter influência no aumento do engajamento e do otimismo, e na redução de afetos negativos, sendo consideradas pontos-chave para a redução de estresse no ambiente acadêmico (Archanjo & Rocha, 2019; Malinowski & Lim, 2015).
Frequência da prática de mindfulness
Em relação ao tempo de prática, observou-se que os participantes que relataram praticar há três anos ou mais apresentaram escores maiores em aceitação (EFM) e menores índices na EEP. No que se refere à frequência, somente foi notado que os praticantes diários tiveram escores menores em autoculpa. Essas informações sugerem que a prática diária e de longo prazo acarreta maiores benefícios, principalmente relacionados à diminuição do estresse. Isso vai ao encontro da hipótese de que a prática contínua e com menor intervalo acarrete mais eficiência na aprendizagem e na manutenção das habilidades de mindfulness (Creswell, 2017). Apesar de a frequência apresentar um papel importante, os benefícios parecem estar mais relacionados às habilidades. Por fim, ressalta-se que, na literatura em geral, ainda não existe consenso e são necessários mais estudos para entender os efeitos da frequência da prática de mindfulness na obtenção e manutenção dos benefícios (Dawson et al., 2020).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Nesta pesquisa, foram observados efeitos positivos da prática de mindfulness e do mindfulness disposicional em relação ao estresse e na escolha de enfrentamentos saudáveis. Também pode ser inferido que a prática de mindfulness, principalmente frequente e de longo prazo, tem tanto um efeito protetivo contra o estresse como favorece o uso de habilidades de enfrentamento saudáveis.
É importante ressaltar que o desenvolvimento deste estudo ocorreu durante a pandemia de covid-19 e que a amostra foi coletada no final de 2021 e início de 2022. Assim, aponta-se que dois terços dos praticantes consideraram ter seu estado psicológico muito ou extremamente afetado pelo estado emergencial decorrente da pandemia. Por isso, incentiva-se o desenvolvimento de estudos em outros momentos, tanto em crises como entre seus hiatos e com um maior número de participantes, a fim de ratificar os achados deste estudo.
Por fim, esta pesquisa sugere que a prática de mindfulness e o mindfulness disposicional apresentam um efeito protetor contra estressores e têm um papel importante nas estratégias de enfrentamento. Os benefícios individuais podem ser representados como sendo a diminuição do estresse e o aumento de habilidades de enfrentamento saudáveis. Tendo em vista seu caráter também preventivo e efetivo em contextos emergenciais, como a pandemia de covid-19, a prática de mindfulness pode apresentar benefícios coletivos, como redução de custos em saúde. Assim, considera-se que promove vantagens individuais e coletivas, apresentando-se como alternativa de bom custo-benefício que pode ser utilizada como prática complementar nas universidades.
Limitações e sugestões para estudos futuros
O delineamento transversal impõe limites para explorar questões como a permanência das habilidades e dos benefícios ao longo do tempo. Um delineamento longitudinal é relevante para contemplar esses fenômenos. Não há consenso na literatura sobre a estrutura das habilidades de enfrentamento, existem diversas propostas de modelos e ferramentas que variam de acordo com a teoria e que, por consequência, promovem ambiguidade teórica. Nesse sentido, sugere-se que pesquisadores desenvolvam estudos a fim de integrar teorias e instrumentos, como a proposta de Stanislawski (2019). É pertinente considerar o viés de seleção, tendo em vista o ambiente virtual, que limita a participação de pessoas com pouco acesso às redes, além do possível interesse sobre o tema dos participantes que finalizaram o questionário. Por fim, considerando-se os benefícios e a fácil disseminação de intervenções baseadas em mindfulness, incentiva-se pesquisas semelhantes, com outras metodologias e amostras, a fim de embasar e aprimorar projetos permeados por mindfulness.