INTRODUÇÃO
Na psicologia, a empatia é considerada componente essencial para um desenvolvimento moral adequado (Jolliffe & Farrington, 2006a; Van der Graaff et al., 2018). Os estudos sobre o tema tratam com longevidade a respeito das características pessoais empáticas e quais as implicações delas nas relações sociais (Eisenberg & Miller, 1987). Uma das definições com grande peso para a literatura foi proposta por Hoffman (1981), que descreve a empatia como uma resposta afetiva indireta aos outros, ou seja, mais apropriada à situação de outra pessoa do que a própria.
Embora não haja unanimidade no conceito desse construto, é possível definir sobre quais pilares está firmado. De acordo com a revisão publicada por Eklund e Meranius (2021), a maioria dos autores tende a concordar que empatia envolve entender, sentir, compartilhar e manter a diferenciação entre o eu e o outro. Além disso, parte razoável da literatura afirma que a empatia é formada por componentes afetivos, cognitivos e comportamentais (Clark & Watson, 2019; Eisenberg & Miller, 1987; Falcone et al., 2008).
A empatia cognitiva diz respeito à capacidade de compreender o status afetivo do outro, o foco está na apreensão e compreensão (Enz et al., 2009). A empatia afetiva se refere a uma resposta emocional, em que a pessoa empática sente a mesma emoção que outrem ou é contagiada por emoção semelhante (Eisenberg & Miller, 1987; Enz et al., 2009; Losoya & Eisenberg, 2001; Zhou et al., 2019). A empatia comportamental, por sua vez, diz respeito à externalização da preocupação com o bem-estar alheio, realização de um comportamento verbal ou motor em relação ao outro (Falcone et al., 2008; Herrera-López et al., 2017).
Hoffman (1981), ao reunir as evidências da biologia e da psicologia, afirma que a empatia tem requisitos evolutivos, e outros pesquisadores também acreditam que a empatia pode ser uma característica inata (Bošnjaković & Radionov, 2018; Decety, 2015). No entanto, essas características também são influenciadas por fatores ambientais (Heyes, 2018; Shaffer & Kipp, 2010), destacando-se, especialmente, as contingências psicossociais de socialização (Eisenberg & Morris, 2001; Spinrad & Eisenberg, 2019).
Esse construto tem se mostrado importante para o desenvolvimento de atitudes e comportamentos pró-sociais e morais e tomada de decisão, bem como é considerado fator inibidor de conflitos, cometimento de crimes, bullying, entre outros comportamentos antissociais (Jolliffe & Farrington, 2006a, 2006b; Sampaio et al., 2009; Spinrad & Eisenberg, 2014; Van der Graaff et al., 2018). Estudos indicam que indivíduos mais empáticos se sentem mais propensos a ajudar, inclusive quando estão diante de situações de injustiça (Lu & McKeown, 2018; Urbanska et al., 2019). Alguns autores vinculam os conceitos de empatia e compaixão com justiça, sugerindo que o senso de justiça e a capacidade de simpatizar compartilham circuitos cerebrais subjacentes (Singer & Steinbeis, 2009; Stevens & Taber, 2021).
A empatia apresenta um longo espectro de investigação teórica e conceitual, é muito significativa para as relações interpessoais e socialização, além de impactar positivamente ambientes diversos, como escolar, de trabalho e familiar. Assim, é patente a importância da aferição da empatia, para que seja possível obter um panorama da realidade de interesse, entender qual o papel que ela, ou a falta dela, desempenha no ambiente, e contribuir com a elaboração de programas de intervenção com maiores chances de sucesso. Considerando-se a centralidade desse conceito nas práticas assistenciais e de saúde, incluindo as terapias cognitivas, propôs-se o presente estudo, que objetivou identificar os instrumentos de medida da empatia existentes na América Latina, bem como descrever suas propriedades psicométricas e teórico-conceituais.
MÉTODO
Trata-se de uma revisão narrativa de literatura, que tem como foco a identificação de medidas para avaliação da empatia, elaborada de acordo com o Preferred Reporting Items for Systematic Review and Meta-Analysis (PRISMA) (Page et al., 2021). Inicialmente, foi realizada consulta à plataforma da Biblioteca Virtual de Psicologia do Brasil (BVS-Psi Brasil) para definição das terminologias, que são: empatia, medida, escala e teste. A fim de otimizar a busca e evitar repetições, utilizou-se operadores booleanos (empatia AND medida OR escala OR teste; empatía AND medida OR escala OR prueba; empathy AND measure OR scale OR test). Foram incluídas as bases de dados Scientific Eletronic Library Online (Scielo) e Periódicos Eletrônicos em Psicologia (Pepsic).
Como critérios de inclusão, foram consideradas publicações nos idiomas português, espanhol e inglês; estudos empíricos, realizados em países da América Latina, que utilizassem escalas para medir o construto da empatia e que realizassem, ao menos, análise de evidência de validade baseada na estrutura interna, ou seja, que buscassem relação entre o instrumento e os itens (Alves et al., 2019). Nenhuma restrição de data foi empregada. Excluíram-se estudos de revisões, estudos de caso, estudos teóricos, livros, resumos e resenhas, e demais literatura cinza.
Os artigos selecionados nas bases de dados mencionadas foram transferidos para uma planilha, com vista à exclusão das duplicatas; os títulos e resumos foram revisados. Ao final dessa primeira etapa, os artigos selecionados para potencial inclusão, de acordo com os critérios de elegibilidade, tiveram o texto completo resgatado para leitura na íntegra.
A busca inicial resultou em 57 publicações potencialmente elegíveis. Cabe mencionar que a revisão foi realizada em outubro de 2023, sem período de restrição temporal a priori, e com recorte temporal máximo até 2022. Essa decisão foi tomada considerando-se que 2023 ainda estava em vigência e poderia gerar viés de seleção na literatura ao resultar na supressão de artigos publicados posteriormente ao período da revisão no ano de 2023.
Dos trabalhos encontrados, excluíram-se 32 duplicados - três de países que não integram a América Latina, duas por conta da seleção de pertinência por título e resumo. Os demais seguiram a aplicação dos critérios de inclusão e exclusão. Mediante aplicação dos critérios de inclusão e exclusão, foram selecionadas 15 publicações para esta revisão de literatura.
RESULTADOS
Entre os artigos selecionados, a maior parte desenvolveu novos instrumentos (Aragón & Pérez, 2016; Chavira-Trujillo, & Celis de la Rosa, 2022; Falcone et al., 2008; Hernández et al., 2016; Kirst-Conceição & Martinelli, 2014; Santos et al., 2019), seguidos de estudos de tradução e adaptação a novos contextos (Ellis et al., 2021; Lemos et al., 2022; Mason et al., 2019) e apresentação de evidências de validade do instrumento (Alcorta-Garza et al., 2005; Montilva et al., 2015; Soto & Muchotrigo, 2015). Alguns estudos também realizaram novas análises psicométricas de forma generalista (Pineda et al., 2013; Soto et al., 2019; Ventura-León et al., 2019). A Tabela 1 apresenta a síntese das publicações identificadas na revisão narrativa de literatura.
Tabela 1 Síntese das publicações identificadas.
Nome do instrumento | Fundamentações teórica e empírica | País | Escala de resposta | Participantes |
---|---|---|---|---|
Escala de Empatia Infantojuvenil (EEmpa- IJ) (Kirst-Conceição & Martinelli, 2014) |
Davis (1980), Bryant (1982), Zoll e Enz (2006) e Falcone et al. (2008) | Brasil | Likert de 4 pontos | Crianças e adolescentes |
Inventário de Empatia (I.E.) (Falcone et al., 2008) |
Bedell e Lennox (1997), Bellack et al. (1997), Caballo (1993), Davis (1980), Del Prette et al. (1998), Hogan (1969), Ickes (1997), Levenson e Gottman (1978) Mehrabian e Epstein (1972) e Thompson (1992) |
Brasil | Likert de 5 pontos | Universitários |
Escala Básica de Empatia Breve (BES-b) (Oliva et al., 2011) |
Jollife e Farrington (2006a), Merino-Soto e Grimaldo-Muchotrigo (2015), | Peru | Likert de 5 pontos | Crianças e adolescentes |
Questionnaire to Assess Affective and Cognitive Empathy in Children (Zoll & Enz, 2005) |
Bryant (1982), Leibetseder et al. (2001) e Garton e Gringart (2005) | México | Likert de 5 pontos | Crianças |
Escala de Empatia Frente a Pessoas com Loucura (EEFPL) (Santos et al., 2019) |
Davis (1983) | Brasil | Likert de 5 pontos | Universitários |
Escala para medir empatia em adolescentes mexicanos (Hernández et al., 2016) |
Spreng et al. (2009) e Davis (1983) | México | Likert de 5 pontos | Adolescentes |
Escala de Empatía Romántica (EER) (Aragón & Pérez, 2016) |
Davis (1983), Díaz-Loving et al. (1986), Hojat et al. (2002), e.g., Hogan (1969) e Mehrabian e Epstein (1972) |
México | Likert de 5 pontos | População geral |
Jefferson Scale of Physician Empathy (JSPE) - versión estudiantes (Alcorta-Garza et al., 2005; Hojat et al., 2001) |
Hojat et al. (2001) | Venezuela e México | Likert de 7 pontos | Universitários de medicina e enfermagem |
Índice de Reactividad Interpersonal (IRI) (Davis, 1980) |
Davis (1980) | Colômbia | Likert de 4 pontos | Ex-combatentes |
Affective and Cognitive Measure of Empathy (ACME-BP) (Vachon & Lynam, 2016) |
Davis (1983) | Brasil | Likert de 5 pontos | População geral |
Test de Empatía Cognitiva y Afectiva (TECA) (Chavira- Trujillo, & Celis de la Rosa, 2022) |
Davis (1983) | México | Likert de 5 pontos | População geral |
Test de Empatía Cognitiva y Afectiva (TECA) (Lemos et al., 2022) |
Davis (1983) | Argentina | Likert de 5 pontos | Universitários |
A Escala de Empatia Infantojuvenil (EEmpa-IJ), desenvolvida por Kirst-Conceição e Martinelli (2014), além da análise da literatura, teve como base outros quatro instrumentos: Multidimensional Approach to Individual Differences in Empathy (Davis, 1980), Index of Empathy Measurement for Children and Adolescents (Bryant, 1982), Questionnaire to Assess Affective and Cognitive Empathy in Children (Zoll & Enz, 2006) e Inventário de Empatia (Falcone et al., 2008).
Entre os autores que compuseram a fundamentação teórica da EEmpa-IJ (Kirst-Conceição & Martinelli, 2014), Zoll e Enz (2006) afirmaram que os comportamentos empáticos têm componentes de ordens cognitiva e afetiva. Segundo Falcone (2008), os componentes empáticos englobam os aspectos afetivo, cognitivo e comportamental, enquanto, para Bryant (1982), a empatia é uma resposta emocional. Portanto, a escala se fundou em perspectivas diversas acerca dos processos cognitivos e emocionais que compõem a empatia.
O Inventário de Empatia (I.E.), desenvolvido e analisado psicometricamente por Falcone et al. (2008), teve como fundamentação teórica Bedell e Lennox (1997), Bellack et al. (1997), Caballo (1993), Davis (1980), Del Prette et al. (1998), Hogan (1969), Ickes (1997), Levenson e Gottman (1978), Mehrabian e Epstein (1972) e Thompson (1992).
Nota-se também a pluralidade de perspectivas, uma vez que o instrumento de Del Prette et al. (1998) avalia as dimensões situacional e comportamental, Hogan (1969) analisou o aspecto cognitivo e Davis (1980) e Ickes (1997), por exemplo, entendem que a empatia é um construto multidimensional, que abrange os componentes cognitivos, afetivos e comportamentais.
A Escala Básica de Empatia Breve (BES-b; Oliva et al., 2011) apareceu em três estudos (Soto & Muchotrigo, 2015; Soto et al., 2019; Ventura-León et al., 2019) e teve como fundamentação empírica a versão original da Escala Básica de Empatia, desenvolvida por Jollife e Farrington (2006), adaptada e validada culturalmente no Peru por Merino-Soto e Grimaldo--Muchotrigo (2015).
O Questionnaire to Assess Affective and Cognitive Empathy in Children (Zoll & Enz, 2005) foi traduzido e adaptado por Mason et al. (2019) no México. O questionário original teve como fundamentação empírica três outros instrumentos: Index of Empathy Measurement for Children and Adolescents (Bryant, 1982), E-Skala (Leibetseder et al., 2001) e Interpersonal Reactivity Index (IRI; Davis, 1980), versão para crianças, elaborado por Garton e Gringart (2005).
A Escala de Empatia Frente a Pessoas com Loucura (EEFPL), desenvolvida e validada inicialmente por Santos et al. (2019) no Brasil, teve como fundamentação empírica a Escala Multidimensional de Reatividade Interpessoal (Davis, 1983). A Escala para medir empatia em adolescentes mexicanos, desenvolvida por Hernández et al. (2016) no México, foi elaborada a partir de itens do Cuestionario de Empatía de Toronto (Spreng et al., 2009) e da Escala Multidimensional de Reatividade Interpessoal (Davis, 1983).
A Escala de Empatía Romántica (EER), desenvolvida e validada por Aragón e Pérez (2016), no México, teve como fundamentação teórica a perspectiva apresentada por Hogan (1969) e Mehrabian e Epstein (1972), considerando a empatia tendo como elementos fundamentais a cognição e a emoção. Além disso, também foram considerados o IRI (Davis, 1983), a Escala Multidimensional de Empatia (EASE; Díaz-Loving et al., 1986) e Escala de Empatia Médica de Jefferson (EEMJ; Hojat et al. 2002).
A Jefferson Scale of Physician Empathy - versión estudiantes (JSPE-S), desenvolvida por Hojat et al. (2001), foi utilizada por Alcorta-Garza et al. (2005) para avaliar as evidências de validade e confiabilidade no México. Posteriormente, essa versão adaptada e validada em espanhol foi utilizada por Montilva et al. (2015) em estudo realizado também na América Latina, especificamente, na Venezuela.
O IRI (Davis, 1980) foi utilizado por Pineda et al. (2013), na Colômbia, com a intenção de comparar os modelos unidimensional e multidimensional. A teoria utilizada apontou a empatia como tendo uma dimensão cognitiva e uma dimensão emocional. A Affective and Cognitive Measure of Empathy (ACME-BP; Vachon & Lynam, 2016) foi traduzida e adaptada por Ellis et al. (2021) no Brasil. Na mesma oportunidade, as autoras solicitaram aos participantes que também respondessem ao Interpersonal Reactivity Index (Davis, 1983).
O Test de Empatía Cognitiva y Afectiva (TECA), desenvolvido por Chavira-Trujillo e Celis de la Rosa (2022), consistiu em um instrumento psicométrico utilizado no México para avaliar a empatia em indivíduos da população geral. Utilizou uma escala de Likert de 5 pontos e se baseou em um modelo teórico que considera tanto a empatia cognitiva quanto a empatia afetiva (Davis, 1983). O instrumento contou com uma replicação na Argentina (Lemos et al., 2022), o que pode indicar o potencial desenvolvimento presente da proposta em contexto latino-americano.
Em síntese, os diferentes instrumentos apresentados indicam uma variedade de linguagens e contextos de criação e aplicação. Também são diversos quanto ao público empregado, abarcando populações com faixas etárias distintas. Para além desses aspectos, mostrou-se relevante identificar os fatores e as evidências de validade ofertadas pelos estudos, sintetizados na Tabela 2.
Tabela 2 Identificação dos processos avaliados, fatores, evidências de validade e fidedignidade.
Nome do instrumento | Processo avaliado | Nº de itens | Fatores | Evidências de validade | Fidedignidade |
---|---|---|---|---|---|
EEmpa-IJ (Kirst- Conceição & Martinelli, 2014) |
Cognitivo, afetivo e comportamental | 17 | Preocupação com o outro; envolvimento emocional; flexibilidade interpessoal |
Conteúdo; estrutura interna; variáveis externas; critério |
Alfa de Cronbach |
I.E. (Falcone et al., 2008) | Cognitivo, afetivo e comportamental | 40 | Tomada de perspectiva; flexibilidade interpessoal; altruísmo; sensibilidade afetiva |
Conteúdo; estrutura interna | Alfa de Cronbach |
BES-b (Oliva et al., 2011) | Cognitivo e afetivo | 9 | Empatia cognitiva; empatia afetiva | Estrutura interna; critério | Alfa de Cronbach; ômega de McDonald |
Questionnaire to Assess Affective and Cognitive Empathy in Children (Zoll & Enz, 2005) |
Cognitivo e afetivo | 28 | Cognitivo; afetivo; preocupação com o outro |
Conteúdo; estrutura interna; critério | Alfa de Cronbach |
EEFPL (Santos et al., 2019) | Cognitivo, afetivo e comportamental | 13 | Unifatorial | Conteúdo; estrutura interna; variáveis externas; critério |
Alfa de Cronbach |
Escala para medir empatia em adolescentes mexicanos (Hernández et al., 2016) |
Cognitivo e afetivo | 9 | Empata cognitiva; empatia afetiva | Conteúdo; estrutura interna | Alfa de Cronbach |
EER (Aragón & Pérez, 2016) | Cognitivo e afetivo | 39 | Tomada de perspectiva; empatia cognitiva das emoções; perturbação; compaixão empática |
Estrutura interna; critério | Alfa de Cronbach |
JSPE (Alcorta-Garza et al., 2005; Hojat et al., 2001) |
Cognitivo e afetivo | 20 | Tomada de perspectiva; cuidado compassivo; capacidade de se colocar no lugar do paciente |
Estrutura interna; critério | Alfa de Cronbach |
IRI (Davis, 1980) | Cognitivo e afetivo | 20 | Fantasia subjetiva; preocupação empática; estresse pessoal severo; estresse pessoal controlado; desconsideração; fantasia objetiva |
Estrutura interna | Alfa de Cronbach |
TECA (Chavira Trujillo & Celis de la Rosa, 2022) | Cognitivo e afetivo | 33 | Alegria empática; estresse empático; compreensão emocional; adoção de perspectiva |
Conteúdo; estrutura interna | Alfa de Cronbach; correlação inter-item |
DISCUSSÃO
Este estudo teve como objetivo identificar os instrumentos de medida da empatia existentes na América Latina, bem como descrever suas propriedades psicométricas e teórico-conceituais. Identificou-se um número razoável de instrumentos na América Latina dentro do recorte temporal revisado, com predominância em língua espanhola e português. De modo geral, a presente revisão constatou que a produção de estudos acerca de instrumentos é razoavelmente estabelecida entre 2005 e 2022. As pesquisas selecionadas foram realizadas em diferentes países da América Latina, com predominância de países de linguagem espanhola e algumas alternativas em língua portuguesa e em inglês.
Os resultados apresentaram-se nos três idiomas utilizados na busca, sendo grande parte dos instrumentos em língua espanhola (Alcorta-Garza et al., 2005; Aragón & Pérez, 2016; Chavira-Trujillo & Celis de la Rosa, 2022; Hernández et al., 2016; Mason et al., 2019; Montilva et al., 2015; Pineda et al., 2013; Soto et al., 2019; Soto & Muchotrigo, 2015; Ventura-León et al., 2019), seguido de língua portuguesa (Falcone et al., 2008; Kirst-Conceição & Martinelli, 2014; Santos et al., 2019) e um em língua inglesa (Ellis et al., 2021).
O fato de haver predominância de instrumentos em língua espanhola demonstra uma desigualdade na produção de conhecimento na América Latina, privilegiando os países de língua espanhola em detrimento ao Brasil, que tem o português como língua oficial. Isso pode ser um reflexo da concentração de recursos e investimentos em pesquisa em alguns países da região, enquanto outros ficam em desvantagem (Oliveira, 2021).
Ressalta-se a importância de se promover maior equidade na produção e disseminação do conhecimento científico na América Latina, dando suporte tanto para pesquisas em língua espanhola quanto em língua portuguesa (Arthur et al., 2023). É essencial que os países de língua portuguesa também tenham recursos e incentivos para desenvolver e compartilhar suas pesquisas, de forma a enriquecer o conhecimento científico na região e contribuir para um cenário mais equilibrado e diversificado, especialmente no que tange às terapias cognitivas (Neufeld & Affonso, 2013).
A despeito dessas assimetrias, os estudos na área da empatia estão avançando em relação às propriedades psicométricas, incluindo a taxonomia proposta pela American Psychological Association (APA). A validade em uma acepção multidimensional é uma característica fundamental de qualquer instrumento de medida, pois indica sua capacidade de suportar as condições de interpretação do escore no público-alvo (Clark & Watson, 2019). Ainda assim, salienta-se a existência de lacunas entre os diferentes estudos e a necessidade de aprimoramento na apresentação das diversas fontes de validade (conteúdo, estrutura interna, análise dos itens, consistência interna, variáveis externas e processo de resposta) antes do uso profissional, o que se apresenta como um importante desafio a ser enfrentado (Cortez, 2019).
Em relação ao aspecto teórico-conceitual, é importante considerar que, nos últimos anos, a compreensão da empatia tem evoluído significativamente, com modelos mais complexos e abrangentes que incorporam aspectos comportamentais, sociais e neurológicos. A empatia não é uma experiência puramente cognitiva ou afetiva, mas envolve uma interação complexa entre processos cognitivos, emocionais e comportamentais (Eklund & Meranius, 2021). Modelos contemporâneos, como o modelo da empatia multidimensional (Clark et al., 2019; Eisenberg & Miller, 1987; Falcone et al., 2008), enfatizam a importância de compreender o construto em diferentes níveis, incluindo empatia cognitiva (compreensão dos sentimentos do outro), empatia afetiva (sentir as emoções do outro) e empatia comportamental (responder de maneira apropriada às emoções do outro).
A falta de consideração de aspectos comportamentais pode ser uma limitação, especialmente no contexto das terapias cognitivas no Brasil, já que elas geralmente envolvem a modificação de comportamentos disfuncionais e a promoção de habilidades sociais e emocionais (Kusiak et al., 2019). Portanto, ter um entendimento completo da empatia, incluindo o aspecto comportamental, é essencial para práticas de avaliação em terapias cognitivas eficazes, já que a empatia desempenha um papel fundamental nas interações sociais e na formação de relacionamentos saudáveis (Dorris et al., 2022).
Para as terapias cognitivas no Brasil, a incorporação de modelos de empatia mais abrangentes e contemporâneos pode melhorar a eficácia dessas abordagens terapêuticas, incluindo as associadas aos esquemas do paciente (Berlitz & Pureza, 2018). Isso envolveria a integração de instrumentos e técnicas que promovam as empatias cognitiva, afetiva e comportamental, ajudando os pacientes a desenvolverem uma compreensão mais profunda das emoções dos outros e a responderem de maneira mais empática em situações interpessoais, incluindo a formação de vínculos com os demais, como é o caso dos ensaios realizados por meio da aliança terapêutica (Martins et al., 2018).
O fato de a maioria dos estudos propor novos instrumentos de mensuração da empatia, em vez de replicar instrumentos existentes, é uma preocupação pertinente para as terapias cognitivas (Beck, 2019). A replicação é fundamental para garantir a confiabilidade e a validade dos instrumentos de medida. Sem replicação adequada, não é possível ter certeza da consistência dos resultados e da utilidade prática desses instrumentos. Além disso, a criação constante de novas ferramentas pode fragmentar o campo da pesquisa em empatia, dificultando a comparação e a síntese de resultados entre estudos. Isso pode levar a uma falta de consenso e a um entendimento menos claro sobre como medir e promover a empatia em terapias cognitivas (Eisenberg & Sulik, 2012).
Assim, para melhorar a qualidade da pesquisa sobre empatia e seu impacto nas terapias cognitivas, é importante: 1) promover a replicação de estudos para validar instrumentos existentes e garantir a consistência dos resultados; 2) incentivar a atualização dos modelos de empatia para refletir a compreensão atual da habilidade; 3) estimular a colaboração entre pesquisadores e terapeutas para aplicar efetivamente os conhecimentos mais recentes no desenvolvimento de intervenções terapêuticas; 4) fomentar a divulgação e a aplicação de modelos de empatia mais contemporâneos nas práticas clínicas no Brasil, garantindo que os terapeutas e demais profissionais da área da saúde e assistência psicossocial estejam atualizados conforme as melhores abordagens disponíveis.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este estudo visou identificar os instrumentos de medida da empatia existentes na América Latina, bem como descrever suas propriedades psicométricas e teórico-conceituais. A principal limitação desta revisão refere-se ao recorte específico das bases de dados, que deve ser expandido em estudos futuros, visando contrastar os resultados encontrados com contribuições ulteriores. A principal contribuição está na sistematização dos instrumentos de empatia que poderão ser aprimorados, visando-se sua efetiva aplicação em processos de pesquisas e atuações associadas às ciências e às terapias cognitivas, além de outros campos científicos correlatos. Em suma, os avanços na investigação da empatia podem vir a ser a ponte que conecta terapias cognitivas eficazes a uma vida mais significativa dos pacientes, permitindo que compreender e cuidar do outro se tornem um ato efetivamente transformador também para si mesmo.