As habilidades sociais (HS) são um conjunto de comportamentos e competências que um indivíduo desenvolve ao longo da vida, permitindo-lhe interagir de forma eficaz e positiva com outras pessoas em diferentes contextos sociais e culturais (Del Prette & Del Prette, 2019; Lessa et al., 2023). As principais classes de HS são: comunicação, civilidade, assertividade, expressar sentimentos, coordenar grupo e falar em público (Del Prette & Del Prette, 2001, 2017).
No contexto universitário, as HS têm papel fundamental, considerando-se que estudantes se encontram expostos a um novo ambiente, o qual traz uma série de exigências, voltadas aos desempenhos social e acadêmico, com o estabelecimento constante de relações interpessoais (Soares et al., 2019). Dificuldades nas HS, como comunicar-se com colegas e professores, expressar sua opinião e sentimentos de modo assertivo, saber defender-se, negociar, apresentar trabalhos em público, entre outras, podem acarretar danos à saúde física e mental dos indivíduos, prejudicando o alcance de um desempenho social competente, bem como desencadear diminuição da autoestima, fracasso na aprendizagem, aumento da ansiedade e dificuldade na realização das atividades (Gouveia & Polydoro, 2020; Soares et al., 2019).
Nesse sentido, ter um bom repertório de HS pode contribuir para um desempenho social competente. A competência social é um conceito base das HS e está relacionado à avaliação do desempenho individual em uma tarefa interpessoal, o que envolve pensamentos, sentimentos e ações. Dessa forma, para que se considere um determinado desempenho como competente, é imprescindível que ele atenda aos objetivos do indivíduo e das demais pessoas envolvidas na interação social, levando-se em consideração a situação específica e a cultura em que estão inseridos (Del Prette & Del Prette, 2019).
Para o desenvolvimento das HS, entre as técnicas efetivas e mais utilizadas, voltadas à melhoria das relações interpessoais e ao aumento da qualidade de vida dos indivíduos, está o treinamento em habilidades sociais (THS) (Bortolatto et al., 2021; Caballo, 2018). O THS pode ser compreendido como uma intervenção que visa ao aperfeiçoamento de estratégias de enfrentamento de situações interpessoais, com atividades planejadas voltadas aos processos de aprendizagem das HS deficitárias, a partir da apreensão de novos comportamentos e consequente redução ou extinção de comportamentos desadaptativos (Del Prette & Del Prette, 2010). Propõe desenvolver comportamentos mais assertivos, melhorar a competência interpessoal e individual, sendo uma atividade que pode ser conduzida por um terapeuta ou um mediador, no formato individual ou em grupo (Caballo, 2018).
Estudos apontam que o THS em grupo possibilita aquisições e manutenção das HS (Lopes et. al., 2017), propicia melhorias no repertório comportamental e aumento da assertividade dos indivíduos (Wagner et al., 2019), estimulando o desenvolvimento da empatia, construto que faz parte das HS (Caballo, 2018; Del Prette & Del Prette, 2017). O formato em grupo favorece uma série de vantagens: o grupo oferece uma situação social já estabelecida, na qual os indivíduos que recebem o treinamento podem praticar com os demais, e reúne diferentes tipos de pessoas, o que é essencial para produzir representações de papéis e pode proporcionar uma categoria de feedback, bem como participação e colaboração (Caballo, 2018; Del Prette & Del Prette, 2017).
Nesse sentido, o Programa de Desenvolvimento Interpessoal Profissional (PRODIP), cujo intuito é desenvolver o repertório de HS de acadêmicos de vários cursos na etapa final da graduação, constatou que ocorreram melhorias após a intervenção, com a manutenção de aquisições em HS três meses após o término do programa (Lopes et al., 2017). Outra pesquisa, desenvolvida com 816 universitários, sendo 409 de psicologia e 407 de ciências humanas, investigou a relação entre HS e resolução de problemas, enfrentamento e resiliência, evidenciando que os alunos de psicologia obtiveram maiores escores em todos os fatores da escala de habilidades para resolução de problemas, mas menores pontuações no repertório de HS (Santos & Soares, 2018).
Outros fatores importantes a serem investigados em acadêmicos de psicologia são os sintomas de ansiedade, depressão e estresse. A ansiedade é uma emoção natural em situações de ameaça, sendo considerada parte da resposta de sobrevivência evolutiva de “luta ou fuga”, podendo ser normal ou adaptativa. Nas ocasiões em que é não adaptativa, pode se constituir um transtorno psiquiátrico, sendo caracterizada por sintomas centrais de medo e preocupações exacerbadas (Penninx et al., 2021). Os transtornos de ansiedade incluem transtornos que compartilham características de medo e ansiedade demasiadas e perturbações comportamentais relacionadas (American Psychiatric Association [APA], 2023). Já os atributos dos transtornos depressivos podem ser caracterizados como humor triste, vazio ou irritável, com adição de alterações somáticas e cognitivas, atingindo a capacidade de funcionamento do sujeito de maneira significativa (APA, 2023). Por sua vez, o estresse traz uma conotação de adversidade, aflição, força, pressão ou esforço, podendo ser conceituado como um estado de tensão que causa uma quebra no equilíbrio interior do organismo (O’Connor et al., 2021). Tais sintomas podem influenciar negativamente o período de formação acadêmica, dificultando a aprendizagem e o relacionamento interpessoal.
É possível apontar que a ansiedade é fator de risco para quadros depressivos em acadêmicos (Song et al., 2020). Um estudo desenvolvido com 316 universitários primeiranistas identificou que 46,23% apresentavam sintomas de depressão, sendo que 17,74% apresentavam sintomas em nível moderado, e 28,49%, em nível severo; constatou-se a associação entre estresse, ansiedade e sintomatologia depressiva, concluindo que, quanto maiores os índices de estresse e ansiedade, maior a exposição à depressão (Bastos et al., 2024). Outra investigação, com 574 estudantes de graduação e pós-graduação do Rio Grande do Sul, com idade a partir de 18 anos, também encontrou níveis elevados de sintomas de estresse, ansiedade e depressão na amostra, constatando níveis mais altos de estresse no início do curso (Zancan et al., 2021). O estudo de Fogaça et al. (2022), com 88 acadêmicos de psicologia do interior de São Paulo, corrobora tais resultados ao identificar sintomas de ansiedade com severidade moderada na amostra investigada.
Nessa perspectiva, um programa de THS buscou, por meio de 10 encontros, avaliar seus efeitos no repertório de HS e no nível de estresse de estudantes universitários (Nazar et al., 2020). Foi identificado que a participação no THS auxiliou no manejo do estresse de forma relevante, com redução considerável nos sintomas entre os participantes. Um estudo-piloto voltado ao desenvolvimento de HS e acadêmicas foi desenvolvido em 13 sessões grupais, nas quais foram levantadas a sintomatologia clínica, sendo identificada redução em relação aos sintomas de depressão e de ansiedade (Santana et al., 2022). Nesse mesmo contexto, uma intervenção com 14 universitários, aplicada em 12 encontros, com pré e pós-teste, já havia encontrado a diminuição de sintomas de ansiedade e de depressão (Moretto & Bolsoni-Silva, 2019).
Este estudo teve como objetivo principal avaliar o repertório de HS em acadêmicos de psicologia e desenvolver uma intervenção de THS em grupo, com a utilização do Inventário de Habilidades Sociais-2-Del-Prette (IHS-2-Del-Prette), que ainda tem sido pouco utilizado como instrumento de escolha na avaliação de participantes em intervenções em grupo - o mais encontrado na literatura foram investigações com o IHS-Del-Prette (Del Prette & Del Prette, 2001), em sua primeira versão (Lopes et al., 2017; Santos & Soares, 2018; Wagner et al., 2019). Além disso, buscou-se identificar a presença de sintomas depressivos, de ansiedade e de estresse nesse público, e verificar a associação entre as HS e os sintomas psicológicos mencionados. Considerando as atividades profissionais a serem desenvolvidas na prática da psicologia, independentemente de seu contexto, estudos que busquem analisar o impacto de um THS em estudantes de psicologia contribuirão para a promoção do estabelecimento de relações terapêuticas e laborativas mais eficazes.
MéTODO
O delineamento do estudo abarca uma investigação quantitativa, de comparação entre grupos, com avaliação pré e pós-intervenção de THS, no qual buscou-se o desenvolvimento de HS e competência social dos participantes e, consequentemente, melhora nos sintomas psicológicos depressivos, de ansiedade e de estresse. Realizaram o treinamento 18 estudantes de psicologia, sendo 77,8% (n = 14) do gênero feminino e 22,2% (n = 4) do gênero masculino, com idade média de 25,17 anos (DP = 8,74). Foi observada uma faixa etária ampla, variando de 18 a 47 anos, mas, de acordo com Del Prette e Del Prette (2018, p. 13), “uma mesma medida pode ser usada em estudos comparativos de populações de diferentes idades na faixa de 18-59 anos, o que viabiliza estudos longitudinais e amplia o escopo de estudos transversais”. Os critérios de inclusão foram ter 18 anos ou mais e ser estudante de psicologia, independentemente do semestre, enquanto os critérios de exclusão foram não estar regularmente matriculado no curso de psicologia e não completar as sessões do THS.
Os instrumentos utilizados estão descritos a seguir.
Questionário de dados sociodemográficos. Instrumento desenvolvido especificamente para este estudo, o qual contém informações como sexo, idade, estado civil e renda familiar.
Inventário de Habilidades Sociais-2-Del-Prette (IHS-2-Del-Prette) (Del Prette & Del Prette, 2018). Trata-se da reedição do IHS-Del-Prette (Del Prette & Del Prette, 2001) e apresenta 38 itens que reúnem habilidades indispensáveis para relações satisfatórias e bem-sucedidas, podendo ser aplicado em população com idade de 18 a 59 anos. De acordo com o manual do instrumento, “a análise da estrutura fatorial reteve 30 itens, com carga fatorial > 0,29, com uma consistência interna excelente (α = 0,944)” (Del Prette & Del Prette, 2018, p. 37). Entretanto, os autores optaram por manter no caderno de aplicação os 38 itens da versão original do instrumento, com a mesma numeração, para que fossem possíveis estudos comparativos entre as diferentes versões. Apresenta uma estrutura de cinco fatores: fator 1 (F1) - conversação assertiva, voltado às habilidades relacionadas às situações de enfrentamento que tenham risco potencial de reação indesejável do outro (α = 0,934); fator 2 (F2) - abordagem afetivo-sexual, voltado às habilidades de expressão afetivas e sexuais (α = 0,774); fator 3 (F3) - expressão de sentimento positivo, relacionado às habilidades de expressão e manejo das demandas de afeto positivo frente familiares e demais pessoas (α = 0,894); fator 4 (F4) - autocontrole e enfrentamento, relativo às habilidades para manejo de situações que exijam autocontrole e enfrentamento, com risco do outro ter condutas indesejáveis (α = 0,840); e fator 5 (F5) - desenvoltura social, voltado ao conjunto de habilidades que envolvem desinibição e postura diante de interações sociais (α = 0,840).
Escala de Depressão, Ansiedade e Estresse (DASS-21) (Vignola & Tucci, 2014). Instrumento com 21 itens para rastreamento de sintomas de depressão, ansiedade e estresse. É formada por três subescalas do tipo Likert de 4 pontos, cuja frequência ou possibilidade de resposta estão organizadas em uma escala de 0 a 3 pontos: 0 - não se aplicou de maneira alguma; 1 - aplicou-se em algum grau, ou por pouco tempo; 2 - aplicou-se em algum grau considerável, ou por boa parte do tempo; e 3 - aplicou-se muito, ou na maioria do tempo. Os escores dos participantes foram classificados com base nos pontos de corte propostos por Lovibond e Lovibond (2004): mínimo (depressão ≤ 13 pontos; ansiedade ≤ 9 pontos; estresse ≤ 18 pontos), moderado (depressão entre 14 e 20 pontos; ansiedade entre 10 e 14 pontos; estresse entre 19 e 25 pontos) e severo (depressão ≥ 21 pontos; ansiedade ≥ 15 pontos; estresse ≥ 26 pontos). Os valores do alfa de Cronbach foram, respectivamente, de α = 0,92 para a depressão, α = 0,86 para a ansiedade, α = 0,90 para o estresse.
PROCEDIMENTOS
Entrou-se em contato com a instituição de ensino superior e apresentou-se o projeto, o qual foi aprovado para execução. Logo após, o estudo foi submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da Atitus Educação e obteve a aprovação sob CAEE 73085617.1.0000.5319.
O primeiro contato com os estudantes realizado pela pesquisadora ocorreu em sala de aula. Na ocasião, foram explicados os objetivos do estudo e convidados os interessados a participarem, informando a data do encontro, horário e número da sala localizada na própria instituição. No primeiro encontro, os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), de acordo com as Diretrizes e Normas Regulamentadoras de Pesquisas Envolvendo Seres Humanos (Resolução n. 466 (2012) e n. 510 (2016), e foi aplicado o protocolo de avaliação pré-intervenção, realizando o levantamento das necessidades de treinamento.
O THS ocorreu em 10 encontros, com frequência semanal e duração de 60 minutos, sendo que o protocolo de avaliação foi aplicado no primeiro e no último encontro. O desenvolvimento das atividades foi realizado pela pesquisadora e uma auxiliar de pesquisa previamente treinada. De acordo com a literatura, no que se refere ao número de participantes do THS, não há consenso, mas indica-se de três a 15 indivíduos, em encontros semanais, sugerindo-se que a duração seja de, no mínimo, 30 minutos a, no máximo, 150 minutos (Caballo, 2018; Del Prette & Dell Prette, 2017).
O THS foi embasado nas sugestões da literatura e os encontros foram elaborados com a seguinte sequência: apresentação do tema a ser abordado, com parte teórica e explicativa, vivência com participação ativa de todos os participantes, feedback do grupo sobre o tema e plano de ação com atividades para realizar em casa (Del Prette & Del Prette, 2017). No início de cada encontro, foi realizada a verificação do plano de ação, com as atividades realizadas entre as sessões, para, posteriormente, iniciar a temática a ser trabalhada no dia. A descrição dos temas, conteúdos e atividades desenvolvidas estão descritos na Tabela 1.
Encontros | Tema | Atividade | Plano de ação/tarefa |
---|---|---|---|
1º | Avaliação pré-intervenção | Explicação dos objetivos Aplicação do protocolo |
Não foi proposta atividade |
2º | Contrato grupal O que são HS |
Apresentação e integração dos participantes | Não foi proposta atividade |
3º | Ansiedade, sintomas de ansiedade, ciclo da ansiedade | Situação que tenha desencadeado ansiedade | Eleger situação geradora de ansiedade Ficha de automonitoramento de ansiedade/régua |
4º | Verificação da tarefa Comunicação verbal e não verbal |
Dar e receber elogios | Eleger pessoa e dar um elogio sincero diário Automonitoramento de ansiedade/régua |
5º | Verificação da tarefa Principais comportamentos |
Identificar o comportamento assertivo, agressivo ou passivo | Praticar respostas assertivas durante a semana e anotá-las |
6º | Verificação da tarefa O que é empatia |
Em duplas: falar uma situação difícil; o colega deve ter atitude empática; trocar papéis | Demonstrar empatia a uma pessoa amiga ou familiar e registrar |
7º | Verificação da tarefa Dar e pedir feedback |
Dois grupos: vivencial (GV) e observação (GO) | Escolher uma pessoa e dar feedback a ela |
8º | Verificação da tarefa Direitos humanos e interpessoais Fazer pedidos e/ou recusar pedidos |
Lista dos direitos humanos: escolher um direito, não aplicado a si ou difícil de aceitar; dividir em dois grupos: criar três pedidos razoáveis e três não razoáveis um para o outro | Escolher uma situação e dizer “não” de forma assertiva |
9º | Verificação da tarefa Resolução de problemas e tomada de decisões |
Dois grupos: GO e GV com coordenador e relator. O GO faz observações e o GV analisa/encaminha solução ao problema; depois, inverte-se os papéis | Problema interpessoal: anotar duas formas de resolução; escolher e aplicar uma delas, avaliar se foi efetiva e porquê |
10º | Verificação da tarefa Aplicação do protocolo pós-intervenção |
Avaliação Encerramento com feedback |
Não foi proposta atividade |
Os dados foram analisados por meio de estatística descritiva (média, desvio padrão e percentual) e inferencial. A normalidade dos dados foi verificada por meio do teste de Kolmogorov-Smirnov e a comparação pré e pós-intervenção para os escores do IHS-2-Del-Prette e da DASS-21 foi realizada a partir do Teste Wilcoxon e, para as variáveis categóricas, o teste McNemar. O programa estatístico utilizado foi o SPSS versão 23.
RESULTADOS
Da amostra total de estudantes de psicologia (n =18) que participaram do THS, a maioria era solteira, vivia com os pais, exercia atividade remunerada e tinha renda familiar mensal acima de três salários mínimos. A caracterização da amostra encontra-se ilustrada de forma mais detalhada na Tabela 2.
Variáveis | n | % |
---|---|---|
Estado civil | ||
Solteiro(a) | 14 | 77,8 |
Casado(a)/união estável | 3 | 16,7 |
Separado(a)/divorciado(a) | 1 | 5,6 |
Com quem vive | ||
Pais | 11 | 61,1 |
Companheiro(a) | 4 | 22,2 |
Sozinho(a) | 1 | 5,6 |
Outros | 2 | 11,1 |
Atividade remunerada | ||
Sim | 11 | 61,1 |
Não | 7 | 38,9 |
Renda familiar | ||
Um salário mínimo | 2 | 11,1 |
Dois a três salários mínimos | 3 | 16,7 |
Acima de três salários mínimos | 13 | 72,2 |
Em relação aos resultados obtidos com o IHS-2-Del-Prette, os achados mostraram que todos os fatores e o escore total apresentaram médias maiores na pós-intervenção, embora a diferença não tenha sido significativa. Os resultados estão descritos na Tabela 3.
Pré | Pós | p | |||
---|---|---|---|---|---|
M | DP | M | DP | ||
Escore total | 74,28 | 15,25 | 79,28 | 14,19 | 0,205 |
F1 - Conversação assertiva | 33,94 | 7,21 | 37,83 | 7,96 | 0,093 |
F2 - Abordagem afetivo-sexual | 6,44 | 2,62 | 6,61 | 2,15 | 0,983 |
F3 - Expressão de sentimento positivo | 22,06 | 5,62 | 23,72 | 3,79 | 0,147 |
F4 - Autocontrole e enfrentamento | 10,72 | 3,32 | 11,56 | 2,79 | 0,165 |
F5 - Desenvoltura social | 13,39 | 5,02 | 15,33 | 4,24 | 0,072 |
Nota. Comparação entre grupos a partir do Teste Wilcoxon.
Em relação à aplicação da DASS-21, constatou-se significativa redução, pré e pós-intervenção, nos escores referentes aos sintomas depressivos e de ansiedade (Tabela 4). Ainda, verificou-se que antes da intervenção, 50,0% (n = 9) dos participantes apresentaram sintomas classificados entre moderado e severo para depressão, 55,6% (n = 10) para ansiedade e 50,0% (n = 9) para estresse. Já no pós-intervenção, os percentuais foram, respectivamente, 27,8% (n = 5), 11,2% (n = 2) e 5,6% (n = 1). Nesse sentido, houve menor prevalência ao final do THS, em comparação com o início, de sintomas classificados como moderados e severos referentes à ansiedade (p = 0,008) e ao estresse (p = 0,008).
Discussão
O objetivo deste estudo foi desenvolver uma intervenção em grupo de treinamento em habilidades sociais, avaliando o repertório de habilidades sociais em estudantes de psicologia, além de identificar a presença de sintomas depressivos, ansiedade e estresse. Na aplicação do IHS-2-Del-Prette, constatou-se que o escore total e todos os fatores apresentaram diferenças na comparação dos dados pré e pós-intervenção, com aumento das médias após a realização do THS, embora essas diferenças não tenham sido significativas. Tal achado evidencia que a intervenção propiciou discreta melhora no repertório comportamental de HS nos participantes, com destaque para o F1, dimensão da conversação assertiva, voltada às situações de enfrentamento, saber expressar suas ideias de forma adequada e respeitar a ideia das pessoas, mesmo com o risco de uma possível reação indesejável do outro.
Na sequência, foi identificado aumento da média em algumas dimensões, entre elas, destacam-se: desenvoltura social (F5), relativa às habilidades que envolvam desinibição e postura frente a interações sociais; expressão de sentimento positivo (F3), que diz respeito à expressão e ao manejo das demandas de afeto positivo diante de familiares e demais pessoas; e autocontrole e enfrentamento (F4), relativo às habilidades para manejo de situações que exijam autocontrole e enfrentamento, com risco de o outro ter condutas indesejáveis.
Já a dimensão abordagem afetivo-sexual (F2), que identifica o repertório do respondente frente ao conjunto de habilidades que envolvem desinibição e postura nas interações sociais, foi a que obteve menor diferença na média pré e pós-intervenção. O escore no IHS-2- Del-Prette está relacionado às habilidades de elogiar familiares e demais pessoas, demonstrar sentimentos positivos, agradecer elogios, defender outra pessoa em um grupo e participar de conversas corriqueiras.
Na comparação dos resultados da DASS-21 pré e pós-intervenção, foi encontrada significativa redução na intensidade dos sintomas de ansiedade e de estresse, indicando que o THS propiciou diminuição expressiva nesses sintomas, além da redução do escore da subescala de sintomas depressivos. Os achados da presença de ansiedade, depressão e estresse neste estudo vão ao encontro dos estudos de Fogaça et al. (2022), que identificaram nível de severidade moderada de ansiedade em acadêmicos de psicologia, e de Bastos et al. (2024), que apontaram sintomas de depressão e confirmaram a associação entre ansiedade, estresse e sintomatologia depressiva em estudantes universitários.
Os achados mostraram que o THS pode ser uma intervenção voltada ao desenvolvimento das relações interpessoais e trata-se de uma ferramenta imprescindível para a formação de profissionais na área da saúde mental, instrumentalizando-os na melhora da sua competência social. É relevante considerar que já há evidências científicas suficientes de que um repertório limitado de HS em universitários pode estar associado a dificuldades relacionadas à presença de sintomas de ansiedade (Bolsoni-Silva & Fogaça, 2018; Gouveia & Polydoro, 2020; Soares et al., 2019). Dessa forma, mesmo que o THS do presente estudo não tenha indicado diferenças estatisticamente significativas no IHS-2-Del-Prette após a intervenção, o aumento nas médias dos escores pode indicar melhorias qualitativas das relações interpessoais e aumento da qualidade de vida dos indivíduos nas HS dos estudantes, o que pode ter consequências positivas em suas interações sociais e bem-estar psicológico.
Os resultados encontrados podem ser compreendidos à luz da literatura, visto que inúmeros estudos tiveram achados semelhantes (Lopes et al., 2017; Santos & Soares, 2018; Wagner et al., 2019), com o uso do IHS-Del-Prette em sua primeira versão. Ao encontro do presente estudo, Lopes et al. (2017) constataram ganhos no escore total de HS do PRODIP, considerando-se a avaliação positiva com manutenção de follow-up de três meses após o final do treinamento. Santos e Soares (2018) também encontraram repertório de HS deficitário em alunos de psicologia, em especial na autoafirmação de expressão de sentimento positivo, embora tenham conseguido escores maiores em habilidades para resolução de problemas.
Com relação aos sintomas clínicos de depressão, ansiedade e estresse, há poucos relatos na literatura que buscaram investigar se um THS promoveria redução de sintomas psicopatológicos em estudantes de graduação, observando-se, contudo, maior prevalência de estudos cujo objetivo é verificar a associação entre HS e sintomas de ansiedade, depressão e estresse (Pinheiro-Carozzo et al., 2020). Nesse contexto, Bastos et al. (2024) encontraram sintomas de depressão em 46,23% dos universitários primeiranistas participantes de seu estudo, confirmando os achados de Zancan et al. (2021). A investigação de Fogaça (2022) trouxe contribuições importantes, fortalecendo a hipótese de que acadêmicos com sintomas clínicos de depressão mostram menor repertório de HS. Da mesma forma, Amaral et al. (2023) confirmaram a associação de déficits em HS e sintomas depressivos em diferentes faixas etárias.
Ao considerar especificamente o THS, a intervenção pode ter favorecido a redução dos sintomas psicopatológicos por meio de vários mecanismos inter-relacionados. O THS incluiu técnicas de relaxamento, comunicação assertiva e resolução de conflitos, que capacitam os estudantes a lidarem de maneira mais eficaz com situações estressantes e desafiadoras. Ao aprender estratégias para expressar seus pensamentos e sentimentos de forma clara e assertiva, os estudantes podem reduzir a ansiedade relacionada à comunicação interpessoal e aumentar sua autoconfiança nas interações sociais (Sousa & Padovani, 2021).
Além disso, o THS enfocou o desenvolvimento da empatia e de habilidades de escuta ativa, o que pode ter contribuído para a melhora da qualidade dos relacionamentos interpessoais dos estudantes. Ao se tornarem mais proficientes em entender e responder às emoções dos outros, podem experimentar maior sensação de conexão e apoio social, o que pode atenuar os sintomas de depressão e de ansiedade. Além disso, o aumento da autoconsciência e da autorregulação emocional que acompanha o THS pode ajudá-los a melhor identificar e gerenciar os gatilhos emocionais que contribuem para o estresse e a ansiedade (Pellisson & Boruchovitch, 2022).
A psicologia, como disciplina e profissão, demanda uma compreensão profunda das emoções e do comportamento humano, e é vital que os estudantes desenvolvam um repertório adequado de HS para lidar com desafios interpessoais e situações estressantes (Editor, 2016). Dessa forma, o THS demonstrou ser uma ferramenta eficaz na promoção do bem-estar psicológico desses estudantes, capacitando-os a lidar de forma mais adaptativa com as pressões do ambiente acadêmico e do futuro trabalho como profissionais da área.
No entanto, é importante ressaltar a necessidade de investigações mais aprofundadas que compreendam os mecanismos subjacentes a essa melhora observada. Há carência de estudos que explorem não apenas os efeitos imediatos das intervenções em HS, mas também que considerem o seu impacto em longo prazo na saúde mental e no desempenho acadêmico e profissional dos estudantes de psicologia (Suyo-Vega et al., 2022). Além disso, considerando a crescente demanda por intervenções eficazes no campo da saúde mental, a implementação de programas como o THS em outras áreas acadêmicas e profissionais pode ser uma estratégia promissora para promover o bem-estar geral e a resiliência em diferentes contextos.
Os programas de THS têm se mostrado eficientes e benéficos aos participantes. A literatura pesquisada corrobora os resultados encontrados nesta pesquisa, apontando o aumento do repertório de HS com diminuições nos níveis de ansiedade e depressão (Moretto & Bolsoni-Silva, 2019; Santana et al., 2022; Wagner, 2019), bem como redução considerável nos níveis de estresse entre os participantes após a intervenção de THS (Nazar et al., 2020).
CONSIDERAçõES FINAIS
As HS e o THS têm sido estudados em diferentes contextos. O objetivo deste estudo foi desenvolver uma intervenção em grupo de THS com avaliação pré e pós-teste, aferindo o repertório de HS em estudantes de psicologia, além da presença de sintomas depressivos, de ansiedade e de estresse. Os achados apontaram aumento do repertório de HS dos participantes, bem como diminuição dos sintomas de depressão, de ansiedade e de estresse, sendo uma importante ferramenta a ser utilizada na prevenção e na redução de sintomas clínicos.
Verificou-se que o THS pode acarretar benefícios para os estudantes, melhorando o seu repertório de habilidades, o que pode refletir em melhor performance acadêmica, visto que o relacionamento interpessoal é primordial tanto para a formação do psicólogo quanto para o desempenho de suas atividades profissionais, nos quais o contato com outras pessoas é constante e imprescindível para o exercício da função. O aumento do repertório comportamental social dos estudantes pode contribuir para a melhora da interação com colegas e professores e, consequentemente, lhes permitir ampliar a sua rede de relações interpessoais, sugerindo que ter um bom repertório de HS pode ser um fator protetivo ao adoecimento mental no ensino superior.
Como limitações encontradas, foram investigados estudantes de uma área específica, de uma única instituição e região do Brasil, bem como o número pequeno de participantes e o fato de apenas um grupo ter sido avaliado, sem um grupo-controle. Dessa forma, sugere-se novas investigações com outras metodologias, com a replicação desse formato de intervenção em grupo de THS em estudantes de outras áreas, de diferentes instituições e distintas regiões do país, utilizando-se de grupos-controle para comparar os achados e tornar os resultados mais robustos.