As instituições de ensino superior estão desempenhando um papel crescente na promoção da saúde mental de indivíduos e grupos, especialmente diante do avanço acelerado das tecnologias e do conhecimento científico. O ambiente acadêmico é um espaço que gera impactos protetivos, mas também riscos para a saúde física e mental das pessoas (Oliveira et al., 2023). Cursar uma faculdade e construir um repertório diferenciado de habilidades técnicas e relacionais pode representar um grande passo para o jovem ingressar no mercado de trabalho e fortalecer seu senso de autoestima e autoeficácia. Por sua vez, estudar em uma universidade acarreta transformações na vida do académico, gerando novas experiências, dificuldades e até riscos de desenvolver sintomas de depressão, ansiedade e estresse (Beneton et al., 2021 ; Lopes et al., 2022). Dados da literatura indicam que a qualidade da adaptação à universidade é um critério importante e fundamental para uma boa saúde mental (Sahão & Kienen, 2021).
O ingresso na universidade é potencialmente estressante pois é uma fase repleta de desafios, conflitos e dificuldades relacionados não só às exigências de atividades acadêmicas, mas também a relacionamentos interpessoais e sociais, à própria formação da identidade e ao desenvolvimento de competências para o futuro profissional (Babicka-Wirkus et al., 2021 ; Pinto et al., 2023). Algumas características do ambiente universitário podem influenciar de forma positiva na adaptação do estudante, como rede de apoio com pares, professores e formação de novas amizades. Oportunidades de envolvimento em atividades extraclasses e ações institucionais de integração e infraestrutura auxiliam na adaptação a esse novo contexto (Sahão & Kienen, 2021).
Por contraste, o ambiente universitário é menos estruturado e supervisionado em comparação com o ambiente escolar. Isso implica uma demanda maior por autonomia e responsabilidade por parte dos jovens, especialmente no que diz respeito a gestão do tempo, processo de aprendizado, definição de metas e formação pessoal (Andriola & Araújo, 2021 ; Fogaça et al., 2022). Cada pessoa percebe esse desafio de forma diferente, com base em suas experiências, capacidades e características. Quanto mais mudanças a transição para o ensino superior acarretar na vida do indivíduo, mais adaptações serão necessárias (Sahão & Kienen, 2021) e nem sempre as universidades oferecem apoio aos que ingressam na graduação (Bolsoni-Silva et al., 2009).
A qualidade do ensino e da aprendizagem é o foco nas instituições, mas considerar a saúde como um eixo central dessa dinâmica formativa é um desafio a ser explorado. Assim, se torna imperativa a criação de espaços e intervenções que auxiliem na superação dessas dificuldades e proporcionem melhor adaptação a esse contexto com vivências acadêmicas alicerçadas no bem-estar e que possam, inclusive, reduzir gastos em saúde pública (January et al., 2018; Oliveira et al., 2023). Na posição de destaque que a instituição acadêmica ocupa, seria importante que existisse um investimento não só nas qualificações técnica e científica, mas também na promoção da saúde, visando ao desenvolvimento humano. A universidade carrega a responsabilidade ética de promover para o estudante e, por meio dele, a saúde de modo integral (Ferreira et al., 2018).
Considerando esse panorama, o treinamento em habilidades sociais (THS) tem sido alvo de estudos que o concebem como ferramenta facilitadora no processo de adaptação académica e como fator protetivo aos estudantes (Bortolatto et al., 2021; Carvalho et al., 2021). As habilidades sociais (HS) referem-se a um conjunto de comportamentos, em determinado contexto interpessoal, que expressa sentimentos, atitudes, desejos, opiniões e direitos de maneira adequada às circunstâncias (Caballo, 2018). Esses comportamentos são dotados de valor pela cultura do indivíduo, e sua reprodução aumenta a probabilidade de desfechos favoráveis para o sujeito e sua comunidade, constituindo-se, assim, como uma ferramenta facilitadora para o desempenho eficaz de tarefas (Del Prette & Del Prette, 2017).
O repertório deficitário de HS pode gerar problemas psicológicos para os estudantes, como redução na percepção de autoestima e autoeficácia, aumento da ansiedade, prejuízo no desempenho social e impacto na permanência e evasão académica (Bortolatto et al., 2021 ; Bortolatto, Kronbauer et al. 2022; Carvalho et al., 2021). Nesse contexto, a aquisição de HS ocorre conforme a necessidade e os obstáculos a serem enfrentados, ou seja, na medida em que novas dificuldades vão surgindo, o indivíduo precisa se adaptar à situação por si mesmo. Contudo, nem todas as pessoas conseguem aumentar seus repertórios sociais sozinhas, o que causa problemas e desamparo. Nesses casos, as vivências académicas não proporcionam uma boa qualidade de vida, o nível de estresse e a taxa de transtornos depressivos são potencializados e o rendimento acadêmico sofre interferência negativa (Bolsoni-Silva et al., 2009; Padovani et al., 2014).
O THS é considerado uma prática baseada em evidências e uma possibilidade que pode melhorar a qualidade de vida (Carvalho et al., 2021; Souza et al., 2018). Conhecer o repertório de HS e fazer um levantamento de necessidades de treinamento (Caballo, 2018) pode repercutir em práticas que previnam os adoecimentos e potencializem a adaptação acadêmica. Uma revisão sistemática sobre THS em estudantes de graduação encontrou melhora no repertório de HS dos participantes dos 13 estudos incluídos (Lessa et ai., 2022). Assim, diante dessas reflexões e frente às evidências de dificuldades sociais vivenciadas por tantos estudantes, este artigo tem como objetivo apresentar os resultados preliminares de um protocolo de THS para universitários desenvolvido a partir de um levantamento de necessidades e aplicado em 13 discentes. Estima-se que o protocolo utilizado neste estudo poderá servir de base para ações no campo das interações sociais em outras instituições de ensino superior.
MÉTODO
Trata-se de uma pesquisa aplicada, de delineamento explicativo, pré-experimental (intragrupo), com avaliações pré e pós-intervenção. No presente estudo, a variável independente foi o THS e a variável dependente de desfecho primário foram as HS e desfecho secundário foram os níveis de fobia social e de sintomas de depressão, ansiedade e estresse.
PARTICIPANTES
Foram convidados a participar do levantamento de necessidades e interesse na intervenção de THS estudantes regularmente matriculados nos cursos de graduação de uma universidade federal do Sul do País. A intervenção e o link para as respostas na etapa do levantamento foram divulgados nas páginas de notícias da universidade e diretamente nos e-mails institucionais dos alunos. Durante os 30 dias em que o link ficou disponível, 387 estudantes responderam aos instrumentos de avaliação de sintomas e informaram que gostariam de participar de umTHS. Destes, 216 foram excluídos apartir dos critérios estabelecidos: ter diagnóstico de transtorno mental autorrelatado, fazer uso de algum medicamento psiquiátrico, ter feito ou estar em psicoterapia.
Após a triagem inicial, 30 pessoas foram sorteadas para receber a intervenção entre os 171 universitários que preencheram os critérios de inclusão (para os não sorteados, a intervenção seria oferecida posteriormente como projeto de extensão caso os resultados fossem positivos). Dessa forma, 30 participantes realizaram a avaliação pré-intervenção e iniciaram o treinamento - 15 em cada grupo (mesma intervenção, dois grupos para não extrapolar as 15 pessoas por grupo sugeridas em intervenções nessa modalidade). Dos 30 participantes, 17 finalizaram a intervenção e responderam à avaliação pósgrupo, mas considerando o critério de 100% de frequência (participação nos nove encontros), apenas 13 universitários foram computados para as análises de efeitos preliminares da intervenção. Por questões éticas, após a pesquisa, a intervenção será oferecida como projeto de extensão na universidade.
INSTRUMENTOS
Os instrumentos utilizados foram entrevistas semiestruturadas, o Inventário de Habilidades Sociais 2 (IHS2-Del-Prette), a Escala de Fobia Social de Liebowitz - versão autoaplicável (LSAS-SR) e a Escala de Depressão, Ansiedade e Estresse (DASS-21). Na entrevista semiestruturada prégrupo, o objetivo foi receber os universitários e coletar dados sobre queixas, necessidades e expectativas. Na avaliação pós-grupo, buscou-se analisar o aprendizado das habilidades e as sugestões de melhoria para o THS.
O IHS2-Del-Prette (Del Prette & Del Prette, 2018) é um instrumento que tem como objetivo caracterizar o desempenho social de indivíduos de 18 a 59 anos em diferentes situações cotidianas, ou seja, medir o repertório de HS. É composto por 38 itens que apresentam ações e sentimentos frente a determinadas situações. Os itens são divididos em cinco fatores: conversação assertiva (F1 ), abordagem afetivo-sexual (F2), expressão de sentimento positivo (F3), autocontrole/ enfrentamento (F4) e desenvoltura social (F5). Os estudos psicométricos do instrumento apontam boa consistência interna, apresentando alfas de Cronbach adequados tanto no escore geral quanto nos cinco fatores (0,944; 0,934; 0,774; 0,894; 0,840; 0,840, respectivamente). A frequência, o quanto o indivíduo reage para cada item, é assinalada por meio de uma escala tipo Likert de 5 pontos. Os resultados são classificados em termos de percentis em relação a sexo e faixa etária da seguinte forma: repertório inferior de HS (1-25), médio inferior (26-35), médio (36-65), elaborado (66-75) e altamente elaborado (76-100).
A LSAS é um instrumento considerado padrão-ouro para avaliação do transtorno de ansiedade social (TAS) (Liebowitz, 1987), medindo ansiedade e desempenho em situações que envolvem interações sociais. Consiste em 24 itens divididos em duas categorias: medo/ansiedade e evitação, contabilizados em uma escala Likert de 4 pontos, sendo 0 - nenhum/nunca e 3 -profundo/geralmente. Os resultados são apresentados em sete categorias: escore total (que indica sintomas de TAS), ansiedade/ medo de interação social, ansiedade/medo de desempenho, medo/ansiedade total, evitação de interação social, evitação de desempenho e evitação total. Para a população brasileira, a nota de corte para sintomas de TAS é 32 pontos.
A DASS-21 consiste em um instrumento de rastreio e mapeamento para sintomas de ansiedade, depressão e estresse que foi adaptado para uso no Brasil (Vignola &Tucci, 2014). É composta por 21 itens em escala Likert de 4 pontos, considerando 0 como não se aplicou de maneira alguma e 3 como aplicou-se muito ou na maior parte do tempo. Os resultados são classificados como normal, leve, moderado, severo ou extremo para cada grupo de sintomas avaliados.
PROTOCOLO DE INTERVENÇÃO
O protocolo foi desenvolvido para aplicação em nove encontros, de frequência semanal, com base na terapia cognitiva, para trabalhar os temas: 1) habilidades sociais e ansiedade; 2) identificação e expressão de sentimentos e emoções; 3) assertividade; 4) manejo da raiva; 5) defesa dos próprios direitos e empatia; 6) comunicação; 7) falar em público; 8) solução de problemas; 9) revisão e prevenção de recaída. Aversão detalhada do protocolo, que inclui objetivos e procedimentos realizados em cada sessão, está publicada em revista científica com acesso aberto (Bortolatto, Wagner et ai., 2022).
PROCEDIMENTOS
O presente estudo foi conduzido de acordo com os princípios do Conselho Nacional de Saúde, com base nas resoluções nº 466 (2012) e nº 510 (2016). A realização da pesquisa foi iniciada somente após aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da Universidade Federal de Santa Catarina (CEPSH/UFSC, Parecer de aprovação nº 3.050.675; CAAE: 02209418.8.0000.0121).
Os universitários contemplados no sorteio foram contatados via e-mail e WhatsApp. No contato, foram explicados os aspectos básicos sobre o treinamento e as datas dos encontros e agendada a avaliação pré-intervenção. A avaliação foi realizada em grupos de no máximo cinco pessoas nas dependências da universidade. Nesse encontro preliminar, a apresentação da equipe que conduziria o grupo foi feita, bem como uma entrevista semiestruturada com o objetivo de investigar a motivação e as expectativas para a participação no grupo. Na sequência, foi realizada uma breve apresentação explicando o funcionamento, as regras e os temas do THS, seguidas da aplicação dos instrumentos.
A intervenção ocorreu em dois grupos paralelos, um no turno vespertino e outro no período noturno, ambos coordenados pelas mesmas terapeuta e coterapeuta. Após a finalização da intervenção, os instrumentos foram reaplicados, assim como a entrevista semiestruturada. Esses procedimentos foram realizados imediatamente após a última sessão do THS por uma voluntária da pesquisa devidamente treinada para minimizar o viés de desejabilidade social.
Os dados foram tratados com o auxílio do programa Excel e do software Statistical Package for Social Science for Windows (SPSS), versão 21.0. Para as variáveis sociodemográficas e de curso, foi utilizada estatística descritiva apresentando os dados em termos de média, desvio padrão e frequência. Para investigar a eficácia do THS, foi utilizado o teste t pareado, que fez a comparação das médias dos participantes antes e depois da intervenção. O nível de significância utilizado foi de 95% (p < 0,05).
RESULTADOS
Para análise do efeito preliminar do protocolo, foram computados 13 universitários que tiveram 100% de frequência na intervenção, sendo sete mulheres e seis homens, com média de 21,77 anos (DP = 3,75), sendo a idade mínima 18 anos e a idade máxima, 29 anos. Os participantes cursavam entre a 1ª e a 10ª fase de cursos da área da saúde, exatas e humanas, com maior participação de pessoas das fases iniciais, da 1ª a 5ª (n = 11).
A análise realizada a partir dos percentis do IHS2-Del-Prette, comparando as HS dos participantes antes e depois do THS, apontou diferença significativa no escore total (t(12) = 3,82; p = 0,002), sendo que a média dos percentis no pós-teste (m = 47,31; DP = 27,74) foi maior do que no pré-teste (m = 22,38; DP = 21,35), subindo duas categorias na classificação, de inferior para bom. Ou seja, houve melhora na média do repertório de HS dos participantes após receberem a intervenção. Os resultados do IHS2-Del-Prette total estão apresentados na Figura 1.

Figura 1 Comparação do escore total em percentil dos participantes no IHS2-Del-Prette antes e após o treinamento em habilidades sociais.
Também houve diferença significativa em todos os fatores do IHS2-Del-Prette, sendo maior a média de HS do grupo após o THS. Os resultados de cada fator estão apresentados na Tabela 1.
Tabela 1 Resultados da média do grupo nos fatores do IHS2-Del-Prette pré e pós-intervenção.
Fator | Classifcação antes do THS média e DP | Classifcação após o THS média e DP | Valor de t Valor de p |
---|---|---|---|
F1. Conversação assertiva | Média inferior m = 27,54 (DP = 25,04) | Boa m = 46,31 (DP = 24,68) | t = 3,49 p = 0,004 |
F2. Abordagem afetivo-sexual | Boa m = 41,62 (DP = 33,73) | Boa m = 50,85 (DP = 34,50) | t = 2,21 p = 0,048 |
F3. Expressão de sentimento positivo | Inferior m = 17,54 (DP = 12,85) | Média m = 39,77 (DP = 26,41) | t = 3,33 p = 0,006 |
F4. Autocontrole/enfrentamento | Média inferior m = 31,46 (DP = 25,60) | Bom m = 55,00 (DP = 26,30) | t = 3,00 p = 0,011 |
F5. Desenvoltura social | Inferior m = 21,85 (DP = 23,54) | Bom m = 41,15 (DP = 31,03) | t = 2,70 p = 0,019 |
Nota: m = média; DP = desvio padrão; p considerado significativo quando < 0,05.
Em relação à LSAS-SR, a análise estatística revelou diferença significativa (p < 0,05) em todos os escores analisados por dimensão e pelo escore total, conforme mostra a Tabela 2. Considerando 32 pontos como nota de corte para sintomas de TAS, verifica-se que a média dos 13 participantes antes da intervenção indicava escore sugestivo de TAS (35 pontos para o escore total de ansiedade ou medo e 33,31 para o escore total de evitação) e, após a inter venção, a média ficou abaixo desse ponto de cor te (24,77 pontos para o escore total de ansiedade ou medo e 25,38 para o escore total de evitação), passando da categoria subclínica para a não clínica.
Tabela 2 Médias e desvios padrão dos participantes nos escores da LSAS-SR antes e após o treinamento em habilidades sociais.
Itens da LSAS-SR | m 1 | DP 1 | m 2 | DP 2 | p |
---|---|---|---|---|---|
Ansiedade ou medo de desempenho | 17,62 | 6,69 | 12 | 5,37 | 0,001 |
Ansiedade de interação social | 17,38 | 5,22 | 12,77 | 5,85 | 0,002 |
Total de ansiedade ou medo | 35 | 10,61 | 24,77 | 10,96 | 0,0001 |
Evitação de desempenho | 16,46 | 7,28 | 11 | 6,14 | 0,001 |
Evitação de interação social | 16,85 | 5,68 | 14,38 | 6,97 | 0,043 |
Total de evitação | 33,31 | 11,53 | 25,38 | 12,44 | 0,001 |
Total geral | 68,31 | 20,45 | 50,15 | 19,05 | 0,0001 |
Nota. m 1 = média do grupo na avaliação pré-teste; DP 1 = desvio padrão do grupo na avaliação pré-teste; m 2 = média do grupo na avaliação pós-teste; DP 2 = desvio padrão do grupo na avaliação pós-teste.
Considerando os resultados provenientes da DASS-21, o teste t para amostras pareadas apontou diferença significativa importante nos escores de depressão (t(12) = 3,50; p = 0,004) e estresse (t(12) = 3,37; p = 0,006), sendo que a média dos escores no pós-teste para sintomas de depressão (m = 11,23; DP = 8,66) foi menor do que no pré-teste (m = 19,69; DP = 12,30), ocorrendo alteração da classificação de moderada para leve. Também houve mudança de classificação no domínio do estresse (m = 22,92; DP = 8,15 no pré-teste e m = 13,54; DP = 7,45 no pós-teste), passando de moderada para níveis normais. No escore de ansiedade, houve tendência à diferença (t(12) = 2,11; p = 0,056), com média no pós-teste (m = 6,31; DP = 4,31) menor que no pré-teste (m = 12; DP = 6,98).
Sobre a avaliação qualitativa que os participantes fizeram da intervenção, a maioria relatou que o THS foi importante na sua vida e que obtiveram grande aprendizado. Eles também apontaram que indicariam o THS para amigos e conhecidos e que as pessoas com quem convivem observaram diferença positiva nos seus comportamentos. Em relação ao conteúdo do THS, os encontros preferidos dos participantes foram: falar em público (n = 6), direitos humanos (n = 2) e assertividade (n = 2). As técnicas lembradas foram: técnica do sanduíche/fazer críticas (n = 8), distração (n = 7), relaxamento progressivo de Jacobson (n = 7), respiração diafragmática (n = 6), falar em público (n = 6), REPENSE/lidar com a raiva (n = 5), relaxamento passivo (n = 5), imagens calmantes (n = 3), resolução de problemas (n = 1) e entrada no céu (n = 1). Quanto às sugestões de melhoria, foi indicada continuação/ aprofundamento do programa (n = 3).
DISCUSSÃO
A avaliação do THS indicou que o protocolo de intervenção proposto demonstrou efeitos positivos na aquisição de HS, pois a maioria dos participantes neste estudo obteve benefícios significativos a partir do referido programa. A análise dos percentis do IHS2-Del-Prette indicou diferença significativa positiva em todos os fatores e escore geral, mesmo com um número pequeno de participantes (n = 13). Este resultado indicou mudança de categoria do repertório total de HS dos participantes de inferior para bom. As conclusões deste estudo corroboram as descobertas de outras pesquisas que avaliaram THS como uma intervenção em grupo eficaz para o desenvolvimento ou para o aprimoramento das HS (Bolsoni-Silva et al., 2009; Ferreira et al., 2014; Lopes et al., 2017), mas avança no sentido de que nenhum dos estudos anteriores encontrou diferença significativa no percentil do escore total e de todos os fatores do IHS2-Del-Prette. Isso indica que o protocolo desenvolvido neste estudo apresenta grande potencial, desde que replique estes resultados quando aplicado em ampla escala.
Além dos resultados positivos no desenvolvimento das HS, o protocolo teve impacto nos desfechos secundários mensurados. Houve redução significativa nos sintomas de depressão (classificação de moderada para leve) e estresse (moderado para nível normal) dos participantes, medidos pela DASS-21. Tais variáveis foram medidas considerando que já foi demonstrado que universitários são bastante vulneráveis a problemas de depressão, ansiedade e estresse (Ariño & Bardagi, 2018; Bolsoni-Silva & Loureiro, 2016; Lantyer et al., 2016; Sheldon et al., 2021), o que reforça que intervenções promotoras de saúde devem ser estimuladas nesse contexto.
Pesquisas indicam uma relação inversa entre depressão e HS (Bolsoni-Silva & Guerra, 2014; Schmitt et al., 2021), embora não estabeleçam uma conexão causal, mas de vulnerabilidade (Fernandes et al., 2012). Os autores sugerem que a falta de HS pode estar associada à depressão, tanto como um dos fatores causadores quanto como uma das características resultantes do transtorno (Bolsoni-Silva & Loureiro, 2016; Campos et al., 2018; Fernandes et al., 2012). Em outras palavras, a falta de HS pode aumentar a predisposição do estudante universitário ao desenvolvimento de depressão, ao passo que a presença da depressão pode dificultar sua capacidade de resolver problemas e enfrentar os desafios inerentes à vida acadêmica. Assim, embora o déficit de HS não seja o único fator de risco associado ao desenvolvimento de depressão, ter um repertório sólido de HS emerge como um elemento mediador de grande importância.
Tal como a depressão e a ansiedade, o estresse exerce considerável impacto na saúde dos indivíduos, sendo, por conseguinte, um aspecto digno de atenção. Originado do campo da física e posteriormente adaptado ao contexto da saúde, o estresse refere-se às respostas de um organismo diante de situações que demandam esforço para sua adaptação e restauração da homeostase (Pellegrini et al., 2012). A relação entre estresse e HS tem sido objeto de estudo em diversas populações (Lisboa, 2018). Esses estudos sugerem que o THS emerge como uma estratégia potencial para o desenvolvimento de habilidades de gerenciamento do estresse, uma vez que interações sociais mais satisfatórias estão associadas a níveis reduzidos desses sintomas (Pellegrini et al., 2012).
Os sintomas de ansiedade, medidos pela DASS-21, apresentaram tendência à redução após o THS do presente estudo. A ansiedade é uma experiência normal a todos os indivíduos, mas que se torna prejudicial quando em excesso. O indivíduo tende a senti-la frente a situações novas e adversas, e são necessárias habilidades para lidar com essas situações. Logo, ter um bom repertório de HS torna-se importante para manejar e reduzir o nível de ansiedade (Lantyer et al., 2016). Da mesma forma que ocorre com a depressão, a literatura tem identificado uma relação inversa entre a ansiedade e as HS (Angélico et al., 2012; Bolsoni-Silva & Loureiro, 2016; Bolsoni-Silva & Matsunaka, 2017; Fernandes et al., 2012), sendo que transtornos de ansiedade e depressão são os mais comuns entre universitários (Bolsoni-Silva & Matsunaka, 2017). Portanto, o THS, além de fomentar o desenvolvimento de HS, deve incorporar estratégias destinadas ao manejo e à redução da ansiedade nesse público específico (Bortolatto et al., 2021).
Com base nos resultados da LSAS-SR, observou-se uma diminuição significativa dos sintomas de ansiedade social no grupo examinado nesta pesquisa. Esse declínio levou o grupo a transitar da categoria subclínica para a não clínica. O TAS pode ser caracterizado por um receio intensificado em situações que demandam interação com outras pessoas ou em contextos nos quais há a possibilidade de avaliação de desempenho (Caballo, 2018). Para um indivíduo diagnosticado com esse transtorno, a circunstância mais apreensiva entre todas é a necessidade de falar em público. Outras situações geradoras de ansiedade incluem adentrar uma sala onde já haja outras pessoas, realizar atividades como comer, beber ou tocar um instrumento na presença de outros, bem como utilizar banheiros públicos (Angélico et al., 2012). Conforme a avaliação de indivíduos com TAS, observa-se que apresentam comprometimento na qualidade de vida e na saúde, uma vez que evitam situações geradoras de ansiedade. Além disso, manifestam uma variedade de sintomas físicos relacionados à ansiedade, incluindo desconforto gastrointestinal, tensão muscular e tremores. Esses sintomas, por sua vez, contribuem negativamente, impondo limitações significativas em sua vida. A adoção da estratégia disfuncional de evitar situações geradoras de ansiedade pode resultar em déficits nas HS e interferir negativamente na qualidade de suas relações interpessoais. Assim, o THS emerge como uma ferramenta crucial para auxiliar na gestão da ansiedade e do estresse, além de desenvolver estratégias de enfrentamento para as diversas situações temidas por esses indivíduos (Angélico et al., 2012; Nazar et al. 2020).
Por fim, no âmbito da intervenção, é fundamental para tratamentos psicológicos e avaliações de resultados contar com protocolos semiestruturados de HS, cuja adaptação deve considerar as necessidades específicas e variações culturais do público-alvo. Além disso, a utilização de instrumentos de avaliação confiáveis antes e depois da intervenção, bem como a análise das HS e de fatores associados, são aspectos relevantes que requerem padronização. A estrutura da terapia cognitivo-comportamental (TCC) compreende um conjunto de princípios teóricos interligados e técnicas que podem ser organizados em protocolos clínicos mais ou menos estruturados para diversos tratamentos psicológicos. Os protocolos baseados em evidências servem como guias práticos quando implementados por um terapeuta competente, capaz de adaptar a abordagem de acordo com as características específicas do grupo ou do paciente em questão (Kendall & Beidas, 2007).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
De modo geral, é possível concluir que a intervenção atingiu seu objetivo de forma satisfatória. Os resultados apresentados e discutidos evidenciam o efeito positivo do protocolo desenvolvido e o seu potencial para futuras aplicações em diferentes instituições de ensino superior. Contudo, os dados precisam ser interpretados com cautela devido a limitações como o pequeno número amostral, a ausência de grupo-controle e de avaliações de seguimento. Sugere-se que mais estudos avaliem a eficácia do protocolo de THS voltado a universitários em amostras maiores por meio de ensaios clínicos randomizados.