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Arquivos Brasileiros de Psicologia
On-line version ISSN 1809-5267
Arq. bras. psicol. vol.63 no.spe Rio de Janeiro 2011
ARTIGOS
Estagiários, vínculos e comprometimento com as organizações concedentes de estágio
Trainees, ties and commitment with organizations licensors of probation
Andresa Darosci Silva RibeiroI; Suzana da Rosa TolfoII
IDocente. Faculdades SENAC. Florianópolis. Santa Catarina. Brasil. andresa.darosci@gmail.com
IIDocente. Universidade Federal de Santa Catarina. Florianópolis. Santa Catarina. Brasil. srtolfo@yahoo.com.br
RESUMO
As transformações econômicas e sociais no capitalismo atual alteraram os contratos de trabalho. Um dos resultados é a expansão de modelos contratuais, como o contrato de estágio, que atinge as relações de trabalho e o vínculo organizacional dos trabalhadores. Nesta pesquisa, investigou-se o vínculo dos estagiários com as organizações concedentes de estágio, com base no comprometimento organizacional. Os participantes selecionados foram 22 estagiários ativos em organizações privadas articuladas a um Centro de Integração Empresa-Escola. Os dados desta pesquisa foram obtidos indiretamente, por meio de grupos focais e documentos. Os estagiários verbalizaram que se mantêm nas organizações de estágio por razões instrumentais como a possibilidade de remuneração e efetivação, o trabalho em ambientes agradáveis e o conhecimento adquirido. Os estagiários também se vinculam normativamente: cumprem as normas e realizam as atividades solicitadas para retribuir o que a organização fez ou faz por eles.
Palavras-chave: Comprometimento organizacional, Estágio, Universidade.
ABSTRACT
The social and economic changes in contemporary capitalism changed the employment contracts. One result is the expansion of contractual, as the apprenticeship contract, which affects labor relations and organizational ties of workers. The objective of this research was to characterize the commitment of trainees with organizations licensors of probation. Participants were 22 active trainees in private organizations articulated by a Company Integration Center School. The data were obtained indirectly, through focus groups and documents. The trainees expressed that remains in the organization of training for instrumental reasons, the possibility of reward and accomplishment, because they work in pleasant surroundings and the transfer of knowledge to them. However, the trainees undertake in order normative; meet standards and perform activities required to repay what the organization did or do for them.
Keywords: Organizational commitment, Trainees, University.
Introdução
Como se configuram os vínculos de comprometimento entre os estagiários e as organizações concedentes de estágio? Questionar se o estagiário identifica estágio como sinônimo de trabalho faz parte de questões que parecem pouco respondidas na literatura mas importantes de serem pesquisadas, pois o estágio é considerado parte da formação do estudante, para que este possa desenvolver atividades relacionadas à sua futura área de atuação profissional. O estágio é regido desde 2008 pela Lei 11.788/08 (2008) que o define como um processo educativo supervisionado de ensino e aprendizagem e que objetiva proporcionar aos alunos preparação e experiências voltadas ao trabalho. Ele tem um papel mediador entre o mundo acadêmico e empresarial, entretanto, os estudos encontrados até o momento têm se preocupado em pesquisar o estágio extracurricular e seus reflexos na formação dos administradores (Ceretta, Trevisan & Melo, 1996), o sistema de acompanhamento de estágio (Ostroski & Cosentino, 1996), as vantagens de se ter estagiários nas organizações (Amorim et al., 1994) e o papel do estágio na formação profissional (Silva, 1992). Com a nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (1996), o estágio de estudantes passou a ser conceituado de forma mais ampla. Por meio do estágio, o estudante deve exercer atividades formativas para sua aprendizagem profissional, social e cultural, desenvolver aspectos atitudinais relacionados ao atual mundo do trabalho, aplicar conceitos éticos e conhecer as alternativas para ser um cidadão que trabalha. O estágio também pressupõe abrir novas oportunidades de realização pessoal e perspectivas de empregabilidade, conforme a liturgia que rege o mercado de trabalho atual.
Os empresários brasileiros, seguindo a tendência das organizações na contratação de mão de obra, têm se utilizado do mecanismo de contratar estagiários como forma de reduzir custos, com o propósito declarado de melhorar a qualidade de seus produtos e "oxigenar" seus recursos humanos. Nessa perspectiva, o comprometimento é um constructo importante de ser considerado, pois repercute repercute diretamente nas questões ligadas à forma de contrato estabelecido entre estagiário e organização. Por meio de resultados de pesquisas na área da psicologia organizacional, pesquisadores têm constatado, nas últimas décadas, significativo interesse dos estudiosos (Bastos, 1992, 1994, 1997; Bastos & Fonseca, 2002, Becker, 1960; Meyer, Allen & Smith, 1993) em relação ao comprometimento das pessoas com o trabalho. Por meio da literatura, podemos identificar seis principais abordagens de pesquisa sobre as bases do comprometimento: afetiva, instrumental, normativa, sociológica, comportamental e afiliativa. Bastos (1997) afirma que compreender o que vincula um indivíduo ao seu trabalho e as implicações que tal vínculo tem para o indivíduo, para o trabalho e para as organizações, talvez possa ser considerada a questão básica subjacente à maioria dos esforços científicos do campo denominado comportamento organizacional.
O vínculo do indivíduo com o seu trabalho pode ser estudado por meio da sua relação com o emprego, com a equipe de trabalho, com a carreira ou a ocupação, com o sindicato e com a organização propriamente dita. Os vínculos são constructos1 que, na relação indivíduo-trabalho, se caracterizam pela possibilidade de gerar satisfação e envolvimento e que, em relação à organização, podem ser expressos por meio de quatro outros constructos: o comprometimento, as percepções de suporte, a reciprocidade e a justiça organizacional (Siqueira & Gomide Jr., 2004).
Dentre as formas de vínculo com a organização, o objeto de estudo desta pesquisa foi o comprometimento organizacional, com vistas a conhecer as formas que adquire para os estagiários em relação às organizações que concedem o estágio.
Estágio como integrador da formação acadêmica à prática profissional
Ao reconhecer o estágio como um vínculo formal educativo-profissionalizante, supervisionado e desenvolvido como parte do projeto pedagógico e do itinerário formativo do educando, as disposições da Lei 11.788, de 25 de setembro de 2008 (BRASIL, 2008), representam uma evolução na política de trabalho para os jovens no Brasil. O novo diploma legal pressupõe concepções educativas e de formação profissional que visam, oficialmente, a dotar o estagiário de uma ampla cobertura de direitos capazes de assegurar o exercício à cidadania e à democracia no ambiente de trabalho, de modo a contribuir para sua formação contínua. Via de regra, os estágios não têm se caracterizado por ampliar a inserção do estagiário como cidadão na organização, pois as vivências práticas do estágio apresentam um escopo que se limita a proporcionar ao educando a aplicação de parte das teorias e conhecimentos adquiridos na instituição de ensino, a partir de experiências em sua área específica de formação.
A definição do estágio como uma experiência de formação estruturada e como um marco fundamental na formação e preparação dos alunos para a entrada no mundo profissional tem sido uma noção largamente difundida entre os acadêmicos, agentes de integração, instituições de ensino e unidades concedentes (Alarcão, 1996; Caires & Almeida, 1997; Pires, 1998; Price, 1987; Ryan et al., 1996; Veale, 1989). Muito embora assim considerado pelos diferentes agentes envolvidos neste processo, poucos são os estudos e, consequentemente, as evidências empíricas que permitem corroborá-lo como conjunto de práticas que alcançam os resultados projetados (Turney, 1988).
O estágio tem uma função de articulação entre o "mundo" acadêmico e o das práticas e instituições sociais, entre elas, as organizações de trabalho. Na revisão da literatura, verifica-se uma escassez de estudos brasileiros sobre o tema. Silva (1992) pesquisou os estágios supervisionados e verificou que eles levavam o aluno a articular a prática com as teorias adquiridas e a trazer para escola o feedback das informações adquiridas, num contínuo movimento dialético de modo a transformar em ação os conceitos e aperfeiçoar as atividades intra e extra muros escolares.
Amorim et al. (1994) pesquisaram as vantagens de ter estagiários nas organizações com o propósito de analisar a influência da gestão das organizações sobre as características dos estágios oferecidos aos alunos do curso de Administração de Empresas. Os autores constataram que as atividades desenvolvidas nos estágios oferecidos não eram as esperadas pelos acadêmicos, pois a grande maioria delas exigia apenas o exercício de atividades de caráter meramente rotineiro e repetitivo, as quais não contribuíam efetivamente para a formação acadêmico-profissional dos futuros administradores. No estudo, foram destacados a natureza das organizações privadas e públicas ou estatais em relação às suas formas de gestão frente aos tipos de estágios curriculares e extracurriculares e os seus reflexos sobre categorias como desempenho acadêmico, reprovações, mudança de turno do curso, tipos de atividades exigidas, valor da bolsa de estágio, benefícios oferecidos, treinamento realizado com os alunos, entre outros. Os resultados da pesquisa mostraram a relevância do tema, o qual deve ser melhor discutido e avaliado pelos envolvidos no processo (universidades e agentes de integração), a fim de que as organizações não utilizem os estudantes como uma alternativa de baratear seus custos com a mão de obra, preocupação esta que também é compartilhada pelas autoras do artigo.
O estágio extracurricular, e seus reflexos na formação dos administradores, foi pesquisado por Ceretta, Melo e Trevisan (1996) com o objetivo de verificar as influências de sua realização na formação profissional do acadêmico do curso de Administração da UFSM/RS. Os autores verificaram que a grande maioria dos estágios ocorria no setor bancário, em atividades que apresentam pouca ou nenhuma influência no desenvolvimento gerencial de futuros profissionais em administração, ou seja, favoreciam apenas o desenvolvimento de habilidades operacionais, burocráticas e repetitivas. Esses fatores evidenciam a necessidade de se questionar os moldes em que os estágios estão sendo desenvolvidos, para buscar uma maior integração dos três elementos essenciais para este tipo de atividade - a organização, o estudante e a instituição de ensino - com vistas a que o estágio esteja de acordo com os seus objetivos fundamentais.
Em um estudo comparativo, Barros e Limongi-França (2004) analisaram a visão do estudante e das organizações com o objetivo de identificar os usos e abusos do trabalho dos estagiários sob os pontos de vista de ambos. De maneira geral, os resultados da pesquisa sugerem que a atividade de estágio serve como um instrumento de aprendizado e que as organizações e estudantes reconhecem sua importância para a formação profissional do administrador. Os estudantes demonstram interesse em complementar sua formação acadêmica e obter experiência profissional por meio do estágio antes de se graduarem, ao mesmo tempo em que procuram conciliar a faculdade com o trabalho. Para as organizações, o estágio é uma forma de investir em novos talentos, adquirir conhecimento e renovar sua equipe. Quanto ao papel da universidade na realização do estágio, o resultado sugere uma necessidade de maior envolvimento dos docentes, ou mesmo da universidade, na orientação das atividades. Com base nestes estudos, verifica-se que os objetivos traçados para os estágios se apresentam bastante limitados, o que sugere que os contratos entre as organizações concedentes e as universidades, não são suficientemente articulados e regulados para configurar espaços de efetiva aprendizagem profissional ao acadêmico.
Para Perelló (1998), o estágio é um fato social composto por eventos e desejos. Há resultados esperados, por meio da valorização da atividade prática. Possui caminhos e veredas, como também instrumentos com componentes metodológicos. Nesta perspectiva, o estágio não pode estar desvinculado da formação do futuro profissional, à medida que o estágio complementa a sua formação. Outras possibilidades são igualmente abertas por este estágio, como, por exemplo, as contratações efetivadas nas empresas concedentes de estágio, pois a atividade é necessária para a empresa como mecanismo de renovação de seu quadro de pessoal. Embora se reconheça a importância do estágio na formação dos estudantes, verificou-se na revisão da literatura e de pesquisas nacionais que o tema tem sido pouco estudado, pois há estudos em pequena quantidade e sua produção é recente - década de 1990. Diante da importância e da lacuna na produção sobre o tema, cabe questionar: Os estagiários se veem comprometidos com as organizações? e Como os estagiários se veem comprometidos com as organizações?
Comprometimento nas organizações de trabalho
Tratar de trabalho atualmente, como e onde se realiza, é tratar de um fenômeno amplo, em transformação e que ainda tem nas organizações um locus importante. Ao se pensar no vínculo com as organizações de trabalho, verifica-se que um dos seus indicadores é o comprometimento. De acordo com o Webster's Online Dictionary (2010), comprometer pode significar compromisso, acordo, transigir. Para Bastos (1994), o conceito de comprometimento pode assumir tanto o significado de ações que impedem ou dificultam o alcance de uma determinada meta, como também expressar a ideia de engajamento, envolvimento, adesão ou vinculação. Moraes e Marques (1996) também apresentam conceitos que resumem o uso do termo comprometimento. Este pode ser usado no sentido de compromisso, indicando o grau de atenção e/ou esforço canalizado por uma pessoa para a realização de algo, resultando em lealdade a alguma coisa e no sentido de transmitir a ideia de um conjunto de condições que produzem consequências indesejáveis. Mowday, Porter e Steers (1982) listam dez diferentes definições oriundas das pesquisas sobre comprometimento organizacional e concluem, com base nessas definições, que não existe um consenso com relação à definição do constructo. De acordo com Sá e Lemoine (1998), o comprometimento das pessoas na organização é um conjunto de princípios que se impõe progressivamente em todas as ações de desenvolvimento da gestão de recursos humanos. Isto quer dizer que cada um investe na organização quando encontra oportunidades correspondentes ao seu projeto pessoal e aos seus objetivos, mas também quando o indivíduo se identifica com os valores que constituem a cultura da organização. Este sentido de adesão é fortemente desejado por parte dos gestores de pessoas com o interesse instrumental de melhorar o desempenho dos trabalhadores na organização (Fonseca & Bastos, 2003), mesmo que muitas vezes não apresentem forte adesão, especialmente afetiva, em relação aos trabalhadores.
De acordo com Bastos (1993), podem ser identificadas distintas abordagens do constructo que implicam em conceituação e propostas de níveis de mensuração diferenciadas. As pesquisas encontradas concentram seus esforços nos enfoques afetivo, instrumental e normativo, sendo que estas partem de um ponto em comum: a premissa de que o vínculo do indivíduo com a organização existe e é inevitável. Os enfoques diferem na forma como o vínculo se desenvolve e se mantém no ambiente organizacional. O objetivo desta pesquisa, de caracterizar os vínculos dos estagiários, poderá contribuir para aperfeiçoar o processo de aprendizagem profissional e problematizar o conhecimento acerca do comprometimento dos estagiários com as organizações de trabalho.
Atualmente se verifica que as principais abordagens sobre comprometimento privilegiam as bases do comprometimento afetivo, instrumental e normativo (e, mais raramente,: sociológica, comportamental e afiliativa). Para Mowday, Steers e Porter (1979, p. 225), "o comprometimento organizacional afetivo é um estado no qual um indivíduo se identifica com uma organização particular e com seus objetivos, desejando manter-se afiliado a ela com vistas a realizar tais objetivos". Meyer, Allen e Smith (1993) conceituam o comprometimento afetivo como um envolvimento, no qual ocorre identificação com os objetivos e valores da organização. Representa algo além da lealdade passiva, envolvendo uma relação ativa, na qual o indivíduo deseja dar algo de si para contribuir com o bem-estar da organização. Os autores afirmam que empregados com um forte comprometimento afetivo permanecem na organização porque eles querem e, segundo Rego, Pinha e Cunha e Souto (2007), a gestão espera que as pessoas lá permaneçam porque assim o desejam. Nesta direção, para Bastos (1992) e Bastos e Fonseca (2002), o comprometimento afetivo resulta de um desejo de permanecer na organização e é representativo da identificação e do envolvimento do sujeito com ela. Entendemos, então, que ele se consiste na forma mais desejável de comprometimento para com a organização e para os gestores que desejam a adesão emocional dos trabalhadores, pois apresenta menores riscos de que se manifestem os conflitos capital-trabalho.
O comprometimento instrumental ou calculativo recebeu atenção desde os estudos de Becker (1960, p. 34) que o definiu como uma "disposição para se engajar em consistentes linhas de atividade". Para Becker (1960 apud Sanches, 2004), "o conceito de comprometimento instrumental vem superar a falta de explicações para a consistência do comportamento, ou para o fato de que indivíduos se engajam em linhas consistentes de atividades, que persistem ao longo de algum período de tempo" (p. 56). De acordo, Siqueira (2003, p. 169) menciona que o comprometimento organizacional calculativo decorre de "crenças relativas a perdas ou custos associados ao rompimento da relação de troca com a organização". Desta forma, o comprometimento seria um organismo psicossocial, cujas recompensas e custos de ações prévias atuam no sentido de impor limites ou restrições para as ações futuras.
O comprometimento instrumental é uma forma de apego psicológico que reflete o quanto o indivíduo se sente prisioneiro de um lugar - neste caso a organização - diante dos altos custos associados ao fato de abandoná-lo (Bastos, Brandão e Pinho, 1996, 2002). Para Meyer, Allen e Smith (1993), "Empregados com (...) comprometimento instrumental permanecem porque eles precisam (...)". Considerando a dimensão instrumental, avalia-se que seja pertinente pesquisar o que leva o estagiário a se comprometer de maneira instrumental e identificar se a permanência no estágio está relacionada, por exemplo, ao recebimento de bolsa-auxílio e demais benefícios, como vale-refeição; à necessidade financeira decorrente da falta de outras oportunidades de emprego ou estágio; e/ou à oportunidade de um futuro emprego.
O terceiro enfoque, o comprometimento normativo, foi apresentado nos trabalhos de Wierner (1982 apud Soldi, 2006). De acordo com essa abordagem, o comprometimento é visto como a totalidade das pressões normativas internalizadas para que o empregado se comporte de acordo com os objetivos, as metas e os interesses da organização. No comprometimento normativo, há o pressuposto de que o comportamento do empregado é conduzido de acordo com o conjunto de normas que ele assume internamente e que geram identificação com a organização. O comprometimento organizacional normativo pressupõe crenças do empregado acerca da dívida social para com a organização ou a obrigatoriedade de retribuir favores (Siqueira, 2003). Rego, Pinha e Cunha e Souto (2007) reiteram que são os três componentes citados do comprometimento que reúnem maior concordância para definir o fenômeno.
As investigações científicas nacionais e estrangeiras consultadas para esta pesquisa constituem um breve panorama da área sobre os tipos de comprometimento organizacional e permitem identificar a necessidade de continuidade dos estudos científicos. Os avanços no conhecimento poderão contribuir para a melhoria do processo de trabalho desenvolvido nas organizações à medida que, ao conhecer as características de comprometimento do estagiário com as organizações, dirigentes e gestores, terão subsídios para analisar os modelos organizacionais implantados nas organizações e os tipos de vinculações que esses modelos vêm promovendo, mas de uma forma mais crítica. Atualmente se verifica que predomina a preocupação em adotar práticas de gestão de pessoas que pressupõem a adesão mais completa possível dos sujeitos aos valores organizacionais, como uma estampagem que pressuponha plena adesão ao corpo e à subjetividade.
Método
Os procedimentos adotados na pesquisa permitem verificar as escolhas e a trajetória que o pesquisador desenvolveu. Nela, os participantes foram selecionados para a coleta de informações de forma aleatória, conforme sua disponibilidade de horário, levando-se em consideração os seguintes critérios: estagiários ativos, de organizações de caráter privado, que mantinham convênio com o CIEE/2007 e que realizavam estágio há, no mínimo, três meses nessa organização, haja vista que o período máximo permitido por lei são dois anos. Após o acesso à listagem dos estagiários e o sorteio aleatório, foram feitos contatos por telefone com o supervisor local e com o estagiário para convidá-los à participação na pesquisa. Eram estudantes de ambos os sexos, com idade entre 18 e 24 anos, frequentavam curso de nível superior relacionado às áreas das Ciências Sociais Aplicadas (CNPq), estavam matriculados em qualquer fase, realizavam estágio curricular não obrigatório e cumpriam carga horária mínima diária de estágio de quatro horas e máxima de seis horas.
As fontes de informação foram decorrentes de observações de maneira indireta, por meio de grupos focais e documentos. O grupo focal é uma técnica de pesquisa qualitativa que pode ser utilizada para compreender um fato, prática, produto ou serviços (Krueger, 1994). Esta técnica trata de um tipo especial de grupo em termos do seu propósito, tamanho, composição e dinâmica. Basicamente, o grupo focal pode ser considerado uma espécie de entrevista de grupo, embora não no sentido de ser um processo onde se alternam perguntas do pesquisador e resposta dos participantes. A essência do grupo focal consiste em se apoiar na interação entre seus participantes que trazem informações informações, a partir de tópicos que são fornecidos pelo pesquisador (Morgan, 1988).
Foram realizados cinco grupos focais que aconteceram no período de 30 de agosto a 04 de outubro de 2007. Os grupos focais foram compostos por, no máximo, seis participantes tendo, em média, quatro estagiários e totalizando 22 participantes. Os encontros foram previamente acordados de maneira que eles pudessem organizar seu tempo visando à compatibilidade de data e tempo para o(s) encontro(s). A duração de cada grupo foi em média, de 60 minutos.
Uma das características dos grupos focais é a formulação de poucas perguntas abertas, que estejam relacionadas à pergunta de pesquisa. Para tanto, foi feito um estudo de categorias de análise prévias, com o objetivo de definir as questões centrais do fenômeno a ser investigado. Desse modo, se chegou a um conjunto de perguntas relativo ao significado do estágio: o que significa ser estagiário e o que faz o estudante procurar o estágio e a um outro conjunto que incluía questões sobre o que leva o estagiário a permanecer ou a trocar de estágio e sobre ações identificadas como representativas de comprometimento com a organização concedente de estágios. No início de cada grupo, foram apresentados os objetivos da pesquisa e os procedimentos que seriam adotados. Também foram verbalizadas as normas previstas pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da UFSC e cada um assinou o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Uma vez realizado o grupo focal, o material obtido na discussão em grupo, conforme as questões específicas, foi transcrito. As informações coletadas nos grupos focais foram analisadas com base em análise de conteúdos (Bardin, 2002) e os conteúdos similares foram agrupados de modo a elaborar categorias temáticas. Após essa elaboração, foram construídas matrizes que permitiram reunir as verbalizações apresentadas nos grupos com base nas semelhanças e diferenças, bem como interpretar os conteúdos das informações com base na literatura.
As fontes documentais foram constituídas de registros, com base nos relatórios e nos contratos de estágio, que se encontravam arquivados no CIEE/2007. Os dados relevantes sobre as organizações e os estagiários foram sintetizados e elaborou-se matrizes que permitissem caracterizar os participantes, a formação em curso, dentre outras. Além disso, foram identificados documentos relativos a todas as notícias documentadas mensalmente por meio do CIEE/Nacional com objetivo de organizar as informações sobre o estágio no Brasil, leis e decreto.
Análise e discussão dos conteúdos
As verbalizações dos estagiários possibilitaram compreender as vivências relativas ao estágio e ao comprometimento com as organizações concedentes de estágio, como será apresentado na sequência.
Estágio e seus significados
Por meio do estudo, pode-se verificar que, para os estagiários, o estágio significa, em primeiro lugar, aprendizagem, como pode ser verificado nas seguintes falas: "Estágio é uma forma de aprendizagem." (G1); "É uma forma de aprendizagem do meu conhecimento da faculdade para eu poder estar aplicando o conhecimento na empresa que realizo estágio." (G2); "Sinônimo de aprendizado. Colocar em prática aquilo que aprende na universidade." (G5)
Em seguida, são referidas falas representativas do grupo, que remetem à Formação Profissional: "O verdadeiro intuito é para ter uma boa prática, um conhecimento maior que a faculdade não proporciona." (G3); "... para se formar um melhor profissional a universidade por si só não é nada só teoria... as aulas não completam." (G1)
O Compromisso foi referido por meio das verbalizações "Eu levo a sério como um compromisso de trabalho mesmo." (G2); "Não é por se caracterizar como estágio que eu não levo a sério, muito ao contrário eu levo a sério como um compromisso de trabalho mesmo." (G4) Na sequência, verificou-se que o estágio permite, ainda, Auxiliar nas Finanças: "Auxilia nas finanças" (G5); "O estágio proporciona uma bolsa-auxílio para ajudar nas finanças." (G3) E, finalmente, permite Escolher Área de Atuação, expressa por: "Conhecer melhor a carreira futura" (G1); "Pesquisar uma área de atuação que tenha dúvida" (G2).
A "aprendizagem" é referenciada como principal significado do estágio, por haver maior concordância, representada por respostas, representadas por cinco falas provenientes de quatro grupos focais diferentes. As falas expressam que os estágios possibilitam atividades para aprendizagem social, profissional e cultural, proporcionadas ao estudante pela participação em situações reais de vida e de trabalho, e que devem contribuir para a complementação do ensino. As expectativas dos estagiários pesquisados vêm ao encontro da Lei 6.494/77 (1977) e do Decreto 87.497/82 (1982), os quais determinam que o estágio é um instrumento para o processo do ensino e da aprendizagem, além de proporcionar aos alunos uma experiência de trabalho.
A segunda categoria mais frequentemente citada se refere à "formação profissional" e é demonstrada nas verbalizações nas quais os estagiários afirmaram que o estágio é uma forma de adquirir conhecimento como meio para uma boa prática profissional. Bertelli (2002) afirma que o estágio é uma estratégia de profissionalização e um mecanismo de integração do estudante ao mundo do trabalho em termos de aprendizado prático, aperfeiçoamento técnico-atitudinal, científico e de relacionamento humano, permitindo a participação da organização no processo de formação profissional. Verifica-se, então, que os principais conteúdos relativos ao que significa estagiar para os acadêmicos vão ao encontro dos objetivos do estágio, como um vínculo educativo-profissionalizante que se articula com o projeto pedagógico do curso de graduação e a trajetória formativa do educando para a formação profissional. Mas o objetivo expresso na legislação de assegurar o exercício da cidadania e da democracia no ambiente de trabalho, de modo a contribuir para a formação contínua não é mencionado por nenhum dos participantes dos grupos.
O estágio também é referido pelos estagiários como "compromisso", que, conforme exposto na revisão da literatura, pode ser sinônimo de comprometimento. Isso leva a inferir que os estagiários se vinculam ao estágio como um compromisso de trabalho independente do seu vínculo empregatício, pois assumem-no como uma relação de trabalho formalizada, como evidenciado na seguinte fala de um dos estagiários: "o estágio é um compromisso como qualquer outro tipo de trabalho". De acordo com Delgado (2007), relação de trabalho refere-se a todas as relações jurídicas caracterizadas por terem sua prestação essencial centrada em uma obrigação de fazer consubstanciada em labor humano. Desse modo, conforme o mesmo autor, o contrato de estágio é uma relação de trabalho. Entretanto, Souza (2005) já afirma que o estagiário não é responsável pelo produto, pois quem tem o compromisso com os resultados é o trabalhador regido pela CLT - Consolidação das Leis Trabalhistas. Se do ponto de vista legal o estágio no Brasil é regido por contrato, por outro, o estagiário não detém conhecimento profissional suficiente para ser plenamente responsabilizado pelos resultados do trabalho e nem tem direitos trabalhistas regulados conforme os trabalhadores regidos pela CLT, o que caracteriza precarização do trabalho.
Para os estagiários entrevistados, o estágio também é definido por "auxiliar nas finanças". É possível verificar que o estágio auxilia nas despesas pessoais e escolares do estudante. O estágio passa, então, a ser uma fonte de trabalho e renda, evidenciando o quanto os estagiários são afetados pela necessidade de ajuda financeira proporcionada pela bolsa-auxílio. Esse dado vem ao encontro do exposto por Nascimento (2006), ao ressaltar que o empregado vende o seu trabalho e por essa transação recebe um valor, que é a sua remuneração. A pesquisa realizada por Ajiki (2003, apud Santos, 2006) demonstra que um dos objetivos do estagiário quanto ao estágio é receber uma bolsa-auxílio, pois antes de tudo ele precisa gerar recursos financeiros para se manter. Verifica-se, com base nestes conteúdos, que o estágio se constitui em um modo instrumental de se manter economicamente, uma vez que estudar e se formar tem um custo elevado na nossa sociedade capitalista. Posteriormente se verificará que esta instrumentalidade entre meios (estágio remunerado) e fins (aprendizagem e formação) vai ser reiterada em relação ao comprometimento do estagiário com a organização. O estágio auxilia, ainda, na "escolha da área de atuação profissional". É possível destacar, pelas falas, que o estágio pode ser visto como um elemento importante para provocar reflexão no jovem e amadurecer mais a ideia em relação à escolha da sua profissão, já que, por meio da experiência prática, o estudante irá escolher em qual área irá atuar e se profissionalizar.
O que leva o estagiário a permanecer na organização concedente de estágios
Quando questionados sobre o que leva um estagiário a permanecer na organização concedente de estágio, emergiram falas representativas dos grupos, organizadas conforme categorias de análise:
Em primeiro lugar, os grupos consolidaram a importância da oportunidade de efetivação na empresa: "... dá oportunidade de crescer na empresa..." (G1); "... uma perspectiva de ser contratada muito grande" (G5); "Bom pra mim eu estou quase me formando, ... ali tem a oportunidade de ficar na empresa" (G2); "... possibilidade de poder ser efetivado" (G3); "... está contando muito como experiência, de crescimento e de se fixar dentro da empresa eles dão também" (G5); "Poder ser contratada..." (G4); "Perceber que há possibilidade de efetivação" (G4); "Conseguir ser efetivada"(G3).
A remuneração: "... ganho um vale-alimentação muito bom, vale-transporte, uniforme, a cada seis meses nós ganhamos um novo uniforme..." (G2); "... eu vou porque eu sei que tem uma recompensa." (G5); "O estágio é muito bem remunerado a bolsa é uma das melhores que tem. Eu recebo quatrocentos e cinquenta e cinco reais mais trezentos e cinquenta reais de alimentação e mais vale-transporte." (G4); "... a remuneração também é boa. Como eu estou na primeira fase dificilmente alguém paga quinhentos e cinquenta reais. Normalmente são duzentos reais, duzentos e setenta reais ainda mais com benefícios que é vale-transporte vale- alimentação. Então eu acho ótimo" (G3); "É uma empresa que te dá uma perspectiva de crescimento, que te dá vários benefícios" (G2).
Aprendizagem: "Eu aprendo muito em relação ao meu curso que eu estou no dia a dia." (G1); "... coisa que eu aprendo na faculdade dá de eu aplicar na empresa." (G4); "Aprendo muito no estágio." (G2); "O estágio só me possibilita aprendizagem..." (G5)
Gostar do ambiente e da equipe de trabalho: "Eu me sinto ótimo. Ambiente de trabalho perfeito. O pessoal é muito bacana. O tipo de serviço era o que eu esperava..." (G5); "A gente se sente bem valorizado. Eu adoro trabalhar na empresa. Eu gosto do que eu faço. Gosto da área que eu estou trabalhando..." (G1)
Por meio dos relatos dos participantes da pesquisa, verifica-se que a maioria dos estudantes participantes dos grupos focais procuram um estágio com a expectativa de uma futura efetivação. Esta é uma variável instrumental importante para que o estagiário permaneça na organização e que remete a uma lógica de que os fins (expectativa de emprego) justificam os meios (manter-se no estágio). Na literatura, verifica-se que, com a flexibilização, cresce o número de trabalhadores vinculados a outros modelos contratuais que não o tradicional pleno de direitos e é perceptível que cada vez mais a oportunidade de um contrato de emprego será menor. De acordo com Beynon (1999), com a flexibilização cresce o número de trabalhadores vinculados a outros modelos contratuais e a precarização é um componente indissociável nesse processo.
Por meio dos grupos focais realizados para a coleta de dados desta pesquisa pode-se ratificar os dados apresentados em pesquisa realizada por Ajiki (2003 apud Santos, 2006). Nesta pesquisa, os estudantes demonstraram as seguintes expectativas: estagiar para adquirir experiências e ter a chance de ser contratado como funcionário efetivo. Pode-se inferir também que os estagiários são comprometidos com a organização e expressam o comprometimento instrumental por meio do desejo de permanecer na organização, pois percebem que ao se desligarem do estágio poderão ter maiores dificuldades para encontrar outra oportunidade de contrato formal de trabalho.
A segunda subcategoria é relativa à remuneração. Por meio da bolsa-auxílio, concretiza-se a possibilidade de custear despesas com vale-transporte, compra de materiais, pagamento dos estudos, despesas de casa e alimentação. Ou seja, a bolsa-auxílio aparece como um complemento importante para os estudantes de cursos de nível superior, que citam, novamente, vínculos de forma instrumental. A valorização da lógica financeira os faz continuar no estágio, pois recebem uma recompensa econômica, o que é bem representado na seguinte fala: "... ganho um vale-alimentação muito bom, vale-transporte, uniforme, a cada seis meses nós ganhamos um novo uniforme..." (G2). Meyer, Allen e Smith (1993) reforçam esta inferência, ao argumentar que empregados com comprometimento instrumental permanecem nas organizações pela recompensa no final do mês. Pode-se interpretar que os estagiários permanecem na organização por serem recompensados pelos seus esforços e pela possibilidade de emprego, mencionados como primeiro e segundo motivos mais importante para permanecer no estágio.
O estágio é um dos instrumentos para suprir a necessidade de adquirir novos conhecimentos dos estudantes e, assim, a terceira subcategoria identificada diz respeito à "aprendizagem". Os depoimentos reafirmam a importância do elo entre teoria e prática e, de acordo com Bianchetti (2006), as organizações ensinam aos estudantes sobre a atuação para o mercado e trabalho. O estágio acadêmico é um dos meios de preparação dos alunos para as futuras atuações profissionais de modo a torná-los aptos a atuar de maneira eficaz, conforme as exigências do mercado de trabalho. Pode-se inferir, também, que os estagiários se comprometem de modo calculativo ou instrumental por perceberem que o local de estágio lhes possibilita vantagem positiva ao adquirir aprendizagem prática. De acordo com Siqueira (2003), o comprometimento organizacional calculativo decorre de "crenças relativas a perdas ou custos associados ao rompimento da relação de troca com a organização".
Finalmente tem-se a categoria que se refere a "gostar do ambiente e da equipe de trabalho". Por meio dos depoimentos dos estagiários, pode-se verificar que "eles permanecem na organização porque eles querem", pois o ambiente de trabalho e a equipe são fatores que contribuem para a permanência nas organizações de trabalho. Verifica-se que esta categoria, que tem uma conotação de comprometimento afetivo, não está entre as mais referidas nos grupos focais.
Ações que demonstram comprometimento
A descrição das ações que os estagiários demonstram ou atribuem a si mesmos remete a tratar do tipo de compromisso que estabelecem com as organizações concedentes de estágio e que foram expressos, predominantemente, nos grupos focais em conteúdos relativos a comprometimento normativo: "Eu sou comprometida porque eu sempre cumpro o meu horário."(G1) (G3); "Eu chego e saio no meu horário certinho." (G5); "Se é necessário eu ficar mais eu fico mais tempo." (G4); "Se eu tenho que terminar uma tarefa eu termino antes de ir embora." (G3); "Eu cumpro os prazos com as minhas atividades que eu tenho." (G2); "Eu nunca faço nada que não seja relacionado com o trabalho" (G3); "... eu chego cedo, tento cumprir o meu horário que são de seis horas".(G5).
Estes conteúdos permitem verificar que, ao relatarem as suas ações, os estagiários referem que estão orientados pelo código moral que guia a ética da organização, o que muitas vezes é uma forma de ser bem visto aos olhos dos outros e/ou da organização ou merecer respeito, estima e consideração (KOHLBERG, 1981). Wierner (1982) é ainda mais explícito ao definir o comprometimento organizacional normativo como relativo a um agrupamento de pressões advindas de normas que são internalizadas pelo trabalhador para que suas ações sejam compatíveis com os interesses da organização. Assim, os estagiários expressam que as suas ações são guiadas por forte adesão ao discurso e aos fins organizacionais preconizados pela gestão (pontualidade, cumprimento da jornada etc.), ou seja, pelo compromisso normativo.
Em segundo lugar, os conteúdos predominantes nos grupos tratam de comprometimento afetivo: "Envolver-se com o estágio e as tarefas." (G3); "Quando tu te envolve mais, quando tu te preocupa com os problemas da empresa, tu tenta resolver e puxar a responsabilidades para ti." (G1); "Se comprometer com a equipe de trabalho." (G3); "Não fazer corpo mole e ajudar os colegas de trabalho." (G4); "Se precisar ficar mais tempo os estagiários ficam porque o trabalho e as pessoas são legais," (G2); "Quando precisa fica além do seu horário. Muitos batem o ponto e retornam ao trabalho porque querem." (G3) "Eu estou sempre me oferecendo para ajudar..." (G1).
Os estagiários trazem ações que vão ao encontro do conceito de comprometimento afetivo, pois, conforme Meyer, Allen e Smith (1993), trata-se do envolvimento, que representa algo além da lealdade passiva, uma relação ativa na qual o indivíduo dá bastante de si para contribuir com o bem-estar na organização. O comprometimento afetivo é relativo ao desejo de se manter na organização e em conjunto com o normativo pode explicar variações entre indivíduos e grupos quanto a seus vínculos afetivos com o contexto de trabalho, bem como auxiliar a entender qual o papel de cognições sociais no processo psicológico que leva trabalhadores a oferecer mais do que lhe é solicitado por um contrato de trabalho. Neste caso, se questiona se o desejo de fazer além do esperado está relacionado à expectativa de permanecer na organização e vir a ser contratado após a formatura.
Em último lugar, em termos de ações próprias no estágio, foram verbalizados conteúdos que se referem àquilo que outros estagiários fazem como representativo de compromisso instrumental: "Percebe-se que muitos estagiários estão ali só para isso, para ganhar proveito e ficar na internet e no MSN." (G5); "O estagiário fica gastando o dinheiro da empresa com atividades extras que não tem relação ao trabalho." (G1).
Infere-se que como os aspectos instrumentais são questionáveis como expressão de um "comprometimento genuíno", uma vez que são significativos de relações entre meios e fins, os estagiários participantes da pesquisa tenderam a não citá-los em suas manifestações. Ou seja, quando se referem a si próprios predomina o compromisso normativo, mas criticam que os outros estagiários agem de modo instrumental, ao se utilizarem de meios que não são seus, nem necessários ao trabalho em si.
Considerações finais
Neste artigo, foram abordados os significados dos estágios, os motivos que fazem com que os estagiários permaneçam naquelas atividades/organizações e as ações que demonstram o comprometimento dos estagiários com as organizações concedentes de estágio. Tal escolha decorreu do entendimento de que estas categorias estão intimamente articuladas. Parte-se do pressuposto de que o estágio é importante para a formação profissional do estudante e o estagiário contribui para as organizações nas quais atua. De maneira geral, os estagiários participantes dos grupos focais compreendem o conceito de estágio como uma forma de aprendizagem que contribui para a formação profissional e para a escolha da futura área de atuação, o que vai ao encontro do que prevê a Lei 6.494/77.
Por meio da pesquisa, foi investigada uma forma particular de trabalho - o estágio - que vem se aproximando cada vez mais das atividades desenvolvidas por profissionais contratados com vínculo empregatício. Com as informações decorrentes das entrevistas verificou-se que os estagiários estabelecem a sua base contratual com as organizações de forma instrumental e permanecem no local de estágio por serem remunerados, por identificarem no futuro a possibilidade de efetivação na mesma organização, e por trabalharem em locais que possibilitam um ambiente de trabalho agradável que transfere conhecimento aos mesmos e resulta em aprendizagem. Então, verifica-se a preocupação com a manutenção e a possibilidade de carreira como preponderantes, bem como as de cunho acadêmico. A racionalidade instrumental adotada pelas organizações, como uma relação entre fins e meios, também predomina no grupo de estagiários o que reitera estudos que demonstram um contrato calculativo, no qual o trabalhador passa a avaliar as vantagens e custos por trocar de organização e opta pela mais vantajosa.
Apesar dos estagiários não terem o mesmo tipo de vínculo contratual com a organização, eles referem que assumem os mesmos compromissos (comprometimento) e responsabilidades que um funcionário e este é um aspecto muito preocupante, pois se percebe aí o desvirtuamento do objetivo do estágio. Além disso, a realização do estágio remunerado contribui para as despesas com a formação e se tornou uma fonte de trabalho e renda para o estagiário, que se constitui em mão de obra mais barata para a organização.
Conforme exposto, ao se referir aos motivos para permanecer no estágio, predominam aspectos instrumentais, relações entre meios e fins, pois, nos grupos focais, os conteúdos se relacionaram à busca do estágio com a expectativa de uma futura efetivação, à remuneração e aos benefícios. Por outro lado, ao responderem sobre o comprometimento que expressam em relação à organização citam ações ligadas ao cumprimento de normas e regras valorizadas pela gestão da organização (cumprir horário, fazer mais do que é solicitado, o que indica a prevalência de vínculo normativo), articulados a fins instrumentais que suportam valores e objetivos. Assim, os estagiários defenderam valores como cumprir as atividades com os quais estão comprometidos e apoiar a ordem social para manter o bem-estar na organização, respostas que vão ao encontro dos valores definidos como importantes na organização e que direcionam as ações de seus estagiários. Os participantes dos grupos focais referiram, ainda, em ordem de citações, o comprometimento afetivo e, por último, o instrumental. Como conteúdos afetivos estão citados o envolvimento com o trabalho e com as pessoas da equipe, a disponibilidade para ajudar e fazer mais do que o solicitado. E quando se trata do compromisso instrumental os estagiários não citam as suas ações, mas as de outros colegas que fazem - mau - uso dos meios disponíveis no estágio.
Cabe destacar, finalmente, que o fato dos estagiários apresentarem motivos instrumentais para a permanência no estágio e identificarem que as suas ações são demonstrativas de comprometimento normativo, de acordo com as normas e regras organizacionais parecem refletir um paradoxo. Os acadêmicos procuram demonstrar plena adesão aos preceitos organizacionais mesmo que nas escolhas predomine a racionalidade calculativa, segundo a qual avaliam os custos financeiros e subjetivos de permanecer ou não na organização. Embora na atual sociedade capitalista o ethos utilitário seja predominante, o que é reiterado pelas repostas dos estagiários, eles preferem expressar um ethos romântico, ligado a valores e regras, pois é mais bem aceito pela gestão da organização.
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Submetido em: 05/01/2011
Revisto em: 02/10/2011
Aceito em: 18/10/2011
1 Comprometimento não é um comportamento, mas um constructo ou conceito elaborado ou sintetizado a partir de uma série de ações ou razões dos indivíduos em várias situações (Borges-Andrade, Zanelli, Bastos, 2004).