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Arquivos Brasileiros de Psicologia
On-line version ISSN 1809-5267
Arq. bras. psicol. vol.64 no.3 Rio de Janeiro Dec. 2012
ARTIGOS
Os adolescentes na rede: uma reflexão sobre as comunidades virtuais1
The adolescents on the internet: a reflection on virtual communities
Los adolescentes en la red: una reflexión sobre las comunidades virtuales
Nádia Laguárdia de LimaI; Eduardo Pio de SouzaII; Alice Oliveira RezendeIII; Ana Carolina Roritz MesquitaIV
IDocente. Programa de Pós-Graduação em Psicologia. Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Belo Horizonte. Minas Gerais. Brasil
IIMestrando. Programa de Pós-Graduação em Psicologia. Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Belo Horizonte. Minas Gerais. Brasil
IIIGraduanda. Curso de Psicologia. Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Belo Horizonte. Minas Gerais. Brasil
IVGraduanda. Bolsista IC (FAPEMIG). Curso de Psicologia. Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Belo Horizonte. Minas Gerais. Brasil
Endereços para correspondência
RESUMO
Este artigo apresenta o resultado parcial de uma pesquisa realizada junto aos fóruns de algumas comunidades do Orkut formadas por adolescentes. Interroga a possibilidade de as comunidades virtuais funcionarem como um espaço de expressão das singularidades, contribuindo para a formação reflexiva e crítica dos adolescentes, ou de, pelo contrário, servirem à segregação e ao mercado do consumo. Apresenta alguns dados levantados junto às comunidades do Orkut e uma reflexão sobre essa investigação, a partir de autores da Psicologia Social, da Psicanálise, da Sociologia e da Filosofia que analisam a contemporaneidade. Conclui que, apesar das diferentes formas de utilização das redes sociais virtuais, nas comunidades pesquisadas houve o predomínio de uma padronização dos discursos, imagens e significados sociais, numa lógica segregativa, que apaga as singularidades.
Palavras-chave: Comunidades; Orkut; Adolescência; Contemporaneidade.
ABSTRACT
This article presents partial results of a study conducted with some Orkut communities formed by adolescents. It also wonders if virtual communities work as a space for expression of singularities, contributing to the formation of reflective and critical adolescents, or, rather, they serve to their segregation to the consumer market. Also, it presents some data collected from the communities of Orkut and a reflection on this research, based onsocial psychology, psychoanalysis, sociology and philosophy authors that examine contemporary culture. Then it concludes that, despite the different uses of social networking, there is in these communities the prevalence of a standardization of speeches, images and social meanings, a segregationist logic that erases the singularities.
Keywords: Communities; Orkut; Adolescence; Contemporary.
RESUMEN
Este artículo presenta resultados parciales de una encuesta realizada en foros de algunas comunidades de Orkut formadas por adolescentes. Pregunta la posibilidad de que las comunidades virtuales funcionen como un espacio de expresión de singularidades, contribuyendo a la formación reflexiva y crítica de los adolescentes, o, por el contrario, si sirven para su segregación en el mercado de consumo. Se presentan algunos datos recogidos de las comunidades de Orkut y una reflexión sobre esta investigación de los autores de psicología social, psicoanálisis, sociología y filosofía que examinan la cultura contemporánea. Se concluye que, a pesar de las diferentes formas de uso de las redes sociales virtuales, en las comunidades encuestadas hubo predominio de una estandarización de los discursos, imágenes y significados sociales, una lógica segregacionista que borra las singularidades.
Palabras-clave: Comunidades; Orkut; Adolescencia; Contemporaneidad.
Introdução
A era tecnológica introduziu mudanças em todos os setores da vida humana, interferindo nas relações do sujeito com o mundo e produzindo novas subjetividades. As tecnologias da informação revolucionaram as formas de acesso ao saber e de comunicação humanas, introduzindo a possibilidade de relacionamentos virtuais entre pessoas de todo o mundo. As comunidades virtuais são o resultado de uma nova forma de organização social que surgiu na contemporaneidade: a sociedade em rede. Partindo da noção de adolescência como um momento da vida decisivo para a inserção cultural e social, buscamos investigar o uso que os adolescentes fazem desses dispositivos de socialização no espaço virtual. Defendemos a hipótese de que as tecnologias da informação e da comunicação apresentam efeitos paradoxais, pois, ao mesmo tempo que rompem com valores de referência tradicionais, permitindo a liberdade de expressão e a criatividade; elas reforçam as desigualdades sociais, numa lógica de poder que se assenta sobre a imposição de valores do mercado capitalista. Através da leitura das narrativas dos adolescentes nos fóruns de algumas comunidades do Orkut, buscamos investigar se essas comunidades virtuais têm sido utilizadas como um espaço de expressão das singularidades, contribuindo para a formação reflexiva e crítica dos adolescentes, ou se, pelo contrário, elas têm servido à padronização de discursos, imagens e ideais, promovendo a segregação e servindo ao mercado de consumo.
A sociedade em rede: paradoxos da "expansão" informacional
O surgimento e a expansão da internet estão relacionados ao processo de globalização, que tem proporcionado uma mudança estrutural nas sociedades contemporâneas ou pós-modernas.
A revolução tecnológica, concentrada nas tecnologias de informação, promoveu uma interdependência global, introduzindo uma nova forma de relação entre a economia, o Estado e a sociedade. Surge a sociedade em rede:
O termo informacional indica o atributo de uma forma específica de organização social, em que a geração, o processamento e a transmissão da informação tornam-se as fontes fundamentais de produtividade e poder devido às novas condições tecnológicas surgidas nesse período histórico. [...] uma das características principais da sociedade informacional é a lógica de sua estrutura básica em redes, o que explica o uso do conceito de sociedade em rede (Castells, 2000, p. 46).
As redes são estruturas abertas capazes de expandir infinitamente, integrando novos nós, desde que consigam comunicar-se internamente, ou seja, desde que compartilhem os mesmos códigos de comunicação. São, pois, instrumentos apropriados para a economia capitalista. As conexões que ligam as redes representam os instrumentos privilegiados do poder.
O informacionalismo está associado ao surgimento de uma nova estrutura social, historicamente moldada pela reestruturação do modo capitalista de produção, no final do século XX, quando temos, essencialmente, dois modos predominantes de produção:o capitalismo e o estatismo. Fazendo uma diferenciação entre os modos de produção agrário, industrial e informacional, Castells (2000) explica que, neste último, a fonte de produtividade acha-se na tecnologia de geração de conhecimentos, de processamento da informação e de comunicação de símbolos. O informacionalismo visa o desenvolvimento tecnológico, ou seja, a acumulação de conhecimentos e maiores níveis de complexidade do processamento da informação.
Há uma infiltração das tecnologias por todo o conjunto de relações e estruturas sociais, que penetra no poder e na experiência, modificando-os. Segundo Castells (2000), "os modos de desenvolvimento modelam toda a esfera de comportamento social, inclusive a comunicação simbólica" (p. 35). O poder na sociedade informacional não mais se concentra nas mãos do Estado, das organizações ou dos mecanismos simbólicos de controle (mídias corporativas, igrejas, etc.), mas está difundido nas redes globais de riqueza, poder, informações e imagens, que circulam e passam por transmutações em um sistema de geometria variável e geografia desmaterializada.
O capitalismo global apossou-se por completo dos destinos da tecnologia, orientando-a exclusivamente para a criação de valor econômico (Dupas, 2000). A apropriação privada das descobertas científicas reforça os traços de controle e hegemonia na atualidade, determinando o aumento da concentração de renda e da exclusão social.
A sociedade em rede apresenta um paradoxo: ela representa a abertura de espaço a todas as formas de expressão, toda uma diversidade de interesses, valores e criações, inclusive a expressão de conflitos sociais; no entanto, essa inclusão no sistema impõe algumas condições: a adaptação à sua lógica, à sua linguagem, a seus pontos de entrada, à sua codificação e decodificação.
Existem, portanto, opiniões divergentes com relação à capacidade da internet de promover e/ou potencializar a prática democrática. Muitos entusiastas da internet consideram o universal do ciberespaço como um espaço aberto, sem totalidade, que acolhe e valoriza as singularidades, oferecendo a muitos o acesso à expressão. Lévy (1999) considera que o espaço virtual possibilita a expressão e a elaboração dos problemas da cidade pelos próprios cidadãos, a auto-organização das comunidades locais, a transparência das políticas públicas, a avaliação pelos cidadãos das deliberações e das decisões políticas.
Alguns autores observam que, na internet, o sucesso de massa e a inovação criativa, as forças dominantes e opositoras, têm conseguido existir lado a lado, o que permite a democratização na sociedade informacional. Segundo Johnson (2001), a tarefa de imaginar a informação não vai mais ser apanágio dos "sumo-sacerdotes" da programação; qualquer pessoa moderadamente à vontade com um computador será capaz de inventar seus próprios espaços-informação e de partilhálos com amigos ou colegas.
Não se pode negar que a maior facilidade de expressão, de acesso às informações e de comunicação entre as pessoas, proporcionada pela internet, tem importantes efeitos na vida social e política. O acesso às informações sobre os conflitos nacionais e internacionais, a organização de movimentos políticos, os debates sobre organização e reformulação política e a difusão de descobertas científicas são facilitados ou proporcionados pela internet. Movimentos populares organizam-se na construção de debates e em mobilizações de defesa dos direitos humanos, nos mais variados temas, desde o direito à moradia e os direitos da criança até à igualdade de gêneros.
Numa outra perspectiva, constata-se que a mídia tem sido utilizada como principal instrumento da indústria capitalista. Segundo Freire (2011), os Estados Unidos controlam 75% do mercado audiovisual internacional. Na Europa e na América Latina, 82% do material audiovisual que circula nas telas são de origem norte-americana, enquanto nos EUA o material audiovisual que circula nas telas de origem europeia e latino-americana atinge apenas a taxa de 10%. A apropriação privada das descobertas científicas cria uma relação de poder na sociedade informacional, na qual o capitalismo global apossa-se dos destinos da tecnologia, orientando-a exclusivamente para a criação de valor econômico.
A democratização possibilitada pela internet também pode ser questionada em função da dificuldade de acesso às novas tecnologias, que cria um grande grupo de excluídos do ciberespaço. Quando se fala em mudanças promovidas pela tecnologia, temse que considerar de início que o acesso a esses novos meios constitui um privilégio de uma minoria da população mundial.
Existem ainda as dificuldades de acesso dos países do Terceiro Mundo. Incluir-se-iam, dentre os principais fatores, a linguagem (o inglês é a língua dominante na internet), o isolamento social e geográfico associados à pobreza, a incapacidade física, o gênero, a geração e a localização. Além desses fatores, devem-se acrescentar a disponibilidade,a competência e a qualidade do acesso. Apesar da enorme expansão da internet no Brasil, que já está presente em muitas escolas públicas e em lan houses situadas na maioria das favelas das grandes cidades, sua distribuição é bastante desigual nas diversas classes sociais. Uma pesquisa sobre internet realizada pela F/Nazca junto ao Datafolha revela como a internet é utilizada em nosso país. Realizada em agosto de 2009, a pesquisa mostra que o acesso só se desenvolveu no Sudeste, continuando estável ou caindo nas demais regiões. Os internautas brasileiros estão mais jovens; mais escolarizados; 42% pertencem às classes AB e 8 em cada 10 são economicamente ativos (F/Nazca, 2009).
A ampliação do acesso às tecnologias virtuais não abole as desigualdades na utilização e na recepção das informações, resultado da desigualdade cultural e econômica. Quando se reconhece em todo lugar sinais de uma homogeneização da sociedade, em função do maior acesso da população às tecnologias da comunicação, vários autores acreditam numa redução do distanciamento cultural entre as classes sociais. No entanto, como observa Bourdieu (2001), a ação dos meios de comunicação não tem promovido o enfraquecimento das diferenças econômicas e das barreiras de classe.
As desigualdades permanecem muito fortes nas práticas culturais, enquanto muitos acreditam na sua universalidade, porque mais largamente acessíveis. A homogeneização das mensagens emitidas não leva a uma homogeneização das mensagens recebidas, e, menos ainda, a uma homogeneização dos receptores, já que toda mensagem é objeto de uma recepção diferenciada, dadas as condições sociais e culturais do receptor, de acordo com Bourdieu (2001). A comunicação pedagógica, por exemplo, depende estreitamente da cultura do receptor, ou seja, do seu meio familiar, detentor e transmissor de uma cultura mais ou menos próxima, em seu conteúdo e valores, da cultura escolar e dos modelos linguísticos e culturais segundo os quais essa transmissão é feita. Nessa perspectiva, portanto, a ampliação por si só dos recursos tecnológicos de comunicação não representa a diminuição das desigualdades com relação ao acesso ao conhecimento.
Para Guattari (1999), as imensas potencialidades processuais trazidas pelas revoluções informáticas, telemáticas, robóticas e biotecnológicas só fizeram levar a um reforço dos sistemas anteriores de alienação, a uma mass-midiatização opressiva e a políticas consensuais infantilizantes. O autor considera que a subjetividade permaneceu controlada por dispositivos de poder e de saber que impõem os valores da sociedade capitalista.
Vivemos uma revolução em todos os aspectos da vida, sem precedentes na história. A grande transformação que as novas tecnologias de informação e comunicação promovem nas categorias de espaço e de tempo, possibilitando a emergência de uma comunicação em tempo real num espaço virtual, tem produzido efeitos nas mais diversas áreas, ajudando a derrubar barreiras que, historicamente, separam os elementos da identidade nacional dos povos, como a língua, as tradições, os costumes, etc. O tempo real pode ser definido como a situação na qual um computador calcula um fenômeno (um som ou uma imagem) de modo suficientemente rápido para que este se produza ao mesmo tempo que as intervenções do operador, e que ele se dê conta de todas as modificações que elas implicam (Cadoz, 1994). Como observa Giddens (1994), essas tecnologias produzem profundas mudanças na estrutura da sociedade, no cenário da globalização, introduzindo características de risco e de imprevisibilidade estrutural, das quais não se têm experiências anteriores que orientem sobre o que fazer. O risco e a imprevisibilidade estão presentes por toda a parte, afetando todos os aspectos da vida humana: visão do mundo, costumes, tradições, práticas sociais, modos de pensar, organizações, instituições, etc..
O desenvolvimento tecnológico apresenta, portanto, efeitos paradoxais. Ao mesmo tempo em que rompe com valores de referência tradicionais, promovendo uma consciência de ruptura, sugerindo a libertação e a inovação, ele mantém e reforça as desigualdades sociais, numa lógica de poder que se assenta sobre confrontação e competição. É a liderança tecnológica que define e impõe os padrões gerais de reprodução e multiplicação de acumulação. Segundo Dupas (2000), a liderança tecnológica continuará reforçando um processo de concentração que terá como líderes de produção um restrito conjunto de algumas centenas de empresas gigantes mundiais, que decidirão o quê, como, quando, quanto e onde produzir os bens e os serviços utilizados pela sociedade contemporânea.
A anulação tecnológica das distâncias temporais e espaciais, em vez de homogeneizar a condição humana, tende a polarizála, segundo Bauman (1999). Enquanto para alguns ela inaugura uma liberdade sem precedentes em face da criação de significados, para outros ela pressagia a falta de significado. Enquanto alguns podem mover-se para fora da localidade quando quiserem, outros observam, impotentes, a única localidade que habitam movendo-se sob seus pés (Bauman, 1999).
Tendo em vista a complexidade que envolve o ciberespaço, buscamos compreender este fenômeno atual que é o Orkut, uma modalidade de rede social bastante comum entre os adolescentes brasileiros, principalmente os mais jovens, que utilizam essa rede social mesmo com o crescimento do Facebook, para tentar conhecer as formas como os adolescentes têm utilizado esse espaço de socialização e se ele tem contribuído para a formação crítica e reflexiva dos adolescentes.
A metodologia da pesquisa: uma investigação junto aos fóruns de discussão das comunidades do Orkut
Utilizamos o método qualitativo de pesquisa. Fizemos a leitura das narrativas dos adolescentes nos fóruns de discussão de 50 comunidades do site do Orkut, selecionadas através de amostra não-probabilística. A análise dos dados foi feita com base na análise do conteúdo (Bardin, 2009; Laville & Dionne, 1999) e na análise do discurso (Pêcheux, 1990; Orlandi, 1999), associadas às bases da psicanálise estruturalista (Lacan, 1998). Realizamos uma fragmentação dos textos para identificar regularidades, buscando identificar a pluralidade temática presente num conjunto de textos e a frequência desses temas, considerando, entretanto, as contradições, os atos falhos, os equívocos e outras "falhas" dos discursos como formas de manifestação subjetiva. Realizamos uma classificação das comunidades de acordo com a forma de organização dos seus fóruns de discussão. Fizemos também uma leitura de algumas entrevistas virtuais realizadas com três líderes "famosos" de comunidades do Orkut, que estão disponíveis na internet. Os líderes entrevistados possuem fakes, ou seja, utilizam nomes e identidades fictícias, que são comuns na internet. A leitura das entrevistas serviu apenas como um apoio para esta pesquisa.
Para a divulgação dos dados desta pesquisa, foram respeitados os princípios do anonimato e da confidencialidade, que buscam proteger os seus participantes. Estes princípios, consagrados na pesquisa científica com seres humanos, asseguram que os nomes, assim como outras informações que permitam a identificação dos autores dos textos, não sejam divulgados. A garantia da segurança dos dados é um ponto crítico da ética da pesquisa, que no contexto da pesquisa na internet (com seus suportes de informação digitais) torna-se mais agudo (Nosek, Banaji, & Greenwald, 2002). A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
Basicamente, orientamo-nos pelas seguintes questões: as comunidades virtuais têm sido usadas como um espaço de expressão das singularidades, contribuindo para a formação reflexiva e crítica dos adolescentes, ou, pelo contrário, têm servido à padronização de discursos, ideais, comportamentos e imagens? Para fazer uma reflexão sobre esse material, utilizamos autores da Psicologia Social, da Psicanálise, da Sociologia e da Filosofia que analisam a adolescência e a contemporaneidade.
O Orkut é um espaço destinado a relacionamentos sociais via internet e possui milhões de participantes, na grande maioria, brasileiros. Cada participante possui um perfil e se relaciona com outros participantes. O perfil é uma forma de apresentação, com descrições pessoais. Uma comunidade do Orkut é organizada a partir de uma frase ou uma palavra, por exemplo: Às vezes é preciso existir, Odeio acordar cedo, Fui enganada pelo meu namorado, Namorar ou ficar, Eu sou deprimido, Autossuficiência em amizades, etc. Os adolescentes escolhem as comunidades que querem participar. Apesar do rápido crescimento do Facebook, que fez com que muitas pessoas abandonassem o Orkut, constatamos que os adolescentes mais novos preferem o Orkut, por ser mais simples e comum entre os brasileiros, por possuir depoimentos dos amigos a respeito do usuário, além de comunidades virtuais.
Cada comunidade possui um criador, que nomeia e estabelece as configurações da sua comunidade, operando como o seu administrador ou líder. O criador de uma comunidade pode transferi-la ou vendê-la para uma outra pessoa, que passa a ser o seu líder. O líder de uma comunidade pode ser um fake, um falso personagem. As comunidades podem divulgar produtos através de propagandas contratadas por empresas. O sucesso de uma comunidade é medido pelo número de membros que possui ou pelo grau de envolvimento dos seus membros.
As comunidades apresentam fóruns de discussão, que são espaços de debate criados a partir do tema de seu tópico. As comunidades estão inseridas em categorias temáticas, como música, pessoas, jogos, romances e relacionamentos, política, dentre outros.
Uma reflexão sobre os resultados dessa investigação
Estabelecemos uma classificação das 50 comunidades pesquisadas, tendo como critério a forma como se organizam os seus fóruns de discussão. As comunidades foram separadas em diferentes categorias, sendo que o número de comunidades em cada categoria foi o seguinte: temáticas (12), fotos (13), informativas (06), sem fóruns (04), mercadológicas (05), grupos fechados (04) e de líderes (06). Definimos como temáticas, as comunidades cujos fóruns de discussão organizam-se em torno de um tema, que pode ser amor, amizade, sexo, esporte, religião, escola, comida ou outro. As de fotos são aquelas cujos fóruns organizam-se em torno das fotos do perfil das pessoas que participam do jogo. Essa foto orienta uma série de perguntas ou "jogos". As informativas são aquelas cujos fóruns organizam-se para a divulgação de informações sobre um determinado tema (novela, filme, banda, artista, evento...). As sem fóruns são aquelas que, como o nome indica, não têm fóruns de discussão. As mercadológicas são aquelas cujos fóruns organizam-se em torno de um produto ou marca, para sua divulgação ou não. As de grupo fechado são aquelas cujo grupo de pessoas formou-se fora do espaço virtual e que utiliza a comunidade apenas para manter contato entre elas. As comunidades de líderes são aquelas cujos fóruns organizam-se em torno de um criador de comunidade (fake), por exemplo: Comunidade do B!, quem é B!?, Gordonerd.com.
Além da classificação das comunidades, investigamos a presença de diálogos nos fóruns de discussão, os temas das narrativas dos adolescentes e as características das fotos pessoais. Buscamos investigar a presença de diferentes formas de expressão e manifestação pessoais, ou, ao contrário, a existência de um padrão comum à maioria das narrativas e fotos dos adolescentes.
A análise do material pesquisado foi feita tendo como referências centrais as concepções de pós-modernidade, sociedade do consumo, cultura da imagem e declínio dos ideais, utilizadas por vários autores que analisam a contemporaneidade (Baudrillard, 1970; Bauman, 1999, 2004; Castells, 2000; Forbes, 2004; Giddens, 1994; Guattari, 1999; Hall, 2001; Jameson, 1993; Lévy, 1999; Turkle, 1997). Essas concepções foram relacionadas à fase da adolescência e às comunidades de Orkut.
Adolescência e redes sociais virtuais
Constatamos que o ingresso nas redes sociais, em especial no Orkut, se dá a partir dos 12 anos de idade, aproximadamente, ou seja, no início da fase da adolescência. O conceito de adolescência foi construído socialmente. Na teoria psicanalítica, o termo refere-se a um período de crise psíquica, como consequência das transformações fisiológicas da puberdade que levam a criança a alcançar o corpo adulto (Freud, 1905/1974). Na adolescência, há uma queda dos ideais que sustentavam o sujeito até então. Os valores e significados que orientavam seu lugar no mundo são questionados. Os pais, como referências de identificação, são desidealizados, e os jovens precisam buscar novos ideais, para além dos pais. Esse período da vida implica um trabalho psíquico de reconstrução de todo um arcabouço simbólico e imaginário para dar sentido ao sexual desconhecido. Ele precisa refazer sua imagem corporal, construir sua identidade sexual e encontrar seu lugar no mundo social, fazendo a passagem do mundo familiar para o universo social mais amplo. Para realizar esse trabalho psíquico, o adolescente se apoia nos valores e significados sociais e utiliza os dispositivos oferecidos pela cultura.
A internet é, na pós-modernidade, um dos principais dispositivos que a cultura oferece para os adolescentes realizarem esse trabalho de inserção social, pois ela apresenta ao jovem a possibilidade de socialização de forma mais rápida, fácil e abrangente. As diversas comunidades do Orkut oferecem aos adolescentes possibilidades de identificação e de agrupamento social. Um adolescente que se torna membro da comunidade sou deprimido, por exemplo, passa a identificar-se com os demais membros da comunidade que se nomeiam deprimidos, compartilhando com eles sentimentos e sensações "supostamente comuns". Assim, o pertencimento à comunidade virtual pode fortalecer a identificação dos adolescentes com essa "designação". Uma comunidade designada não quero mais viver, por exemplo, pode incitar muitos adolescentes ao suicídio. Mas, numa outra perspectiva, um adolescente que gosta de um determinado tipo de música pode encontrar uma comunidade do Orkut que compartilha do mesmo interesse e, a partir desse interesse comum, inserir-se nesse grupo e passar a se encontrar pessoalmente com seus integrantes.
Redes sociais: tempo e imagem
A grande maioria das comunidades de adolescentes pertence à categoria de fotos, ou seja, um membro da comunidade expõe a foto do seu perfil no fórum de discussão para que os outros membros avaliem a sua imagem. A pós-modernidade é frequentemente associada a uma lógica dominante na contemporaneidade, conhecida como sociedade de consumo. Jameson (1993) considera que a emergência do pós-modernismo está estreitamente relacionada com a emergência de um novo momento do capitalismo tardio, multinacional ou de consumo. Ele destaca dois aspectos do pós-modernismo: a transformação da realidade em imagens e a fragmentação do tempo numa série de presentes perpétuos. Ambos os aspectos são explorados e formados pelo consumismo e pela internet.
A internet expande os dois aspectos do pós-modernismo ressaltados acima. O tempo apresenta-se fragmentado em uma série de presentes perpétuos. Há uma perda da dimensão histórica e o tempo passado perde o prestígio diante da tirania do presente. O importante é o aqui e o agora, como podemos ver nas discussões das comunidades do Orkut, que estão centradas no tempo presente. Além disso, há um predomínio das imagens sobre as palavras. O Orkut está centrado nas imagens e as discussões ocorrem em torno delas.
A padronização das fotos pessoais nas redes sociais
Constatamos que a grande maioria das fotos dos adolescentes nas comunidades do Orkut apresenta um padrão comum. São frequentes as poses sensuais em frente ao espelho, em dormitórios e banheiros, roupas decotadas, maquiagem, óculos escuros, roupas de marca, bonés e celulares. Inseridos numa lógica capitalista, em que o objeto de consumo alcançou o lugar do ideal social, os próprios sujeitos tornam-se objetos de consumo hoje. Se a fase da adolescência é marcada por uma necessidade de reconstruir a imagem de si, ao perguntar ao outro sobre a própria imagem, o adolescente tenta ver-se a partir da forma como é visto, buscando a aprovação do outro. No entanto, nesses jogos que faz com a própria imagem, ele se posiciona como objeto para ser "usado" ou "descartado" pelo outro.
Com relação à exposição da própria imagem no Orkut, Cipriano (2011) tece algumas considerações interessantes. Segundo a autora, pesquisando os perfis de algumas redes sociais em que a fotografia é um elemento essencial, é possível encontrar uma série de retratos que terminam parecendo-se entre si, com imagens de corpos que posam com certa sensualidade estandardizada. Autorretratos tirados em frente a espelhos, fotos com gestos e poses repetidas, em espaços (que deveriam ser) íntimos, como dormitórios e banheiros, enfim, imagens que terminam por delatar uma linguagem erótica artificial e padronizada.
Os corpos são exibidos ao lado dos objetos e confundem-se com eles. Hoje tudo vira mercadoria, e os criadores das comunidades sabem disso. Se as pessoas sentem-se cada vez mais sós, há aí uma chance de o mercado lucrar com a necessidade humana de agrupamento. "Onde há necessidade há chance de lucro, e os especialistas em marketing levam sua engenhosidade ao limite para indicar maneiras de adquirir em lojas a solidariedade, o sorriso amigo, o convívio ou a ajuda no momento de necessidade" (Bauman, 2004, p. 91). Os vínculos são transportados para um outro domínio, governado pelo mercado.
Redes sociais e mercado de consumo
A publ icidade está presente de forma contundente nas redes sociais. Um líder de comunidade comentou que as propagandas invadiram as comunidades do Orkut. Os criadores das comunidades buscam alcançar os ideais contemporâneos, quais sejam, o sucesso e a fama através da mídia, e o ganho financeiro que pode advir disso. O Gordo Nerd, um famoso criador de comunidades, diz que, graças à sua fama na internet, conseguiu comprar uma cobertura no Leblon, tem um Porsche na garagem e entra "nas melhores festas do eixo Rio-SP de graça". Mesmo que ele não esteja falando sério, já que é um fake, os objetos de consumo mencionados por ele ilustram os valores atuais.
O Orkut é, ao mesmo tempo, produto e produtor da cultura do consumo. O termo sociedade de consumo designa uma nova formação social que se consolida, sobretudo a partir da segunda metade do século XX, e na qual a lógica dominante já não é mais determinada pela produção de objetos, serviços e bens materiais e culturais, mas por seu consumo acelerado (Baudrillard, 1970). Ele representa uma reorganização que abrange todos os setores da sociedade, desde a produção tecnológica de ponta e a computadorização da vida quotidiana até os processos que regulam as relações entre os indivíduos e a própria constituição do sujeito psíquico. As comunidades são utilizadas como espaços de publicidade não só pelas empresas interessadas na divulgação de seus produtos, mas também pelos próprios adolescentes, que comentam e divulgam os mais variados produtos.
A multiplicidade e a horizontalidade nas redes sociais
Constatamos que a maioria dos adolescentes pertence a muitas comunidades, mas quase não as frequenta, e praticamente não posta comentários em seus fóruns de discussão. A contemporaneidade é descrita por diversos autores como um período histórico que tem como características fundamentais a grande velocidade de transformações, a globalização, a convivência com contradições (dentre elas o global e o local), a relatividade de valores, o acúmulo de informações, a alta informatização, o avanço tecnológico e o predomínio da imagem. Tais características colocam o homem diante de um mundo fragmentado, com múltiplas referências, tudo isso associado ao declínio da autoridade e ao crescimento do individualismo, onde a ética pessoal muitas vezes suplanta qualquer tentativa de estabelecimento de uma ética comum a todos, universal.
São inúmeras as possibilidades de identificação para os jovens no ambiente virtual. Diante da multiplicidade de opções, as escolhas estão mais difíceis para os jovens a cada dia. Assim, um mesmo adolescente pode participar de 900 comunidades. Se ele busca definir-se a partir dessas ofertas de identificação, questionamos como ele constrói sua identidade diante dessa pluralidade identificatória e como são estabelecidos os laços sociais hoje.
A maioria dos laços constituídos através do Orkut não se estende para fora do universo virtual. Essa forma de relacionamento, pontual e evanescente, não seria própria da contemporaneidade? O laço social na modernidade era orientado por um eixo vertical. As famílias organizavam-se em torno a ou em nome de (Forbes, 2004). A família, a empresa e a nação eram estruturas triangulares ou piramidais, com um ápice ideal e aglutinador. O pai (e/ou seus representantes) detinha as chaves do saber seguro. Ocupando o ápice da pirâmide, ele orientava os membros da família. Com a globalização, o saber consagrado desde os iluministas virou apenas um saber, no meio de uma multiplicidade de saberes, possuindo todos o mesmo valor. Forbes (2004) acrescenta que o homem ficou desbussolado, sem a orientação dada pelo pai, sem o saber que lhe assegurava o caminho a seguir. O homem atual não sabe o que fazer nem o que escolher, entre os vários futuros que lhe são possíveis. A queda dos ideais clássicos e a pluralização de novos ideais levam a uma fragmentação, que determina a época contemporânea.
Não existem mais os grandes líderes. A identificação vertical com o líder foi substituída pela horizontal, com os pares, claramente ampliada pela informática. Atualmente, vivemos em rede, onde temos acesso a qualquer tipo de informação. Não existe um líder que detém um saber e nos transmite o conhecimento, mas obtemos rápida e livremente qualquer tipo de informação, sem limites e sem barreiras temporais ou geográficas. O declínio da autoridade permite que qualquer um se autorize pela informação que oferece. São milhares de informações na rede, que se multiplicam a cada instante. Os adolescentes hoje não buscam um mestre, mas um supostamente semelhante. Eles buscam essa identificação horizontal com o grupo de semelhantes no espaço virtual. Todos querem escrever sobre si, escrever as próprias ideias na rede (Lima, 2009).
Os fakes como líderes virtuais dos adolescentes
Através da investigação de algumas dessas comunidades e do acesso a entrevistas realizadas com alguns líderes famosos de comunidades (Esteves, 2008), concluímos que esses líderes virtuais tornam-se muitas vezes modelos para os adolescentes, que passam a segui-los, a copiar seus estilos, frases e comportamentos. Algumas respostas dos líderes de comunidades entrevistados são ilustrativas dessa função de referência de identificação exercida pelos líderes para os jovens. Segundo o Gordo Nerd,
Muito se fala em "humor orkutiano". É inegável que determinados grupos passaram a difundir estilos, tendências e comportamentos através do orkut. Como se trata de um site presente no dia-a-dia de milhares de pessoas, isso se dissemina fácil e muito rapidamente computador afora. Acho que a maneira de fazer rir pegou uma carona despretenciosa nesse movimento. Quem nunca se pegou rindo, na fila do supermercado, ao lembrar-se daquela comunidade: Posso pagar com o corpo? (Gordo Nerd, 2008, p. 11).
As pessoas comentam sobre as comunidades do Orkut fora do espaço virtual, mostrando a influência das redes socais virtuais para além do ciberespaço. S. P., que assumiu a liderança das comunidades de um outro criador, mostra-se vaidoso por ter sido escolhido pelo criador para ser o líder de comunidades que faziam tanto sucesso, e, contraditoriamente, assume um ar crítico com relação ao Orkut, ironizando os seus seguidores: "os fãs são facilmente manipuláveis, pelo menos em sua maioria, e boa parte sofre de aerose cerebral. Fica fácil". Outra líder de comunidade, a Dona Geo, que tem uma comunidade com mais de 800.000 membros, comenta: "Hoje eu sei que sou uma influência no Orkut, como diz o avô do Spider Man: um grande poder traz uma grande responsabilidade...". Ela fala do grande número de adolescentes que a segue e afirma que tenta ser uma "boa influência" para eles.
Os líderes das comunidades revelam que escolheram ser um fake para manterem suas privacidades, para se protegerem contra os fãs "doidos". Sabemos que o anonimato na internet funciona como uma proteção e facilita o desprendimento, a liberdade, provoca um afrouxamento da censura e das regulações sociais, permitindo a não implicação, a desresponsabilização. Assim, um fake pode criticar ou agredir quem quiser, como o faz S. P., sem ter que se responsabilizar pelo que diz.
A internet produz os seus ídolos, fakes, personagens fictícios, que se tornam famosos por lançarem na rede uma frase engraçada, romântica ou "sem-sentido". Os líderes virtuais não precisam produzir grandes feitos, serem destemidos e nem mesmo muito criativos. Basta escrever uma frase que atraia a atenção dos jovens. Alguns líderes são mais criativos, outros repetem frases prontas. Os líderes famosos possuem várias comunidades, muitas vezes caracterizadas por um estilo comum. Os seguidores dos líderes costumam acompanhá-los em todas as suas comunidades, copiando o seu estilo. Como diz um dos líderes: "cada líder tem sua tribo...". S. P. disse que já foi perseguido por duas "fãs alucinadas". E. W, líder de várias comunidades, disse que existem as "Marias-comunidade", meninas que se apaixonam pelos líderes, e comenta: "Em terra de Orkut quem tem comunidade grande é rei". Mas existem muitas pessoas que têm Orkut e que não seguem líderes, escolhendo suas comunidades apenas pelos seus títulos e/ou pelas imagens. De qualquer forma, o Orkut estabeleceu uma cultura, criando estilos, imagens, discursos e tendências.
Na época atual, marcada pela horizontalidade das relações e pelo declínio dos grandes ideais, o papel da liderança parece apresentar um novo estatuto. Os adolescentes escolhem como líderes os semelhantes. Os líderes são jovens, compartilham dos mesmos interesses e utilizam a mesma linguagem dos adolescentes. As relações estabelecidas com os líderes das comunidades são puramente virtuais, não há encontro presencial. Os adolescentes sabem que os líderes são fakes. Essas relações são marcadas pela fragilidade e instantaneidade. Diante da multiplicidade de ofertas na internet, os adolescentes mudam frequentemente de comunidade e trocam de líder com a mesma facilidade.
Uma padronização das narrativas
Constatamos, nas narrativas das 50 comunidades do Orkut pesquisadas, um padrão de discurso pouco variável, regido pelo mercado. Os temas e as frases são semelhantes, são comuns as referências ao corpo e aos objetos de consumo. Enquanto alguns adolescentes seguem os criadores de comunidades, outros tentam copiar os próprios pares na internet, repetindo seus discursos, fotos e poses, numa tentativa de inserir-se nesse universo virtual, de ser aceito pelo grupo de iguais.
Na atualidade existe uma maior dificuldade dos jovens no processo de construção identidária, em função da queda dos grandes ideais sociais e da multiplicidade de referências identificatórias. Essa multiplicidade apresenta duas facetas: por um lado, sugere uma maior liberdade de opções; por outro lado, esse excesso gera angústia e dificuldade para a realização de escolhas. Além disso, essa aparente multiplicidade de opções revela poucas opções realmente criativas, originais.
Diálogos ou monólogos coletivos?
Os fóruns de discussão não se constituem propriamente como espaços de debates. Os próprios criadores de comunidades não se interessam pelos debates, querem apenas lançar suas ideias e "ver se pega", se faz sucesso. Na maioria dos fóruns de discussão das comunidades, as frases soltas não se encadeiam entre si e não se concluem. Como adverte Bauman (2004), nas conversas virtuais, o mais importante não são as mensagens em si, mas seu ir e vir, sua circulação, que constitui a mensagem - não importa o conteúdo. Pertencemos a um fluxo constante de palavras e sentenças inconclusas.
A ascensão do individualismo e as redes sociais
A maior parte das discussões nos fóruns das comunidades gira em torno das fotos pessoais. Em sequência, os temas mais comuns nas discussões são: o amor (mais frequente entre meninas), sexo, amizades, humor ou futebol (mais frequente entre meninos). São também comuns temas que envolvem decepções amorosas, angústia, tristeza e sintomas "contemporâneos", tais como anorexia, bulimia e depressão.
Como resultado da ascensão do individualismo na contemporaneidade, o importante hoje é "a minha felicidade", "o meu sucesso" ou "a minha angústia" e raros são os temas que envolvem causas sociais ou questões políticas. Castoriadis (2002) descreve a época atual como a de um conformismo generalizado, definido pela privatização da vida social como produto da crise das significações imaginárias sociais. Essa crise se agrava devido à crise do processo identificatório. Há um declínio ou deslocamento dos locais onde se dava a socialização, pois, na atualidade, esses locais não se instituem como moradas de sentidos. Segundo o autor, a família e a escola, instituições centrais de humanização do indivíduo, assim como as outras instituições sociais, atravessam atualmente uma forte crise de sentidos e valores. Essa crise, associada à lógica capitalista, faz com que os adolescentes associem a felicidade à imagem corporal e à aquisição de bens de consumo. Os adolescentes não se interessam pela escola. Os professores e as autoridades não se constituem mais como referências de identificação e os jovens encontram-se desbussolados. Como resultado, surge uma passividade diante da vida. Não é por acaso que a comunidade mais populosa criada pelo Gordo Nerd é a Tédio acabou de entrar.
Considerações finais
O avanço tecnológico tem promovido a ascensão do individualismo e a tecnificação da vida, com o consequente declínio da participação política das pessoas e o apagamento das diferenças individuais. É o que acompanhamos no Orkut. Apesar das diferentes formas de utilização das redes sociais virtuais, constata-se nas comunidades pesquisadas o predomínio de uma padronização dos discursos, imagens e significados sociais, que obedece à lógica do mercado capitalista.
A leitura das narrativas dos fóruns de discussão dos adolescentes nas comunidades do Orkut pesquisadas mostrou uma liquefação dos laços sociais nas redes sociais virtuais. Os adolescentes participam de centenas de comunidades, têm milhares de amigos, mas, frequentemente, não os conhece pessoalmente. Os diálogos nas redes sociais são, em sua maioria, breves e inconclusivos. Bauman (2004) ressalta que, na cultura contemporânea, as relações virtuais parecem feitas sob medida para o líquido cenário da vida moderna, em que as possibilidades de laços surgem e desaparecem numa velocidade crescente e em volume cada vez maior, aniquilando-se mutuamente, já que é fácil entrar e sair dos relacionamentos virtuais. Eles parecem inteligentes e limpos, fáceis de usar, compreender e manusear: "Sempre se pode apertar a tecla de deletar" (p. 13). Os compromissos hoje são irrelevantes, as pessoas substituem as parcerias pelas redes quando estar em movimento torna-se uma necessidade. "A introspecção é substituída por uma interação frenética e frívola que revela nossos segredos mais prof undos juntamente com nossas listas de compras" (p. 52). O íntimo e o público misturam-se e confundem-se na internet. Falar da última transa, oferecer-se para quem quiser "pegar" é a mesma coisa que falar sobre viagens ou compras. Ainda, segundo Bauman (2004), é mais importante ter milhões de amigos na internet do que a qualidade dessas relações: "Quando a qualidade o decepciona, você procura a salvação na quantidade. Quando a duração não está disponível, é a rapidez da mudança que pode redimi-lo" (p. 77).
A crise de valores e significados sociais da contemporaneidade, associada à ascensão do individualismo e da tecnologia, tem promovido uma crise da criatividade e dos laços sociais. Para Castoriadis (2002), as sociedades ocidentais atravessam uma grave crise, cujos principais sintomas são o conformismo generalizado, o desaparecimento gradual do conflito social e político e a crise das significações imaginárias sociais. Há o desaparecimento das significações e valores, que deixa os cidadãos sem bússola. Para o autor, a crise atual é política no sentido mais amplo do termo, crise tanto da criatividade e da imaginação quanto da participação política dos indivíduos. Ele acredita que os objetos, diante do crescimento acelerado da tecnociência, da privatização e do individualismo reinantes, exercem um poder que parece incontrolável. Assim, não só estamos ligados à técnica, mas determinados por ela. No entanto, ele defende a ideia de que, como sujeitos sociais construtores de nossa história, podemos pensar em um campo de ação política, de resistência, que acompanhe o avanço tecnológico e o oriente em função dos nossos desejos. Como salienta Bauman (2004), a sobrevivência e o bem-estar da sociedade dependem da imaginação, inventividade e coragem humanas de quebrar a rotina e tentar caminhos não experimentados, de viver com riscos e de aceitar a responsabilidade pelas consequências.
Considerando a noção de sujeito como aquele que tem supremacia sobre a tecnologia, usando-a e não sendo utilizado por ela, cabe considerar que, apesar de uma tendência atual à massificação e ao apagamento das subjetividades, como resultado da lógica capitalista e da globalização, as redes sociais virtuais nos mostram diferentes possibilidades de utilização. Elas tanto podem servir ao apagamento das diferenças individuais, padronizando discursos, imagens e significados, como também podem servir às manifestações singulares e criativas, favorecendo a reflexão crítica e o laço social. Para Guatarri (1999), é possível acreditar em formas alternativas de reapropriação existencial e de autovalorização, que se tornarão a razão de viver de coletividades humanas e de indivíduos que se recusam a entregar-se à entropia mortífera, característica do período atual.
Defendemos a hipótese de que é possível a utilização das redes sociais como espaço democrático, de manifestação das diferenças individuais, de reflexão crítica e de construção coletiva. Para tanto, fazse necessário que o sujeito assuma uma posição ativa diante da tecnologia, recusando o papel de receptor passivo das informações, analisandoas criticamente, questionando os significados sociais, sabendo das implicações de seu dizer "em rede" e responsabilizando-se por ele. Acompanhamos a cada dia as consequências nefastas de exposições públicas inadequadas e de usos perversos das informações em rede.
As redes sociais podem ser utilizadas, no campo da educação, como espaço coletivo de discussão e de construção de saber, mediada pelo professor. A escola pode incentivar o debate sobre as várias formas de utilização das redes sociais, seus efeitos e irreversibilidades, favorecendo a posição crítica e ativa diante dos dispositivos tecnológicos. É preciso considerar, porém, que as redes sociais funcionam numa lógica de descentralização de poder, de horizontalidade das relações e das informações, colocando em cheque os papéis tradicionais da escola e do professor.
As redes sociais têm aberto uma série de possibilidades, antes inimagináveis. Ativistas e oposicionistas utilizam a internet para convocar as pessoas para protestos contra governos autoritários e ditatoriais, em defesa da democracia; pessoas encontram parentes desaparecidos através de redes sociais da internet; adolescentes agrupam-se e encontram possibilidades de expressão nas comunidades virtuais; grupos minoritários excluídos organizam-se em defesa dos seus direitos; projetos sociais são construídos e encontram apoio na internet; e assim por diante. Como lembra Bauman (2004), a necessidade de solidariedade entre as pessoas, que se esforçam por construir vidas compartilhadas e torná-las possíveis, parece suportar as agressões do mercado e sobreviver a elas.
Referências
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Endereços para correspondência
Nádia Laguárdia de Lima
nadia.laguardia@gmail.com
Eduardo Pio de Souza
piodesouza@yahoo.com.br
Alice Oliveira Rezende
aliceorezende@gmail.com
Ana Carolina Roritz Mesquita
anacarolinaroriz@hotmail.com
Submetido em: 20/09/2012
Revisto em:17/01/2013
Aceito em: 17/01/2013
1 Artigo referido à pesquisa realizada com apoio do Programa Institucional de Auxílio à Pesquisa de Doutores RecémContratados da PróReitoria de Pesquisa da Universidade Federal de Minas Gerais (2010)