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Arquivos Brasileiros de Psicologia
versão On-line ISSN 1809-5267
Arq. bras. psicol. vol.66 no.1 Rio de Janeiro 2014
ARTIGOS
Interações entre avós e netos em instituição de acolhimento infantil
Interactions between grandparents and grandchildren in a shelter for children
Interacciones entre abuelos y nietos en centro de acogida infantil
Tamires Santos Rufino e SilvaI; Celina Maria Colino MagalhãesII; Lília Iêda Chaves CavalcanteIII
IMestranda. Programa de Pós Graduação em Teoria e Pesquisa do Comportamento. Universidade Federal do Pará (UFPA). Belém. Pará. Brasil
IIDocente. Programa de Pós Graduação em Teoria e Pesquisa do Comportamento. Universidade Federal do Pará (UFPA). Belém. Pará. Brasil
IIIDocente. Programa de Pós Graduação em Teoria e Pesquisa do Comportamento. Universidade Federal do Pará (UFPA). Belém. Pará. Brasil
RESUMO
Esta pesquisa teve por objetivo descrever aspectos das interações entre avós e netos em situação de acolhimento institucional e analisá-los na perspectiva da bioecologia do desenvolvimento humano. O estudo foi realizado em uma instituição de acolhimento infantil localizada na Região Metropolitana de Belém. Participaram 25 avós e 31 crianças. Foi utilizado o método de observação naturalística, e o registro das visitas se deu de forma cursiva, privilegiando-se a descrição das interações entre avós e netos durante o tempo de duração da visita. Os resultados demonstraram que a maioria dos avós interagia de maneira afetuosa e lúdica com o neto, aspecto que pode ser considerado positivo porque aumenta a chance de a criança ser reinserida no seio de sua família de origem de modo seguro. Sugere-se, assim, a realização de novos estudos que levem em consideração a importância dos avós no processo de reintegração familiar da criança.
Palavras-chave: Desenvolvimento Infantil; Avós; Crianças Institucionalizadas.
ABSTRACT
This research aims to describe aspects of the interactions between grandparents and grandchildren in a situation of institutional care and analyze them from the perspective of bio-ecology of human development. The study was conducted in a child care institution located in the Metropolitan Region of Belém participated in 25 grandparents and 31 children. The method of naturalistic observation and recording of the visits was used occurred in a cursive form, privileging the description of interactions between grandparents and grandchildren during the duration of the visit. The results showed that most grandfathers interacted affectionate and playful with his grandson, an aspect that can be considered positive because it increases the chance of the child so be reinserted into the bosom of his family home safely. Thus, it is suggested that new studies that take into account the importance of grandparents in the process of family reintegration of the child.
Keywords: Child development; Grandparents; Institutionalized children.
RESUMEN
Esta investigación pretende describir aspectos de las interacciones entre abuelos y nietos en una situación de atención institucional y analizarlos desde la perspectiva de la bio-ecología del desarrollo humano. El estudio se llevó a cabo en una institución de cuidado de niños ubicada en la Región Metropolitana de Belém (PA), Brasil, del que participaron 25 abuelos y 31 niños. Se utilizó el método de observación naturalista y el registro de las visitas se realizó de forma cursiva, privilegiando la descripción de las interacciones entre los abuelos y los nietos durante la visita. Los resultados mostraron que la mayoría de los abuelos interactuaban cariñosos y juguetones con sus nietos, un aspecto que puede considerarse positivo, ya que aumenta la posibilidad de que el niño se reinserte en el seno de su familia de origen con seguridad. Se sugiere, además, llevar a cabo nuevos estudios que tengan en cuenta la importancia de los abuelos en el proceso de reintegración familiar del niño.
Palabras clave: Desarrollo infantil; Abuelos, Los niños institucionalizados.
Introdução
Em função das mudanças socioeconômicas e culturais em curso desde a segunda metade do século XX, várias têm sido as alterações na vida de homens e mulheres, adultos e crianças, desencadeando a necessidade de compreender melhor as relações pessoais, os laços parentais e as novas configurações familiares, como apontado no estudo de Siqueira, Dell'aglio e Lopes (2008), o qual destaca que a instituição família vem sofrendo modificações através da história, caracterizando-se por redefinições de papéis, hierarquia e sociabilidade, o que permite diferentes configurações familiares. O ingresso das mulheres no mercado de trabalho e o aumento da expectativa de vida são exemplos de tendências e comportamentos que alteraram a dinâmica familiar, propiciando que outras pessoas, além dos pais, desempenhem atribuições próprias do cuidado com as crianças no ambiente doméstico. Tal fato é observado no estudo de Lopes, Neri e Park (2005), assim como no de Fuller-Thomson e Minkler (2001), os quais demonstram que, devido a mudanças diversas, tem havido um aumento considerável de casos em que os avós passam a desempenhar o papel de pais, em alguns casos com todas as funções parentais pertinentes.
Um exemplo desse novo papel dos avós é salientado por A. C. Cardoso (2011), quando enfatiza que, no contexto atual, os pais, diante das múltiplas responsabilidades referentes ao cuidado com os filhos, encontram sérias dificuldades para conciliar as atribuições profissionais, pessoais e parentais. Dessa forma, a autora afirma que os avós, especialmente as avós maternas, têm sido chamados a participar efetivamente da criação dos netos para que a mãe e/ou o pai possam desempenhar suas múltiplas funções, como exige a sociedade atual.
Os avós de hoje são pessoas que estão dispostas a ajudar na condução da vida familiar, sobretudo em momentos de maior dificuldade (Sampaio, 2008), tornando-se figuras ativas e presentes nesse contexto ecológico, nos moldes em que pensou Bronfenbrenner (1996). Desse ponto de vista, os avós emergem no cenário contemporâneo como uma forma de apoio social com que os pais contam rotineiramente para a tarefa de cuidar de suas crianças e educá-las. Na convivência cotidiana em família, os avós se preocupam em passar para os descendentes, em especial os netos, as lições por eles extraídas dos acontecimentos de suas próprias histórias de vida. Essa convivência, sob a ótica proposta por Bronfenbrenner (1996), pode ser vista como relações microssistêmicas, envolvendo contatos de proximidade (com interações face a face) entre avós e netos, estabelecidos no cotidiano e em seu ambiente imediato.
Nesses termos, pode-se afirmar que tanto a família quanto as instituições que cuidam das crianças e as educam funcionam efetivamente como contextos de desenvolvimento humano, na medida em que contemplam um complexo de atividades, papéis e relações que caracteriza o ambiente ecológico, como explica Bronfenbrenner (1996). Para ele, os ambientes e as estruturas interpessoais na família e nas instituições infantis são importantes contextos de desenvolvimento, uma vez que a relação da criança com seu cuidador pode ser analisada em uma perspectiva bioecológica (Bronfenbrenner, 2011), destacando-se os elementos que traduzem tanto as características pessoais como as contextuais.
Dentro dessa perspectiva bioecológica, a concepção de desenvolvimento compreende a relação da criança e do espaço em que se encontra por meio de quatro dimensões inter-relacionadas que participam da construção do seu desenvolvimento biopsicossocial, a saber: Pessoa, Processo, Contexto e Tempo.
A dimensão Pessoa é compreendida por características biológicas, físicas e psicológicas em interação com o meio ambiente, sendo mais bem definida a partir da compreensão de suas disposições, recursos e demandas. As disposições são características pessoais que podem interferir no sentido de promover ou retardar determinados aspectos do futuro da criança em desenvolvimento. A dimensão Processo nessa pesquisa está representada pela interação recíproca entre díades desenvolvimentais formadas pela pessoa em estudo e seus diferentes objetos de interação, que incluem parceiros, símbolos e objetos (Bronfenbrenner, 2011). A dimensão Tempo consiste na sucessão de eventos, que, segundo Bronfenbrenner (2011), constituem a história e o cotidiano de uma pessoa, servindo como um organizador social e emocional que direciona para a estabilidade e instabilidade dos eventos no ciclo vital ou diário. A dimensão Contexto refere-se ao meio ambiente ecológico, definido, segundo Bronfenbrenner (2011), por quatro sistemas concêntricos e suas interconexões: microssistema, mesossistema, exossistema e macrossistema.
Considerando a criança uma pessoa em desenvolvimento, A. C. Cardoso (2011) analisou aspectos da condição psicossocial da mesma em situação de acolhimento institucional, como estudo anterior de Cavalcante, Magalhães e Pontes (2007). Na maioria dos casos observados, as crianças tinham nos avós figura de referência familiar destacada, seja porque moravam juntos antes mesmo do seu encaminhamento à instituição e mantinham entre si forte laço afetivo, seja porque durante o período de acolhimento esses familiares visitavam regularmente a criança. Geralmente, por isso, os avós têm sido indicados a receber os netos de volta em casa, assumindo muitas vezes sua guarda jurídica, medida de proteção especial frequentemente adotada por autoridades e técnicos da área como alternativa à institucionalização precoce e/ou prolongada da criança, que, presumidamente, tantos prejuízos impõem ao desenvolvimento, como observado por V. S. Cardoso (2010).
Bronfenbrenner (1996), ao revisar a literatura sobre a experiência da institucionalização e seus efeitos para o desenvolvimento humano, levantou estudos e experimentos cujos resultados reforçam a tese de que indivíduos negligenciados nos cuidados maternos e privados da convivência na família por toda a infância podem até não sofrer danos severos e/ou irreversíveis em seu desenvolvimento. Para que isso aconteça de fato, é fundamental melhorar a qualidade do cuidado oferecido nas instituições infantis e encurtar o tempo passado pela criança nesses espaços de acolhimento, prevenindo ou atenuando os efeitos nocivos dessa experiência de privação. Adicionalmente, pode-se dizer que, como estratégia de prevenção do cuidado substituto em ambiente institucional, o envolvimento dos avós tem sido utilizado para minimizar os efeitos da longa permanência de crianças nesse tipo de espaço.
A institucionalização é uma medida de proteção utilizada sempre que crianças e/ou adolescentes se encontram em situação de vulnerabilidade social, tendo seus direitos violados. Entretanto, conforme o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA, 1990), essa deve ser uma medida provisória, visto que é direito de toda criança e/ou adolescente conviver em família e em comunidade. O retorno ao convívio familiar deve ocorrer assim que a família apresentar condições favoráveis para o retorno da criança, consolidando o caráter provisório dessa medida (ECA, 1990). Conforme as orientações técnicas dos serviços de acolhimento para crianças e adolescentes (Brasil, 2009), toda instituição de acolhimento deve promover o restabelecimento e a preservação dos vínculos familiares; comunicar às autoridades jurídicas, periodicamente, os casos em que se mostre inviável ou impossível o reatamento dos vínculos familiares; reavaliar periodicamente cada caso, comunicando os resultados às autoridades competentes; manter programas destinados ao apoio e acompanhamento de egressos, entre outras determinações. Na prática, a equipe da instituição de acolhimento avalia os casos e propõe um plano de desligamento para a família, podendo incluir condições que devem ser alcançadas por esta para que o desligamento ocorra. O desligamento ocorre a partir da emissão de um parecer ao Juizado da Infância e Adolescência favorável ao retorno da criança ou adolescente, após ter sido avaliado se as condições propostas foram alcançadas. O desligamento ocorre somente com uma guia de desligamento emitida pelo Juizado da Infância e Adolescência.
O estudo de Siqueira, Zoltowski, Giordani, Otero e Dell'Aglio (2010) mostrou que a preparação prévia das famílias para que aconteça a reunificação é um elemento facilitador para o sucesso da reinserção familiar. Isso porque, ao se fazer uma análise do comportamento de crianças institucionalizadas, conforme explicaram Zem-Mascarenhas e Dupas (2001), alguns aspectos sociais têm se revelado determinantes de risco para o desenvolvimento, como maus-tratos sofridos antes de chegar à instituição, normalmente perpetrados pela família biológica, mas também a vivência anterior na instituição e a permanência prolongada na mesma.
Nesse sentido, a preparação para o retorno ao convívio com a família de origem, onde sobressaem as figuras da mãe e da avó (Siqueira et al., 2010), depende supostamente das particularidades que caracterizam o caso e dos fatores de risco nele envolvidos, podendo abranger desde a inclusão da família em programas de moradia, educação e alimentação até o acompanhamento e tratamento de abuso de drogas, entre outros. Por exemplo, visitas frequentes dos pais e/ou outros familiares às crianças afastadas da família têm sido consideradas um poderoso fator para a efetivação da reunificação familiar (Siqueira et al., 2010). Os autores observaram que as crianças que receberam visitas periódicas de seus pais e/ou outros familiares tiveram mais chances de retornar para casa. É necessário destacar que o processo é realizado com a participação ativa da família, sendo este fator fundamental para o processo de reinserção familiar. Essas visitas são acompanhadas e planejadas, possuindo objetivos claros e definidos em concordância com os pais e/ ou outros familiares. Segundo esses autores, pais/familiares necessitam de ajuda para aprender como interagir de maneira positiva com seus filhos e como aproveitar esse momento que é essencial para que ocorra o quanto antes o retorno da criança ao convívio família.
Da implementação do ECA até hoje passaram-se mais de 20 anos, e se observa que as mudanças esperadas no sistema de garantia de direitos vêm ocorrendo de forma lenta e gradual. No que se refere à produção acadêmica, veem-se avanços consideráveis no âmbito nacional, com aumento do interesse por esse tema de pesquisa (Martins & Szymanski, 2004; Siqueira & Dell'aglio, 2006). Todavia, o foco desses trabalhos têm sido os efeitos da institucionalização para o desenvolvimento e as relações adulto-criança e criança-criança em espaços de acolhimento (Cavalcante, 2008). Em menor proporção parecem estar os trabalhos que focalizam a figura dos avós, reconhecendo-os como importantes agentes no processo desenvolvimental, inclusive da criança que está crescendo em instituições.
Nesse sentido, este estudo teve como objetivo verificar como ocorriam as interações de crianças, nessa condição especial, com seu avô e/ou avó, no momento em que estes familiares as visitavam no ambiente da instituição, a fim de apontar aspectos característicos da qualidade das interações mantidas por essas díades, assim como refletir sobre possíveis implicações dessa experiência no desenvolvimento infantil.
Método
Participantes
Fizeram parte do estudo 25 avós, sendo 21 do sexo feminino e quatro do sexo masculino, na faixa etária de 37 a 70 anos; e 31 crianças, na faixa etária de zero a seis anos, sendo 13 meninas e 17 meninos, que estavam em situação de acolhimento institucional.
Ambiente
A coleta de dados ocorreu em um espaço destinado ao serviço de acolhimento infantil, sendo o pátio da instituição (comumente chamado de barracão) o local destinado aos familiares para a visita às crianças e, por isso, propício à observação das interações entre avós e netos.
O espaço de acolhimento infantil localiza-se no Estado do Pará, na Região Metropolitana de Belém. A instituição é uma unidade vinculada a uma estrutura de governo na área da Assistência Social. Este serviço é responsável pelo acolhimento de crianças, de ambos os sexos, na faixa etária de zero a seis anos, em situação de risco social e pessoal, conforme define o ECA.
Instrumentos e técnicas
Foram registrados, de maneira cursiva, dados sobre as interações estabelecidas entre as crianças e seus avós no momento da visita que estes lhes faziam no espaço da instituição. Posteriormente, esse registro dos dados foi transcrito para uma ficha preparada especificamente para esse fim, onde eram descritas as interações estabelecidas entre avós e netos durante a visita, procurando identificar características do ambiente institucional pesquisado e as condições gerais em que esse tipo de convivência acontecia para os participantes da pesquisa.
Procedimento da coleta de dados
O estudo teve início com o período de autorização judicial para a realização da pesquisa nas dependências da instituição selecionada. Posteriormente, foi submetido e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa em Seres Humanos CEP-ICS/UFPA do Instituto de Ciências da Saúde da Universidade Federal do Pará, cujo protocolo foi registrado sob o número 146/11.
Em seguida, foram feitos contatos iniciais da pesquisadora com as crianças e seus familiares no momento em que ocorria a visita, salvaguardando que isso não alterasse de maneira substancial a dinâmica das interações no momento em que se observava o desenrolar da visita. A coleta de dados foi realizada em dois momentos: o primeiro envolveu as observações das interações ocorridas entre a criança que se encontrava em acolhimento institucional e sua avó e/ou avô que costumava visitá-la, sendo dado destaque às formas interacionais (o que faziam conjuntamente, por exemplo); em um segundo momento, a coleta de dados incluiu as condições socioeconômicas das crianças, as quais foram buscadas em fontes documentais (prontuários cedidos pela instituição) e fontes primárias (entrevista com os avós).
Análise de dados
Os dados coletados para a caracterização dos participantes e descrição do modo como eram estabelecidas as interações entre as crianças e seus avós foram organizados em planilhas do programa Excel (Microsoft), sendo esta uma ferramenta útil não apenas para armazenar os registros sobre a condição sociofamiliar dos participantes, como também para destacar o conteúdo das interações. Os dados foram organizados em torno de categorias construídas no decorrer desse procedimento de análise, conferindo, contudo, especial atenção aos episódios em que foi possível observar o comportamento de cuidado entre avós e netos, como: servir alimentos, pentear o cabelo e brincadeiras entre as díades.
Para analisar as sessões de observação, utilizou-se o sistema de categorias constituído a partir dos quatro núcleos do Modelo Bioecológico do desenvolvimento humano proposto por Bronfenbrenner (2011). Nesse sentido, a lógica que organiza as bases teóricas da bioecologia do desenvolvimento humano é apresentada a partir de quatro aspectos multidirecionais inter-relacionados, que compreendem o modelo Pessoa, Processo, Contexto e Tempo (PPCT). Dentro da categoria Pessoa (a criança em acolhimento institucional) consideraram-se as seguintes subcategorias: sexo, idade, tempo de permanência, escolaridade, motivo do acolhimento, características pessoais, situação sociojurídica e responsável familiar. A categoria Processo (interações ocorridas entre avós e netos no momento da visita) foi divida em três subcategorias: início, meio e fim. A categoria Contexto foi divida em três subcategorias: ambiente físico, ambiente social e características da avó/avô. E, por último, a categoria Tempo foi divida em três subcategorias: duração da visita, frequência com que o avô e/ou avó ia até instituição visitar seu neto e tempo em que as díades permaneciam em interação durante a visita.
Resultados e discussão
Neste estudo, orientando-se pela perspectiva teórica e metodológica que procura investigar aspectos da bioecologia do desenvolvimento humano, a criança representa a Pessoa em desenvolvimento, e os avós são parte do Contexto com o qual ela está em interação, aqui caracterizado pela instituição de acolhimento infantil na qual reside e que contempla atividades, relações e papéis constituintes desse microssistema específico. Isso significa que os dados da interação entre avós e netos foram observados, registrados, categorizados e analisados de forma a melhor compreender as interações como Processos constituintes da bioecologia do desenvolvimento dessas crianças, considerando-se especialmente as dimensões que definem o contexto, a frequência e a duração das visitas e a quantidade do Tempo passado junto nesses encontros.
Por meio de consulta aos prontuários e análise dos documentos que compõem os processos jurídicos, verificou-se que, dentre as crianças, 45,16% eram do sexo feminino e 54,84% do sexo masculino. 45,16% delas tinham no máximo 12 meses, enquanto 54,84% eram meninos que possuíam idade mais elevada. Quanto ao tempo de permanência na instituição, 48,39% das crianças estavam lá há menos de seis meses, as demais superavam essa marca. Em relação ao motivo do acolhimento, 36% das crianças foram encaminhadas por abandono familiar, 60% em função da negligência dos pais e outros cuidadores e 4% por causa de abuso sexual. No total das 31 crianças, havia sete grupos de irmãos, o que envolvia um total de 16 crianças, enquanto 15 delas não tinham esse tipo de companhia na instituição. Quanto à escolaridade dos pesquisados, 67,74% encontravam-se fora da escola, pois ainda não tinham idade suficiente para frequentá-la; 22,58%, apesar de se encontrar em idade escolar, ainda não frequentavam a escola; e 9,68% estavam estudando. No que se refere à situação sociojurídica, 16% delas retornaram para a família nuclear, 20% foram direcionadas para a família extensa, 48% continuam acolhidas na instituição, 8% foram desligadas (transferidas para outra instituição) e 8% foram morar com a madrinha. Em relação a quem era o responsável familiar pelas crianças, em 28% dos casos eram as avós, em 56% dos casos era a mãe e em 16% dos casos eram os genitores, ou seja, a mãe e o pai.
De acordo com os registros observacionais, o ambiente físico em que ocorreu a maior parte dessas interações foi principalmente o barracão, além do corredor dos dormitórios e o playground. No que tange ao ambiente social, frequentemente, avós e netos ficavam rodeados dos familiares de outras crianças também acolhidas pela instituição. Eles ocupavam esses espaços durante o tempo em que durava a visita aos filhos, netos, sobrinhos ou crianças com qualquer outro parentesco. Foi possível notar que, nessas ocasiões, geralmente foram registradas contínuas interações dos avós com seus netos no momento em que visitavam as crianças. Eles trocavam ideias quanto à experiência comum do acolhimento institucional que as crianças vivenciavam.
Como dados do contexto observado, foram analisadas também características dos avós das crianças reconhecidas como pessoas em desenvolvimento. Dentre os 25 avós pesquisados, 84% eram do sexo feminino e 16% do sexo masculino. No que se refere à escolaridade, a maioria possuía baixa escolaridade, no máximo o ensino fundamental incompleto. Na análise referente à ocupação profissional, 44% eram donas de casa, 52% possuíam alguma atividade remunerada e 4% representavam os aposentados.
O tempo de duração das visitas variou bastante. Pelo observado, 44% dos avós passaram 120 minutos na instituição, 24% não permaneceram no local mais do que 90 minutos, outros 24% estiveram lado a lado com os netos por volta de 75 minutos e, finalmente, 8% se demoraram entre 30 e 50 minutos. No que se refere à frequência com que o avô ou a avó iam à instituição visitar seu(s) neto(s), verificou-se que 28% desses familiares, no período considerado pela pesquisa, foram duas vezes ao abrigo, outros 28% foram três vezes, 8% foram uma vez, 28% frequentavam raramente o espaço de acolhimento, enquanto que 8% iam diariamente ao local. Quanto ao período de tempo em que a díade permaneceu no espaço e em interação, identificou-se que 40% dos avós permaneceram cerca de 120 minutos na companhia do(s) neto(s), sem que tenha havido registro de interrupções; 24% ficaram na companhia da criança em torno de 90 minutos; outros 24% permaneceram em torno de 75 minutos; e 12% ficaram entre 30 e 60 minutos.
Destaca-se aqui que o contexto em que avós e netos se encontravam durante a realização da pesquisa é marcado por regras e rotinas que devem ser observadas por todos os que frequentam e convivem no espaço da instituição, inclusive avós na condição de visitantes. Os dias disponíveis para visita se estendem de segunda a sexta, em dois horários: no turno da manhã (9h às 11h) e no turno da tarde (15h30 às 17h30). Os dias e os horários em que o familiar pode visitar a criança são estabelecidos pela assistente social responsável pelo caso, em conjunto com a psicóloga que trabalha na instituição. É importante ressaltar que a restrição ao horário da visita é bastante complicada, dadas as características da população pesquisada, ou seja, pessoas que não têm horário de trabalho definido, moram na periferia da cidade ou em outros munícipios, dentre outros fatores.
No que se refere ao processo, observa-se que as interações entre avós e netos durante o momento em que acontece a visita assumem clara importância, principalmente quando se considera não apenas o bem-estar que proporcionam à criança institucionalizada, como também o quanto esse processo de (re)aproximação familiar pode contribuir em termos de fortalecimento dos vínculos afetivos que se encontram fragilizados. Compreende-se, portanto, que a visita feita pelos avós à instituição tende a ser um momento importante para a criança que se encontra nessa condição especial, até mesmo porque dessas aproximações sucessivas depende o êxito do processo de reinserção familiar.
Outro aspecto é que o processo considerado para análise em termos bioecológicos está associado às interações observadas entre os avós e seus respectivos netos no momento da visita que fizeram à instituição. Identificou-se que o momento do encontro entre avó e/ou avô com seu respectivo neto(a), ao longo da visita, em geral foi marcado pelo estabelecimento de intensas trocas afetivas entre ambos, reconhecidas a partir de comportamentos como abraçar, beijar e sorrir para o outro. Essa situação pode ser vista no seguinte episódio ilustrativo, extraído do relato de uma das sessões de observação realizadas.
Episódio 1: O encontro entre avó e neto
A avó chega à instituição às nove horas e dirige-se para o barracão. Chegando ao local, senta-se em uma mesa longa e grande que está disponível. Ela permanece sentada à mesa e aguarda a chegada do neto. Após uns quinze minutos, uma educadora traz a criança até ela, que, imediatamente, o abraça, o beija. A criança retribui o carinho feito pela avó sorrindo para ela (Participantes: avó - 54 anos; neto - 2 anos; educadora - 34 anos).
No episódio 1 observa-se que a educadora demora para levar a criança até a avó, o que acaba por reduzir o tempo de convivência entre ela e o neto. Entretanto, é importante ressaltar que a educadora demonstra ter consciência da importância desse momento para a criança, pois a leva até a avó e logo se afasta, a fim de que a díade tenha momentos de privacidade durante a visita. Além disso, é possível perceber que há o estabelecimento de contato afetuoso entre a criança e a avó, que se manifestou no episódio observado por meio de comportamentos como abraçar e beijar um ao outro no momento em que se encontram. Conforme Zem-Mascarenhas e Dupas (2001), para a criança em situação de acolhimento institucional é de suma importância manter o contato com a família, pois ela se sente como se não tivesse sido abandonada totalmente, assim como se mantém mais tranquila por acreditar que sua permanência na instituição é provisória. Após esse momento inicial que marca a saudação ao encontro por parte de avós e netos, muitas atividades são comumente realizadas pelas crianças e seus familiares, sendo que também contam algumas vezes com a presença de outros parceiros, como já foi informado. Esse fato foi exemplificado no relato do episódio a seguir:
Episódio 2: Brincando juntos
A avó, que estava com a neta no colo, pega e a coloca no chão, pouco depois pega na mão da criança e anda até um banco que tem no barracão e senta. [...] a avó retira um quebra-cabeça de dentro da bolsa e o coloca em cima da mesa e diz alegremente para a criança: "Olha o que eu trouxe para você. Vamos brincar? É para você brincar com os seus coleguinhas". E a menina responde entusiasmada: "Êêê". Ela diz isto e abraça a avó. As duas ficam durante um bom tempo brincando de montar o quebra-cabeça, depois a avó diz calmamente: "Bora lá, filha, você consegue. Vamos conseguir montar ele todinho". E as duas ficam em torno de 45 minutos montando o brinquedo. Ao terminar, a avó olha para menina e lhe diz suavemente: "Ei, minha linda, tão inteligente. Olha que lindo! Você conseguiu montar todinho, agora vai ensinar seus coleguinhas, né?" E a criança diz, de maneira alegre e sorrindo: "É sim, sim; vou ensinar sim, vovó". [...] (Participantes: avó - 50 anos; neta - 3 anos).
No episódio 2, observa-se uma dinâmica de interação intensa entre a avó e a criança, que se manifesta principalmente através da conversa que mantêm entre si, o brincar junto e o brincar também com as demais crianças. Conforme Martins e Szymanski (2004), as interações que se dão através da brincadeira são uma das mais ricas maneiras de se estabelecerem trocas sociais, além de esta ser uma atividade privilegiada para se observar o desenvolvimento da criança, suas habilidades sociais, seus sentimentos e suas expressões.
O término da visita, ou seja, o momento de despedida da díade formada pela avó/avô e seu neto/neta, normalmente é marcado por comportamentos como beijar, abraçar e manifestações de protesto à separação, tal qual se pode observar no episódio ilustrativo relatado a seguir:
Episódio 3: A despedida
A avó beijou a criança no rosto e disse lacrimejando, de maneira chorosa para ela: "Até mais!". Ela se afastou da criança com os olhos cheios de lágrimas e demonstrava expressão de tristeza ao se despedir da neta. Em seguida, a educadora leva a bebê de volta para o dormitório. A avó permanece à distância, com os olhos cheios de lágrimas, vendo a criança sendo levada embora pela técnica (Participantes: avó - 56 anos; neta - 8 meses).
No episódio 3, percebe-se que a despedida entre a criança e sua avó é um delicado momento para ambos, sendo possível observar lágrimas nos olhos da avó, além de manifestações de tristeza que ganham expressão através de palavras e gestos, comportamentos e atitudes que normalmente demonstram um sentimento de dor, tanto para a criança quanto para a avó e/ou avô. A despedida entre a díade se manifesta como um momento em que são mobilizadas muitas emoções, que denotam estado de angústia e sentimento de tristeza, pois é um momento de corte no qual a avó demonstra não querer partir deixando a criança na instituição. É um momento que provoca tensão emocional, pois a avó não tem conhecimento de quando conseguirá levar a criança para casa e interromper o tempo prolongado de duração do acolhimento, sendo difícil também para criança, que, mesmo sendo ainda bebê, demonstra sentir-se bem na presença da avó, uma vez que sorri quando brinca com ela, responde aos estímulos da avó.
Os dados obtidos a partir da transcrição das interações entre avós e netos no momento da visita daqueles à instituição permitem compreender melhor a posição desses membros da família no processo de socialização da criança. Conforme Segalen (1996), Sampaio (2008) e Attias-Donfut e Segalen (2001), essas gerações têm aptidão para se protegerem, educarem, estimularem, suportarem-se mutuamente, assim como tomarem conta uma das outras e interagirem em suas necessidades.
De acordo com a literatura (A. C. Cardoso, 2011; V. S. Cardoso, 2010; Lopes et al., 2005), normalmente avós e netos estão engajados em atividades comuns, como conversas, brincadeiras e trocas de experiências. As interações entre ambos são regulares e frequentes. As atividades costumam ser conjuntas e tornam-se cada vez mais complexas com a convivência e a proximidade entre eles, visto que os avós assumem muitas vezes o papel de cuidadores habituais de seus netos, tornando-se os responsáveis pelas atividades escolares das crianças, das muitas atividades presentes no dia a dia que envolve a educação e o cuidado infantil.
Nas duas últimas décadas, Bronfenbrenner (1996) trabalhou na reformulação da abordagem ecológica e trouxe como proposta um novo modelo teórico, que considera a bidirecionalidade em relação à pessoa e ao ambiente em que ela atua. Esse novo modelo introduz maior ênfase não só à interação da pessoa em desenvolvimento com outras pessoas, mas com objetos e símbolos (Bronfenbrenner, 2011). Neste estudo, nos episódios transcritos e nas análises dos episódios selecionados, observou-se que os avós pesquisados interagem com seus respectivos netos no espaço da instituição de acolhimento infantil, sendo possível identificar as atividades realizadas por eles quando estavam juntos e separados, demonstrando os comportamentos mais frequentes que indicam a relação que envolve cuidado, afeto, brincadeira, agressão, dentre outras manifestações.
O presente estudo traz em especial dados que podem contribuir para se compreender como os avós participam dos contextos de desenvolvimento de crianças acolhidas em ambiente institucional. Isso porque procura mostrar como ocorre a interação entre avós com seus netos que se encontram institucionalizados, percebendo aspectos que podem exercer influência sobre o desenvolvimento das crianças.
Dessa forma, pode-se verificar o padrão das interações entre avós com seus netos que se encontram institucionalizados e supor que a convivência mantida por meio das visitas à instituição pode favorecer o retorno da criança à família de origem o quanto antes e, no sentido mais amplo, pode ter implicações em sua trajetória desenvolvimental.
Considerações finais
O estudo aqui apresentado traz um resgate do papel dos avós no âmbito psicossocial e familiar, demonstrando a importância que têm atualmente. Através da pesquisa realizada e de diversos estudos, observa-se que a figura do avô e/ou avó continua exercendo forte influência na vida dos seus descendentes, assim como na comunidade natural a que pertencem, por meio de suas experiências e do apoio que oferecem, especialmente nos momentos mais estressantes ou nas dificuldades enfrentadas pelo grupo familiar.
Com a preocupação de contribuir com estudos relevantes para a área da psicologia é que este trabalho foi pensado, objetivando focalizar o papel dos avós na sociedade contemporânea e sua importância na vida dos netos, em especial na vida daqueles que se encontram em situação de acolhimento institucional. Após os pais, os avós são os familiares, normalmente, mais ligados à criança e comprometidos com o seu desenvolvimento.
Apontou-se ao longo da pesquisa para a escassez de estudos na literatura referentes a este tema. A. C. Cardoso (2011) e Fuller-Thomson e Minkler (2001) destacaram a relevância de investigar os avós no contexto do cuidado familiar, visto o quadro em que se encontram esses familiares hoje, onde muitos estão envolvidos no cuidado de seus netos, seja dividindo a responsabilidade com os pais das crianças ou ocupando-se integralmente desse compromisso. Além disso, Cavalcante (2008), Siqueira e Dell'Aglio (2006) e Yunes, Miranda e Cuello (2004) demonstraram a importância de se estudar o ambiente de acolhimento institucional como contexto de desenvolvimento infantil, onde ocorrem muitas interações entre avós e netos, e a importância dessas interações na criação e fortalecimento dos vínculos familiares.
Portanto, pode-se afirmar que o estudo trouxe dados que podem contribuir para se compreender como os avós participam dos contextos de desenvolvimento de crianças acolhidas em ambiente institucional. Isso porque se procurou mostrar como ocorre a interação entre avós com seus netos que se encontram institucionalizados, percebendo aspectos do cotidiano dos avós e do que estes pensam, os quais podem exercer influência sobre o desenvolvimento das crianças, a fim de compreender como essas interações contribuem para que a criança retorne o quanto antes ao seio familiar.
Referências
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Endereço para correspondência:
Tamires Santos Rufino e Silva
tamiresrufino88@gmail.com
Celina Maria Colino Magalhães
celinaufpa@gmail.com
Lília Iêda Chaves Cavalcante
liliaccavalcante@gmail.com
Submetido em: 22/05/2013
Revisto em: 09/12/2013
Aceito em: 02/02/2014