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Arquivos Brasileiros de Psicologia
On-line version ISSN 1809-5267
Arq. bras. psicol. vol.69 no.1 Rio de Janeiro 2017
ARTIGOS
Produção de verdade e processos de criminalização: Retificação do registro civil de pessoas trans no judiciário fluminense
Production of truth and criminalization processes: civil registry change procedures of trans people in the judiciary system of the state of Rio de Janeiro (Brazil)
Producción de verdad y procesos de criminalización: los procedimientos de cambio de nombre y sexo en el contexto del sistema judicial del estado de Río de Janeiro, Brasil
Maria Luiza Rovaris CidadeI; Pedro Paulo Gastalho de BicalhoII
IPsicóloga. Doutoranda Programa de Pós-Graduação em Psicologia. Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Rio de Janeiro. Estado do Rio de Janeiro. Brasil
IIDocente. Programa de Pós-Graduação em Psicologia. Universidade Federal do Rio de Janeiro. (UFRJ). Rio de Janeiro. Estado do Rio de Janeiro. Brasil
RESUMO
O artigo tem como objetivo promover uma discussão a respeito dos processos de criminalização das experiências de pessoas trans por meio de análise de processos de retificação do registro civil, a partir da perspectiva de mudança de declaração de prenome e sexo/gênero, no contexto do judiciário no estado do Rio de Janeiro. Para isso, propõe-se a articular as noções não essencialistas e autoatribuitárias das constituições de gênero, a perspectiva foucaultiana de racionalidade política moderna com a produção da noção de indivíduo e seu status jurídico e, por fim, a concepção a respeito dos processos de criminalização que incidem sobre experiências diversas das previstas pela normatividade de certo pacto social. A partir de uma aproximação metodológica com a cartografia, convoca-se o dispositivo do discurso sobre a transexualidade no contexto do judiciário fluminense para discutir os seguintes analisadores: 1) a judicialização da vida a partir da expansão dos poderes jurídicos nas decisões cotidianas; 2) a patologização das identidades trans e, por fim, 3) a produção de verdades por parte de especialistas sobre as experiências identitárias.
Palavras-chave: Transexualidade; Poder Judiciário; Judicialização.
ABSTRACT
The article aims to discuss the criminalization processes based in the Transgender people experience. In this sense, civil registry change procedures in the judiciary system of the state of Rio de Janeiro will be analyzed We intend to articulate self-nominated and not essentialist notions of gender constitution and Foucault's modern rationality perspective. Besides that, the production of the individual with juridical status and the criminalization processes perspective will also be used to achieve this goal. With a methodological approach based on the social cartography, the Rio de Janeiro's judiciary system will be analyzed, indicating discussions about the following topics: 1) life`s "judicialization" process with the legal powers expansion in everyday decisions, 2) transgender's identities "pathologizing" process and 3) the production of truth by experts about identity experiences.
Keywords: Transexuality; Judiciary System; Judicialization.
RESUMEN
El artículo tiene como objetivo promover la discusión de los procesos de criminalización de las experiencias de las personas trans por el análisis de sus procesos de rectificación de registro civil, desde la perspectiva de un cambio de nombre y sexo en el contexto del poder judicial en el estado de Río de Janeiro. Se propone articular las nociones no esencialistas y de auto-atribución de constitución de género, la perspectiva de Foucault de la racionalidad moderna política, la noción de individuo y su estatuto jurídico, y la concepción de los procesos de criminalización que se centran en diversas experiencias previstas en la normatividad de cierto pacto social. A partir de un enfoque metodológico para la cartografía, se convoca el discurso del dispositivo sobre la transexualidad en el contexto del Poder Judicial de Río de Janeiro para discutir los siguientes puntos: 1) la legalización de la vida a partir de la expansión de los poderes legales en las decisiones de todos los días; 2) identidades trans patológicas y, finalmente, 3) la producción de verdades por expertos en los experimentos de identidad.
Palabras claves: Transexualidad; Poder Judicial; Judicialización.
Introdução
Este artigo tem como objetivo principal tratar de elementos relacionados aos processos de criminalização das experiências de pessoas trans no contexto do Sistema Judiciário no estado do Rio de Janeiro. Importante salientar que fazemos uso da expressão "trans" a partir da indicação de movimentos transfeministasi atuais no Brasil, no sentido da problematização acerca dos binarismos compulsórios de designação de sexo/gênero implicados nas possibilidades de vida e constituições identitárias. Nesse sentido, tal problematização emerge do questionamento da produção de verdades sobre os corpos e da aplicação compulsória do binarismo de gênero na nomeação e declaração de sexo/gênero no registro civil de toda criança de nasce no Brasil. Para esta discussão, convocamos perspectivas não essencialistas de constituição do gênero e da afirmação de múltiplas possibilidades identitárias.
No Brasil, as discussões e ações relacionadas à visibilidade e garantia de direitos de pessoas trans têm crescido substancialmente nos últimos anos, principalmente devido às reivindicações e ao protagonismo das próprias pessoas trans implicadas nesses processos. Temos como exemplo da ampliação de espaços relacionados à temática a realização de uma campanha internacional de ação pela despatologização das identidades trans (Bento, 2012) e o lançamento de uma nota a respeito do processo transexualizador e demais formas de assistência às pessoas trans do Conselho Federal de Psicologia (CFP), distribuída a entidades vinculadas ao CFP e movimentos sociais (CFP, 2013). Entretanto, muitas questões ainda se apresentam como controversas. No dia 29 de janeiro de 2014, data marcada pelo dia da visibilidade trans no país, foram divulgados, em diversos segmentos da mídia brasileira, dados elaborados pela organização não governamental (ONG) Internacional Transgender Europe sobre a violência contra travestis e transexuais no mundo. De forma alarmante, o Brasil é o país cujo índice de assassinatos de travestis e transexuais é o maior registrado. Em reportagem veiculada (Portal Terra, 2014), entre janeiro de 2008 e abril de 2013, foram 486 mortes registradas, correspondente ao dobro de casos no México, segundo país com mais casos registrados. Estima-se que os números sejam superiores, já que a subnotificação é fenômeno recorrente.
Assim, com este trabalho, articulamos elementos da experiência de pessoas trans com processos de criminalização que incidem sobre tais experiências, a partir da ruptura com a racionalidade política que se produz enquanto estabelecimento de um pacto social. Compreendemos a experiência como aquilo que nos passa e nos acontece na contraposição de um mundo no qual muitas coisas passam e pouco nos toca (Bondía, 2002). Criminalização essa que assume diferentes materialidades e vicissitudes, para além dos já conhecidos índices de violência letal, como nos indicam Carrara e Vianna (2006)ii e os dados do Grupo Gay Bahiaiii (2004).
Partimos dos processos concluídos de retificação do registro civil de pessoas trans no estado do Rio de Janeiro, no sentido de problematizar práticas e discursos do judiciário. A pesquisa parte da experiência de encontro com pessoas trans e os processos jurídicos. Não se trata de falar em nome de tais experiências, mas podemos traçar planos comuns de existência e de sensibilização, como nos aponta a cartografia. "[...] é sempre pelo compartilhamento de um território existencial que sujeito e objeto da pesquisa se relacionam e se codeterminam" (Alvarez, & Passos, 2012, p. 131). Portanto, na perspectiva de análise proposta com o presente texto, partimos de duas premissas. A primeira é que os processos de criminalização correspondem à constituição histórica e social de sistemas normativos, não necessariamente aliados à tipificação penal (Dornelles, 1988). Tais sistemas normativos se constituem a partir de postulados aliados a uma ideologia de defesa social (Baratta, 2013) e, ao serem transgredidos, produzem ações das mais variadas relativas à ideia de punição. Os processos de criminalização indicam a constituição de critérios de definição de estigmas e periculosidade; portanto, indicam os caminhos dos efeitos de marginalização social. A segunda premissa é que partimos do fato de que as experiências de pessoas trans têm sofrido intensas investidas criminalizantes por se caracterizarem enquanto experiências identitárias desviantes à norma vigente de produção e estética dos corpos. Portanto, falamos em experiências no plural por se tratar de multiplicidades. A experiência transexual no singular nos aponta uma das formas que os processos de criminalização incidem, na forma a homogeneizar e simplificar discursos, práticas e vivências que são singulares e complexas. As experiências trans sofrem efeitos dos processos de criminalização que incidem sobre seus corpos e experiências em diferentes sentidos: da inteligibilidade à execução em praça pública.
Por fim, elegemos o contexto judiciário por ser o locus de controvérsias significativas a partir do conflito entre os saberes normatizados a respeito das possibilidades de registro civil das pessoas que nascem no Brasil e a experiência de pessoas trans enquanto possibilidade de questionamento de tais normas vigentes. Pretendemos elucidar, no presente trabalho, algumas questões relacionadas aos processos de criminalização no sistema judiciário no estado do Rio de Janeiro, a partir de uma análise inicial de nove processos judiciais e seus componentes elementares para a constituição de saberes que constituem verdades a respeito das experiências de pessoas trans no judiciário.
A partir da análise de decisões judiciais que envolvem processos de alteração do registro civil de pessoas trans no contexto do judiciário fluminense, com uma aproximação metodológica com a cartografia no sentido de acompanharmos processos e compartilharmos territórios existenciais (Passos, Kastrup e Escóssia, 2012), podemos elencar alguns analisadores que nos auxiliam a problematizar a constituição normativa das possibilidades identitárias relacionadas ao gênero, que são: 1) a judicialização da vida; 2) a patologização das identidades trans e, por fim, 3) a produção de verdades sobre as experiências identitárias por parte de especialistas. A partir deles, pretendemos complexificar a análise, para conseguirmos vislumbrar novos caminhos para a promoção e defesa dos Direitos Humanos no Brasil.
Status jurídico e o registro civil: o indivíduo, a defesa social e os processos de criminalização
O indivíduo é o produto do poder
(Foucault, 2004a, p. 6).
A noção de indivíduo passa a ser delineada como produção ontológica formal de uma verdade no século XVII, a partir da introdução da noção de Estado (Foucault, 2004b; 2010). Com a necessidade de manutenção e governo da vida na sociedade capitalista nascente, a partir da criação e manutenção dos Estados modernos, surge a produção de novas lógicas de organização e controle da vida, ou seja, uma nova racionalidade política. Essa racionalidade se caracterizava a partir de duas facetas: uma totalizante, outra individualizante. Individualizante pois se baseava na perspectiva cristã de controle dos indivíduos do rebanho em direção à salvação. Totalizante já que exprimia uma relação de aumento do poderio estatal, ampliando suas redes de controle e governo (Senellart, 1995). Portanto, a racionalidade política moderna possibilita técnicas específicas de governo dos corpos e do povo.
A noção de indivíduo surge a partir da ideia da sua utilidade no rebanho: o controle do corpo enquanto força de produção; o controle do povo enquanto força a ser governada. Essas técnicas e práticas materializam a produção da noção de indivíduo como um ser dotado de um corpo e pertencente a uma população inscrita num território correspondente a um Estado. Os indivíduos passam a ter garantias em contrapartida às suas atribuições perante os governos e, nesse sentido, a racionalidade política que implica a produção do indivíduo no Estado moderno tem como consequência uma série de técnicas em diferentes esferas, a partir da diferenciação entre vida pública (esfera totalizante) e vida privada (esfera individualizante).
Na perspectiva de uma vida pública, surge a organização de programas sistemáticos de governo (como, por exemplo, a noção de Saúde Pública e de polícia). Na esfera privada, surgem práticas institucionais, procedimentos burocráticos e normas de conduta, a serem efetivados para inscrever esses indivíduos no Estado nascente (Foucault, 2004). Tais procedimentos e práticas englobam a criação do status jurídico de cada indivíduo, ou seja, a forma de descrição do indivíduo perante o Estado, a partir de seu registro, deveres e direitos. O status jurídico dos indivíduos surge com a necessidade de tutela de quem vive e trabalha dentro do território do Estado; tutela essa que está intimamente relacionada com um pacto social produzido pela sociedade moderna nascente: a de proteção e cuidado de seus valores econômicos e sociais fundamentais (Baratta, 2013). Assim, há um processo de objetivação da vida a partir do recorte jurídico que se apresenta como necessidade de regulamentação por parte do Estado. Tal regulamentação é estruturada a partir do estabelecimento de certas normas que tornam objetivas as experiências subjetivas e complexas. A partir desses processos de normatização que objetivam a experiência, surgem discursos e práticas de verdade, relacionados ao posicionamento desses indivíduos diante de tais normas. Determina-se aí uma série de redes de saberes e exercícios de poder.
A vida em sua multiplicidade passa a ser circunscrita a um território estatal e a uma série de normas de regulamentação do cotidiano. Podemos também compreender esses processos de constituição de normas à luz da criminologia crítica. Baratta (2013), em consonância com nossa discussão, afirma que a produção de certas normas e a constituição de uma noção de homem aliada à sociedade liberal nascente com a Revolução Burguesa permitem com que uma perspectiva de pacto social seja produzida. O pacto social, baseado em valores fundamentais dignos de tutela, faz com que se produza uma ideologia da defesa social que baliza não apenas a construção de um sistema penal, como também as opiniões comuns e ações cotidianas.
A ideologia da defesa social parte de uma perspectiva positivista de produção de conhecimento, com uma noção geral de homem e de sociedade intimamente ligadas a uma perspectiva liberal de funcionamento econômico. Assumindo um predomínio ideológico do setor penal que se modificava e se delineava enquanto instrumento de controle e repressão das formas de criminalidade e do que fugia às normas que organizavam o pacto social. A ideologia da defesa social forja a categoria do "delinquente", contribuindo para a formulação da racionalidade política do Estado moderno. Baseada em seis princípios fundamentais, articula redes de saber-poder.
Segundo Baratta, (2013), para tal ideologia, o delito seria a expressão de uma atitude reprovável, constituída interiormente no indivíduo (1. Princípio de culpabilidade) e representa uma ofensa aos interesses comuns e fundamentais aos cidadãos, essenciais ao funcionamento da vida em sociedade (2. Princípio do interesse social). Em contrapartida ao delito, a punição a toda forma de ruptura com as normas do pacto social tipificada a partir de um código penal é tida como tarefa legítima do Estado (3. Princípio de legitimidade), sendo que a reação penal se aplicaria a todos de forma igual (4. Princípio de igualdade). Portanto, a ideologia da defesa social afirma categoricamente o dualismo entre o indivíduo que comete o delito, configurando-o como o mal versus a sociedade, que seria o bem (5. Princípio do bem e do mal). A punição ao delito tem a função de prevenção, como uma rede simbólica de contramotivação ao delito, e de ressocializar o delinquente, segundo os princípios tutelados pelo pacto social (6. Princípio da finalidade).
Nessa perspectiva, as normas que articulam o pacto social do Estado moderno assumem um aparato técnico-jurídico e apresentam uma função justificante e racionalizante. Assim, perpassa a experiência dos indivíduos toda uma série de regulamentação de suas ações e possibilidades de vida desde o nascimento, a partir de princípios que legitimam não somente a constituição de um sistema penal, mas de toda uma rede de estigmas e punições de quem transgride tais normas, mesmo que tal transgressão não seja tipificada enquanto crime. A noção de indivíduo inserido num Estado cuja racionalidade implica a produção de normas que constitui um pacto social a ser seguido por todos permite com que uma série de experiências sejam estigmatizadas pela inadequação ao cumprimento do pacto social. Essa produção de estigmas ou inadequação nos indica os caminhos dos processos de criminalização (Dornelles, 1998).
Os processos de criminalização correspondem à constituição histórica e social de sistemas normativos que não estão necessariamente aliados à tipificação penal e que, ao serem transgredidos, produzem ações das mais variadas relativas à punição. Foucault (2003) também trata da temática, quando retrata a importância estratégica do estabelecimento de um novo regime jurídico a partir da modernidade, no estabelecimento de uma linguagem jurídica que define e trata do indivíduo e do desvio, produzindo uma verdade em torno das condutas normatizadas. Portanto, os processos de criminalização indicam a constituição de critérios de definição de indivíduo e desvio enquanto características natas, perante as normas do Estado, conforme nos afirma o princípio de culpabilidade de Baratta. Esses efeitos podem assumir diversas formas e práticas, muitas vezes materializados em estigmas e violência.
Nessa perspectiva de objetivação da vida pela noção do indivíduo e de defesa de um pacto social, podemos localizar as primeiras ações de adequação à vida em sociedade: a necessidade do registro civil e a implicação do nome e do sexo ao nascimento. Dar um nome e designar um sexo ao nascer indica não somente o início de possibilidades de constituição e manutenção da vida, mas também os diversos atravessamentos normativos e políticos que perpassam a história singular de cada um. Segundo Próchno e Rocha (2011), a necessidade de normatização do nome dos indivíduos surge como elemento necessário à constituição do status jurídico com a necessidade de categorização classificatória. Para Foucault (2004b; 2010), o registro e classificação dos indivíduos é um dos mecanismos de fundação da racionalidade política moderna, visando o controle das populações. Dessa forma, há a possibilidade de existência do indivíduo perante o Estado e suas instituições, confirmando a estabilidade e segurança por parte do Estado no processo de identificação das pessoas e a regulação de seus direitos e deveres.
Fundamenta-se, portanto, a lógica do registro civil a partir da regulação dos corpos, objetivando-os e descrevendo-os para a emissão de documentos, como a certidão de nascimento. Assim, passa-se a ter o controle sobre a natalidade e mortalidade dos indivíduos e suas qualidades de sexo/gênero. Foucault (2004b) nos coloca que:
O controle da sociedade sobre os corpos não se opera simplesmente pela consciência ou ideologia, mas começa no corpo, com o corpo. Foi no biológico, no somático, no corporal, que, antes de tudo, investiu a sociedade capitalista. O corpo é uma realidade biopolítica (Foucault, 2010, p. 80).
Temos, portanto, um recorte da objetivação implicada na manutenção da vida dos indivíduos perante o Estado, com a produção de normativas relacionadas ao sistema de registro e de implicação de uma concepção de sexo/gênero aliada à racionalidade política da defesa de um pacto social.
No que diz respeito ao Brasil, o registro civil é direito de toda criança que nasce em território nacional (Brasil, 1990) e a confecção de seu documento de identidade. O campo jurídico brasileiro afirma que o nome civil é um símbolo da personalidade do indivíduo com implicações relacionadas à esfera individualizante da racionalidade política vigente. Nesse sentido, implica-se a cada pessoa que nasce no Brasil a defesa de aspectos sociais que asseguram a manutenção da vida em sociedade.
Para além do estabelecimento de um nome e do local de nascimento, o registro civil está relacionado à afirmação categórica do sexo ao nascimento. A noção jurídica de sexo é edificada a partir da lógica biomédica de uma suposta natureza biológica. Há uma demarcação da normatividade relacionada ao binarismo de gênero, a primeira e fundamental na experiência de vida de qualquer pessoa: a afirmação de um especialista e o consequente registro de um nome e de uma declaração de sexo ao nascimento da criança, baseada no binarismo masculino/feminino. Essa demarcação assume uma perspectiva definitiva com a impossibilidade de alteração posterior do nome no registro civil segundo a Lei de Registros Públicos no Brasil (Art. 58 da Lei no 6.015, datada de 31 de dezembro de 1973), salvo algumas exceções. Portanto, no Brasil, à medida que questionamentos surjam no sentido de problematizar elementos descritos no registro civil, a questão se torna apenas solucionável de forma judicial.
A partir de alguns avanços relacionados à evolução jurisprudencial, passou-se a verificar uma certa relativização em alguns casos que se configuram enquanto exceções ao caráter definitivo da Lei de Registros Públicos. Ainda assim, há lacunas no ordenamento jurídico no campo brasileiro. Uma dessas lacunas é a que decidimos expor e problematizar na presente pesquisa: a questão da retificação do registro civil de pessoas trans. A transexualidade, enquanto experiência de constituição identitária múltipla e singular de algumas pessoas que questionam o que lhes foi designado ao nascimento no que diz respeito à afirmação relacionada a nome e/ou sexo, apresenta-se enquanto um importante dispositivoiv de análise, que nos permite ver e falar sobre certas normatividades constituídas de forma compulsória e, por muitas vezes, veladas em nome de uma normalidade em defesa de um pacto social.
Experiências de pessoas trans no judiciário: recortes no território fluminense
Para uma discussão a respeito das (im)possibilidades de questionamento e alteração do registro civil de pessoas trans no Brasil, reportamo-nos a dois fatos que convergem em um importante acontecimento no cenário nacional. Apesar de ter existido tentativas de mudança do registro civil anteriormente, no ano de 2008, o Projeto de Lei no 2.976 vai atuar sobre o Art. 58 da legislação brasileira dos Registros Públicos ao acrescentar o item 58-A a seu texto: tratando especificamente das orientações de gênero travesti, masculino ou feminino, autoriza a utilização de um nome socialv ao lado do nome e prenome oficial (Brasil, 2008). No ano seguinte, em 2009, a Procuradoria Geral da República do Brasil solicita que o Supremo Tribunal Federal ajuíze que o direito de alteração de nome e sexo no registro civil seja reconhecido a pessoas transexuais no território nacional, mesmo para as pessoas que não passaram ou desejam passar pelo processo de readequação sexual (Supremo Tribunal Federal, 2009).
Assim, por mais controvérsias que pudessem se constituir a partir da falta de especificidade jurídica para a questão da experiência transexual, os poderes legislativos e judiciário brasileiros se posicionaram publicamente favoráveis à retificação do registro civil de pessoas trans a partir de 2008/2009. Ao considerarmos tais declarações como fatos de um acontecimento (Foucault, 2008), podemos pensar sobre algumas questões referentes a articulação de redes de saber-poder em nosso cotidiano. É a partir de fenômenos de ruptura que o acontecimento se faz e se mostra, produzindo múltiplos efeitos materiais e subjetivos, mesmo que efeitos similares já existissem anteriormente. Há a produção de novos ordenamentos a partir do impacto do acontecimento e novos processos podem emergir.
Tal mudança legislativa pode ter se dado com a pressão de diversos movimentos sociais e segmentos da sociedade, articuladas com o lançamento de diversas políticas públicas relacionadas aos direitos de lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais no Brasil, a partir de 2004. Portanto, o Estado não é uníssono e constante. Novas dificuldades e controvérsias se produzem a partir dos elementos disparadores do acontecimento. A dificuldade de implementação e gestão de tais políticas públicas (Mello, Rezende, & Maroja, 2012) e as lacunas ainda existentes para o judiciário na lida com a questão nos mostram diferentes movimentos de resistência normativa às desestabilizações que as experiências identitárias diversas podem provocar na máquina estatal.
A partir de 2008, regulamentou-se duas formas de alteração do nome no registro civil de pessoas trans: uma relacionada à inclusão do nome social como apelido público notório junto ao nome de registro e outra relacionada à exclusão do prenome registrado e à mudança a um nome de autoindicação. A questão não está estabilizada pois, apesar das diretrizes de autorização da mudança de nome, a mudança de sexo não foi mencionada de forma específica. A autorização da retificação está à mercê de demandas judiciais que dependem da compreensão de cada juiz e do Ministério Público, devido à falta de uma maior clareza quanto à questão, como já foi dito anteriormente.
Tomamos como território possível para uma análise mais aprofundada na presente pesquisa o contexto do estado do Rio de Janeiro. No Boletim de Difusão 104-2009 (Poder Judiciário do Estado do Rio de Janeiro, 2009), instrumento de comunicação às comarcas de Direito do estado, consta a divulgação da indicação da Procuradoria Geral da União, recomendando às instâncias judiciárias fluminenses o indicativo para a resolução de tais questões. Verificamos alguns dos processos de retificação de registro civil de pessoas trans ocorridos no Rio de Janeiro com o objetivo de descreveremos alguns elementos centrais para o reconhecimento de possíveis analisadoresvi para uma análise das práticas judiciárias no estado do Rio de Janeiro. Assim, poderemos refletir sobre o impacto das normas relativas às identidades de gênero no nosso cotidiano.
O cenário fluminense à luz de algumas situações
A partir do exposto, no sentido de iniciar um breve reconhecimento de discursos e práticas judiciárias a respeito da relação entre processos de criminalização e retificação do registro civil de pessoas trans no estado do Rio de Janeiro, realizamos uma busca de materiais relacionados a processos concluídos no site do Tribunal de Justiça do Rio de Janeirovii. Importante destacar que o Tribunal de Justiça somente divulga processos julgados concluídos e deferidos que não estão sob regime de sigilo, a pedido da pessoa interessada. Consideramos que há o indicativo de invisibilidade de processos julgados a partir dessa perspectiva temática e que uma pesquisa mais detalhada é necessária para uma análise mais complexa a nível estatístico no que diz respeito aos processos negados em primeira instância, aos negados em segunda instância e aos caminhos percorridos no seguimento desses processos. Porém, para uma análise inicial, voltada a elementos qualitativos e discursivos de análise, pensamos já ser interessante o que obtivemos.
Essa pesquisa inicial correspondeu ao período de 2000 a 2012, a partir da busca dos seguintes termos: "transexualidade", "transexual", "transexualismo", "retificação do nome", "mudança de nome" e "mudança de sexo". Foram encontrados oito processos correspondentes entre os anos de 2005 e 2011. Além dos oito processos, foi acrescentado para a análise um processo fornecido pessoalmente por uma pessoa que reivindicou a retificação do registro civil no ano de 2012, já que os documentos recentes ainda não foram disponibilizados no site do Tribunal de Justiça. Todos os nove processos indicam o pedido de mudança de nome e sexo que constam no registro civil.
Dentre os nove processos, a partir da perspectiva da autoatribuição das identidades de gênero, sete correspondiam a solicitações de mulheres trans e dois a pedidos de homens trans. Em nossa análise inicial de tais documentos, faz-se menção a situações constrangedoras e vexatórias com relação à vida cotidiana e, mais especificamente, a seus registros civis, constituindo-se os argumentos iniciais para o andamento dos processos.
Dentre todos, seis processos foram inicialmente negados em primeira instância via apelação de autoria por parte do Ministério Público, passando para segunda instância a pedido das pessoas interessadas. Somente os processos veiculados pelos homens trans e o processo da mulher trans datado de 2012 foram aprovados em primeira instância. Identificamos que a principal questão elencada pelo Ministério Público estadual, ao recorrer das decisões, refere-se à inexistência de especificidade da questão para o judiciário brasileiro, apelando-se pela questão da segurança jurídica.
A argumentação central para a defesa da retificação do registro civil em todos os processos se deu a partir de relatos de experiências vexatórias e constrangedoras relacionadas à incongruência entre o nome de registro e o nome social, implicando condições de vulnerabilidade social e sofrimento. Tais declarações têm autoria de operadores jurídicos encarregados dos processos, a partir de sua interpretação sobre o relato das pessoas interessadas. Todos os processos também fazem menção a documentos oficiais, como laudos e pareceres, elaborados por especialistas de campos de saber como a Psiquiatria, Psicologia e Assistência Social, confirmando a efetividade dos diagnósticos de Transtornos de Identidades de Gênero a partir da correspondente inquestionável "aparência" feminina ou masculina das pessoas interessadas e suas incompatibilidades entre o sexo "biológico" e "psicológico". Além disso, os mesmos especialistas declaram que há a confirmação da realização de cirurgias de readequação sexual e/ou modificações dos aspectos sexuais secundários, como a raspagem do pomo-de-adão, implantes de silicones, depilação definitiva, mamoplastia masculinizadora, entre outros.
No que diz respeito ao resultado dos processos, em três deles a mudança de nome e sexo foi aprovada em primeira instância, como dito anteriormente. Nos outros seis documentos, em quatro foram aprovadas as modificações do registro civil de nome e sexo em segunda instância. Entretanto, nos dois restantes, apresentam-se a autorização da mudança de nome, mas não de sexo. O principal argumento de autorização das mudanças de nome é o do respeito à dignidade da pessoa humana enquanto direito personalíssimo, com algumas nuances. Outros argumentos utilizados correspondem à ponderação dos princípios em jogo, o direito do acesso à saúde e a afirmação das diretrizes atuais do Conselho Nacional de Medicina e do Ministério da Saúde quanto à transexualidade.
Com relação a não autorização à mudança de declaração de sexo nos dois casos, os argumentos centrais foram relativos à insegurança jurídica da questão e na defesa do sexo enquanto categoria definida de forma genética e cromossômica, indicando a impossibilidade de mudança dessa característica. Em um dos processos, consta a argumentação de que a mudança do sexo é impossível pois a cirurgia é apenas uma "mutilação genital" e não altera os aspectos genéticos da pessoa. Além disso, se concedida a mudança, seria necessária a "garantia dos direitos das mulheres", o que não caberia ao caso.
A partir do exposto, podemos partir para uma discussão a partir de alguns analisadores que emergem para nós a partir de uma análise mais atenciosa de decisões judiciais no contexto do judiciário fluminense. São eles: 1) judicialização da vida, 2) a patologização das identidades trans e, por fim, 3) a produção de verdades sobre as experiências identitárias por parte de especialistas.
Considerações finais
Podemos perceber que as experiências de pessoas trans inserem no campo social linhas de possibilidades e significados que indicam a multiplicidade e complexidade da experiência humana, a partir de movimentos de resistência no campo das constituições identitárias. Para além de normatizações baseadas no binarismo de gênero, as experiências trans também inserem controvérsias na racionalidade política que tutela os corpos e as possibilidades de constituição identitárias. Chama-nos atenção a indissociabilidade do pedido de retificação: nome e sexo/gênero são convocados a serem alterados conjuntamente, por mais que algumas resoluções do judiciário tentam dissociá-los.
A partir de uma análise inicial, podemos indicar o enraizamento de processos de criminalização das experiências trans à medida que tais experiências transgridem tais normas e, portanto, o pacto social vigente. As experiências são punidas e execradas das mais variadas formas, objetiva e subjetivamente, por mais que não estejam tipificadas no sistema penal tradicional. Os processos no contexto judiciário fluminense retratam essa questão ao tratar as pessoas trans como coadjuvantes de processos que dizem respeito a elas de forma íntima, numa perspectiva próxima a da ovelha que foge ao rebanho: a morosidade dos processos, o inquérito por parte de diferentes especialistas e a peregrinação constante aos mais diferentes serviços para que sejam reafirmadas suas experiências identitárias diversas.
A esse impacto produzido com a ação do campo jurídico em diferentes esferas da vida cotidiana, de maneira extensiva, podemos chamar de judicialização da vida. A multiplicação da função judiciária no corpo social (Lobo, 2012) está intimamente relacionada à expansão dos poderes do Estado com relação à regulamentação da vida e à resolução de conflitos que se dão no cotidiano das relações sociais.
O controle dos comportamentos e das populações continua funcionando nesta rede de vigilância e correção em instituições como a escola, a polícia, a psiquiatria, mas certamente vem transferindo seu poder decisório e seu objetivo de prevenir e corrigir as virtualidades da infração para o poder judiciário (Lobo, 2012, p. 29).
Vemos isso de forma explícita a partir dos questionamentos por parte do Ministério Público estadual em seis dos casos mencionados, apelando para uma falta de segurança jurídica sobre a temática em contrapartida à efetividade dos direitos da pessoa humana de quem iniciou o processo de retificação do registro civil. Os efeitos dessa ação entram em conflito direto com a indicação da Procuradoria Geral da República e com o Boletim de Difusão 104-2009 (Poder Judicário do Estado do Rio de Janeiro, 2009), já mencionados anteriormente, como fatos de um acontecimento que torna pública a indicação de se autorizar a retificação do registro civil de pessoas trans no Brasil e na particularidade do estado do Rio de Janeiro.
Assim, a controvérsia se dá a partir de movimentos instituintes do que é judiciável e as experiências ainda não judicializadas. Há proliferação de técnicas de administração da população e a publicização de diferentes questões que se referem à intimidade e ao direito à privacidade, como a autoatribuição do próprio nome e do sexo no registro civil. A inserção dos poderes decisórios de um judiciário, cujas normas e formas de funcionamento muitas vezes se naturalizam, diminui as possibilidades de resistência (Lobo, 2012) e autoria das pessoas de suas próprias resoluções.
Essa impossibilidade inicial de mudança de nome e sexo no registro civil marcada pelo questionamento do Ministério Público do estado do Rio de Janeiro em tais casos mencionados nos indica a rigidez normativa materializada no sistema de registros no Brasil. Tal rigidez escancara uma relação sintomática com as possibilidades de constituição da experiência relacionadas às categorias de sexo, sexualidades e identidades de gênero: o binarismo de gênero comparece desde o primeiro ultrassom antes mesmo das pessoas nascerem, impossibilitando certas existências que escapam a tais normativas.
A possibilidade de existência de certos corpos em detrimento de outros, baseada na perspectiva de binarismo de gênero, é detalhada por Butler ao longo de sua obra, como em seu trabalho sobre a Patologização das Identidades Trans (2009) e em entrevista cedida a Prins e Meijer (2002) a partir da noção de corpo abjeto. Os efeitos de abjeção podem ser analisados a partir dos caminhos produzidos também pela racionalidade política moderna: a lógica de regulação dos indivíduos na sociedade, a partir de certas normativas, não somente exclui e pune os indivíduos inaptos, como também permite a criação de novos territórios nos quais esses corpos sobrevivem de forma precária.
Na entrevista (Prins, & Meijer, 2002), Butler discorre sobre a abjeção de certos corpos e suas manifestações, como vemos no campo jurídico, a partir da ideia de inteligibilidade: corpos cuja materialidade não é entendida como possível e/ou importante. Podemos identificar, nessa perspectiva, intersecções entre a noção de discursos de verdade e da racionalidade política de Foucault (2004b) ao produzirem também os códigos de inteligibilidade, relacionando-os aos efeitos de abjeção. Tais discursos e efeitos estão intimamente relacionados às práticas judiciárias ao longo da história do Ocidente, a partir da constituição de formas jurídicas para o manejo dos danos e responsabilidades dos indivíduos (Foucault, 2003). O campo das experiências de pessoas trans tem como possível atravessamento essa discussão a respeito das formas jurídicas, abjeções e códigos de inteligibilidades.
Nesse sentido, identificamos que a questão que se instala nos corpos que nascem, a partir da noção de normatividade e normalidade de identidades de gênero, implica uma série de práticas jurídicas que deslegitimam e patologizam as identidades trans. A classificação em todos os casos como efeitos do transexualismo nos indica que as experiências trans ainda são vistas sob a ótica da psicopatologia, numa interpretação psiquiátrica. No mesmo sentido que as políticas do Conselho Federal de Medicina (2010) afirmam a necessidade do diagnóstico de transtorno de identidade de gênero, o judiciário também segue com tal necessidade para o andamento dos processos de retificação do registro civil.
Bento (2012) coloca que a incorporação de categorias identitárias e culturais em categorias diagnósticas produz efeitos relacionados aos processos de psiquiatrização da experiência trans. Esses efeitos se materializam em ações do Estado que legitimam os processos de criminalização de tais experiências, similar ao princípio da legitimidade, implicando nessas pessoas o aspecto nato e patológico de seu desvio da norma, como nos afirma o princípio de culpabilidade da ideologia da defesa social. Também assim se coloca o princípio do bem e do mal quando se categoriza a multiplicidade de experiências identitárias diversas em uma única patologia, dualizando e simplificando complexas relações e processos, como se o bem social fosse relacionado à norma e o mal relacionado a esses desvios - o princípio do bem e do mal.
Além da afirmação diagnóstica, a necessidade da declaração de especialistas é um elemento essencial à continuidade e aprovação de todos os processos. Uma rede de saberes técnicos e especializados detém uma verdade sobre a condição de humanidade e o poder de decretar e afirmar a existência das experiências trans, por mais que esses especialistas não vivenciem tais processos na pele. A afirmação dos especialistas é condição necessária e indiscutível para a efetivação do processo transexualizador e, consequentemente, para a efetivação da retificação do registro civil. As condições de vida e os possíveis efeitos de abjeção e inteligibilidade não são afirmadas pelas próprias pessoas trans, a não ser em seus relatos direcionados à escuta seletiva dos especialistas. O discurso se torna indireto: o especialista diz o que avalia do discurso das pessoas trans.
Verificamos, portanto, que, por mais que o Estado brasileiro não seja uníssono e em alguns casos seja favorável à retificação do registro civil, tais processos ainda estão inseridos numa lógica de redução de danos à pessoa em situação de desconforto entre seu registro e sua constituição identitária, em contrapartida a outro sentido possível ao se afirmar as múltiplas possibilidades de constituição de identidades de gênero e experiências humanas. Há um princípio de interesse social vigente, que higieniza e dualiza a experiência humana em duas identidades possíveis. No momento em que algumas pessoas não se identificam com o que lhe foi designado ao nascer e, a partir disso, reivindicam um novo status jurídico, surge a controvérsia no sistema judiciário brasileiro de acolher e lidar com tais demandas. Essa dificuldade pode implicar a impossibilidade e inteligibilidade da vida, tornando-a precária, além do cerceamento da cidadania, da legitimação de situações constrangedoras, potencializando suas condições de sofrimento e vulnerabilidade.
Nossa pesquisa tem continuidade no sentido de produzirmos espaços de contato e trocas sobre tais experiências com as pessoas trans que passaram por processos de retificação do registro civil no estado no Rio de Janeiro, para que possam projetar suas histórias e sua versão a respeito do sistema judiciário brasileiro. Apostamos na condição de que modificações no sentido de flexibilização do registro e até mesmo a redução da judicialização da vida nessa temática só podem ocorrer com a participação ativa e protagonista das pessoas trans nesse processo.
Referências
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Endereço para correspondência:
Maria Luiza Rovaris Cidade
malurcidade@gmail.com
Pedro Paulo Gastalho Bicalho
ppbicalho@gmail.com
Submetido em: 06/02/2015
Revisto em: 18/03/2017
Aceito em: 27/03/2017
i Uma intensa produção tem sido lançada em veículos acadêmicos, sites e blogs no Brasil a respeito do transfeminismo. Tal produção implica o protagonismo de pessoas trans na produção de tais discussões e materiais. Por exemplo, ver o blog Transfeminismo e intelectuais como Jaqueline Gomes de Jesus, Viviane Vergueiro, Beatriz Baglagi, Hailey Kaas, Daniela Andrade, Leonardo Peçanha, Julia Serano, Emi Koyama, dentre outros.
ii Em pesquisa realizada por Vianna e Carrara (2006) a respeito da violência letal contra travestis no município do Rio de Janeiro, observou-se seu caráter de marginalização, sendo mais vulneráveis a crimes de execução em ambientes públicos. A predominância de pessoas trans negras e pardas entre os casos pesquisados sugere que tais sujeitos são oriundos de classes sociais mais populares.
iii O Grupo Gay Bahia (2004), em uma pesquisa baseada no lançamento de dados na mídia no ano de 2004, identificou 34 assassinatos de travestis no Brasil. Segundo a ONU-BR (2013), no ano de 2012 foram registrados 86 assassinatos de pessoas trans no Brasil.
iv Dispositivo aqui tido como aquilo que faz ver e falar a partir de linhas de enunciação, visibilidade e enunciação que se imbricam nas relações de poder (Deleuze, 1996).
v Nome a partir do qual a pessoa escolhe ser chamada, correspondente à sua autoatribuição identitária. O nome social tornou-se indicativo a implementação em algumas políticas públicas no Brasil a partir do ano de 2004, com indicações do Brasil Sem Homofobia: Programa de Combate à Violência e à Discriminação contra GLTB e de Promoção da Cidadania.
vi Numa perspectiva próxima à Análise Institucional francesa (Lourau, 1993; 2014), entendemos como analisador aquilo que faz aparecer os movimentos instituídos "invisíveis"; aquilo que provoca, que força a falar a partir do dispositivo.
vii Site: http://www.tjrj.jus.br/.