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Arquivos Brasileiros de Psicologia

versão On-line ISSN 1809-5267

Arq. bras. psicol. vol.74  Rio de Janeiro  2022  Epub 09-Set-2024

https://doi.org/10.36482/1809-5267.arbp-2022v74.20228 

Artigo original

SUPERVISÕES CLÍNICAS: VIVÊNCIAS EMOCIONAIS DOS PSICOTERAPEUTAS-APRENDIZES

CLINICAL SUPERVISIONS: EMOTIONAL EXPERIENCES OF APPRENTICE PSYCHOTHERAPISTS

SUPERVISIONES CLÍNICAS: EXPERIENCIAS EMOCIONALES DE LOS PSICOTERAPEUTAS-APRENDICES

ANDRÉA KIOKO SONODA GOMESI 
http://orcid.org/0000-0003-1579-1581

MARIA ELIZABETH BARRETO TAVARES DOS REISI 
http://orcid.org/0000-0002-3466-4150

I Universidade Estadual de Londrina, Departamento de Psicologia e Psicanálise. Londrina, PR, Brasil.


RESUMO

Considerando a supervisão clínica como um dos pilares da formação do psicólogo clínico, o presente estudo teve por objetivo investigar as emoções vivenciadas pelos psicoterapeutas-aprendizes durante as supervisões de estágio em psicoterapia psicanalítica. Realizou-se um estudo clínico-qualitativo por meio de entrevistas com 27 acadêmicos que realizavam estágios em psicoterapia psicanalítica, em quatro Instituições de Ensino Superior. Os dados coletados foram submetidos à análise de conteúdo e discutidos a partir do referencial psicanalítico. A análise dos resultados demonstrou que as vivências emocionais dos psicoterapeutas-aprendizes estavam relacionadas, preponderantemente: à aprendizagem de conteúdos teórico-metodológicos e à necessidade de ser acolhido e de compartilhar com o grupo de supervisão as intensidades emocionais vivenciadas na clínica. Finalmente, ressaltou-se a necessidade de acolher e compreender as experiências emocionais dos psicoterapeutas-aprendizes durante os estágios em psicoterapia psicanalítica.

Palavras-Chave: Estagiário; Psicanálise; Psicoterapeuta-aprendiz; Serviço-escola; Supervisão

ABSTRACT

Considering clinical supervision as one of the pillars of training of clinical psychologists, the present study aimed to investigate the emotions experienced by apprentice psychotherapists during supervisions of internship in psychoanalytic psychotherapy. A clinical-qualitative study was carried out through interviews with twenty-seven students who were doing internships in psychoanalytic psychotherapy, in four Higher Education Institutions. The collected data were submitted to content analysis and discussed based on the psychoanalytic framework. The analysis of the results showed that the emotional experiences of the apprentice psychotherapists were mainly related to learning of theoretical-methodological content, and the need to be welcomed and to share with the supervisory group the emotional intensities experienced in the clinic. Finally, the need to welcome and understand the emotional experiences of apprentice psychotherapists during internships in psychoanalytic psychotherapy was highlighted.

Key words: Trainee; Psychoanalysis; Apprentice psychotherapist; Service-school; Supervision

RESUMEN

Considerando la supervisión clínica como uno de los pilares de la formación del psicólogo clínico, el presente estudio tuvo como objetivo investigar las emociones experimentadas por los aprendices de psicoterapeuta durante las prácticas de supervisión en psicoterapia psicoanalítica. Se realizó un estudio clínico-cualitativo a través de entrevistas a veintisiete académicos que realizaban pasantías en psicoterapia psicoanalítica, en cuatro Instituciones de Educación Superior. Los datos recolectados fueron sometidos a análisis de contenido y discutidos desde el marco psicoanalítico. El análisis de los resultados mostró que las experiencias emocionales de los psicoterapeutas-aprendices se relacionaron principalmente con: el aprendizaje de contenidos teórico-metodológicos, la necesidad de ser acogidos y de compartir las intensidades emocionales vividas en la clínica con el grupo de supervisión. Finalmente, se destacó la necesidad de acoger y comprender las experiencias emocionales de los psicoterapeutas aprendices durante las prácticas en psicoterapia psicoanalítica.

Palabras-clave: Pasante; Psicoanálisis; Psicoterapeuta-aprendiz; Servicio-escuela; Supervisión

INTRODUÇÃO

Desde os tempos de Freud é consenso que a supervisão é concebida como essencial para a formação psicanalítica. Considerada um dos elementos do tripé na formação em Sociedades e Institutos Psicanalíticos, é notório que, com a presença da psicanálise em outros contextos, como nos cursos de graduação das universidades, a supervisão também ocupe um lugar enquanto um dispositivo para a formação do psicólogo.

Deste modo, alguns estudos contemplam reflexões nas quais a intersecção entre a transmissão e o ensino da psicanálise, assim como suas possibilidades de transmissão através da supervisão, são debatidos (Darriba, 2011; Lustoza & Pinheiro, 2014; Marcos, 2012; Pereira & Kessler, 2016; Pinheiro & Darriba, 2011; Pinheiro, 2016). Outras pesquisas destacam aspectos relacionados à prática da supervisão enquanto importante ferramenta para o processo de aprendizado clínico no contexto dos serviços-escolas (Aguirre, 2000; Aguirre et al., 2000; Barbosa, Laurenti & Silva, 2015; Brandt, 2017), descrevendo a importância da função de acolhimento por parte do supervisor, para a aprendizagem e desenvolvimento emocional do futuro psicoterapeuta (Gallo-Belluzzo, Corbett & Aiello-Vaisberg, 2013; Lopes & Castro, 2018; Ribeiro, Tachibana & Aiello-Vaisberg, 2008; Sei & Paiva, 2011). Pesquisas debatem ainda os desafios presentes nos atendimentos em clínica psicanalítica, nos quais os fenômenos contratransferenciais (Aguirre, 2000; Iwashima, Reis, & Santiago, 2019; Sei & Paiva, 2011) e as emoções vivenciadas pelos estudantes (Iwashima et al., 2019), nesse processo de transição para a formação profissional, são analisados.

Por outro lado, observa-se uma carência de estudos que englobem as particularidades das vivências emocionais dos estudantes presentes nas supervisões. O que eles sentem durante as supervisões? Como é partilhar as vivências clínicas ao longo das supervisões em grupo? Estas indagações são relevantes, uma vez que a prática clínica envolve uma série de dificuldades relacionadas à própria inexperiência do estagiário, ao caso clínico atendido, assim como pode revelar dados pertinentes acerca da formação do psicoterapeuta em clínica psicanalítica nos serviços-escolas. Assim sendo, o objetivo do presente estudo consistiu em investigar as emoções vivenciadas pelos psicoterapeutas-aprendizes durante as supervisões de estágio em psicoterapia psicanalítica, buscando compreender, sob o referencial teórico psicanalítico, os significados atribuídos pelos estudantes.

A SUPERVISÃO EM CLÍNICA PSICANALÍTICA NO CONTEXTO ACADÊMICO

Para discorrer sobre as emoções vivenciadas pelos psicoterapeutas-aprendizes durante as supervisões de estágios nos serviços-escolas, é necessário delimitar conceitualmente a supervisão clínica em psicanálise, contextualizando-a posteriormente para o contexto acadêmico, de modo a traçar um panorama da produção científica sobre o assunto.

A supervisão constitui-se como parte integrante do aprendizado para o profissional na área da psicologia clínica, a qual em consonância com os postulados freudianos, integra um dos elementos essenciais para a formação na clínica psicanalítica (Freud, 1919/1969; Kern & Luz, 2017; Lopes & Castro, 2018; Marcos, 2012; Mendes, 2012; Silva, Coelho & Pontes, 2017).

Antes de sua sistematização enquanto um dispositivo a ser utilizado pelos analistas em treinamento (Marcos, 2012; Mendes, 2012), a supervisão consistia em conversas informais, discussões de casos, nos quais assuntos relativos às dificuldades que emergiam na clínica eram tratados por Freud e outros analistas (Geller, Farber & Schaffer, 2010; Marcos, 2012; Poli & Schneider, 2014).

Nos anos de 1920, em Berlim, com a regulamentação da formação dos analistas, os eixos de formação em psicanálise englobavam os cursos teóricos, a análise didática e a supervisão, consistindo esta última como o terceiro elemento no tripé da formação analítica (Marcos, 2012). Atualmente estes três elementos se mantêm, denominados como os eixos norteadores da prática psicanalítica. Algumas mudanças referentes à nomenclatura de alguns termos ocorreram ao longo do tempo. Deste modo, a análise didática foi substituída por análise ou terapia pessoal e o que antes era denominado por Freud como análise de controle modificou-se para o termo supervisão (Laplanche & Pontalis, 1982/1992).

Para Laplanche e Pontalis (1982/1992), a supervisão é definida como “análise conduzida por um analista em formação e da qual presta contas periodicamente a um analista experimentado que o guia na compreensão e direção do tratamento e o ajuda a tomar consciência da sua contratransferência” (p. 388). Existem algumas variações no que concerne à sua realização, seja no contexto das Instituições e Sociedades Psicanalíticas, quanto no cenário de formação acadêmica. Assim sendo, no primeiro caso existem algumas condições, relativas ao cumprimento de horas de supervisão, o predomínio pela modalidade individual e aspectos referentes à sua frequência – as quais variam de acordo com os diferentes institutos psicanalíticos (Brandt, 2017; Zaslavsky, Nunes & Eizirik, 2003). No contexto acadêmico prevalece a modalidade grupal de supervisão e sua carga horária, estipulada para os estágios clínicos da graduação, apresentam um quantitativo insuficiente para a obtenção de um saber tão peculiar, no que diz respeito à experiência da clínica psicanalítica (Brandt, 2017; Sei & Franco, 2017).

Tendo em vista que o presente estudo está voltado às vivências emocionais do psicoterapeuta-aprendiz ainda graduando de psicologia, a articulação teórica sobre a supervisão, circunscrita ao contexto acadêmico, reflete sobre alguns aspectos específicos. Assim, as emoções despertadas pela experiência nos atendimentos clínicos são abordadas enquanto atributos a serem trabalhados nas supervisões, no qual o processo de ensino-aprendizagem (Aguirre, 2000; Aguirre et al., 2000; Barbosa et al., 2015; Brandt, 2017), a função de holding do supervisor (Gallo-Belluzzo et al., 2013; Lopes & Castro, 2018; Ribeiro et al., 2008; Sei & Paiva, 2011), as reflexões acerca dos fenômenos contratransferenciais (Iwashima et al., 2019; Sei & Paiva, 2011) e as emoções vivenciadas nas supervisões, sob o ponto de vista dos estagiários (Aguirre, 2000; Iwashima et al., 2019) relacionados à construção do futuro psicoterapeuta, são aspectos ressaltados nos estudos publicados.

Cabe esclarecer que, na literatura utilizada sobre a supervisão, alguns autores delineiam o tema utilizando como nomenclatura as palavras “analistas” e/ou “psicanalistas”. A terminologia utilizada por eles será respeitada no presente artigo, embora, no contexto acadêmico, o estudante de psicologia, enquanto psicoterapeuta-aprendiz, vivencie um processo inicial de formação. Por outro lado, optamos por utilizar a palavra “estagiário”, no decorrer do presente estudo, mesmo que na literatura pesquisada os autores tenham referido com outros termos tais como aluno, estudante e/ou acadêmico de psicologia.

A construção da autonomia do psicoterapeuta em formação é retratada por autores que enfatizam a relevância da supervisão no processo de ensino-aprendizagem (Aguirre et al., 2000; Barbosa et al., 2015; Brandt, 2017). Brandt (2017) articula a importância da supervisão para a aprendizagem ressaltando alguns obstáculos emergentes no processo de supervisão em grupo, nos quais a omissão dos próprios erros ou dificuldades; o incômodo em se expor ou esquecimentos ao relatar os casos no grupo, assim como os aspectos contratransferenciais envolvidos, constituem-se como manifestações possíveis. Embora suas reflexões sejam concebidas a partir de uma trajetória de formação pós-acadêmica, o autor articula elementos vinculados à supervisão realizada inclusive no contexto universitário.

O estudo de Barbosa et al. (2015) evidencia a importância da supervisão, atribuída enquanto elemento significativo no processo de autoconfiança do psicoterapeuta em formação, constituindo-se como um espaço de suporte emocional, o qual possibilita uma compreensão e reflexão sobre os fatores técnicos e emocionais que permeiam os atendimentos clínicos. Para os autores, o posicionamento continente do supervisor é elemento facilitador, suscitando confiança nos estagiários para apresentarem seus questionamentos e dúvidas.

Além disso, este estudo ressalta alguns elementos favoráveis e desfavoráveis, pertinentes à vivência da supervisão, tais como: a experiência de compartilhar e aprender com os demais atendimentos em grupo, os sentimentos de confusão, a competição ou a inveja peculiares diante da mobilização que o atendimento clínico provoca e considerados naturais quando se trabalha com um grupo sensível emocionalmente. Tais elementos adversos são considerados por Brandt (2017) como resistências inerentes presentes em momentos da supervisão.

A pesquisa de Aguirre et al. (2000) considera estes elementos dificuldades próprias dos alunos em assumirem um papel profissional ainda em construção. No que tange a supervisão, estes autores mencionam que a experiência clínica suscita no aprendiz fantasias e expectativas, referentes inclusive ao seu papel no grupo de supervisão. Para os autores estas fantasias englobariam temores dos estagiários por críticas dos colegas quanto ao seu desempenho, dificuldades e esquecimentos para expor o caso clínico e a tendência de utilizar jargões técnicos. Estes aspectos sinalizariam dificuldades emocionais dos estagiários relacionadas tanto aos atendimentos clínicos, quanto ao momento da supervisão. Neste caso, os autores chamam a atenção para o cuidado a ser adotado pelo supervisor em relação aos fenômenos contratransferenciais, os quais devem ser por ele abordados com parcimônia.

Em continuidade às reflexões acerca deste percurso em busca da autonomia profissional, que o supervisor trilha junto aos seus estagiários, outros estudos irão abordar a relevância da supervisão nos estágios, condição esta que inaugura a passagem do aprendizado teórico para vivência prática, considerando a importância do ambiente para o desenvolvimento emocional do indivíduo (Gallo-Belluzzo et al., 2013; Lopes & Castro, 2018; Ribeiro et al., 2008; Sei & Paiva, 2011). A partir do enfoque teórico winnicottiano, estes estudos transpõem para o espaço da supervisão a função de acolhimento, de holding, para o desenvolvimento emocional do estagiário rumo a independência (Gallo-Belluzzo et al., 2013; Lopes & Castro, 2018; Ribeiro et al., 2008; Sei & Paiva, 2011). Constituindo-se, portanto, como um espaço integrador de acolhimento e de conhecimento teórico, alguns estudos enfatizam a necessidade de propostas educacionais diferenciadas na supervisão, os quais possibilitariam uma aproximação com a prática clínica em pequenas doses (Gallo-Belluzzo et al., 2013; Ribeiro et al., 2008).

Discorrendo sobre as experiências dos estagiários, algumas pesquisas refletem acerca dos aspectos emocionais presentes na supervisão, nos quais fenômenos transferenciais, positivos e negativos, estão envolvidos tanto na relação do estagiário com o paciente (Lopes & Castro, 2018; Sei & Paiva, 2011), com o supervisor (Marcos, 2012; Sei & Paiva, 2011) e os integrantes do grupo de supervisão (Sei & Paiva, 2011). Deste modo, a supervisão enquanto possibilidade de oferta de holding contemplaria os seguintes aspectos: contribuição no desenvolvimento teórico dos estagiários, acolhimento e mediação dos fenômenos que emergem e mobilizam o grupo como um todo, por meio da transformação e decodificação das angústias presentes; além da contribuição na construção da autonomia dos estagiários, voltado para o desenvolvimento do verdadeiro self profissional (Lopes & Castro, 2018; Sei & Paiva, 2011).

Os estudos de Aguirre (2000) e Iwashima et al. (2019) contemplam de forma significativa as emoções vivenciadas pelos psicoterapeutas-aprendizes nos atendimentos clínicos. Considerando tanto o ponto de vista do supervisor, quanto dos estagiários, Aguirre (2000) elucida alguns aspectos importantes que merecem ser mencionados.

Sob o enfoque do supervisor, Aguirre (2000) menciona algumas de suas funções, tais como: orientar e respaldar os estagiários no conhecimento e uso das características objetivas que definem e norteiam o trabalho clínico – denominadas como enquadramento de trabalho –, cujos parâmetros permitem ao psicólogo realizar seu trabalho; facilitar a integração do conhecimento teórico e autoconhecimento; trabalhar as ansiedades, medos e angústias despertadas antes, durante e depois dos atendimentos clínicos, enfocando a dinâmica do relacionamento – pela compreensão dos aspectos latentes e manifestos – estabelecida pela dupla psicoterapêutica, assim como pelos integrantes do grupo de supervisão e supervisor. Deste modo, a supervisão integra a possibilidade de suporte para as dificuldades emergentes dos estagiários, nos quais elementos transferenciais e contratransferenciais, não percebidos no início da experiência clínica, são acolhidos pelo supervisor, em um processo que valoriza e respeita as possibilidades deles.

Por meio da ilustração de vários exemplos, a autora evidencia as emoções vivenciadas pelos estagiários nos momentos da supervisão, articulando-as aos atendimentos, à supervisão e sobretudo às transformações emocionais ocorridas nos próprios estagiários. A aproximação que eles desenvolvem com os próprios sentimentos, percepções e sensações, realizada por meio do manejo delicado e sensível da supervisora, evidencia uma possibilidade de compreensão dos atendimentos clínicos de forma singular. Ao mesmo tempo, esta sintonia emocional, dificilmente obtida por um conhecimento teórico, proporciona ao estagiário uma experiência clínica significativa com o outro e consigo mesmo.

Por outro lado, ainda sob a perspectiva dos estagiários, o estudo de Iwashima et al. (2019) reflete sobre as dificuldades apresentadas por eles de forma diversa. De acordo com os autores, assim como os pacientes adolescentes atendidos pelos psicoterapeutas-aprendizes encontram-se em uma fase de transição – no qual não se identificam nem com o mundo infantil, tampouco com o adulto –, os próprios estagiários vivenciam as adversidades de um processo de transição. Assim, o fato deles não se reconhecerem “como estudantes de graduação nem como profissionais experientes” (p. 39), poderia ser nomeado como “adolescência profissional”.

A partir destas reflexões acerca das emoções vivenciadas pelos psicoterapeutas-aprendizes nas supervisões, é possível visualizar direcionamentos distintos. Alguns estudos aqui mencionados conduzem suas reflexões abordando as reações emocionais presentes na relação supervisor-supervisionando e grupo de supervisão, enquanto outras pesquisas debatem o tema da supervisão sob o ponto de vista da intersecção existente entre a prática clínica e seus efeitos a partir da experiência, não englobando especificamente as emoções vivenciadas nas supervisões (Darriba, 2011; Lustoza & Pinheiro, 2014; Marcos, 2012; Pereira & Kessler, 2016; Pinheiro & Darriba, 2011).

Ainda que a compreensão da supervisão enquanto possibilidade de uma experiência de aprendizado, articulada aos aspectos teórico-metodológicos, seja um consenso na literatura, há ainda muito a ser refletido. Articular a experiência emocional vinculada a uma aprendizagem é uma forma de explicar os mecanismos que operam nas relações. Compreender as ressonâncias que emergem pelas vivências emocionais, nem sempre perceptíveis pela comunicação verbal, seria uma possibilidade de alcançar outras conjecturas, nem sempre previsíveis, porém sensíveis ao que emerge no encontro clínico.

MÉTODO

Esta pesquisa se orientou pelo método clínico-qualitativo, o qual abrange um conjunto de técnicas e procedimentos específicos, a fim de se obter um conhecimento e compreensão mais aprofundados dos sentidos e significados ligados às vivências humanas (Turato, 2003/2013). A percepção destes significados, apreendida em suas formas verbais e não verbais, incluiu um olhar sobre os gestos, movimentos corporais e anotações do diário de campo, com as percepções e sensações da pesquisadora. Estes dados, os quais integram aspectos conscientes e inconscientes, assim como o envolvimento ativo do investigador, isto é, sua implicação subjetiva, são atributos utilizados e considerados no método clínico-qualitativo (Turato, 2003/2013).

Sustentando-se em três pilares que abarcam a atitude existencialista, clínica e psicanalítica, a metodologia clínico-qualitativa se constitui como importante empreendimento científico aplicado nos settings de saúde, justificando, portanto, tal abordagem metodológica no presente estudo (Turato, 2003/2013).

A amostra caracterizou-se por ser intencional e seu fechamento foi definido pelo critério de exaustão, cuja particularidade consistiu em considerar no tamanho final da amostra todos os psicoterapeutas-aprendizes que se dispusessem a participar (Fontanella et al., 2011; Turato, 2003/2013). Como critério de inclusão, considerou-se o requisito de que os estagiários estivessem no nono semestre de graduação em psicologia e realizando estágios em serviços-escolas, com prática clínica supervisionada pelo referencial teórico psicanalítico.

Neste estudo foram entrevistados 27 psicoterapeutas-aprendizes, de quatro Instituições de Ensino Superior, localizadas no estado do Paraná. Do total de participantes, 23 estudantes eram do sexo feminino e quatro do sexo masculino e suas idades variaram de 21 a 39 anos.

Os dados foram coletados por meio de entrevistas semidirigidas, realizadas individualmente. Este tipo de recurso possibilita uma maior flexibilidade ao longo da entrevista, visto que tanto o entrevistado quanto o pesquisador direcionam os temas abordados (Turato, 2003/2013). Após o preenchimento do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, com a explicação dos objetivos da pesquisa, procedeu-se às entrevistas que foram agendadas de acordo com a disponibilidade de cada participante. Os nomes dos entrevistados, dos supervisores e das Instituições de Ensino Superior foram identificados por letras e números, preservando-se a privacidade e o anonimato dos envolvidos.

O tratamento dos dados foi feito pelos pressupostos da análise de conteúdo (Bardin, 1977/2016), o qual permitiu identificar, pelos critérios de repetição e relevância (Bardin, 1977/2017; Turato, 2003/2013; Urquiza & Marques, 2016), três categorias que foram definidas a posteriori. A discussão dos dados foi realizada a partir do referencial teórico psicanalítico, o qual converge também com os pressupostos da metodologia clínico-qualitativa (Turato, 2003/2013).

O presente estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da Instituição de Ensino Superior, no qual a pesquisa foi desenvolvida e seguiu as normas estabelecidas pela Resolução do Conselho Nacional de Saúde (CNS) no 466/2012.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

De acordo com os resultados deste estudo a supervisão foi compreendida pelos psicoterapeutas-aprendizes como um espaço com diferentes funções, originando estas três categorias de análise, sendo estas vinculadas: à aprendizagem, ao acolhimento e à partilha das emoções vivenciadas nos atendimentos clínicos.

APRENDIZAGEM

A supervisão enquanto um espaço de aprendizagem, foi mencionada pelos entrevistados, conforme ilustram as seguintes vinhetas: “É extremamente importante porque daí ele tá me ensinando, né!!! Ele viu o que eu não vejo, ainda não consigo ver! Então é um aprendizado assim muito grande!” (E4). “Quando eu saio da supervisão eu saio muito aliviada, nossa.... assim com o pensamento... uma sensação de aprendizado, de que você tá fazendo algo bom” (E25).

Foi possível verificar que a articulação do supervisor proporciona aos estagiários um suporte teórico e metodológico para as dificuldades emergentes nos atendimentos clínicos (Aguirre, 2000; Aguirre et al., 2000; Barbosa et al., 2015; Brandt, 2017). Como a prática clínica é ainda incipiente, é natural que a supervisão seja concebida por eles enquanto possibilidade de aprendizagem, uma vez que nos primeiros encontros o psicoterapeuta-aprendiz se defronta com ansiedades, inseguranças e medos quanto à própria capacidade teórica e técnica. De certo modo, “ver com os olhos do supervisor” parece ser uma via de segurança e a sensação de aprendizado, referida pelos participantes, demonstra como a supervisão auxilia o estagiário na compreensão do caso clínico.

Além disso, conforme mencionado no estudo de Iwashima et al. (2019), as dificuldades vivenciadas pelos estudantes durante os atendimentos clínicos se correlacionam a um processo de transição, designado como “adolescência profissional” (p. 39). É possível conjecturar que nessa transição o jovem aprendiz necessite de figuras com as quais possa se identificar e, embora não seja objetivo deste estudo discorrer acerca das funções do supervisor, é pertinente considerar que, compreendendo as necessidades apresentadas pelos iniciantes na prática clínica e sabendo dos limites de uma escuta clínica, o supervisor possa ser um objeto de identificação para os psicoterapeutas-aprendizes. Um dos participantes menciona, inclusive, este fato:

Teve muitas pessoas que foram escolher seus supervisores, não porque se identificam com o supervisor ou como na clínica psicanalítica, tem uma transferência, mas simplesmente porque o outro amiguinho foi, o outro amiguinho acha que, esse é um bom supervisor.... Então eu acho que... é um problema isso (E6).

A supervisão também representa um espaço de aproximação entre a prática e a teoria (Aguirre, 2000; Aguirre et al., 2000; Barbosa et al., 2015; Brandt, 2017), dando-lhes sentidos e subsídios para o entendimento das experiências clínicas, como pode ser notado nas falas a seguir:

Você de fato começa a entender várias coisas na prática e... com a ajuda dos supervisores que vão trazendo a teoria. Daí enquanto você traz a prática é dá pra... dá pra ter um outro entendimento, digamos assim. Não que você vá virar um expert em psicanálise, mas eu acho que é um caminho muito bom pra você ir entendendo (E12).

O professor é bem calmo, ele consegue passar pra você o que que tá acontecendo na clínica. Tenta passar pra você como que você vai entendendo tudo aquilo que tá acontecendo, cada palavra dela, cada...reação que ela faz, o jeito que ela fala, então ele explica muito bem. Eu acho super uma salvação, um alívio, vir na supervisão. Ele também passa vários textos, a gente vai lendo em casa, vai se aprimorando mais, né (E26).

Por outro lado, também foi possível observar nas falas dos entrevistados um posicionamento eminentemente técnico, no que se refere às formas de se lidar com as emoções vivenciadas. Verificou-se que alguns estagiários discorriam sobre a função de aprendizado vinculado à supervisão sobretudo pelo ponto de vista intrapsíquico, como se, pela via do aprendizado teórico-metodológico, os psicoterapeutas-aprendizes pudessem lidar com as emoções vivenciadas nos atendimentos clínicos por meio do controle e da neutralidade, considerada como necessária para alguns psicoterapeutas, como pode ser visto a seguir:

Como dizem: a supervisão ajuda muito e a gente se sente muito mais seguro pra, pra atender ... Ah, eu acho que, no sentido, assim... Não que a gente, né, tem totalmente assim o... não que tem totalmente o controle. Porque pra um psicólogo que já é formado há mais tempo é tranquilo, né, você sabe o que você vai fazer depois, né. E pra gente, a gente fica meio assim... Então aí esse controle eu... o, o... eu acho que seria mais nesse sentido (E19).

A função da supervisão enquanto uma via de aprendizagem da teoria e do método psicanalíticos é essencial para o processo de formação do psicoterapeuta-aprendiz. A presença de alguém mais experiente, neste caso, o supervisor, advém como propiciador de uma compreensão acerca do caso clínico atendido. As formas como os psicoterapeutas-aprendizes vivenciam o momento da supervisão confirmam a necessidade da aprendizagem teórico-metodológica.

Conforme mencionado anteriormente, verifica-se que os aprendizes parecem se delinear pela compreensão das questões emergentes sob o vértice dos pacientes atendidos, talvez pretendendo primeiro “dominar tecnicamente” as dificuldades que ocorrem nos atendimentos clínicos. Entretanto, não é possível constatar se os estagiários, nos momentos iniciais das supervisões dos atendimentos, conseguem perceber a importância da escuta de si mesmos na relação psicoterapêutica. O controle e a neutralidade almejados parecem servir como mecanismos defensivos diante das questões contratransferenciais emergentes. Entretanto, a partir do encontro com o outro no setting terapêutico e durante as supervisões, o estagiário pode vivenciar transformações na sua subjetividade advindas da experiência da supervisão, as quais colaboram para o seu processo de desenvolvimento como psicoterapeuta-aprendiz.

ACOLHIMENTO

Nesta categoria os entrevistados citaram o acolhimento para justificar a forma como se sentiam durante as supervisões, como ilustram as vinhetas: “Eu acho que a supervisão assim é essencial... pra gente desabafar, porque ali a gente pode errar, aí se você falou alguma coisa errada ali o professor vai te corrigir. Então pra mim é essencial!” (E2).

Então, assim, eu acho que ali é o momento de eu falar. Olha, não... é... não tava legal aquele dia, é... não consegui fazer isso, ou poderia ter feito de um outro jeito. Eu acho que é superimportante, assim, na supervisão, falar sobre isso porque você... fala sobre aquilo que você viveu no atendimento (E8).

Observou-se que a supervisão clínica integra um espaço no qual as vivências dos psicoterapeutas-aprendizes encontram um respaldo emocional. Assim, a possibilidade de estarem à vontade, desabafar, falarem das vivências emocionais, demonstrar suas vulnerabilidades, direcionadas para a figura do supervisor, parece ajudá-los a entender melhor o que acontece consigo mesmos e nos atendimentos clínicos.

Por outro lado, o respaldo emocional encontrado na supervisão, referido por autores já mencionados no presente estudo (Gallo-Belluzzo et al., 2013; Lopes & Castro, 2018; Ribeiro et al., 2008; Sei & Paiva, 2011), parecia relacionar-se também nesta segunda categoria mais à figura dos psicoterapeutas-aprendizes, em detrimento das experiências emocionais vivenciadas pela dupla psicoterapêutica. Para ilustrar este fato, um dos entrevistados menciona a seguinte experiência:

É... eu acho, muito, muito importante que a gente tenha esse, esse suporte. Eu acho, como eu disse, a supervisão excelente. É... semana passada, a gente teve uma situação que começou falando dessa minha e uma companhe...uma companheira de estágio já pegou o gancho, ela tava assim numa situação muito angustiante e eu acho que deveria ter um atendimento diferenciado, alguma coisa mais intensa sabe?! Talvez eu esteja fazendo confusão com a própria terapia [risos] (E13).

Eu fiquei o final de semana inteiro pensando, porque ela já tinha faltado... Daí ela faltava na sexta feira, eu passava o final de semana pensando nisso, porque eu falava “a culpa é minha, ela não tá vindo, a culpa é minha” e.… daí eu ficava pensando, pensando nisso. Então o W [supervisor] me ajudou bastante nisso e ele me ajuda muito também a pensar sobre os casos, a mostrar um outro lado da coisa (E7).

Durante as supervisões verifica-se que, inevitavelmente, os psicoterapeutas-aprendizes aproximam-se de suas questões pessoais, nas quais sentimentos de confusão e culpa são vivenciados e mobilizam os estudantes. Sentimentos que podem estar relacionados às vivências contratransferenciais, as quais, por serem inconscientes, necessitam de alguém que as acolha e auxilie o psicoterapeuta-aprendiz a ressignificá-los e compreendê-los. A necessidade de encontrarem o acolhimento na figura do supervisor, para compreenderem os desconcertos e conflitos que emergem em si mesmos, evidencia-se, demonstrando o quanto os elementos contratransferenciais estão presentes.

Além disso, na dinâmica das entrevistas, os psicoterapeutas-aprendizes apresentaram relatos especiais e significativos sobre seus supervisores. Os quais pareciam representar para os entrevistados pessoas muito importantes e queridas, denotando haver uma relação transferencial positiva entre psicoterapeuta-aprendiz e professor-supervisor, conforme ilustrado na seguinte vinheta:

A minha própria supervisora, nisso eu acho que ela tem uma sacada muito legal que, mesmo sendo psicanalista, ela é muito acolhedora, ela faz a gente trabalhar essa questão dos sentimentos. Pra mim a Y (supervisora) é uma figura muito importante sabe... Então eu escolhi ela como supervisora, acho que foi no.… ah...sétimo período, eu falei ‘não, eu quero você como supervisora’, ela já sabia que eu ia escolher ela como supervisora... Mas é porque rola muita transferência, eu acho que ela me entende muito bem, sabe como que eu funciono, como que eu... opero e isso ajuda bastante (E19).

Nestes casos, verificou-se que a forma como os estagiários se sentiam acolhidos e amparados era diversa. Embora o estabelecimento de uma transferência positiva entre supervisor e supervisionando seja um aspecto relevante (Marcos, 2012) e os entrevistados tenham mencionado também a importância do acolhimento para a compreensão do caso clínico, foi possível observar que alguns estagiários pareciam necessitar de um cuidado diferente, semelhante ao materno. Estes aspectos, presentes na dinâmica da relação entrevistadora-entrevistados, integraram o caráter fenomenológico da própria pesquisa clínica-qualitativa (Turato, 2003/2013) sendo pertinentes para a compreensão do que emergiu nas entrelinhas das suas falas.

A importância das reverberações emocionais presentes nos momentos das supervisões, nos quais os elementos transferenciais direcionados ao supervisor merecem destaque, evidencia singularidades de uma experiência em que complexos mecanismos operam. Considerá-los em suas múltiplas dimensões requer um exercício constante por parte do supervisor, pautando-se quer seja em uma ética ou em sua função no processo de formação do psicoterapeuta-aprendiz.

PARTILHA DAS EMOÇÕES VIVENCIADAS

A supervisão, compreendida como um momento de partilha das vivências emocionais com o professor e demais colegas do grupo, emerge como elemento importante nas falas dos entrevistados, conforme ilustrado nas seguintes vinhetas:

A gente vê que todo mundo tá passando pela mesma coisa. Que não é só a gente que tá ali com aquele sentimento às vezes de não saber o que fazer, aquele sentimento de raiva, de tristeza assim ao mesmo tempo, né. Que todo mundo ali também tá tendo seus conflitos ali com cada caso né, e a gente podendo partilhar, ali todo mundo junto né, todo mundo se ajuda né (E10).

Quando a gente compartilha e partilha isso na supervisão, os sentimentos e as emoções, você tem um terceiro ali nessa história que está observando tudo, que tá ali... e diz... olha você pode ter feito isso... tá errado... você pode melhorar nisso... Então eu acho que assim... é muito importante trabalhar mesmo essas emoções e sentimentos da supervisão, porque o professor, ele vai te ajudar nesse sentido (E14).

Os dados revelam a importância da supervisão no processo de desenvolvimento dos futuros profissionais. Este espaço se constitui também como o momento que possibilita que os psicoterapeutas-aprendizes falem abertamente sobre como se sentem durante os atendimentos clínicos. Deste modo, compartilhar as vivências emocionais junto ao professor e demais estagiários parece conferir uma sensação de pertencimento, ou seja, o intercâmbio emocional presente na supervisão assemelha-se a um vínculo, no qual os integrantes desta relação parecem testemunhar as vicissitudes dos encontros psicoterapêuticos.

Não se observou entre os entrevistados um atributo desfavorável quanto ao compartilhar junto ao grupo as vivências emocionais (Aguirre et al., 2000; Brandt, 2017; Sei & Paiva, 2011). Pelo contrário, a familiaridade das dificuldades vivenciadas e compartilhadas entre os psicoterapeutas-aprendizes denotou uma sensação de segurança, na qual a experiência de compartilhar e aprender com os demais atendimentos do grupo de supervisão mostrava-se profícua (Aguirre, 2000; Barbosa et al., 2015; Sei & Paiva, 2011).

Além disso, a densidade da prática clínica psicanalítica é vivenciada pelos entrevistados de forma intensa, no qual a supervisão em grupo é referida em sua importância no percurso dos psicoterapeutas-aprendizes:

Acho que é importante você ter um lugar pra falar sobre... a sua clínica, pra falar sobre os seus atendimentos, porque a gente lida com pessoas e nós não somos máquinas. Nós temos sentimentos, nós temos emoções e pra um psicanalista é sempre aquela questão de manter distanciamento. Eu acho que esse distanciamento às vezes é custoso, no sentido de ser doloroso o tanto que você sofre pra conseguir manter essa postura e eu acho que na supervisão é um momento que a gente consegue mostrar o lado humano (E19).

A minha colega atendeu lá uma moça, também falou que se identificou muito com a história de vida dela e segurou muito pra não chorar... Aí ela chorou na supervisão... Eu achei assim, rico, porque é... pode passar, né, não só o contar o caso, falar na supervisão, você pode falar o que você sentiu também e até se expõe... (E25).

Neste estudo, optou-se por não questionar os estagiários em relação à psicoterapia pessoal, pressupondo que a pergunta poderia ser considerada invasiva e contribuir para que eles não se sentissem à vontade para falar sobre suas vivências emocionais nos momentos das supervisões. Acredita-se que, assim, eles puderam abordar, de forma mais espontânea, suas vivências emocionais nos atendimentos e nas supervisões clínicas.

No entanto, um pequeno grupo de participantes que falou sobre seus percursos em psicoterapia pessoal trouxe alguns dados relevantes que merecem ser mencionados. Estes estagiários demonstraram uma diferença significativa na forma de vivenciar as próprias emoções, integrá-las aos atendimentos clínicos e compreender a supervisão. Por meio da supervisão, os psicoterapeutas relataram vivências clínicas, cujas repercussões foram trabalhadas em psicoterapia pessoal, de modo que lhes foi possível observar o estreito entrelaçamento entre as emoções sentidas nos atendimentos clínicos e a própria história de vida, mostrando-se mais sensíveis na relação psicoterapêutica. Tal fato confirma os pressupostos freudianos acerca da importância do tripé na formação do analista o qual, considerando o contexto acadêmico e cuja obrigatoriedade da análise ou terapia pessoal não pode ser exigida (Darriba, 2011; Lustoza & Pinheiro, 2014; Pereira & Kessler, 2016; Pinheiro & Darriba, 2011; Pinheiro, 2016), evidencia os limites desta experiência. Deste modo, as dificuldades emocionais vivenciadas pela maioria dos estagiários desta pesquisa podem também estar relacionadas a um percurso, no qual a psicoterapia ou análise pessoal não esteve presente.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As vivências emocionais dos psicoterapeutas-aprendizes, durante as supervisões clínicas, englobam aspectos relativos à aprendizagem dos conteúdos teórico-metodológicos, à necessidade de sentirem-se acolhidos, tanto em relação à compreensão das mobilizações advindas do encontro com o outro, no caso o paciente, mas sobretudo em relação a si mesmos.

A partilha no grupo de supervisão das agruras e intensidades emocionais vivenciadas na clínica psicanalítica contribuem para a vivência de um sentimento de pertencimento. Assim, além da possibilidade de testemunharem as vicissitudes dos encontros e desencontros presentes nos atendimentos clínicos, os psicoterapeutas-aprendizes parecem compartilhar, inconsciente ou conscientemente, reencontros com suas próprias histórias.

Deste modo, as dificuldades relatadas nas supervisões, as formas como os psicoterapeutas vivenciam estes momentos, adquirem uma conotação de salvação, de “porto seguro”, direcionada aparentemente para a compreensão do paciente, mas particularmente aos aprendizes. É compreensível que o olhar dos estagiários esteja preponderantemente voltado para si mesmos, uma vez que eles estão vivenciando o início de uma trajetória, cujo processo de formação no enfoque psicanalítico é contínuo.

Apesar das reflexões acerca da possibilidade de ensino e transmissão da psicanálise nas universidades serem assuntos debatidos desde os tempos de Freud, é preciso considerar o que fazer diante dos limites inerentes de um trabalho, cujo objeto de estudo é o inconsciente. A compreensão de que, a partir deste trajeto inicial do contato com a psicanálise na universidade, o aluno possa se interrogar, ir em busca de aprofundar seu conhecimento após a graduação e iniciar uma terapia pessoal é profícua.

Constata-se que o momento da supervisão e toda a troca que permeia esta situação são aspectos que auxiliam o psicoterapeuta-aprendiz em sua trajetória acadêmica, na qual a existência de um tempo e de um lugar, onde histórias possam ser contadas e compartilhadas, se constitui enquanto possibilidade de crescimento para o futuro profissional.

A pertinência dos resultados encontrados revela a importância de que os supervisores estejam sensíveis às experiências emocionais que permeiam o momento da supervisão, para que os sentidos da transmissão da psicanálise sejam possíveis. Este estudo pretendeu investigar as emoções vivenciadas pelo ponto de vista do psicoterapeuta-aprendiz, entretanto, uma compreensão sob a perspectiva dos supervisores não foi investigada. Neste sentido, ressaltamos a importância de futuras pesquisas que possam contemplar os dois pontos de vista, as quais trariam contribuições e questionamentos relevantes.

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Recebido: 10 de Abril de 2020; Revisado: 04 de Dezembro de 2020; Aceito: 17 de Maio de 2021

Correspondência: Andréa Kioko Sonoda Gomes. andreakioko@yahoo.com.br

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