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Arquivos Brasileiros de Psicologia

On-line version ISSN 1809-5267

Arq. bras. psicol. vol.74  Rio de Janeiro  2022  Epub Sep 09, 2024

https://doi.org/10.36482/1809-5267.arbp-2022v74.18448 

ARTIGO ORIGINAL

O VELHO E O OUTRO: IDENTIFICAÇÃO E RECONSTRUÇÃO DE SI

THE OLD AND THE OTHER: IDENTIFICATION AND SELF-RECONSTRUCTION

EL VIEJO Y EL OTRO: IDENTIFICACIÓN Y RECONSTRUCCIÓN DEL YO

LUÍSA DA ROSA OLESIAKI 
http://orcid.org/0000-0002-2635-2675

CAROLINA SCHMITT COLOMÉII 
http://orcid.org/0000-0002-2855-4940

MIKAELA ALINE BADE MÜNCHENI 
http://orcid.org/0000-0001-7610-0030

ALBERTO MANUEL QUINTANAI 
http://orcid.org/0000-0001-7356-6142

I Universidade Federal de Santa Maria. Santa Maria, RS, Brasil.

II Universidade Federal de Santa Catarina. Florianópolis, SC, Brasil.


RESUMO

Este artigo se propõe a abordar as significações atribuídas à velhice e a sua identidade em sujeitos com idade igual ou superior a 70 anos. Utilizou-se o método clínico-qualitativo, de caráter exploratório e descritivo. Foram realizadas entrevistas semiestruturadas, com quatro homens e seis mulheres, com idade média de 76,3 anos, observadas pela análise de conteúdo. Os participantes da pesquisa relatam não se identificarem enquanto “velhos”, entretanto apropriam-se do “ser idoso” a partir das marcas corporais que advêm do envelhecer, bem como por meio do olhar da sociedade. Ainda retratam o vínculo com o passado e a memória como um fator de sustentação da identidade e do pertencimento a um lugar reconhecido por eles, de modo a destacar um mundo e um presente no qual não se reconhecem e um futuro de difíceis projeções de si. Todavia, evidencia-se, nesta fase, a reestruturação do sujeito de forma a atribuir ganhos e novas relações.

Palavras-Chave: Construção social da Identidade; Identidade Própria; Idoso; Percepção do tempo

ABSTRACT

This article proposes to approach the meanings attributed to old age and its identity in subjects aged 70 years or older. The exploratory and descriptive clinical-qualitative method was used. Semi-structured interviews were conducted with 4 men and 6 women, with an average age of 76.3 years, which were observed by the content analysis. The participants report that they do not identify themselves as “old”; however, they agree with the expression “being elderly”, which is based on the body marks that come from aging, as well as through the society judgment. Still, they portray the link with the past and memory as a factor that sustains their identity and the feeling of belonging to a place recognized by them. In this way, they highlight a world and a present in which they do not recognize themselves, as well as a future of difficult self-projections. However, it can still be seen, at this stage, the subject’s restructuring himself through gains and new relationships.

Key words: Social construction of identity; Self-Identity; Elderly; Perception of time

RESUMEN

Este artículo tiene como objetivo abordar los significados atribuidos a la vejez y su identidad en sujetos de 70 años o más. Se utilizó el método clínico-cualitativo, exploratorio y descriptivo. Se realizaron entrevistas semiestructuradas a 4 hombres y 6 mujeres, con una edad promedio de 76,3 años, observados por análisis de contenido. Los participantes de la investigación relatan no identificarse como “viejos”, sin embargo, se apropian del “ser anciano” a partir de las marcas corporales que provienen del envejecimiento, así como a través de la mirada de la sociedad. Aun así, retratan el vínculo con el pasado y la memoria, como factor de soporte identitario y de pertenencia a un lugar reconocido por ellos, para resaltar un mundo y presente en el que no se reconocen y un futuro de difíciles proyecciones de sí mismos. Sin embargo, es evidente, en esta etapa, la reestructuración del sujeto para atribuir logros y nuevas relaciones.

Palabras-clave: Construcción social de la identidad; Identidad propia; Anciano; Percepción del Tiempo

INTRODUÇÃO

A velhice caracteriza-se por meio de uma baliza cronológica, que aponta alguém como idoso a partir dos 60 anos de idade (Arantes, Pinheiro & Amando 2019; Who, 2002), sendo composta por um fenômeno que toma a esfera biológica e que possui reflexos na psique. Na sua complexidade, não condiz apenas ao aspecto cronológico e biológico, mas atravessa a cultura, transforma e demanda ressignificações na relação do sujeito com o tempo, com o mundo externo e, assim, com a sua história singular (Beauvoir, 1990; França, Barbosa, Fett & Fett, 2016).

A construção das identidades, perpassada por valores individuais e sociais, vincula-se ao fator idade, e começa a indicar, por meio de crenças, ideias de satisfação, práticas corporais e de conduta, a vivência de cada ser nas diferentes etapas da vida. Nesse sentido, ser adulto, criança, adolescente ou idoso organiza e constitui parte significativa da identidade dos indivíduos. Esse processo de identificação passa a tocar grandes esferas da vida dos sujeitos, estando presente no âmbito familiar, do trabalho, nos meios individuais e inter-relacionais, bem como nos mercados de consumo (Barcelos, Esteves & Slongo, 2016; Silva, 2008).

No transcorrer do século XIX, seguindo um ordenamento social, a construção de grupos etários e as especificações de cada grupo, suas funções e hábitos passam a tomar forma e consolidar a segmentação da vida em estágios formais, com transições claras entre as etapas, através do ingresso em diferentes meios sociais, como a escola, o ensino superior, o ambiente de trabalho e a aposentadoria (Silva, 2008). Nesse sentido, a demarcação da velhice, enquanto um estágio distinto da vida, e os idosos, enquanto um grupo social diferenciado e uniforme, passam a ser evidenciados por meio dos discursos médicos especializados, provenientes da geriatria e a gerontologia, as quais passam a construir uma narrativa acerca do corpo do idoso e do seu comportamento, bem como da criação das caixas de aposentadoria e pensões definidas a partir da idade e da criação das instituições de longa permanência. Isso vem a consolidar o imaginário e o discurso acerca do fenômeno da velhice. Constroem-se normas relativas a uma identidade social, as quais se referem aos tipos de repertórios, de papéis ou perfis que se considera que aqueles indivíduos podem sustentar (Santos & Lago, 2016).

Arantes et al. (2019), bem como Simone de Beauvoir (1990), autora da obra clássica “A velhice”, retratam como uma das faces dessa fase da vida a ideia de ser associada unicamente a imagens e significados da doença, decrepitude e morte. Essa identidade social trouxe o destaque para a condição de abandono social e silêncio que perpassava a velhice. Nesse sentido, ela passou a ser considerada um problema social, o que, entretanto, proporcionou maior visibilidade a esse segmento e ao desenvolvimento dos seus direitos, tornando-se um lugar de gestão pública (Santos & Lago, 2016).

Na busca por romper com a conspiração do silêncio até então presente no campo da velhice e conceder uma nova posição e identidade a esta, passou-se a compor uma intensa produção discursiva sobre o fenômeno. Um novo conceito de velhice registra mudanças nas produções de sentido acerca dela, associando-a a um momento de realizações, atividades, inovações, uma fase própria para resgatar e realizar sonhos adiados. Dessa maneira, uma nova experiência da esfera do simbólico e do social foi permitida, e assim se apresenta uma produção de demanda para o mercado e a ciência, os quais passam a reger uma “velhice bem-sucedida” e dão novos contornos ao corpo, afeto e comportamento desses sujeitos (Santos & Lago, 2016; Vilhena & Rosa, 2016).

Esse movimento, no entanto, decaiu em uma nova conspiração do silêncio no campo da velhice travestida pelo fenômeno da “positivação do envelhecimento”, o qual responsabiliza os sujeitos idosos por sua imagem e “insucesso”, convocando-os a manter seus corpos e pensamentos jovens. Assiste-se ao processo de reprivatização da velhice, sendo o sujeito idoso impulsionado a dobrar-se sobre si mesmo, em busca de satisfação e realização pessoal, no resgate de projetos e alcance de um prazer individual (Rosa, 2014). Mediante essa dialética, o orgulho e a exaltação exacerbados do envelhecer que se manifestam através da solução criada pela lógica “terceira idade” e “melhor idade”, em vez de auxiliar com contribuições para reflexões e novos debates, pode decair em uma mitificação e diluição dos pensamentos e discussões sobre a velhice (Cerqueira, 2017).

Nessa perspectiva, a velhice, apesar de ser exposta como um lugar desejado, manifesta a sua complexidade por meio das perdas que se apresentam de forma mais real e constante do que já foram (Aragão & Chariglione, 2018; Viorst, 2019). A perda no seu estatuto real e simbólico coloca-se desde a perda de alguém ou de algo importante para o sujeito e, frente a ela, se rompem identificações e vínculos significativos, bem como em relação a si mesmo, retratando rupturas e reformulações na vida de quem a presencia (Combinato & Queiroz, 2006). A morte simbólica no âmbito da velhice expõe o sujeito à perda de uma posição social, identitária, mediante a imagem e as formas de relação até então conhecidas. Nesse viés, torna-se necessária a elaboração da perda, para que ela possa ser integrada à história e identidade do sujeito (Viorst, 2019).

Conforme Freud (1915/2006), o luto consiste em um trabalho que o ego desempenha para se adaptar à perda de uma figura amada, da liberdade, ou do ideal de alguém, diante da percepção da realidade de que esse objeto foi perdido. Na elaboração do luto há o deslocamento gradual do investimento destinado a esse, voltando-se as energias e investimentos a si, as suas próprias fantasias e memórias para um posterior retorno dos investimentos para a sua nova realidade. Nessa dialógica, recordar o passado demonstra um importante papel nas vias de sustentação da identidade do idoso, na articulação de quem este era e do que vivenciou com o momento do presente, de maneira a atribuir novos investimentos na vida (Mucida, 2017).

A construção de narrativas do sujeito idoso em relação a si e ao processo de luto experienciado é influenciada pela rede de apoio e por suas relações. O sujeito se constitui desde as fases iniciais do seu desenvolvimento perante o olhar e desejo do outro, o qual permite construir nomeações e sentidos para as suas vivências (Mannoni, 1995; Tavares & Silva, 2019). Tendo isso em vista, a identidade apenas se (re)constitui no diálogo com o outro, sendo que o olhar deste pode advir como suporte ou como decompositor do sujeito. A escuta e validação destinadas à história do idoso auxiliam na elaboração das perdas do envelhecer, de modo a possibilitar uma integração destas à visão do idoso acerca do seu passado, presente e futuro. Portanto, diante da complexidade sobre os assuntos do envelhecer, da construção de uma identidade do ser idoso, bem como do luto no âmbito social, como temas que carecem de maiores reflexões de ordem qualitativa e de um olhar que permita visibilidade e reflexão acerca da vivência destes sujeitos, destaca-se a importância de realizar um estudo aprofundado. Busca-se assim, a construção de referencial teórico que auxilie tanto os profissionais quanto a comunidade na compreensão da velhice frente às perdas simbólicas, buscando a prevenção de complicações do luto. Para tanto, objetivou-se entender as significações atribuídas por sujeitos idosos acima de 70 anos, acerca da velhice na contemporaneidade, além da percepção do discurso interligado à sua identidade e ao luto.

MÉTODO

DESENHO DO ESTUDO

O presente estudo consiste em uma pesquisa descritiva e exploratória, de cunho clínico-qualitativo. Optou-se, especificamente, pelo método de pesquisa clínico-qualitativo, uma vez que, através dele, produz-se um refinamento de pesquisas qualitativas tradicionais, singularizado por um olhar clínico. Ele se torna eficaz ao buscar a captura de sentidos e significações acerca dos fenômenos por meio da observação e escuta dos sujeitos da pesquisa, da interpretação dos pesquisadores e sua criatividade (Turato, 2013). No que condiz à pesquisa exploratória, ela possui como meta o alcance de uma maior familiaridade com o problema, com o intuito de torná-lo mais explicativo. Seu objetivo é aprimorar as ideias ou a descoberta de intuições, sendo, assim, flexível. Já a pesquisa descritiva foi selecionada por ter como aspecto central a descrição das características de determinado fenômeno ou população (Gil, 2002).

CENÁRIO DO ESTUDO

O lugar mais adequado para o cenário do estudo de coleta de dados é o ambiente natural em que o sujeito do estudo está imerso, tendo em vista que é onde se manifestam informações mais relevantes, pois conservam relações e características do pesquisado. Dessa maneira, o trabalho de campo possibilita maior riqueza na pesquisa que possui sujeitos como objetos de estudo, incorporando valores de validade e autoridade das informações (Turato, 2013). Nesse viés, desenvolveu-se a coleta de dados no ambiente natural dos sujeitos da pesquisa, ou seja, nas suas próprias residências ou em uma sala no local da Estratégia de Saúde da Família (ESF) na qual são cadastrados, uma vez que são territórios em que passaram e passam a maior parte das suas vidas e inter-relações. Para isso, escolheu-se alcançar os sujeitos de pesquisa por meio dos registros obtidos através da ESF, em uma região carente de um município do interior do Rio Grande do Sul, já que consiste no serviço em que há uma das maiores concentrações de demanda com a população idosa, devido à sua maior convergência.

PARTICIPANTES DA PESQUISA

Foram incluídos na pesquisa dez sujeitos maiores de 70 anos, de ambos os sexos, vinculados à ESF de uma região carente do interior do Rio Grande do Sul. Escolheu-se a idade de 70 anos, visto que ela impõe um corte social intenso no retrato explícito de uma passagem a outra condição, na qual, muitas vezes, não se possui mais obrigações sociais, como o exercício obrigatório do voto e coloca-se, em muitos casos, a aposentadoria. Os participantes foram indicados pela equipe da ESF selecionada, de modo a retratar o contato dos pacientes que realizaram atendimento naquele período. O número total de sujeitos incluídos na pesquisa foi de 10, sendo quatro homens e seis mulheres, com idades que variaram de 71 anos a 86 anos, sendo a idade média de 76,3 anos. Com o intuito de preservar o sigilo e a identidade dos participantes, seus nomes foram trocados pela letra E, seguida de um número que corresponde ao entrevistado, um número que refere à sua idade e, por fim, a letra referente ao sexo M (masculino) e F (feminino).

Com o objetivo de delimitar o número de entrevistados, foi definido o critério de saturação da amostra, que consiste, conforme Minayo (2011), no entendimento que foi capturada pelo pesquisador a lógica interna do grupo, visto que se concebe que existe um número limitado de versões da realidade. Isso se demonstra em função de que as experiências, mesmo frente às suas individualidades, são resultantes de um processo social e, de alguma forma, compartilhadas. Assim, a saturação de dados colocou-se quando o pesquisador alcançou a compreensão da homogeneidade, da intensidade e da diversificação dos dados necessários para a pesquisa.

COLETA DE DADOS

A coleta de dados foi realizada entre o mês de julho de 2018 e outubro do mesmo ano, por meio de entrevistas semiestruturadas. Buscando maior flexibilidade nas conversas, elas contaram com eixos norteadores com guias, os quais contemplavam as temáticas em pauta, como: momento a partir do qual começou a se sentir idoso; diferenças entre ser idoso e ser jovem; mudanças na velhice; relações sociais antes de se considerar idoso e após; percepções sobre as relações; e perspectiva de futuro. Permitiu-se, dessa forma, que a conversa fosse guiada por ambos os integrantes da relação, possibilitando espaço para que o entrevistado posicionasse livremente o conteúdo da sua resposta, promovendo ainda a ampliação da discussão e abertura às interpretações do sujeito de pesquisa (Minayo, 2011).

ANÁLISE DOS DADOS

No presente estudo, o estudo dos dados foi realizado por meio da análise de conteúdo, que diz da descoberta de códigos sociais perpassados no tema, ou seja, os significados, observações e símbolos oriundos a partir dos discursos dos participantes (Minayo, 2011). Assim, a técnica de análise de conteúdo, como proposta por Bardin (2010), se refere à análise das palavras e das significações atribuídas a elas, promovendo um tratamento das informações contidas nas narrativas. Para uma efetiva análise de conteúdo, as entrevistas foram transcritas na íntegra e, após, lidas e relidas a fim de encontrar conteúdos recorrentes e importantes.

Na categorização dos dados se promove os sistemas de categorias e subcategorias, que consiste em alocar assuntos em relevo que tomam discussão em grandes tópicos e os demais que possuem a dependência da temática de um amplo tópico categorizado. Neste processo é possível considerar o critério de repetição, que preconiza que se destaque as colocações reincidentes. Ademais, há também o critério de relevância, no qual não necessariamente há repetição de um ponto, mas esse é considerado, uma fala rica em conteúdo é um ponto importante na construção dos significados dos entrevistados (Turato, 2013).

ASPECTOS ÉTICOS

Este estudo segue os princípios regidos pela Resolução nº 510 de 2016, do Conselho Nacional de Saúde, que guia a ética nas pesquisas com seres humanos em Ciências Humanas e Sociais (Conselho Nacional de Saúde, 2016). Contemplando as exigências da Resolução, foram respeitados os princípios da autonomia, beneficência, não maleficência, justiça e equidade, assegurando os direitos e deveres dos participantes da pesquisa, à comunidade científica e ao Estado. Ressalta-se que a pesquisa somente foi colocada em prática após a aprovação do Núcleo de Educação Permanente em Saúde (Nepes) e do Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), sob o número CAAE: 81642117.5.0000.5346

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Intensas transformações suscitam angústia no envelhecer, frente à morte de uma posição e de lugar social e subjetivo valorizados, para ocupar outros diferentes, desconhecidos e não reconhecidos no âmbito social (Mucida, 2009). Além disso, exige-se um difícil encontro e elaboração com sua própria imagem e luto.

Com base nesta ideia, os resultados que se sobressaíram dos participantes da pesquisa, construíram duas categorias a serem trabalhadas no presente manuscrito: 1. “Como diz o outro” – A velhice e a busca por um dizer próprio; 2. Passado, presente e futuro: a velhice nos três tempos.

“COMO DIZ O OUTRO” - A VELHICE E A BUSCA POR UM DIZER PRÓPRIO

Perceber-se velho, é deparar-se com o desconhecido, embarcar em uma viagem onde as paradas não se encontram programadas e podem acontecer quando o sujeito menos espera. O novo, o inesperado dessa fase, se faz porque nunca antes, o sujeito foi um velho. E, é sempre o outro, seu semelhante, que lhe aponta a sua velhice (Manjabosco, 2014).

Como parte intrínseca da identidade do sujeito, as diferentes fases da vida assumem papel importante na construção de significados acerca da imagem de si, de modo que passam a ser referência na consolidação das relações sociais. O olhar e a menção realizada ao sujeito idoso nos espaços de socialização são demonstrativos das identificações consolidadas no âmbito social as quais influenciam na maneira como estes se apropriam das suas vivências bem como dos significados de si. De tal modo, a constituição de identidades é fortemente vinculada com as experiências e transmissão de valores, visões de mundo e normas (Correia, 2008). Assim, o sujeito se (re)constrói em uma demanda dirigida ao outro, buscando neste uma garantia que possibilite se nomear e se situar (Mannoni, 1995, Tavares & Silva, 2019): “Não, como diz o outro, sinto como eu tô mais velha como diz o outro, mas pra mim é uma fase ótima... eu não me queixo de nada” (E5, 72, F). “Dizem aí `aquela vovó´, dizem os outros, falam na rua. `Coroa´ essas coisas... Se dizem nem dou bola, faço de conta que nem escutei” (E7, 77, F).

As denominações construídas para especificar cada etapa da vida e dar conta das inter-relações entre as diferentes gerações atribuem um valor social e consequente reconhecimento ao sujeito enquanto diferente dos demais. Nesse contexto, a identidade social do velho e a sua polarização dentro do fenômeno da positivação e negativação da velhice são apropriadas pelos sujeitos da pesquisa de modo a compactuar com ela ou a recusá-la como parte da sua identidade individual. No diálogo de E5 surge o discurso idealizado, de a velhice ser uma fase ótima, sem a presença de queixas. No entanto, como retratado por E7, ser idoso assume um valor pejorativo, de forma a demonstrar a dificuldade da construção de um espaço simbólico à velhice, que permita a ela ser escutada e possibilita aos sujeitos apropriarem-se completamente das mudanças próprias do envelhecer (Vilhena & Rosa, 2016): “Não, eu não tenho ideia de idoso (risos)... ser idoso acho que é quando o cara não tem mais serventia pra nada, né...” (E2, 71, M).

Olha eu acho que, até 70 anos eu acho assim que idoso é aquele que se acomoda, eu não me acomodei. Tem gente com menos idade que eu e se acomoda, parece uns velhos... E eu por enquanto não. Tem gente que acha que tá velho e não convive com ninguém, fica ali... (E8, 71, M).

Eu, às vezes, sim... eu me sinto assim (idosa). Mas, às vezes, eu me sinto assim que eles não... como que vou te explicar, eles não valorizam muito a pessoa idosa. Eles não dão valor, os jovens de hoje, as pessoas mais novas não valorizam. Eles dizem a essa já tá vencida, já tá velha, já tá na hora de ir embora. [...] Aí pra que dizer isso, chamar de velha se tem nome, né... Ora véia, né. Chama pelo nome, a fulana tava no mercado, não a véia. Aí é tipo uma coisa ruim, né (E3, 78, F).

Segundo E3, o endereçamento do outro institui como referência a si uma posição de “velha” (Tavares & Silva, 2019), passando esse a ser o centro da sua identificação no meio social, aspecto o qual retira a subjetividade do sujeito, uma vez que o destitui da sua singularidade, do seu nome próprio, perdendo-se uma localização no campo do outro (Castilho & Bastos, 2015). A dificuldade de se apropriar simbolicamente desta etapa da vida confirma-se na fala de E2 e E8 através da associação da velhice a um apagamento do sujeito, como aquele que se acomoda e deixa de algum modo de servir e existir. O sentimento da velhice aparece nos discursos dos participantes como uma condição que pode ser colada e descolada do sujeito. A imagem social do idoso como a de alguém já “vencido”, “sem valor” dificulta a ele assumir sua identidade.

Ramos (2014) retrata que os significados e as nomeações daquele que envelheceu estão a serviço de uma categorização social, que implicitamente nega a condição de velho e apresenta o “velho jovem”, a ficção de um sujeito sempre saudável, dinâmico e ativo, que não abrange, assim, a existência de toda a velhice, estabelecendo-se uma visão homogênea para algo complexo. Não mais conectada a um grupo etário específico, a juventude passou a remeter um valor, que busca ser conquistado por todos e mantido, em qualquer idade, por meio da adoção de modos de ver a vida, a si mesmo, bem como de formas de consumo e serviços apropriados (Zarur & Campos, 2015; Vilhena & Rosa, 2016).

Frente a isso, presenciam-se os discursos sobre o “ser velho” na contemporaneidade, perpassados, muitas vezes, pela ideia de manter a alma jovem e “não se sentir velho”, sendo caracterizados, ainda, os aspectos de disposição, alegria e ânimo da juventude (Kuschick & Machado, 2016): “Eu me considero com 28 anos, minha aparência eu tenho no meu coração assim que eu tenho 28 anos. Eu tenho 76 anos, mas eu pra mim, não faz diferença. Ser velho tá ligado ao pensamento/coração” (E9, 76, F).

“Velho”, conforme a menção de E9, bem como manifesta a literatura (Aragão & Chariglione, 2018), torna-se um estado, um “sentir-se”. A subjetividade do sujeito diante da sua idade biológica, ou seja, a sua percepção sobre a passagem do tempo, versa com um caráter de imagem social e autoestima. A figura do ser idoso passa a ser um campo de difícil identificação tendo em vista que denota a perda de uma imagem ideal, causando aflição e estranheza. Nessa ordem, nomeá-la produz rejeição e medo (Aragão & Chariglione, 2018; Goldfarb, 1998).

Não obstante, frente a um momento em que não é possível mais resistir e negar o real que a velhice impõe, apresenta-se o processo da Neurose do Envelhecimento, retratado por Jerusalinsky (1996). Conforme o autor, a velhice aparece de forma quase imperceptível, mas sem volta, por meio de um gesto, de uma memória e seus lapsos mais seguidos, percebendo que a vida passou por modificações. Nessa lógica, uma série de traumas podem se tornar evidentes nos desdobramentos das vivências do idoso no transcorrer dos anos, entre eles, toma-se como destaque a posição de “obsolescência imaginária” que a cultura instaura aos idosos, bem como o corpo real que impõe restrições e simboliza a finitude. Assim, percebe-se que o tempo exige do idoso sair do centro da cena da vida e abrir mão de um lugar para um esvaziamento de valor narcísico de sua imagem, cedendo esse espaço para outra geração.

Os arranjos os quais o sujeito organizou para enfrentar o real tendem a desmoronar, de modo semelhante a muitos dos seus ideais. Nesse sentido, apesar das perdas não se consolidarem como um corolário da velhice, elas se apresentam de modo mais constante a partir de certa idade, exigindo dos sujeitos elaborações para a construção de outros ideais (Aragão & Chariglione, 2018). Frente a isso, as narrativas dos sujeitos da pesquisa aproximam-se de uma identificação com a velhice nas referências às mudanças e perdas inevitáveis que os tomam.

Quando eu era nova eu não tinha dor, de vez em quando eu tenho dor aqui, dor ali né. Levanto já com uma dor na coluna, dor na perna, quando eu era nova, mas credo, eu digo pras minhas filhas assim era cheia de amor pra dar... Mas como que a gente vai se compara né, agora já passou aquele tempo. Já passou (E9, 76, F).

Assim, apresenta-se uma vida que passa a ser marcada por modificações vistas como naturais do desenvolvimento e exigem do sujeito outra forma de se relacionar consigo e com o mundo. Traz em cena um corpo que não tem mais a mesma maestria e velocidade, é perpassado pela dor e, muitas vezes, pela perda de uma saúde anterior, de atividades que cumpriam uma rotina ao sujeito (Viorst, 2019). Perde-se, então, um corpo novo, de forma que o corpo real traz os seus reflexos, comunica as suas vivências e os investimentos que realizou no mundo externo. Diante disso, fazem-se presentes repentinas quebras nas identificações e súbitos abalos na vida do sujeito, os quais podem causar efeitos e manifestar uma desestabilização da unidade imaginária do eu (Castilho & Bastos, 2015). Efeitos que expõem o temor de se deparar com aquilo que subjetivamente retrata a perda dos contornos do que o sujeito é.

Em síntese, o ser humano vivencia um estado de constantes mudanças, adaptações, que demandam novos sentidos a sua própria existência, a ressignificação e a desconstrução de uma fase e identidade anterior (Farber, 2012). A reflexão evidencia o encontro com o processo de luto, diante do qual é possível assimilar o caráter transitório da vida, reconstruindo-a simbolicamente (Pinheiro, Quintella & Verztman, 2010). Vale destacar que, com a percepção da interrupção da imagem e da vida habitual, dá-se início um luto antecipado. Diante de perdas simbólicas que decorrem do tempo e que dizem respeito à perda de um papel assumido no ambiente familiar e social, da rotina que se mantinha até então, bem como de uma estrutura física e comportamental, busca-se uma realocação no campo do outro e uma reedição da identidade através das tentativas de encontro e de elaboração dessas perdas. Nessa ordem, exige-se olhar o passado, se ater ao discurso e investimentos do sujeito ao que foi perdido e as possibilidades de integração da sua história ao presente e futuro.

PASSADO, PRESENTE E FUTURO: O FENÔMENO DA VELHICE DIANTE DOS TRÊS TEMPOS

As construções identitárias correspondem à relação com um passado. O sujeito e a sociedade edificam suas narrativas de autopercepção, por meio das quais se constrói um sentido de identificação, exclusão e pertença a uma fase de vida. Identidade e memória se autodeterminam. A essência de uma identidade individual ou grupal e um sentido de semelhança no decorrer do espaço e do tempo se sustentam pelas recordações, sendo assim, o que é lembrado, fixado pela identidade que se assume (Souza, 2014). O sujeito se identifica com aquilo que conhece, ou seja, com aquilo que vivenciou e o que imagina através do que foi transmitido a ele, desse modo, não há um conhecimento e identidade sem as suas recordações.

Em especial na velhice, a memória assume um papel de destaque. Através das reminiscências vinculadas ao passado é possível que o sujeito idoso preserve uma identificação, ou seja, uma forma de se afirmar e encontrar no mundo, de modo a articular o passado com as mudanças e possibilidades do presente, bem como reconstruir a sua história libidinal (Goldfarb, 1998). Atualiza-se o passado por meio das lembranças, nos (re)contos das cenas, onde se escrevem suas histórias, sendo que reviver o passado, torna-se uma via importante por meio da qual se sustentam os investimentos na vida. Esta lembrança do que um dia se foi, torna-se uma via usada no objetivo de um enlace com traços do ideal de eu (Mucida, 2017).

– É, a minha, como que vou te dizer... a minha infância e adolescência, ela foi muito sofrida, porque eu morava no interior, não tinha recursos, minha família era pobre também, então foi mais. Naquela época a gente sonhava em crescer. Foi indo, estudei um pouco... Vim pra universidade, fui removido daqui. Daí eu comecei também, como diz o outro, me aposentei como diretor...

Entrevistadora: Sim, e depois, como passou a ser a tua vida, como é agora?

[Silêncio extenso]

Entrevistadora: O que tu pensa com relação a ser idoso/a essa fase da vida?

[Silêncio extenso]

– O que eu posso dizer... Eu já passei dos 70 né, então... Tive essas coisas. Tenho 73 anos, tive problema de saúde... (E4, 73, M).

Conforme a fala de E4, a vida se apresenta enquanto uma analogia a uma montanha-russa, na qual há um progresso, se “sonha em crescer” e o regredir implícito no seu silêncio e na ausência de um discurso a partir da idade, do envelhecer. Ao encontro disso, Beauvoir (1990) questiona: qual o auge e/ou ápice da vida de um sujeito? Nessa referência, a velhice e a idade surgem como um ponto que pode passar a provocar um “decréscimo” da vida, de não ter mais o que aprender, ou se reinventar daqui para a frente. Nessa ideia, parece ausentar-se uma narrativa sobre o que dizer de si, sobre sua experiência atual de vida, como uma finalização no seu discurso, na sua história.

Percebe-se que o presente e a identificação com a fase atual decaem no vazio de um discurso. As demais fases da vida e o seu passado são geridos por memórias claras e uma história, porém o presente e as situações atuais passam a ser esquecidos, de forma que demonstram não possuir mais um valor significativo para depositarem energias nos mesmos. Desse modo, ao ser indagado sobre o presente, sobre a velhice, a resposta não possui, muitas vezes, uma fala, predominando o silêncio, que impõe um mal-estar daquele que expõe o vazio do presente. A discursiva sobre a sua história apresenta-se vinculada aos detalhes e às lembranças de uma infância, adolescência e adultez, até quando havia por concreto vivências valorizadas e importantes na sociedade, como o trabalho e o estudo.

Os recontos e detalhes do que foi vivido se tornam o centro da narrativa dos sujeitos da pesquisa. Apresenta-se nessas memórias uma atenção maior e investimento do sujeito. Isso compactua com a ideia do processo de luto, no qual o sujeito precisa retirar a sua libido do mundo externo e deter as energias para si e para suas lembranças, referentes aos objetos perdidos e ao que se perdeu com eles (Freud, 1915/2016). Assim, de encontro ao estudo de Santos (2018), que refere uma rejeição dos idosos sobre o seu passado e supervalorização do presente, os participantes da presente pesquisa demonstram apego à sua história passada e vazio no discurso que condiz ao tempo atual, o qual pode remeter a uma busca por elaborar as mudanças que tocam a si e às suas relações, bem como a sua própria inserção na sociedade, presente em uma modificação na sua forma de estar no mundo.

O mundo atual e a sua dinâmica apresentam-se, para muitos idosos, como um lugar difícil de se incluírem. Em uma constante revisão e comparação das formas da vida a ser vivenciada hoje e antigamente, demarca-se um posicionamento diferente que surge através das lógicas do “Meu tempo”: “No meu tempo a gente caminhava a pé, 3, 4 km pra ir na escola... Eu comecei a ir na escola com 6 anos. Com 8 anos eu sabia a tabuada na ponta da língua...” (E1, 78, M).

Olha eu acho que antigamente a vida era muito melhor que a de hoje, porque o que que tu vê hoje, liga esse jornal aí é só roubo... Antigamente não existia isso ai, antigamente se respeitavam, Olha, claro que antes era muito melhor que hoje né, do que tá essa vida aí (E2, 71, M).

Nas narrativas presentes, denota-se a comparação das formas de viver hoje e antigamente, as quais demarcam uma diferença na posição de experiência e conhecimento do sujeito idoso, através da própria oratória a respeito do que é “melhor” para a realidade. Apropriam-se de uma forma diferente da vida, de se colocarem no mundo, possuindo como identificação de ser e estar um modo do passado, não mais vigente nos laços atuais. As mudanças sociais da forma de se relacionar parecem ferir a identidade desses sujeitos, de como concebem a sociedade e as suas manifestações através das relações. Sentem-se assim, desencaixados do mundo atual, que é composto por pensamentos que divergem do mundo que para eles é o ideal.

A partir dessa associação do passado e presente, os idosos asseguram uma posição de saber em relação à vida. Ao possuírem uma visão mais completa do mundo, uma vez que viveram “mundos diferentes”, concedem um conhecimento que pode ser passado para os indivíduos, como algo importante a ser transmitido: “[...] Tu vai comparar antigamente com hoje, não tem... Tem certas coisas que houve avanço demais até, né, até acostuma mais mal... Desculpe, gurias (entrevistadoras) eu tô conversando com vocês, mas eu tô querendo dar aula pra vocês” (E1, 78, M). Percebe-se que um suposto saber da experiência se apresenta como um traço de identificação importante ao sujeito idoso, posicionando-o em um lugar valorizado. Todavia, no tempo presente, muitas vezes, o posto de sabedoria do idoso e da transmissão de valores decai a outro extremo, no qual se nega o seu conhecimento e pensamento colocando-o no outro, o que anula as verdades construídas ao longo da vida em prol do novo (Lima, Viana & Lazzarini, 2011; Mucida, 2017).

Muda muito. É o tratamento, o pensamento. Talvez eles têm razão, né, porque eles não conheceram o passado, conheceram o futuro bom, agora, né. Então, quando eles vêm querendo te agredir e falar, a gente tem que perdoar e dizer: ah, isso aí não é do nosso tempo. Porque se tu fala o que nos passemo na minha época, ninguém acredita [...] É difícil tu achar uma pessoa que te entenda. Porque hoje a história é diferente, o que passou, passou, isso já era. Esquece o passado o passado não existe mais... (E6, 86, F).

Segundo E6, sua história de vida não é vista, compreendida e considerada nas relações atuais. Nesse presente, muitas vezes, supõe-se que o seu discurso não tem valor e espaço. O império da juventude nas relações expõe a dinastia do novo em que vive a sociedade, priorizam-se as relações que expõem o caráter da agilidade e da novidade. Como uma forma de defesa deste novo na velhice, busca-se o enlace com os hábitos, sendo que a rotina e forma de pensar trazem segurança e sustentam suas referências em relação ao mundo (Manjabosco, 2014).

O passado rodeado de pessoas, de figuras, que olhavam com prazer e carinho para o sujeito contrasta com o presente sentido mais solitário, no qual os filhos saem de casa, constituem outras famílias. Segundo Neri (2006), na teoria de desengajamento social reflete-se o movimento realizado da sociedade para com o sujeito idoso e vice-versa. Ao mesmo tempo em que a sociedade se afasta do sujeito que se encontra na velhice, esse se afasta dela, como um requisito para a estabilidade social.

Às vezes, tem pessoas que saem de casa e se esquecem dos avós... vão embora, estudam, vão embora, vão trabalhar... então não dá pra cobrar muito deles, né... então tem, acho que isso o idoso enfrenta hoje, né, dos netos, às vezes dos próprios filhos, né, estudam vão embora e depois ficam sozinhos, né... é ruim isso, pra quem é idoso é ruim... (E1, 78, M).

Segundo Jerusalinsky (1996), no envelhecimento, o afastamento decorre de forma inevitável e, até mesmo, o falecimento de pessoas que conviveram com o sujeito idoso, que eram capazes de escutá-lo, tendo em vista que vivenciaram um “mesmo mundo”. Hoje, quando há uma escuta, ele depara-se com a ausência de uma compreensão do outro. Há um ensurdecimento da palavra do sujeito idoso e, assim, pode haver a passivação do mesmo enquanto uma defesa a ineficácia de suas ações e buscas por ser escutado (Lima et al., 2011). Isso compactua com a interpretação dos participantes da pesquisa, de que o idoso é, muitas vezes, esquecido e exposto à solidão na sua velhice. A mudança na constituição dos vínculos sociais, quando passam a perder sua significação e serem espaçados, pode levar à perda de um dos fundamentos principais da identidade do sujeito, a historicidade. A ausência da validação desse fundamento ocasiona a quebra do sentimento de continuidade temporal (Goldfarb, 1998).

Sendo assim, o sujeito velho lançado ao passado passa a reviver as suas lembranças, mas, muitas vezes, sem possibilidade de se vincular com o presente e de se imaginar no futuro. Ademais, a contínua associação da velhice com a decrepitude remove a possibilidade de o idoso elaborar um projeto de futuro possível (Lima et al., 2011). Diante de um presente no qual não se consideram protagonistas e valorizados, há reflexos no discurso acerca de um futuro, muitas vezes, sentido como minimizado (Jerusalinsky, 1996): “Acabou aqui, não adianta. O J. (marido) queria montar um quarto aqui, uma área e forrar, e eu disse não, não vou. Porque se eu vou gastar aqui, vou forrar... vou ter que pagar quem faça, amanhã depois eu morro...” (E3, 78, F).

– Eu não vou alcançar né. Eu já tô no fim da gaita.

Entrevistadora: E o futuro mais próximo?

– Eu não sei o que que vai ser. O meu... vai se levando, não sei o que que vai acontecer, não sei o que que tá pela frente da vida da gente [...] eu não tenho mais planos, né, só de Deus... Mas que plano eu vou fazer? (E2, 71, M).

Frente aos relatos, percebe-se que há idosos que não estruturam expectativas quanto ao futuro, como uma ideia de conformação diante do envelhecimento e aceitação forçada da consciência da finitude. Busca-se um futuro que permita mais tempo de vida, mas esse vem enquanto mistério, havendo, assim, certo receio em ater sua atenção a ele. A escassez de planos e pensamentos quanto ao futuro retratam o caráter incerto e próximo que a finitude impõe na velhice, sendo natural a demonstração de sentimentos confusos em relação à futuridade (Silva & Fixina, 2018). Muitas vezes, os idosos têm noções de futuridade que visam a organização das suas experiências, todavia, não demonstram propensão de se ver no futuro, visto que este impacta e limita o projeto de vida, diminuindo o horizonte do agir e da expectativa (Santos, 2018):

É a lei, eu acho, da vida. Quanto mais velho, mais se preocupa, né... Porque eu sei que, pela lógica, eu tenho bem menos tempo de vida do que vocês. Pela questão do tempo. Então, acho que tem que se preocupar mesmo [...] Mas tu tem que te preocupar com isso aí, com essas coisas assim, mesmo pela tua família, né. Tu sabe que se um dia tu faltar [...] (E8, 71, M).

Em concordância a isso, Santos (2018) aponta que os idosos veem o futuro como um tempo que se esgota, mas demonstram persistir uma esperança, mesmo que esta seja apenas quanto à vida dos familiares. A energia e vitalidade acerca do futuro descentralizam-se do sujeito, retomando quando o assunto se torna a família, quando é centralizado no outro, de forma que o mundo externo se torna mais interessante que o mundo interior. Segundo Barbieri (2013), o sofrimento que perpassa o luto encaminha um desinvestimento e desligamento do mundo e de si mesmo. A preocupação e o medo tornam-se uma resposta diante das inquietações de um futuro, tendo em vista a ameaça que decorre o não saber de si diante do tempo.

De encontro a isso, percebem-se em algumas discursivas que existem modos alternativos de enfrentar o tempo e resgatar um lugar e significado à própria existência (Lima et al., 2011). A morte, no seu caráter da imprevisibilidade, não é própria da velhice, sendo que olhar para as perdas pode retratar as possibilidades de reinvestir na vida (Viorst, 2019). Mediante a realidade das perdas compostas na velhice, deve-se considerar que os desejos podem ser reinvestidos e direcionados a outras fontes, tendo em vista que o desejo é sustentado pela relação estabelecida com os objetos à medida que podemos muni-los de uma rede de afeto e investir nos mesmos, não sendo medido pela idade cronológica (Farias, 2015).

Assim, encontrar novos modos de vestir o desejo torna-se essencial. Para isso, são necessários recursos que emanam do outro pela escuta, pelo olhar e pela voz, demandas essas que convocam o desejo (Mucida, 2017).

Uma amiga que tenho até hoje, a comadre e os filhos dela. De vez em quando vou lá ver ela... e ela é uma pessoa que me ajuda muito... Ah, os vizinhos lá tudo me queria bem, eram maravilhosos, melhor que se fosse minha família (E3, 78, F).

A minha cunhada que mora do lado, essa pra mim é tudo na vida, Deus o livre. Ela me vê doente, ela larga das coisas dela e vem pra cá, e me cuidam, me ajudam (E5, 72, F).

Diante de figuras importantes na vida dos sujeitos idosos, como vizinhos, amigos e familiares, permite-se um amparo e uma estrutura para os momentos difíceis, que os auxiliam a reestruturarem-se frente às rupturas que incidem sobre suas vidas. A elaboração das perdas e o apoio social cumprem um papel estruturador do desejo e da reinvenção do sujeito na velhice. Desse modo, a velhice pode proporcionar novas invenções de si:

Mais tempo com família, mais tempo pra fazer novas amizades, mais coisas assim a velhice traz. Antes tua vida é corrida, não tem tempo pra essas coisas. Hoje não tu senta ali na frente de tarde e fica ali, passava um conhecido ficava de papo (E8, 71, M).

Novas atividades de lazer e interações sociais são permitidas na velhice, através da construção de novas demandas a esse público. Assim, criam-se os grupos de terceira idade, por meio das viagens, das reuniões nas igrejas, das danças, aspectos que abrem espaço para a construção de novos vínculos sociais e uma identidade do ser idoso. Isso fornece o amparo e a presença de outros, retratando a possibilidade da reedição de laços. Grupos esses que também podem assumir o caráter de permitir a elaboração dessa fase da vida por meio da troca de experiências (Rizzolli & Surd, 2010).

Esse da terceira idade, nós aqui da igreja católica, nós vamos sempre. Quando a dona A. e dona I. fazem excursão, nos vamos com elas. É da terceira idade. É bem bonito e elas são muito atenciosas com as pessoas, e é só pessoa idosa [...] E, é muito bom, porque eu saio assim, antes eu não saia, né. Aí meu filho, assim, às vezes saem, vão viajar, ele me leva junto, aí eu vou assim com ele (E3, 78, F).

Novas possibilidades de se reinventar na velhice, de ocupar novos espaços, de munir as relações de novas formas e sentidos, acarretam sentimentos de autonomia e liberdade conquistados por essa fase da vida, bem como de possibilidades de gerir um maior tempo e atenção para as suas relações. Investir em novos relacionamentos faz parte do processo de enlutamento das perdas simbólicas nesta fase da vida e auxilia o sujeito na continuidade da sua vida após as perdas. O que é perdido pelo sujeito nunca está fora da sua vida, das identificações criadas no decorrer da mesma, mas precisa ser realocado em um lugar onde possa ser lembrado, de forma simultânea a deixar espaço para o sujeito seguir com a sua vida e estabelecer outros sentidos e relações (Jerusalinsky, 1996).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Na presença do desconhecido que a velhice impõe nas suas perdas e novos arranjos relacionais, cada sujeito precisa contar com recursos subjetivos para elaborar as suas vivências. O sujeito, desde o início da vida, necessita de uma sustentação e de um olhar advindo do outro. Na velhice, quando já existe uma identidade integrada, ele é exposto a angústias no contato com as perdas simbólicas, que atacam o seu contexto social, afetivo e físico, transformando a sua identidade.

Percebe-se que a velhice é uma fase de difícil identificação, levando em consideração o peso cultural que o olhar do outro direciona ao envelhecer, sendo apropriado pelo sujeito a ideia de ser idoso como se assumir sem serventia e se apagar diante da vida e das relações. No entanto, as aproximações de uma identidade frente à velhice fazem-se possíveis por meio do encontro com as perdas de um corpo que não compõe mais a mesma maestria, o que exige representações ao estatuto do novo que surge na velhice.

Na busca pela apropriação destas vivências e da continuidade de uma identificação que rege suas vidas, sua forma de estar no mundo, grande parte do discurso dos sujeitos idosos é vinculado ao passado, um tempo seu, que não compactua com o atual. Já o presente passa a expor duas faces frente a predominante ausência do outro versus novas presenças que permitem amparo à vivência e reinvenção de si na velhice. Nesse seguimento, o futuro passa a ser algo, muitas vezes, não visualizado pelo idoso enquanto próprio, em função de compor um mistério e expor a temporalidade e a aproximação da finitude. Com isso, não se investem em planos para si mesmo no futuro, sendo eles unicamente vinculados à família.

A união entre passado, presente e futuro fica de algum modo dificultada na experiência dos idosos, tendo em vista que hoje suas narrativas, frequentemente, não encontram um espaço para serem atribuídas de um sentido. Entretanto, percebe-se a possibilidade de se reinventar na velhice e de inscrever o desejo em novas relações, novas atividades e inclusões em grupos, os quais assumem o caráter de liberdade e autonomia ao idoso. Espaços esses que passam a ouvir a história do sujeito, a compartilhar as suas vivências com seus pares, auxiliando na reconstrução da sua identidade.

Como limitação do presente estudo, coloca-se a participação de um grupo social delimitado, o qual retrata um recorte das narrativas presentes na velhice. Percebe-se que, como ponto positivo oriundo da pesquisa, ela proporcionou voz às histórias dos idosos, de forma a considerar os afetos e interpretações desses indivíduos sobre a vida e o mundo, o que ocasiona a possibilidade de expressão dos seus lutos e permite a construção de uma narrativa a respeito de suas vivências.

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Recebido: 25 de Junho de 2019; Revisado: 01 de Março de 2020; Aceito: 15 de Abril de 2020

Correspondência: Luísa da Rosa Olesiak. luisa.drolesiak@gmail.com

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