INTRODUÇÃO
A psicologia positiva é um ramo da ciência que propõe estudar uma nova perspectiva nos indivíduos, nas comunidades e na sociedade, no intuito de entender e manter o equilíbrio e o bem-estar coletivo (Seligman & Csikszentmihalty, 2000). Na perspectiva de análise do bem-estar subjetivo do trabalhador, assume-se o bem-estar como um constructo multidimensional (Diener, Scollon, & Lucas, 2009). No contexto de diferentes abordagens, com inspiração nos modelos de estresse ocupacional, o modelo job demands-resources (Demerouti, Bakker, Nachreiner, & Schaufeli, 2001) define que o bem-estar, observado por meio de baixo nível de burnout e altos níveis de work engagement, responde ao equilíbrio entre as demandas do trabalho e os recursos disponíveis para a sua execução. As demandas consideram a carga de trabalho, os fatores emocionais e o conflito dentro e fora do trabalho, enquanto os recursos dizem respeito à autonomia, ao apoio social e às oportunidades de desenvolvimento no ambiente de trabalho (Guest, 2017).
O termo burnout, um dos eixos de análise do bem-estar, teve origem nos estudos de Freudenberger (1974), nos anos 1970, o qual observou que um grupo de trabalhadores estava propenso ao processo de “queima”, com sintomas de fadiga extrema e perda do entusiasmo no trabalho. Essa abordagem clínica, associada à concepção psicossociológica de Maslach e Jackson, foi seguida por outra, com ênfase em conteúdo empírico, nos anos 1980, caracterizada pela identificação de aspectos quantitativos e de avaliação (Maslach & Jackson, 1981). Esses autores passaram a estudar esse fenômeno psicológico e identificaram o burnout como uma resposta ao estresse crônico no trabalho, associada a uma resposta fisiológica de comprometimento emocional e pessoal, que envolve o esgotamento físico e mental (perda de energia) e o distanciamento mental do trabalho (cinismo relacionado ao trabalho). Tal abordagem vem agregando cada vez mais estudos e observações (Looff, Didden, Embregts, & Nijman, 2019; Heinemann & Heinemann, 2017; Maroco et al., 2016). Evidências empíricas confirmam a presença de burnout em profissionais da enfermagem no contexto hospitalar (Ferreira, Azevedo, Cunha, Cunha, & Cardoso, 2015; Frey, Robinson, Wong, & Gott, 2018; Li, Cheng, & Zhu, 2018; Ruback et al., 2018), da mesma forma que identificam a presença do estresse como risco ocupacional para o seu desenvolvimento (Linch & Guido, 2011). Por outro viés, a prevalência de burnout afeta diretamente os indicadores de qualidade assistencial e gerencial de segurança do paciente (Lu, Zhao, & While, 2019; Padilha et al., 2017; Kokoroko & Sanda, 2019).
O conceito de engagement foi definido, inicialmente, por Kanh (1990), ao defender que as pessoas contribuem com ou ignoram seus egos durante o desempenho de suas funções. Kanh definiu o engajamento pessoal como o aproveitamento dos egos dos membros da organização para suas funções de trabalho, de modo que o trabalhador se expressa física, cognitiva e emocionalmente durante a sua atuação, o que demonstra vínculo e identificação no seu local trabalho. Mais tarde, Schaufeli, Salanova, González-Romá e Bakker (2002) conceituaram work engagement como o envolvimento positivo caracterizado pela dedicação, pelo vigor e pela absorção. A dedicação diz respeito à forma pela qual o trabalhador se envolve nas atividades laborais, revelando entusiasmo e interesse pela sua atividade profissional; o vigor está associado a níveis elevados de energia e resiliência no trabalho; e a absorção evidenciada pela concentração do profissional nas atividades (Borges, Abreu, Queirós, & Maio, 2017). O work engagement compreende, assim, um equilíbrio entre a parte cognitiva e afetiva do profissional, com trabalhadores apresentando-se motivados, proativos e adaptando-se com facilidade aos diferentes contextos (Pocinho, & Perestrelo, 2011). O work engagement costuma ser elevado entre os profissionais da enfermagem e os aspectos organizacionais, operacionais e individuais influenciam nesse resultado (Keyko, Cummings, Yonge, & Wong, 2016; Cunha et al., 2018).
O absenteísmo, por sua vez, é a ausência intencional ou habitual de um empregado no trabalho. Os fatores preditores do absenteísmo para os profissionais da enfermagem no contexto hospitalar podem ser a carga de trabalho, a idade, os longos turnos, a dupla jornada, além da ambiguidade de papéis (Dall’Ora et al., 2019; Ticharwa, Cope, & Murray, 2019), os quais coincidem com os fatores preditores para o burnout no mesmo contexto (Looff et al., 2019; Kokoroko & Sanda, 2019; Liu et al., 2019). A busca pela diminuição do absenteísmo contribui para a melhora de indicadores de qualidade assistencial (Mbombi, Mothiba, Malema, & Malatji, 2018) e gerencial de segurança do paciente nessas organizações, assim como na prevenção da rotatividade dos trabalhadores (Ferro et al., 2018; Burmeister et al., 2019). Portanto, o absenteísmo influencia não somente os indicadores econômicos, assistenciais e gerenciais, mas, também, o nível de satisfação e de bem-estar dos profissionais de enfermagem (Duclay, Hardouin, Sébille, Anthoine & Moret, 2014; Asay, Roy, Lang, Payne, & Howard, 2016).
A literatura aponta que o adoecimento psíquico e as doenças orgânicas são as principais causas do absenteísmo e do burnout nos profissionais de enfermagem (Marques et al., 2015; Sagherian et al., 2017; Tourigny, Baba, Monserrat, & Lituchy, 2019). De outra parte, as condições e as características do trabalho dos profissionais de enfermagem possuem relação direta com esses dois fenômenos do ambiente laboral (Maroco et al., 2016; Saquib et al., 2019). Estudos apontam que o trabalhador mais engajado, situação mais frequente entre os profissionais da saúde, apresenta menos risco de se ausentar por doença (Hakanen, Ropponen, Schaufeli, & De Witte, 2019). Portanto, assumindo-se que o bem-estar influencia o comportamento absenteísta, acredita-se que os enfermeiros com pior bem-estar, isto é, com menos engagement e mais burnout, faltarão mais ao trabalho.
A hipótese sustentada pelo presente estudo é a de que o bem-estar, nas dimensões do burnout e do work engagement, tem relação direta com o absenteísmo nos profissionais da enfermagem. Considera-se, assim, que uma maior prevalência de burnout implica um aumento do absenteísmo por doença em profissionais da enfermagem. De outro modo, assume-se que o work engagement, considerado em seus aspectos da dedicação, do vigor e da absorção, possa ser um atenuante no fenômeno do absenteísmo entre esses profissionais. Nessa perspectiva, o artigo tem como objetivo analisar a relação entre o bem-estar no trabalho e o absenteísmo nos profissionais de enfermagem que atuam em ambiente hospitalar.
MÉTODO
PROCEDIMENTO
Trata-se de um estudo de corte transversal, com profissionais da categoria de enfermagem que atuam em hospitais do município de Passo Fundo, no estado do Rio Grande do Sul. A pesquisa aplicada, com nível de complexidade descritiva e uma abordagem quantitativa, foi realizada entre os meses de janeiro e abril de 2019. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade de Passo Fundo (UPF) pelo Parecer nº 3.109.198. Participaram do estudo 201 profissionais, abrangendo auxiliares, técnicos e enfermeiros, que concordaram com o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). Foram seguidas as diretrizes da Resolução do Conselho Nacional de Saúde (CNS) nº 466/2012, sobre a participação de pessoas em pesquisas.
A população total nos três ambientes de estudo, em julho de 2019, foi de 1.411 profissionais de enfermagem, sendo 207 enfermeiros, 1.126 técnicos de enfermagem e 76 auxiliares e/ou atendentes de enfermagem. A amostra foi dividida em dois grupos. O primeiro grupo foi composto por profissionais que se encontravam em absenteísmo por motivo de doença no ano de 2018, identificados por meio de consulta ao banco de dados do Serviço Especializado em Engenharia de Segurança e em Medicina do Trabalho, juntamente com os setores administrativos e de recursos humanos de três hospitais locais. A classificação dos sujeitos, no que se refere a estar ou não em absenteísmo foi observada após estatística descritiva. O segundo grupo abrange profissionais que não apresentaram absenteísmo no mesmo período, caracterizados por meio da mesma metodologia. Foram excluídos do estudo profissionais da enfermagem que se encontravam em absenteísmo justificado, tais como: licença maternidade, licença eleitoral, licença por obrigações familiares e os que não aceitaram participar da pesquisa. O tratamento estatístico dos dados foi efetivado com o auxílio do software estatístico SPSS (International Business Machine Inc [IBM], 2017). As principais características da amostra, dos grupos absenteísta e não absenteísta podem ser observadas pela Tabela 1.
Variável | Atributos | Absenteísta | Não absenteísta | ||
---|---|---|---|---|---|
n | % | n | % | ||
Enquadramento | Enfermeiro | 8 | 8,4 | 19 | 17,9 |
Técnico em enfermagem | 86 | 90,5 | 85 | 80,2 | |
Auxiliar de enfermagem | 1 | 1,1 | 2 | 1,9 | |
Sexo | Feminino | 77 | 81,1 | 85 | 80,2 |
Masculino | 18 | 18,9 | 21 | 19,8 | |
Escolarização | Ensino médio incompleto | 1 | 1,1 | 3 | 2,8 |
Ensino médio completo | 75 | 78,9 | 69 | 65,1 | |
Ensino superior incompleto | 5 | 5,3 | 9 | 8,5 | |
Ensino superior completo | 9 | 9,5 | 9 | 8,5 | |
Pós-graduação | 5 | 5,3 | 16 | 15,1 | |
Condição na provisão | Chefe | 43 | 45,3 | 61 | 57,5 |
Contribui parcialmente | 50 | 52,6 | 44 | 41,5 | |
Dependente | 2 | 2,1 | 1 | 1,0 | |
Tipo de vínculo | Apenas um vínculo formal | 66 | 69,5 | 88 | 83,0 |
Dois vínculos formais | 29 | 30,5 | 18 | 17,0 | |
Setor de atuação | Outro | 52 | 54,8 | 73 | 68,9 |
Hemodinâmica | 27 | 28,4 | 12 | 11,3 | |
Centro cirúrgico | 12 | 12,6 | 12 | 11,3 | |
Emergência | 4 | 4,2 | 9 | 8,5 | |
Carga horária semanal | 40 horas | 65 | 68,4 | 87 | 82,1 |
44 horas | 6 | 6,3 | 6 | 5,7 | |
60 horas | 2 | 2,1 | 5 | 4,7 | |
Acima de 60 horas | 21 | 22,2 | 8 | 7,5 | |
Idade* | 36,45 (8,46) | 34,65 (8,46) | |||
Renda bruta mensal (R$)* | 2.733,48 (1.252,56) | 3.137,54 (1.557,61) |
Fonte: Elaborada pelos autores (2019).
Nota: *: Média (desvio-padrão); n: Frequência absoluta; %: Frequência relativa.
Os participantes absenteístas, em termos das características gerais, têm idade média superior e uma renda bruta mensal individual inferior àquelas dos participantes não absenteístas. Os participantes absenteístas apresentam uma incidência maior entre os profissionais menos escolarizados, aqueles que contribuem parcialmente para o sustento da família, que têm dois ou mais vínculos e uma carga horária superior a 60 horas semanais.
INSTRUMENTOS
Para avaliar o burnout, adotou-se o questionário constituído de dez questões do Maslach Burnout Inventory – MBI (Maslach, Jackson, & Leiter, 1996), cinco para a exaustão (“Sinto-me emocionalmente esgotado(a) pelo meu trabalho”, “Sinto-me desgastado(a) no fim do dia de trabalho”, “Sinto-me cansado(a) quando acordo de manhã e tenho de enfrentar mais um dia de trabalho”, “Trabalhar durante todo o dia é realmente uma pressão para mim”, “Sinto-me esgotado(a) pelo meu trabalho”) e cinco para o cinismo (“Perdi interesse pelo meu trabalho desde que comecei com este emprego”, “Perdi entusiasmo pelo meu trabalho”, “Quando estou trabalhando não gosto que me incomodem com outras coisas”, “Tenho dúvidas em relação à utilidade do meu trabalho”, “Duvido do valor e utilidade do meu trabalho”).
Já para avaliar o work engagement, foram utilizados os nove itens desenvolvidos por Schaufeli, Bakker e Salanova (2006) e Demerouti, Mostert e Bakker (2010), quais sejam: “No meu trabalho, sinto-me cheia(o) de energia”, “Estou entusiasmada(o) com o meu trabalho”, “Estou contente quando trabalho intensamente”, “No meu trabalho, sinto-me forte e com vigor”, “O meu trabalho me inspira”, “Estou imerso(a) no meu trabalho”, “Quando acordo de manhã, sinto-me bem por ir trabalhar”, “Tenho orgulho no trabalho que faço” e “Esqueço-me ´do resto´ quando trabalho”. Ambas as escalas foram respondidas em uma escala ordinal de sete pontos, onde “zero” indica “Nunca” e “seis” indica “Todos os dias”.
ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS
Neste estudo, as estimativas de consistência interna de cada uma das dimensões foram investigadas por meio do alfa de Cronbach e atingiram na escala reduzida de engagement e na escala de exaustão um valor de alfa igual a 0,82, confirmando a confiabilidade do instrumento utilizado nesta pesquisa. Já na escala do cinismo, o resultado para a consistência interna da escala foi considerado baixo, 0,59, tendência já relatada no estudo de Angelo e Chambel (2014). Ainda que a adoção de instrumento validado seja uma justificativa, mesmo após a eliminação de algum dos itens da escala, não ocorreu melhora significativa neste valor. A fim de avaliar o bem-estar na categoria de enfermagem, foram realizadas estatísticas descritivas como médias das pontuações obtidas.
A análise de estatística descritiva dos dados indica que não há diferença estatisticamente significativa entre não absenteístas e absenteístas nas três dimensões de bem-estar utilizadas no trabalho. A média para a dimensão work engagement dos pesquisados não absenteístas foi de 4,76 (DP = 1,1) enquanto para os absenteístas foi de 4,79 (DP = 0,9), dados t = - 0,25, p = 0,803. A média para a dimensão exaustão dos participantes não absenteístas foi de 3,2 (DP = 1,5), enquanto os participantes absenteístas apresentaram uma média de 3,3 (DP = 1,5), dados t = 0,442 e p = 0,659. Para a dimensão cinismo, tanto os participantes não absenteístas quanto os participantes absenteístas apresentaram uma média de 1,5 (DP = 1,3 e 1,2, respectivamente), com t = 0,193 e p = 0,847.
Aplicou-se o teste t de Student para amostras independentes. O nível de significância adotado foi de p < 0,05. A hipótese testada pelo presente estudo é de que o bem-estar, nas dimensões do burnout e do work engagement, apresentam diferença significativa entre os profissionais absenteístas e não absenteístas pesquisados. A segunda hipótese é de que os profissionais não absenteístas apresentem um valor médio para a dimensão work engagement superior ao apresentado por absenteístas. Ainda, o resultado esperado, quando avaliados os profissionais absenteístas por doença em geral e aqueles com adoecimento psíquico, é de que a média para as dimensões do burnout seja mais elevada para a exaustão e mais baixa para o cinismo, nesses últimos.
Em relação à primeira hipótese, a aplicação do teste de Levene, assumindo a igualdade das variâncias, indicou que, nas três dimensões do bem-estar analisadas, não há diferenças estatísticas significativas entre os profissionais absenteístas e os não absenteístas pesquisados (Tabela 2).
Fonte: Elaborada pelos autores (2019).
Nota: Aplicou-se o teste de Levene, assumindo a igualdade das variâncias para as dimensões analisadas; aplicou-se o teste t de Student para amostras independentes; significativo para p < 0,05.
Embora não tenhamos diferenças significativas, é possível inferir que a exaustão esteja sinalizando a existência de estresse, normalmente associado à carga de trabalho e às demandas do ambiente dos profissionais de enfermagem (Maslach, 2003). Demerouti, Bakker, Nachreiner e Schaufeli (2000) estudaram a ligação entre as demandas de trabalho, os recursos e o burnout dos enfermeiros em hospitais e instituições de longa permanência, concluindo que as demandas de trabalho estavam associadas à exaustão, ou seja, quanto maior o número de pacientes, a pressão por tempo, o esforço físico e mental, mais exaustos se declaravam esses profissionais. Entretanto, os autores afirmam que, apesar da presença de exaustão nestes profissionais, eles não se afastavam das suas atividades e permaneciam com níveis altos de apatia.
Nessa mesma perspectiva, os estudos de Bakker, Demerouti, Taris, Schaufeli e Schreurs (2003) confirmam que as demandas do trabalho estavam relacionadas naturalmente com a exaustão. De outra parte, níveis mais baixos de cinismo ou de despersonalização, se por um lado não confirmam uma atitude negativa por parte dos profissionais, por outro indicam que há uma menor proteção por parte desses em termos do sentimento de exaustão emocional.
Para testar a segunda hipótese, investigando de forma específica as características do absenteísmo por doença, foi realizada uma amostra secundária com um grupo de profissionais de uma das instituições participantes, no sentido de verificar se os afastamentos teriam relação com o adoecimento psíquico. Por meio do acesso dos relatórios detalhados contendo a Classificação Internacional de Doenças e Problemas relacionados à Saúde (CID-10) na categoria F, associada aos transtornos mentais e de comportamento, para 95 trabalhadores, foi possível identificar que apenas sete trabalhadores se afastaram do trabalho no ano de 2018 com esse enquadramento.
Dentre esses, três afastamentos ocorreram pelo CID-F32 (episódio depressivo leve), dois pelo CID-F41 (outros transtornos ansiosos), um pelo CID-F410 (transtorno do pânico e ansiedade paroxística episódica) e um pelo CID-F412 (transtorno misto ansioso e depressivo). Os resultados dessa amostra secundária podem ser visualizados na Figura 1.
Como se pode observar, os dados indicam que os profissionais da enfermagem que desenvolveram doenças mentais, conforme CID-F, e que estavam em absenteísmo por essa causa apresentaram escores mais elevados de engajamento do que os participantes absenteístas por outras causas. Já os dados relativos ao eixo da exaustão no grupo de profissionais que estavam em absenteísmo e com diagnóstico de doença mental, apresentavam-se, no momento do estudo, com médias mais elevadas (3,49) em relação aos profissionais em absenteísmo por outras doenças (3,30). Por fim, colocando em foco a dimensão do cinismo, na avaliação do bem-estar, os resultados demonstram que os profissionais da enfermagem que não possuíam diagnóstico de doença mental apresentavam médias mais elevadas (1,53) em relação àqueles com diagnóstico de doença mental (1,43). Tais evidências sugerem que trabalhadores absenteístas por doença mental apresentam médias mais elevadas para engajamento e exaustão e menor para cinismo, quando comparados com os trabalhadores absenteístas por outras doenças.
Usando o teste de Mann-Whitney-Wilcoxon para esses resultados, é possível identificar que a soma dos postos dos profissionais da enfermagem que estavam com doença mental foi menor em relação aos profissionais afastados sem doença mental (Tabela 3). Todos os resultados, todavia, não foram estatisticamente significativos ao nível de 5%.
Dimensões | Doença mental | n | Posto médio | Soma de postos | p |
---|---|---|---|---|---|
Engajamento | Não | 88 | 47,22 | 4.155,50 | 0,328 |
Sim | 7 | 57,79 | 404,50 | ||
Exaustão | Não | 88 | 47,70 | 4.197,50 | 0,705 |
Sim | 7 | 51,79 | 362,50 | ||
Cinismo | Não | 88 | 48,04 | 4.227,50 | 0,960 |
Sim | 7 | 47,50 | 332,50 |
Fonte: Elaborada pelos autores (2019).
Nota: Teste U de Mann-Whitney-Wilcoxon; Significativo para p < 0,05.
Conforme o estudo brasileiro de Costa, Vieira e Sena (2009), a principal causa de absenteísmo relacionado à doença nos membros da equipe de enfermagem de um hospital-escola estava relacionada às doenças musculoesqueléticas e do sistema conjuntivo, em ambos os sexos. Já o estudo canadense de Rajbhandary e Basu (2010) apontou a depressão como fator determinante para o absenteísmo tanto em enfermeiros, quanto nos técnicos de enfermagem. Entretanto, os mesmos autores afirmam haver uma diferença significativa em relação à carga de trabalho e à falta de respeito como determinantes significativos para o absenteísmo dos técnicos de enfermagem, porém, não para os enfermeiros. Os resultados do presente estudo não confirmam a depressão como fator significativo para explicar o absenteísmo dos profissionais da enfermagem assim como também não permitem aceitar as duas principais hipóteses da investigação. Observa-se que não há diferença estatisticamente significante entre os profissionais absenteístas e os não absenteístas em relação às dimensões do work engagement, da exaustão e do cinismo, enquanto medidas do bem-estar do trabalho. A análise específica de um grupo absenteísta por doença mental e por outras doenças também não demostrou diferenças significativas para as três dimensões.
É importante destacar que o presente estudo se limita a uma pesquisa de corte transversal e às evidências de um grupo de profissionais da enfermagem de um município específico do país. Portanto, longe da possibilidade de generalização, a perspectiva é de contribuir para com estudos sobre a temática, escassos na literatura, o que impede, inclusive, a comparação de resultados. Ainda, a variância dos resultados pode estar associada a fatores intra e interpessoais, organizacionais e culturais dos trabalhadores, os quais fogem ao escopo do trabalho. Desse modo, sugere-se a realização de novos estudos que possam observar outras variáveis como determinantes para o absenteísmo dos profissionais de enfermagem e possam ter influência no bem-estar profissional. Tal perspectiva deve incluir, de maneira aprofundada, as diferentes situações envolvidas no absenteísmo, com a possibilidade de se eliminar a sua relação com a assistência familiar, como aquela prestada a filhos menores, por exemplo, de modo a estabelecer uma relação direta entre saúde mental e absenteísmo.
CONCLUSÃO
O presente estudo teve como eixo principal descrever o bem-estar (isto é, burnout e engagement) em uma amostra de profissionais da categoria de enfermagem. Esta pesquisa foi realizada comparando dois grupos de profissionais: absenteístas e não absenteístas. Os resultados do estudo, contrariando a hipótese inicial, não corroboram a identificação de diferenças significativas no nível de bem-estar entre os dois grupos de profissionais, observando, em ambos, níveis baixos de cinismo, médios de exaustão e altos de work engagement. Portanto, não é possível confirmar a hipótese de que o bem-estar seja a causa do absenteísmo na categoria de profissionais de enfermagem e, talvez, possíveis estudos que explorem outras variáveis possam apontar os motivos pelos quais os profissionais da enfermagem tenham altos índices de absenteísmo nas organizações de saúde.
De outra parte, a causalidade multifatorial das organizações prestadoras de serviços de saúde e a subjetividade de cada profissional de enfermagem, relacionadas ao ambiente de cada setor de trabalho, poderiam explicar resultados divergentes em relação ao bem-estar dos profissionais da enfermagem. O presente estudo limita-se, de uma parte, por estar restrito à realidade de um grupo de profissionais de um determinado município do país, de outra, pela indisponibilidade de estudos semelhantes que possam mensurar esses dois fenômenos em profissionais da enfermagem que estejam na condição de absenteístas, impossibilitando, dessa forma, comparações e discussões.
Infere-se que os elevados níveis de work engagement nas amostras podem estar ligados ao fato de os profissionais da enfermagem dedicarem amor incondicional à profissão, mesmo sob condições adversas. Além disso, parece ser coerente o fato de que as exigências de trabalho versus os recursos existentes determinam bons resultados em relação ao bem-estar dos profissionais de enfermagem.
Por fim, os estudos que analisam o bem-estar dos profissionais da enfermagem podem se tornar um novo eixo para avaliar a melhoria da segurança dos serviços em saúde, além de indicadores de desempenho geral das organizações prestadoras de serviços em saúde.