Services on Demand
article
Indicators
Share
Revista da Abordagem Gestáltica
Print version ISSN 1809-6867
Rev. abordagem gestalt. vol.24 no.2 Goiânia May/Aug. 2018
https://doi.org/10.18065/RAG.2018v24n2.12
ARTIGOS: ESTUDOS TEÓRICOS OU HISTÓRICOS
Origens do conceito de agressão na gestaltterapia: Freud, Reich e outras fontes
Orígenes de lo concepto de la agresión en terapia gestalt: Freud, Reich y otros
Thauana Santos de AraújoI; Adriano Furtado HolandaII
IMestre em Psicologia Clínica pela Universidade Federal do Paraná. Possui graduação em Psicologia pela Universidade Tuiuti do Paraná (2014) e graduação em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (2010). Atualmente, é profa. nas Faculdades FACEL e trabalha também como psicóloga clínica (CRP-08/20667). É membro do Laboratório de Fenomenologia e Subjetividade/ UFPR. Atua como gestalt-terapeuta. Email: thauanaaraujo@hotmail.com
IIDoutor em Psicologia, Professor Adjunto do Departamento de Psicologia e do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal do Paraná (UFPR). Endereço Institucional: Departamento de Psicologia, Universidade Federal do Paraná. Praça Santos Andrade, 50 Sala 215 (Ala Alfredo Buffren). 80020.300. Curitiba/ PR. Email: aholanda@yahoo.com
RESUMO
O conceito de Agressão está na base da construção da Gestalt terapia, sendo central para o primeiro trabalho de Fritz Perls, Ego, Fome e Agressão, de 1942. O tema foi desenvolvido por Fritz e Laura Perls, a partir de um trabalho desta de observação de crianças. Objetivou-se resgatar as origens do conceito, que remonta às primeiras experiências com a psicanálise, buscando esclarecer os elos entre esta e a Gestalt terapia. O trabalho se pautou por uma análise de fontes primárias - obras de Fritz, de Freud e de Laura - e secundárias pertinentes. Evidenciou-se a necessidade de se retomar um elo claro entre a Gestalt terapia e sua fonte psicanalítica, bem como clarificar as influências de outros nomes, como Reich, Goldstein, Horney e Nietzsche, na construção desse conceito.
Palavras-chave: Gestalt-terapia; Agressão; Psicanálise.
RESUMEN
El concepto de Agresión está en la base de la construcción de la Gestalt terapia, siendo central para el primer trabajo de Fritz Perls, Ego, Hambre y Agresión, de 1942. El tema fue desarrollado por Fritz y Laura Perls, a partir de un trabajo de ésta de observación de niños. Se objetivó rescatar los orígenes del concepto, que se remonta a las primeras experiencias con el psicoanálisis, buscando esclarecer los eslabones entre ésta y la Gestalt terapia. El trabajo se basó en un análisis de fuentes primarias - obras de Fritz, de Freud y de Laura - y secundarias pertinentes. Se evidenció la necesidad de reanudar un vínculo claro entre la Gestalt terapia y su fuente psicoanalítica, así como aclarar las influencias de otros nombres, como Reich, Goldstein, Horney y Nietzsche, en la construcción de ese concepto.
Palavras-clave: Gestalt-terapía; Agressión; Psicoanálisis.
Introdução
Uma abordagem sólida se constrói por diversos caminhos, e seus alicerces devem se estabelecer a partir de discussões epistemológicas, delimitando seu valor objetivo, e buscando uma crítica de seus fundamentos (Jolivet, 1975). Nessa direção, pode-se considerar que houve um incremento na produção brasileira sobre questões de fundamentação, envolvendo a abordagem gestáltica, como se observa publicações recentes (Holanda, 2009; Belmino, 2014; Helou, 2015). Atualmente, segundo Frazão (2013), existem mais de 60 livros publicados, bem como inúmeros artigos e capítulos de livros, além do número crescente de dissertações de mestrado e teses de doutorado.
É comum a associação da GT a um aglomerado de técnicas, o que ajudou a construir a imagem de uma abordagem pouco fundamentada, cuja origem remonta aos workshops conduzidos por Fritz Perls.
Laura Perls (1992/1994) já sugeria que a inserção da GT no círculo acadêmico não foi facilitada por esta excessiva ênfase na prática vivencial, somado a um discurso anti-intelectualista, que ocasionou o enfraquecimento da abordagem. Prestrelo (2012) aponta para semelhanças, em realção ao surgimento da GT no Brasil, pois aqui instaurou-se também a ideia de uma abordagem debruçada sobre técnicas de expressão de sentimentos, o que exigiu dos pioneiros, explanações sobre o que não era Gestalt.
Na esteira desses acontecimentos, conceitos são esquecidos e pouco visualizados, como o de agressão (Holanda, 2005; Staemmler, 2009). O desinteresse no tema, para Staemmler (2009), se deve à sua exposição pouco nítida nas obras de Perls, bem como pelo fato desta noção referir a uma consideração intrapsíquica, em contraposição a uma perspectiva de campo. Tomamos aqui, por objeto, a origem desse conceito, que fundamentou a primeira obra de Perls (1942/2002).
Delimitação do Tema
A agressão dental foi um dos temas que fundamentou a primeira obra de Fritz Perls (1942/2002), com contribuições significativas de sua esposa Laura, colaboradora tanto na escrita do livro quanto na própria elaboração do conceito, oriundo de um trabalho seu de observação de crianças em período de transição da sucção para a fase de mordedura (Perls, 1992/1994).
Objetiva-se, aqui, resgatar as origens do conceito, que remonta às suas primeiras experiências com a psicanálise. A pesquisa se apoia em um apanhado geral das origens da teoria da agressão na psicanálise, e outras fontes, considerando-se as influências que ambos sofreram ao longo de sua vida profissional e pessoal, tanto de cunho intelectual e acadêmico, quanto cultural e político. Este estudo teórico-conceitual está baseado em um levantamento bibliográfico em fontes primárias e secundárias. A busca resultou na utilização das seguintes obras e artigos como fontes primárias: 1) Da psicanálise, Três Ensaios sobre a Teoria da Sexualidade (Freud, 1905/1996); Os instintos e suas vicissitudes (Freud, 1915/1996); Além do Princípio de Prazer (Freud, 1920/1996); O Ego e
o Id (Freud, 1923/1996); O Mal-Estar na Civilização (Freud, 1930 [1929]/1996); Conferência XXXII (Freud, 1933a/1996); Esboço de psicanálise (Freud, 1940a [1938]/1996), selecionados a partir de um critério de temporalidade - pois antecedem Ego, Fome e Agressão (Perls, 1942/2002) - e relevância, por tratarem dos escritos que abarcam os estudos de Freud, anteriores a 1942, da sexualidade, das pulsões e da agressão propriamente dita (Strachey, 1996b); 2) Textos relativos a Laura Perls (Perls, 1977; 1988; 1992/1994; Bernard, 1986); 3) e Fritz Perls (1942/2002, 1951/1997, 1969/1979, 1973/2011, 1977). Além destas, fontes secundárias foram consultadas e selecionadas na revista Gestalt Review e nas bases de dados Scielo, PePSIC e BVS.
A Posição da Questão
A importância de se adentrar na questão das origens reside, principalmente, na apropriação feitapor Fritz desse conceito. À época em que lançou sua primeira obra, Perls (1942/2002) era psicanalista e visava, com esta produção, dar conta do que especifica no subtítulo do livro (uma revisão da teoria e do método de Freud). Pela leitura dessa obra, nota-se que a noção de agressão nasceu de uma tentativa de esboçar uma teoria da personalidade, o que torna um retorno a Freud imprescindível, ainda que Perls se aprofunde mais na fase oral e em suas resistências para balizar o desenvolvimento humano. Na transferência de foco do psíquico para o organísmico, Perls acaba por esboçar uma teoria da personalidade de cunho holístico, assunto fundamental da obra Gestalt-terapia, de 1951 (Perls, 1977; Boris, 2002; Helou, 2015). Um trabalho sobre esse tema, Resistências Orais, foi objeto de apresentação, por ocasião do congresso de psicanálise (Checoslováquia, 1936), que "ainda era escrita em termos freudianos" (Perls, 1969/1979, p. 50).
No prefácio à edição de 1969 da Random House, o próprio Fritz afirma que seu primeiro livro representa a transição da psicanálise ortodoxa para a GT (Perls, 1942/2002). Joe Wysong (2002) revela que as notas pessoais de Perls para uma parte não publicada da introdução para a edição de 1969 mostram que o projeto visava expor suas revisões da teoria freudiana e desenvolver suas habilidades em inglês. Há consenso de que Ego, Fome e Agressão nasceu dessa palestra sobre "Resistências Orais", e que Laura Perls teve significativa participação em sua produção (Tellegen, 1984; Loffredo, 1994; Perls, 1992/1994; Frazão, 1997, 2002, 2013; Helou, 2015).
Na introdução à Edição do The Gestalt Journal, From e Miller (1997) também relatam que o embrião da GT foi um artigo escrito por Perls por volta de 1930, no qual inferia que as "resistências" - o jeito psicológico de dizer não a si mesmo ou ao próximo - eram de origem oral; e apontam ainda que a relevância dessa consideração não é exatamente revolucionária, posto que se configurava numa pequena mudança em uma ênfase psicanalítica clássica (a psicanálise tradicionalmente outorgava a origem das resistências à região anal), embora seus desdobramentos tenham sido subversivos. Ambos enunciam a relevância do "oral", sendo a boca, o "lugar" do comer, de mastigar, degustar, como também da linguagem e do amar. Expresso de outro modo, "um local de encontro mais óbvio entre o indivíduo e o mundo" (From & Miller, 1997, p. 21).
Fritz (Perls, 1969/1979), constata que a palestra sofreu profunda desaprovação e que "o veredito 'todas as resistências são anais'" (p. 51) o deixou perplexo, e: "(...) não percebi, na época, quão revolucionária era a palestra, e quanto ela balançaria e até mesmo invalidaria alguns fundamentos básicos da teoria do Mestre" (p. 51). A rigor, deveríamos - ao menos - supor, que Fritz construiu uma interpretação particularizada da Psicanálise. Isadore From (citado por Frazão, 2013) afirma que a divergência de Perls com Freud seria que este asseverava que a introjeção era necessária até os seis anos, enquanto que para Perls, Freud despendeu pouca atenção às consequências psicológicas e emocionais da eclosão dos dentes da criança, o que permitiria a ela deixar de introjetar sem crítica desde idade muito anterior aos seis anos.
Para Laura Perls (1988, 1992/1994), a palestra, que compôs depois a seção "Metabolismo Mental" da obra de 1942, é oriunda de uma pesquisa que ela própria realizou quando do nascimento de sua filha Renate. Ela notou que o desmame ou era efetuado muito cedo ou muito tardiamente, e que a iniciação da alimentação infantil negligenciava a importância da mastigação, amadurecendo a ideia de que o começo da mastigação teria ligação com a aprendizagem a respeito do processo de assimilação, antagônico ao processo de introjeção sem assimilação que ocorre de forma mais frequente e constante neste período de amamentação. Para Laura, mastigar requer tempo, paciência e conscientização sobre o que está sendo mastigado, considerando o "alimentar" como um processo de consciência. Em entrevista a Bernard (1986), coloca que ela e Fritz começaram o livro juntos; que estava a par de tudo no começo e que discutiam tudo, e que deixou escrito dois capítulos para o livro: "O complexo de fantoche" e "O significado da insônia", como uma revisão da análise freudiana.
Laura Perls (1992/1994) admite ser o processo de alimentação e desmame uma das primeiras bases do pensamento psicanalítico clássico. Conta que Fritz estava no exército durante os anos que trabalharam em Ego, Fome e Agressão, e que Smuts, com o holismo, igualmente o influenciou sobremaneira. Diz ainda que a exigência da paz se opõe a um dos mais vitais instintos do ser humano: a agressividade; de imediato associada a destruição, sendo, por isso, censurada; e que normalmente os adultos respondem a qualquer sinal de agressividade da criança com reprovação e, apesar da educação ao longo dos séculos frisar a censura à agressão, os resultados decepcionam.
Ao ser privado de questionar, o infante se vê obrigado a engolir muitas coisas sem mordê-las, mastigá-las ou digeri-las. Para Laura, essa relação não é mera metáfora - o que Staemmler (2009) questionará -, pois tanto a capacidade de realizar esses processos com o alimento físico quanto a capacidade de realizá-los com os alimentos intelectuais (como a capacidade de pensar, criticar, entender) são manifestações do mesmo instinto1agressivo. A experiência dos psicanalistas demonstra que a coibição de uma dessas funções afeta as demais; e a repressão da agressividade individual pode resultar em aumento da agressividade universal, pois a comunidade buscará saídas para ela por outros meios. Por fim, Laura argumenta que a maneira como se come ensina a aprender e fazer contato com o mundo. O bebê, ao se alimentar, reduz a tensão; e passa a fazer contato com o outro, a partir do nascimento dos dentes (Perls, 1992/1994).
Perls diz em sua autobiografia que não leu toda a obra de Freud, mas não especifica o que exatamente leu (Perls, 1969/1979). Encontramos apenas uma breve menção à origem psicanalítica - ao menos em parte - do instinto de fome: "considero a análise do instinto de fome como uma enteada da psicanálise, sem subestimar a importância da análise do instinto sexual" (Perls, 1942/2002, p. 283). Perls se dedicará, nesta obra, a desenvolver a teoria das funções dos instintos de autopreservação individuais, representados pelo atendimento das necessidades alimentares e pela autodefesa; prioridade ao sexual, considerado como um instinto de preservação.
Em Três Ensaios sobre a teoria da sexualidade, Freud (1905/1996) explica que, na fase oral, os lábios do bebê representam a zona erógena correspondente, cuja satisfação, a princípio, pode ser associada com a necessidade de alimento, e que a atividade sexual se respalda, de início, numa das funções que servem à preservação da vida, alcançando independência em momento ulterior. Portanto, a necessidade de repetir a satisfação sexual desvincula-se da necessidade de absorção de alimento, uma separação que se impõe inevitavelmente quando surgem os dentes e o alimento não é mais sugado, mas mastigado. Assim, na fase oral, atividade sexual e nutrição ainda não estão separadas, e o alvo sexual reside na incorporação do objeto, o que irá prestar um papel psíquico importante futuramente, por meio da identificação (como destaca Freud).
Freud quase não faz referência aos instintos de autopreservação, com exceção de menções sobre a libido se ligar a eles nas primeiras fases do desenvolvimento (Strachey, 1996b, Laplanche e Pontalis, 2001). Em artigo, de 1910, sobre as perturbações psicogênicas da visão, Freud, ao que parece, repentinamente, introduz a expressão "instintos do ego", identificando-os com os instintos autopreservativos e com a função repressiva, a partir do que o conflito passa a ser considerado como se dando entre dois conjuntos de instintos: os da libido e os do ego. O ponto decisivo da classificação freudiana dos instintos ocorreu em Além do Princípio do Prazer. É nessa marcha dualista dos instintos que vai chegar à hipótese do instinto de morte. Freud apresenta uma discussão do assunto no capítulo IV de O Ego e o Id (1923b), retomando o tema no capítulo VI de O Mal-Estar na Civilização (1930a/1974), analisando neste último, pela primeira vez, com especial atenção, os instintos agressivos e destrutivos, trazendo-os como derivados do instinto de morte. Por fim, o assunto é revisado na segunda metade da Conferência XXXII (1933a) e em um resumo final, no segundo capítulo, da obra póstuma Esboço de Psicanálise (1940a [1938]/1974) (Strachey, 1996b).
Em Os instintos e suas vicissitudes, Freud (1915/1996) vai dizer que o ego odeia, não tolera e persegue, "com intenção de destruir, todos os objetos que constituem uma fonte de sensação desagradável para ele, sem levar em conta que significam uma frustração quer da satisfação sexual, quer da satisfação das necessidades autopreservativas" (p. 142-143). Assim, o berço da relação de ódio não é sexual, mas sim a luta do ego para se preservar. O amor e o ódio, para Freud, nasceram de fontes diferentes: o amor se origina da satisfação auto-erótica do ego pela obtenção do prazer, nesse sentido, "amamos" o alimento que supre a necessidade do órgão/zona oral por comida, fornecendo-lhe prazer. O ódio é a expressão do desprazer provocado por objetos e, nesse sentido, sempre mantém uma relação com os instintos de autopreservação. Dessa forma, os instintos de autopreservação e os sexuais permanecem opostos na mesma medida que o são o amor e o ódio.
Em Além do Princípio de Prazer, Freud (1920/1996) sustenta que há na mente uma forte tendência no sentido do princípio de prazer e que, do ponto de vista da autopreservação, isto se mostra ineficaz, sendo substituído pelo princípio de realidade. O princípio de prazer não cessa, por muito tempo, de insistir em voltar ao comando, funcionando como o método empreendido pelos instintos sexuais, amiúde conseguindo vencer o princípio de realidade.
Freud (1920/1996) conceitua instinto como "um impulso, inerente à vida orgânica, a restaurar um estado anterior de coisas, impulso que a entidade viva foi obrigada a abandonar sob a pressão de forças perturbadoras externas, ou seja, é uma espécie de elasticidade orgânica, (...)" (grifos do autor, p. 47), e expressam a inércia inerente à vida orgânica. Quanto aos instintos sexuais, Freud assinala que são conservadores num nível mais alto por resistirem mais eficazmente a estímulos externos, além de preservarem a própria vida, ao que denomina "instintos de vida". Nesse contexto, operam contra outros instintos, que trabalhariam para atingir o objetivo finalista do organismo e da vida mais rapidamente; os instintos sexuais opõem-se, portanto, aos instintos do ego. Os instintos de morte e de vida teriam algo de conservador: restabelecer o estado das coisas. No caso do instinto de morte, um retorno a uma vida inanimada; já o instinto de vida, visa-ria sua continuidade. A vida em si seria, assim, um conflito e uma conciliação entre tais tendências.
Haveria, então, dois tipos de processos antagônicos atuando, um em uma direção construtiva, de unificação (instintos de vida), e outro numa direção destrutiva (instintos de morte). Freud (1920/1996) finalmente define o dualismo entre instintos de vida versus de morte; mas adverte que ambos estão associados desde o início, de modo que há um caráter lidibinal, portanto, de vida, nos instintos de autoconservação. Partindo desse dualismo, aponta como outro exemplo de polaridades a oposição entre o amor (afeição) e o ódio (agressividade). Em síntese, para Freud ambos são de natureza libidinal, mas haveriam outros instintos pertencentes ao ego que poderiam ser encontrados nos instintos destrutivos, daí a oposição instintos de vida e instintos de morte. Laplanche (1985), verifica duas intenções no modo como a pulsão de morte é descrita em Além do princípio de prazer: reafirmar o princípio econômico fundamental - a tendência ao zero; e conferir um estatuto metapsicológico às descobertas no campo da "agressividade" ou da "destrutibilidade". Antes de 1920, a pulsão de agressão não aparece e mesmo o termo agressividade também quase não se vê.
Müller-Granzotto e Müller-Granzotto (2007) pontuam que, ao contrário de Freud, Perls não identifica essas orientações como pulsão de vida e de morte, denominando-as "funções organísmicas", com suporte em Goldstein, e por meio delas os elementos materiais envolvidos na vivência atual, sejam do presente ou do passado, serão orientados para unificação ou destruição. Naquela, esses elementos são estabilizados na experiência, para conservação. Na destruição, são transcendidos como canais de abertura para o novo: o crescimento. Portanto, "Perls compreende as pulsões descritas por Freud como um fluxo de awareness ambíguo: ora em direção à conservação da experiência, ora em direção à sua transformação" (p. 53). As pulsões não seriam conteúdos arcaicos cujo destino deveria ser a recuperação ou substituição. Representariam o modo ambíguo do organismo funcionar. Ou seja, para assimilar o novo e se manter, se atualizando, deve se destruir o velho. Perls, em seção não publicada do prefácio à edição de 1969 da Random House (Wulf, 1996), alude que uma nova abordagem do homem em sua saúde e situação emergiu, e que deixou de ser analista. Deixa claro que não concebia agressão como uma energia mística nascida de Thanatos, mas como uma ferramenta para sobrevivência, e que conceitos como reflexos (estímulo-resposta) e instintos como propriedades estáveis tornaram-se obsoletos.
Helou (2015) coloca o conceito de metabolismo mental como uma grande inovação de Perls, embora esta advenha da noção de trabalho psíquico. Perls desenvolve a hipótese do trabalho organísmico por meio da assimilação mental de conteúdo interno e externo (percepções e sensações internas, e da realidade); e comunga da ideia de que a agressão é uma energia fundamental necessária à sobrevivência humana, chamando de "força biológica" (Perls, 1942/2002). Com a ação do ego por meio das forças agressivas, o material novo pode ser rejeitado ou assimilado. Com isso, a proposta perlsiana - e, acrescente-se, de Laura também, inspirados em Smuts e Goldstein - aponta para o acréscimo de um aspecto saudável (de assimilação e rejeição) do trabalho de identificação do ego à concepção freudiana de introjeção ("não sadia", para os Perls, pois envolveria apenas engolir/incorporar sem seleção) (Helou, 2015). Ainda no mesmo prefácio, Fritz assevera que agressão insuficientemente aplicada na fase de entrada (fome) e desestruturação de alimentos mentais e físicos externos prejudica a maturação, e que a ideia de assimilação enfraquece o modelo de Freud, especialmente a relação instintiva Super-Ego/Ego, e sua visão desigual da vida como a luta de Eros-Thanatos (Wulf, 1996). Esses processos de assimilação e rejeição delinearão os contornos da noção de autorregulação organísmica que será edificada na obra de 1951.
Para Staemmler (2009), Perls define a agressão como uma força positiva de vida relacionada com assimilação, e os termos associados (destruição, assimilação, crescimento) ilustram o contexto histórico no qual Fritz desenvolveu sua teoria: a tentativa de superar a visão de Freud quanto à agressão, que a relacionava ao instinto de morte. "O primeiro rompimento foi em 1936 (...). Eu queria impressionar com o meu voo e com uma palestra que transcendesse Freud" (Perls, 1969/1979, p. 49-50).
Em O Ego e o Id, Freud (1923/1996) diz que os impulsos destrutivos, ao serem neutralizados em favor da vida, são desviados para o mundo externo com o auxílio dos músculos, de modo que a forma de expressão desse instinto seria pela destruição dirigida ao mundo e outros seres. Dessa forma, tais instintos em parte tornam-se inofensivos quando se fundem com componentes eróticos e, outra parte, é desviada para o exterior sob a forma de agressividade. Freud destaca que, quanto mais um indivíduo controla sua agressividade contra o mundo exterior, mais agressivo ele se torna um ideal do ego, voltando a agressão para si. Fritz, corroborando, acreditava que a atividade da agressão interna é necessária para um metabolismo saudável; que externalizar a agressão é necessária para manter a saúde psicológica (Staemmler, 2009). Staemmler acrescenta que, presumivelmente, essa concepção se baseia na ideia psicanalítica que sustentava que a energia devia ser descarregada antes que acumulasse e causasse danos. Em Perls, a solução para a agressão mal canalizada ou evoluída a um nível patológico seria sua saída biológica pela utilização dos dentes.
No O mal-estar na civilização (Freud, 1930/1996), o tema principal era justamente o conflito invariável entre as necessidades instintuais e as limitações da civilização. Somente posteriormente Freud reconhece a independência original da agressão, e acrescenta que as fontes independentes adviriam dos instintos autopreservativos. Os impulsos de agressividade sempre pertenceram ao instinto autopreservativo, porém, como este encontrava-se incluso na libido, não havia porque depor a favor da independência do instinto agressivo. Somente após o surgimento do "instinto de morte" que um instinto agressivo, de fato autônomo, apareceu em Além do Princípio de Prazer. Por último, há uma carta na qual Freud parece aludir que no começo da vida toda a libido é voltada para o interior e toda agressividade para o mundo externo, e que, ao longo da vida, esse vetor paulatinamente mudaria, ao inverso. Entretanto, o próprio Freud pede cuidado na consideração dessa suposição e que suas observações do instinto de agressão necessitam de mais ponderações (Strachey, 1996a).
Nota-se, com isso, que a ideia de que a fonte da hostilidade é a repressão dos instintos não é perlsiana. Freud (1930/1996) coloca que os humanos carregam considerável carga de agressividade, e que esta inclinação é o que dificulta as relações interpessoais e leva a civilização a desperdiçar tanta energia. A natureza do homem seria, pois, agressiva. É de Freud também a afirmação de que luta e competição são indispensáveis, e que a civilização se preocupa pouco com a satisfação individual, tentando solapar, à custa do bem-estar individual, a agressividade humana. A agressividade constitui a base de toda relação de afeto e amor entre os indivíduos, e é também fonte de satisfação. A inibição da satisfação instintiva produz a agressão.
Na Conferência XXXII, Freud (1933a/1996) comenta que a teoria da libido (ou teoria dos instintos) é uma mitologia. Coloca que o organismo está sob o comando da autopreservação e da preservação da espécie que, independentes, não partilham da mesma origem e, não raras vezes, conflitam. Quando passam a dominar o cenário, os impulsos sádicos e anais, em conexão com o surgimento dos dentes, o fortalecimento do aparelho muscular e o controle dos esfíncteres, colocam em questão a incorporação oral e o desejo de manter e possuir, pois derivam, pela primeira vez, elementos da ambivalência (unir e possuir, mas também destruir e perder), mais evidentes na fase sádico-anal. "A atividade de nutrição fornece as significações eletivas pelas quais se exprime e se organiza a relação de objeto; por exemplo, a relação de amor com a mãe será marcada pelas significações seguintes: comer, ser comido" (Laplanche & Pontalis, 2001, p. 245). Por esse prisma, o ato de comer é uma destruição do objeto com o fim de incorporá-lo, e o ato sexual visaria uma união (Freud, 1940a [1938]/1996).
A intuição de Perls em relação ao desenvolvimento infantil, que valoriza a desconstrução implícita no desenvolvimento dos dentes, é baseada em uma concepção capaz de autorregulação (Lobb, 2015). A capacidade da criança de morder, apoia e acompanha sua capacidade de desconstruir a realidade. Essa força espontânea, positiva e agressiva tem a função de sobrevivência, mas também da interligação social e permite ao indivíduo ativamente alcançar o que no ambiente pode satisfazer suas necessidades.
Assim, a partir de uma noção inovadora de ego - como função e não instância psíquica (Perls, 1977) -, diversa da psicologia do ego americana, embora influenciada pela teoria de Karen Horney, Perls, com amparo na autorregulação organísmica de Goldstein, explicitará as implicações advindas das dificuldades do ego de se conduzir no meio (ao que Perls chamará de ações de unificação ou destruição), que são a base do crescimento. Ego saudável é aquele que consegue exercer a função de assimilar ou rejeitar por meio das ações de unificação ou destruição (Helou, 2015).
Para Laplanche e Pontalis (2001), a psicanálise conferiu uma importância cada vez maior à agressividade, aludindo que opera desde cedo no desenvolvimento do homem e enfatizando o mecanismo complexo da sua fusão e desfusão com a sexualidade; advertindo que a noção de pulsão de morte não se refere meramente a um conglomerado indiscriminado de manifestações agressivas, comportando, outrossim, uma tendência para a diminuição irrestrita das tensões. Após 1920, o que se renova, portanto, é a ampliação do campo em que se reconhece a agressividade em ação. Esta concepção perde a conotação de hostilidade e passa a ser sinônimo de espírito empreendedor. Todavia, quanto à terminologia, em Freud encontra-se um só termo, Aggression, para denominar as agressões e a agressividade (Laplanche & Pontalis, 2001). Essa concepção e a consideração freudiana de agressão enquanto energia necessária à sobrevivência estão no bojo da ideia de agressão positiva de Perls.
Perls e a Psicanálise: "uma gestalt aberta"
É em 1925 que Fritz Perls tem seu primeiro contato com a psicanálise (Helou, 2015). Sua análise com Karen Horney despertou esse interesse, cuja formação - que se deu em meio a muitas idas e vindas - iniciou no renomado Instituto de Psicanálise de Berlim. Fritz e Laura Perls foram submetidos a treinamento psicanalítico primeiro em Berlim e depois em Frankfurt e Viena (Wulf, 1996). Fritz começou com Karen Horney e depois prosseguiu com Wilhelm Reich, enquanto Frieda Fromm-Reichmann foi um dos analistas de treinamento de Laura. Karen Horney teve participação na criação do primeiro instituto de psicanálise, e sua trajetória teórica voltada para o culturalismo - contrapondo-se ao universalismo freudiano -, para a autorrealização, reconstrução do self e para a autonomia do eu influenciou fortemente a Fritz.
Horney (1936/2007) faz uma análise sobre os fatores culturais, relevantes à estrutura das neuroses e à personalidade. Considera ter Freud negligenciado esses fatores (para Freud, a cultura seria o resultado de uma sublimação de impulsos sexuais e agressivos), indicando não haver dados históricos e antropológicos que endossem a tese do crescimento da civilização sendo diretamente proporcional ao crescimento da supressão dos instintos, e que a experiência clínica demonstra que a neurose não é fruto simplesmente da quantidade de supressão de um ou outro impulso instintivo, mas principalmente de dificuldades com relação às demandas que se impõem aos indivíduos. Para Wulf (1996), essa visão orientada para as influências ambientais na gênese da neurose é também de Reich, tendo ambos sido responsáveis por essa mesma orientação em Fritz. Tais temas, e também a relação entre cultura e indivíduo como responsável por determinar saúde e doença, permeiam todo o caminho teórico e prático de Perls.
Em sua autobiografia, Perls (1969/1979) afirma que estava atraído pelo trabalho do neurologista Kurt Goldstein, pelos grupos existenciais e pela rica atmosfera cultural de Frankfurt. Frankfurt foi o período de contatos de Fritz com o holismo de Smuts, com a Psicologia da Gestalt e com os estudos de Kurt Lewin (Wulf, 1996; Helou, 2015). É a partir de uma releitura de Smuts e de Goldstein que Fritz formulará sua revisão da psicanálise. Foi também em Frankfurt, no Instituto de Goldstein, que Fritz e Laura se conheceram. Essa mudança para Frankfurt, ainda, colocará Perls em contato com a "esquerda freudiana", e com os pesquisadores do Instituto de Pesquisa Social, que trabalhavam em colaboração com o Instituto de Psicanálise de Frankfurt (apoiando-se igualmente na fenomenologia e no marxismo, resultando em contribuições que revolucionaram o panorama acadêmico do século XX) e pavimentaram o terreno no qual Perls pôs em marcha suas postulações teóricas de 1942 (Helou, 2015).
Encaminhado por Clara Happel - discípula de Horney que vivia em Frankfurt - Perls, em 1927, muda-se para Viena para terminar a última fase de sua formação psicanalítica no Instituto Psicanalítico de Viena. Segundo Bocian (conforme citado por Helou, 2015), em virtude da programação, Perls frequentava seminários teóricos de nomes como Otto Fenichel, Anna Freud e Wilhelm Reich; o seminário Análise Infantil de Anna Freud aparentemente mobilizou Fritz a escrever sua primeira obra, que focalizava o ego. Anna, pioneira no assunto, não acreditava ser possível uma análise infantil focada no inconsciente pela falta de maturidade do superego. Fritz e Laura postulavam que a análise de crianças se dava por meio da utilização de atividades e de ferramentas para promover a expressão, daí a alegação de que Anna Freud inspirou Perls na elaboração do método em GT, um método ativo, criativo e experiencial. Depois de passar por outros analistas - Hélène Deustch, Eugen Harnick e Wilhelm Reich - e prorrogar algumas vezes sua formação psicanalítica, Fritz a conclui na Holanda. Já na África, Perls se liga a temas que lhe haviam despertado interesse, como o holismo de Smuts, e estudos da semântica geral de Alfred Korzybski (Loffredo, 1994). A admiração por Smuts foi um dos motivos que o fez se mudar para este país. O casal Perls funda, então, o Instituto de Psicanálise de Johannesburgo. Após a viagem para a Europa para apresentar seu trabalho no Congresso de 1936, a ruptura com a psicanálise, com a qual já vinha distanciando-se, inicia. Com isso, Perls passa a desenvolver melhor as ideias contidas no trabalho sobre as resistências orais e a encadeá-las com o que aprendera com Smuts e Goldstein, se reorientando para outra direção, diferente da freudiana, como expressa em sua autobiografia (Perls, 1969/1979).
Na origem da GT, Wulf (1996) comenta que merece destaque a terapia de Otto Rank, pois esta era centrada na vontade e nas funções do ego como uma força organizadora autônoma dentro do indivíduo. Rank requeria ao cliente re-experimentar e repetir (em vez de lembrar), o que implica um papel ativo do terapeuta. Para Loffredo (1994), há uma falta de uniformidade entre os autores que se propuseram a resgatar o quadro de influências que deram origem à GT, especialmente quanto às influências dos pós-freudianos. Contudo, a influência de Reich é unânime, o que se percebe ao longo dos textos de Perls devido às diretas menções que faz. Em sua autobiografia, Perls (1969/1979) deixa claro que a obra A análise do caráter foi uma contribuição fundamental para ele; e, para Tellegen (1984), até mesmo o conceito de "retroflexão" de Perls remetia a uma retenção de impulsos via contração muscular. Contudo, antes mesmo das contribuições reichianas, a atenção à percepção corporal deve ser creditada às experiências de Laura com a dança moderna, o movimento expressivo e criatividade e a sua atenção aos métodos de Alexander e Feldenkrais (Loffredo, 1994; Frazão, 2013).
Diante de toda essa discussão, não seria exagero dizer que a GT é "filha" da psicanálise - mesmo que uma filha rebelde - expressão, ao menos de início, da forte revolta de Perls contra Freud. Foram vários os psicanalistas contestadores de Freud que influenciaram Perls e Laura, muitos com técnicas ativas e intervenções físicas. Fritz não desfrutou de uma experiência tradicional da psicanálise, de modo que suas críticas devem ser situadas nesse contexto. Afora isso, Perls pretendia fortalecer e conferir uma identidade a seu método, daí seu foco nas diferenças e o reforço das fronteiras.
Nos EUA, Perls, que já estava distante da psicanálise freudiana, afastou-se ainda mais ao passar a frequentar os meios artísticos e intelectuais de esquerda do pós-guerra, voltando a se envolver com o teatro. O desenvolvimento da psicanálise freudiana em solo estadunidense se deu em meio a atritos que resultaram no neofreudismo, movimento que questionava importantes conceitos de Freud, como sexualidade, pulsão, recalque e transferência, bem como se opunha ao dogmatismo e universalismo freudianos. Foi nessa onda de dissidências que Fritz se instalou em Nova York.
Ser psicanalista revisionista significava voltar-se mais ao intersubjetivo, às relações de objeto (Helou, 2015). Em sua primeira obra, p.ex., Perls não evoca os conceitos psicanalíticos de pulsão e inconsciente, focando no trabalho de mediação do ego, por meio do instinto agressivo, em relação ao ambiente, sem mencionar o âmbito inconsciente do ego proposto na segunda tópica freudiana. Contudo, revisões da teoria freudiana do Ego não eram prerrogativa de Perls na década de 1940. Por outro lado, Fritz pôs em curso um estudo do ego muito peculiar e próprio, diferente de outras correntes pós-freudianas e de outros movimentos psicanalíticos. De um modo geral, para Loffredo (1994), ancorada na linha de raciocínio de Marcuse, o fio condutor comum de divergência dos revisionistas de Freud era a atitude deste de desconsiderar a relação com o meio na formulação das neuroses e na construção da personalidade.
Em resumo, Helou (2015) conclui que "os instintos de autoconservação de fome e defesa, estudados por Perls, têm como referência as pulsões de autoconservação freudianas" (p. 103). Perls (1942/2002), que contesta alguns pares de opostos apontados por Freud, rejeita o par de opostos "pulsão de vida" e "pulsão de morte" introduzido na segunda tópica freudiana. Em vista disso, Perls aparentemente parte dessa segunda tópica, pois a pulsão de vida seria a responsável por aglutinar as funções de autopreservação e as libidinais, e não reconhece as pulsões de morte (Helou, 2015). O conceito de necessidade também foi emprestado de Freud, com o qual este se remetia às pulsões de autopreservação, tal como Perls, Hefferline e Goodman (1951/1997) reproduzem em Gestalt-terapia. Dessa forma, Perls tenta trocar o conceito de pulsão pelo de necessidade, mais simples e organísmico (Helou, 2015).
A influência de Reich sobre Perls é mais evidente do que a de Freud, especialmente pelo apelo ao corpo como expressão da realidade, o que também permeia toda a obra de Perls. Para Perls e Reich, o alívio de uma tensão muscular quase sempre proporciona a eclosão de angústia, ira ou excitação sexual, que são as três excitações básicas biológicas. Como a energia biológica domina o somático e também o psíquico, consideram que há uma unidade funcional na qual as leis biológicas podem ser aplicadas ao psíquico, mas não o contrário. Assim, há uma constante oscilação de tensão e alívio de tensão; a autorregulação elimina a luta contra o instinto, pois é compatível com os instintos naturais. Reich, também, vai refletir sobre o conflito entre sociedade e indivíduo e as implicações desse conflito para este.
Essa influência de Reich em Perls é algo que merece maior destaque. Kyian (2001), reúne dados de caráter histórico e teórico, e influências que constituíram o processo de existência de Perls e sua abordagem; concluindo que há um "todo" integrado entre Fritz, sua história e sua abordagem, deixando a questão: Quem foi Frederick Perls? A isso, argumenta que uma resposta segura seria a de que foi um psicanalista dissidente que edificou uma abordagem que se contrapôs à psicanálise, a partir de uma frustração pessoal e por divergências na concepção de homem. Ou que foi o criador de uma abordagem, reconhecida a partir dos anos 1960, por conta das mudanças no contexto histórico social, que convergiram com suas premissas. Nesse resgate, menciona a admiração de Perls por Reich, que acabaria por influenciar toda sua obra, e pode ser observado por comentários na sua autobiografia (Perls, 1969/1979).
Ginger e Ginger (1995) comentam que Reich atribuiu ao acúmulo de tensão sexual genital a origem da agressividade e das neuroses e insistiu na "função do orgasmo", propondo a análise do caráter, visando dissipar a couraça do caráter ou muscular, pois acreditava que se devia fomentar a expressão total do cliente, e não apenas seu discurso verbal, o que se daria pelo como, e não pelo porquê, na forma, e não só no conteúdo da mensagem. A herança do pensamento reichiano é clara. Perls também ressaltava a importância do como, e não do porquê; sua visão holística do homem relevava uma forma de expressão total e integrada. O aspecto corporal igualmente está presente em ambas as abordagens, uma vez que é por meio de algumas manifestações corporais que alguns conteúdos internos podem ser exibidos. Também utilizavam no trabalho terapêutico o instrumento da frustração.
Com relação ao tema da agressão, em Análise do Caráter, Reich (1933/1998) se posiciona contrário à existência de uma teoria da pulsão de morte ou de que haja qualquer empenho biológico pelo desprazer. Para ele, a suposta "pulsão de morte" poderia ser explicada por alguma forma específica de angústia de orgasmo. Ainda, demonstra sua concordância com a teoria freudiana, segundo a qual os sentimentos destrutivos, que são geralmente causados por inibições de pulsões, são dirigidos inicialmente contra o mundo externo, se voltando contra a própria pessoa somente posteriormente. Dito de outro modo, para Freud, o desenvolvimento psíquico se realizaria com base no conflito entre a pulsão e o mundo externo. O conflito colocado depois por Freud - entre Eros e a pulsão de morte - reduziu a importância do primeiro. A neurose, então, não mais resultaria do conflito original e, com isso, o sofrimento não mais resultaria do mundo externo, da sociedade opressora, e sim de uma vontade biológica interna de sofrer, de se autopunir e se autodestruir. Com isso, Reich demonstra sua discordância de que há alguma tendência primária para autodestruição, independente do meio, que vinha de "dentro", de uma pulsão interior de morte.
Para Reich (1933/1998), o ritmo básico do metabolismo no atendimento à necessidade de alimento e satisfação sexual ocorre pela dinâmica entre tensão e relaxamento. Afirma que apenas um desejo emerge da unidade biopsíquica do indivíduo: o de descarregar tensões internas, sejam elas advindas da fome ou da sexualidade, que não seria possível sem o contato com o mundo externo. A fome é algo que não se pode sublimar, ao contrário da energia sexual. Toda frustração de uma satisfação pulsional pode provocar angústia, que é o contraponto da libido ou, a fim de evitar a angústia, gerar um impulso destrutivo. A inibição do impulso agressivo por uma ameaça de punição advinda do meio externo além de aumentar a angústia, prejudica a descarga da libido, ocasionando o lançamento do impulso destrutivo parte para o mundo e parte para o ego, produzindo novos antagonismos: entre a pulsão de destruição e a de autodestruição. Todo impulso libidinal que não é direcionado para o mundo, termina por não passar de reações a frustrações resultantes da não satisfação das necessidades libidinais e de se saciar a fome, frustrações geradas pelo sistema social, em nada tendo a ver com pulsões de morte. Assim, a pessoa se destrói não por ser impulsionada a isso biologicamente, por algum querer obscuro, e sim porque a realidade gerou tensões internas insustentáveis que só podem ser aliviadas pelo autoaniquilamento. Em verdade, são as proibições morais da sociedade que produzem esses "mecanismos internos" antagônicos à pulsão sexual. Portanto, os impulsos destrutivos não são determinados biologicamente, mas no social; a repressão da sexualidade pela educação autoritária transforma a agressão numa exigência, em outras palavras, a energia sexual represada torna-se destrutividade, e o que parece autodestrutitvo na verdade são genuínas manifestações de intenções destrutivas de uma sociedade tirana, não de pulsões de autoaniquilamento.
A ambivalência de sentimentos, como amor e ódio, igualmente não é uma lei biológica, sendo, portanto, oriunda do desenvolvimento social. Acreditando que seja possível extrair toda a gama de afetos a partir dos três afetos básicos prazer, angústia e raiva, Reich coloca que a excitação sexual e a angústia podem ser entendidas como duas direções contrárias, porém, o ódio se relacionaria com esses dois afetos do seguinte modo: quando a couraça do caráter é desfeita, a agressividade emerge em primeiro lugar. Posteriormente, liberada a agressividade, liberar-se-á a angústia. Isso significa que a angústia pode tornar-se agressão e vice-versa. A inibição da agressão, ainda, está ligada a um aumento do tônus, a um enrijecimento da musculatura. Agressão inibida leva a um bloqueio afetivo. Assim, toda "hipertonia muscular crônica representa uma inibição do fluxo de toda forma de excitação (prazer, angústia, raiva) ou, pelo menos, uma redução significativa da corrente vegetativa" (Reich, 1933/1998, p. 319. Grifo do autor). Seria dizer que a inibição das funções vitais (libido, angústia, agressão) se realiza por meio da formação de uma couraça muscular ao redor do núcleo biológico. Assim, há uma relação funcional entre o caráter neurótico e a distonia muscular.
Costa (1984) afirma que a forma pela qual uma pessoa faz contato consigo e com o mundo organiza-se nos variados traços de caráter. O organismo, para Reich, funciona integradamente, expressa-se em diversos níveis e a um só tempo. Tanto o caráter quanto o sujeito como um todo não eram objeto da análise freudiana. Esta, se circunscrevia aos sintomas e às transferências positivas, pois considerava-se que as negativas dificultavam o processo. Assim, a prioridade, para Reich, passou a ser analisar a forma como os clientes evitavam entrar em contato consigo mesmos. Ao trabalhar a inibição corporal, trabalha-se também a repressão dos instintos ou impulsos reprimidos. Todos esses pontos são validados e incorporados por Perls à sua teoria. Embora as observações clínicas de Reich fossem de encontro aos postulados iniciais de Freud que relacionava a formação das neuroses com a repressão da sexualidade, para Reich são especialmente os fatores sociais que transformam a excitação sexual em angústia, reflexo do conflito entre as necessidades sexuais e o mundo exterior. O conflito entre as necessidades internas, e as proibições sociais de gratificá-las, levam tais proibições a serem internalizadas sob a forma de moral. Nesse ponto, Perls (1942/2002; 1951/1997; 1975/1977) também trava um debate sobre as normas sociais, a repressão imposta por elas aos instintos e à moral do organismo. Porém, no caso de Perls, sua teoria centra-se mais especificamente na repressão da agressão, e não na repressão da sexualidade. Reich dizia que se o movimento espontâneo do organismo for reprimido, a necessidade de gratificação dele ficará cada vez maior, aumentando também a necessidade de reforço da barreira, o que, na mesma medida, aumenta por sua vez a pressão por gratificação, ficando cada vez mais violenta a necessidade, para si e para o mundo.
Costa (1984) alega que Reich corrobora o pressuposto de Freud de que a sexualidade representa o movimento emocional de prazer do organismo, que tende a se regular por este princípio, isto é, o organismo se autorregula pelo princípio do prazer. Assim, se uma criança é privada do afeto, do contato, isto é, frente à frustração de seu movimento de prazer, vivenciará angústia, da qual nasce a raiva, e um movimento que era de descarga e de prazer, torna-se destrutivo, até mesmo violento. Para se esquivar da dor, a criança então reterá suas sensações e sentimentos dolorosos, e retira o seu contato do mundo. Essas concepções claramente encontram-se na teoria de Perls, como vemos no escrito de 1942. Portanto, a noção de quedestrutividade é um impulso originado das inibições de movimentos vitais espontâneos e preponderantemente prazerosos é de Reich, que da mesma forma desenvoleu tais ideias a partir de Freud, o que leva à dedução de que ambos estão no bojo das postulações de Fritz, isto é, a teoria da agressão é predominantemente uma elaboração perlsiana dos pressupostos de Freud e Reich, escolhidos de acordo com a conveniência e afinidade de Perls.
Portanto, segundo Reich - reproduzido e reelaborado por Perls, posteriormente -quando não atrelada à sobrevivência, a destrutividade decorre da inibição do prazer sexual, como pressupunha também Freud - em Perls, decorre da inibição da agressão. A destrutividade também pode estar organizada de forma espontânea, libertária e natural, verdadeira, amorosa e cordial, o que lembra muito a noção de agressividade positiva aventada por Fritz Perls em 1942 e em 1951. Reich, ainda, relata a importância do sexo e da nutrição para o equilíbrio das demais funções do organismo, pois por meio da alimentação, o organismo se refaz, e pelo sexo, se autorregula, e a vida do organismo se mantém por tensão, carga, descarga e relaxamento. Quanto à economia sexual, para Costa (1984), agressão não é concebida como destruição, sadismo ou instinto de morte. Em si mesma, não é destrutiva nem sádica. Há, nessa concepção reichiana, uma agressão primária que se torna secundária e destrutiva proveniente da insatisfação das necessidades básicas, mormente as sexuais. Agressão por si só significa atividade, acercamento, movimento, descarga, por isso deve-se discriminar suas mais variadas formas de expressar-se: sexual, destrutiva, sádica, locomotora, etc. Com efeito, a agressão é colocada por Costa, que se respalda em Reich, como energia de ação, semelhante ao que vemos em Perls e sua concepção de agressão positiva, como movimento de vida. Talvez essa variada maneirade Freud e Reich conceituarem agressão e referirem-se a ela, de tantas formas, explique o fato de Fritz denominar a agressão de vários modos também: energia, força, ação, função, instrumento, etc.
Agressão, nesse sentido, é o meio pelo qual a vida é preservada e perpetuada, "é a própria energia vital em movimento" (Costa, 1984, p. 74). O instinto se gratifica por meio dela, é a força dele em movimento. Quando não satisfeito o instinto, essa agressão como força de ação vai se acumulando e, então, torna-se destrutiva. Não ocorrendo a descarga emocional de forma espontânea, acabará ocorrendo de forma reativa e provavelmente inapropriada. A insatisfação biológica, tanto de nutrição quanto sexual, pode levar a agressão, por conseguinte, a tornar-se destrutiva. Porém, mesmo quando ela se manifesta destrutivamente, vem seguida de um prazer, pois toda descarga de energia é acompanhada da sensação de alívio da tensão. Em sendo a agressão o próprio movimento, é a atividade em si mesma, em busca de gratificação. Ela é um movimento forte, decidido, ativo, firme, doce, terno e espontâneo quando as condições internas e externas são compatíveis com sua realização.
De um modo geral, Costa comenta que Reich afirma que a sociedade obsta a que os indivíduos satisfaçam sua fome e sua sexualidade, e o suposto instinto de morte nada mais é do que um desejo inconsciente de alívio orgástico da tensão. Reich manteve-se fiel às ideias iniciais de Freud, principalmente sobre o fato de que a neurose seria fruto das repressões sexuais impostas pela sociedade às necessidades internas. Em suma, "quanto maior for a couraça, menor será a motilidade sexual e agressiva para o prazer e a realização" (p. 81). Normalmente, a liberação do conteúdo contido ocorrerá nessa ordem: angústia, ódio, raiva, prazer, amor. Todos esses modos de teorizar, analisar e conceituar a agressão são observados na teoria da agressão de Perls, especialmente nos escritos de 1942, 1951 e 1975.
Outras possíveis influências nas raízes da Teoria da Agressão
Helou (2015) também aponta a influência da filosofia nietzschiana em Perls que, timidamente, faz alusões ao filósofo em alguns dos seus escritos. De acordo com Petzold (citado por Loffredo, 1994), Friedlander, filósofo que influenciou sobremaneira Perls por meio da sua teoria da Indiferença Criativa, também escreveu sobre Nietzsche, especialmente sobre os aspectos dionísicos do pensamento dele, o que atingiu Fritz que, direta e indiretamente, igualmente visitou o pensamento de Nietzsche. Para o comentador, o ensino e a prática da GT são uma aplicação desses aspectos nietzschianos e da sua doutrina do super-homem. Nesta ocasião, Loffredo encoraja maiores investigações sobre as relações da GT com Nietzsche. Smith (2007) se dedica a apontar as semelhanças entre a teoria da agressão de Perls e o pensamento de Nietzsche argumentando com propriedade e ilustrando com muitos exemplos e passagens bem similares no legado de ambos, a fim de atribuir a origem dessa teoria ao filósofo. Segundo Smith, Nietzsche foi quem primeiro discutiu as desvantagens de se "engolir inteiro" e de se "engolir as palavras dos outros", e o quanto essa atitude acaba por contribuir para a formação de uma confluência prejudicial. Assim, o ponto central da metáfora do comer seria de Nietzsche, tendo sido desenvolvida por Perls.
Goldstein (1951), que também está na raiz da teoria da agressão, ensina que um comportamento inter-relacional inerente ao homem é o fato de que a autoatualização do indivíduo em seu meio social apenas se dará se ele usurpar a liberdade do outro, se reivindicar algo do outro, impondo-se a esse outro até certo ponto. O fato de que o indivíduo não existe sozinho e sim com outros, necessariamente aponta para a incompleta realização da natureza de cada indivíduo, e isso implica em impacto, antagonismo, conflito e competição com os demais. Portanto, é possível afirmar que a atividade de usurpar a liberdade alheia também pertence à natureza do homem. Assim, a autorrealização só pode ser alcançada mediante alguma renúncia por parte de um outro, e cada um deve requerer dos outros, tal renúncia. Goldstein explica que esses dois tipos de comportamento - autorrestrição e usurpação - foram mencionados por McDougall sob as alcunhas de "submissão" e "agressão", como duas "direções" básicas da natureza humana (Goldstein, 1951; Holanda & Moreira, 2017).
Em sua crítica geral à teoria das pulsões e instintos, esclarece Goldstein que não há razão para supor que tais pulsões são inerentes ao homem, ten-do em vista que ambos os comportamentos não são tendências distintas e antagônicas que operam no ser humano. O homem não é nem agressivo, nem submisso por natureza. Ele é levado a atualizar-se e chegar a um acordo com seu meio. Ao fazê-lo, ele às vezes tem que ser submisso e, às vezes, agressivo, dependendo da situação. Nesse ponto, fica clara a influência de Goldstein em Fritz, que preconizou uma teoria do "não-instinto" (Perls, 1969/1979) - segundo Mayer (1986), a discordância de Perls da abordagem freudiana começa em relação à teoria dos instintos e da libido -, e a aplicação da energia agressiva a serviço da situação, isto é, o homem está em constante interação e atualização com seu meio (Perls, 1942/2002; 1951/1997). Desse modo, Goldstein considera a agressão enrijecida como um sintoma característico da neurose.
Se essa concepção da relação entre os indivíduos estiver correta, se todas as relações entre as pessoas são determinadas pela tendência de cada um para realizar-se, então é possível chegar à conclusão geral de que o indivíduo é primário (no sentido de principal, mais importante) em toda a organização social. Muitas vezes, o "nós", a relação entre o indivíduo e os outros é considerada o principal fator, e o comportamento do indivíduo é tomado como compreensível apenas em termos desse "nós". Com efeito, a suposição difundida é a de que a natureza não está interessada no indivíduo. Parece um desperdício de indivíduos não ter outro objetivo do que a perpetuação da espécie. Genérica como é, esta hipótese não é de forma alguma baseada em fatos. Em toda a natureza, deparamo-nos com indivíduos, tanto no reino do homem como no de animais e plantas. Essas reflexões de Goldstein, juntamente com as conclusões de Freud a respeito das consequências da supressão do individual na civilização, também podem estar no cerne da teoria da agressão, que igualmente reflete um caráter individual.
Goldstein, ainda, assevera que não há nada negativo na natureza. Se o indivíduo é o elemento mais importante da natureza, o tempo presente passa a ser o centro de importância, pois o presente é sempre individual. O que se denomina como "espécie" nunca é presente; a espécie pertence ao passado ou ao futuro. A natureza em geral parece viver em apenas uma dimensão (o presente), a dimensão do concreto, do indivíduo. Só o ser humano e possivelmente alguns dos animais mais desenvolvidos vão além desta dimensão. Dessa forma, não seria precipitado supor que o foco de Perls na conservação do indivíduo e na agressão como positiva também seja fruto dessas reflexões goldsteinianas. Para Tellegen (1984), embora Perls fale que a interação organismo-meio deve ser tomada de modo plural (envolvendo aspectos físicos, biológicos, psicológicos e socioculturais do campo), geralmente ele acaba enfocando o que é biologicamente essencial, e o fato de ele utilizar metáforas digestivas e fisiológicas com frequência pode ser reflexo da grande influência de Goldstein no pensamento de Perls. Tellegen (1984) ainda indica que se encontra, na GT, concepções de Goldstein a respeito de o organismo possuir um movimento natural para o crescimento e para a autoatualização.
Considerações Finais
A teoria da agressão, na GT, foi uma idealização do casal Perls, com base em trabalhos de Laura e desenvolvimentos (um tanto erráticos, dada a miríade de temáticas que associa), de Fritz. As origens dessa tese estão intimamente entrelaçadas com a Psicanálise freudiana (principalmente a segunda tópica), com as pulsões de autoconservação e a dicotomia pulsões de vida versus pulsões de morte. Ademais, a complexidade da formulação dos Perls ainda agrega outras contribuições relacionadas, como as de Horney, com seu conceito de ego; as de Reich e suas concepções de resistência e do conflito dos instintos com o meio (que diferia do conflito psíquico de Freud); as de Anna Freud, por seu entendimento de ego ativo; e a conceitos derivados de outras fontes, como Goldstein, Smuts e Nietzsche.
Grande número de estudiosos tem denunciado a necessidade de se circunscrever a influência da psicanálise no pensamento de Perls (Helou, 2015). É de Freud a alegação de que a neurose resulta de um conflito entre indivíduo e sociedade, mas Fritz inova ao colocar, em 1942, a opressão da energia agressiva no âmago desse conflito, que estaria sendo deslocada de sua função biológica. Com isso, o foco da terapia seria a retomada das funções biológicas. Com a energia agressiva represada, o único caminho possível de realização seria a neurose, e a potência destruidora da agressão encontraria saída na violência. Porém, o próprio Perls parece deixar a teoria da agressão em segundo plano nas obras seguintes, e passa a apostar na proposição ou desenvolvimento de outros construtos, privilegiando a perspectiva de campo.
Em meio a tantos questionamentos, espera-se que esse tema possa ser retomado, tanto por sua relevância histórica, quanto pela eventual influência que o mesmo possa ainda ter no escopo da abordagem.
Referências
Belmino, M.C. (2014). Fritz Perls e Paul Goodman. Duas Faces da Gestalt Terapia. Fortaleza: Editora Premius. [ Links ]
Bernard, J. M. (1986). Laura Perls: from ground to figure. Life Lines.Journal of Counseling and Development, 64, 367-373. [ Links ]
Boris, G.D.J.B. (2002). Sobre Fritz Perls e "Ego, Fome e Agressão". Em F. S. Perls (1942/2002). Ego, Fome e Agressão (p. 19-28). São Paulo: Summus. [ Links ]
Costa, R. A. (1984). Sobre Reich, Sexualidade e Emoção. Rio de Janeiro: Achiamé [ Links ].
Frazão, L. M. (1997). Apresentação à edição brasileira. Em F. S. Perls; R. Hefferline; P. Goodman (1951/1997). Gestalt-terapia (p. 7-10). São Paulo: Summus. [ Links ]
Frazão, L. M. (2002). Apresentação à edição brasileira. Em F. S. Perls. Ego, Fome e Agressão (p. 9-10). São Paulo: Summus. [ Links ]
Frazão, L. M. (2013). Um pouco da história...um pouco dos bastidores. Em L. M. Frazão; K. O. Fukumitsu (Orgs). Gestalt-terapia: fundamentos epistemológicos e influências filosóficas (p. 11-23). São Paulo: Summus. [ Links ]
Freud, S. (1996). Além do princípio de prazer. Em Além do princípio de prazer (p. 11-75). Rio de Janeiro: Imago (Original de 1920). [ Links ]
Freud, S. (1996). Conferência XXXII: ansiedade e vida instintual. Em Novas conferências introdutórias sobre psicanálise e outros trabalhos (p. 85-112). Rio de Janeiro: Imago (Original de 1933a). [ Links ]
Freud, S. (1996). Esboço de psicanálise. Em Moisés e o monoteísmo (p. 151-222). Rio de Janeiro: Imago (Original de 1940a [1938] [ Links ]).
Freud, S. (1996). O ego e o id (p. 13-72). Rio de Janeiro: Imago (Originalde 1923). [ Links ]
Freud, S. (1996). O futuro de uma ilusão, o mal-estar na civilização e outros trabalhos. Rio de Janeiro: Imago (Original de 1930 [1929] [ Links ]).
Freud, S. (1996). A história do movimento psicanalítico, artigos sobre a metapsicologia e outros trabalhos (p. 115-144). Rio de Janeiro: Imago (Original de 1915). [ Links ]
Freud, S. (1996). Um caso de histeria, Três ensaios sobre a teoria da sexualidade e outros trabalhos (p. 163-195). Rio de Janeiro: Imago (Original de 1905). [ Links ]
From, I. & Miller, M. V. (1997). Introdução à edição do The Gestalt Journal. Em F. S. Perls; R. Hefferline & P. Goodman. Gestalt-terapia (p. 15-29). São Paulo: Summus. [ Links ]
Ginger, S. & Ginger, A. (1995). Gestalt: uma terapia do contato. São Paulo: Summus. [ Links ]
Goldstein, K. (1951). Human Nature: in the light of psychopathology. Cambridge: Harvard University Press. [ Links ]
Gomes, G. (2001a). Os dois conceitos freudianos de Trieb. Psicologia: Teoria e Pesquisa, Brasília, 17(3),249-255. [ Links ]
Gomes, P. W. (2001b). Gestalt-terapia: herança em re-vista. 123f. Dissertação (Mestrado em Psicologia Clínica) - UNICAP, Recife. [ Links ]
Helou, F. (2013). Frederick Perls, inquietações e travessias: da Psicanálise à Gestalt-terapia. Mestrado em Psicologia. Universidade de Brasília, Brasília. [ Links ]
Helou, F. (2015). Frederick Perls, vida e obra: em busca da Gestalt-terapia. São Paulo: Summus. [ Links ]
Holanda, A. F. (2005). Elementos de epistemologia da Gestalt-terapia. Em A. F. Holanda; N. J. Faria (Orgs.). Gestalt-terapia e Contemporaneidade: contribuições para uma construção epistemológica da teoria e da prática gestáltica (p. 23-55). Campinas: Livro Pleno. [ Links ]
Holanda, A. F. (2009). Gestalt-terapia e abordagem gestáltica no Brasil: análise de mestrados e doutorados (1982-2008). Estudos e Pesquisas em Psicologia, 9 (1), 98-123. [ Links ]
Holanda, A. F. & Moreira, J. S. (2017). Fenomenologia, Organismo e Vida: uma introdução à obra de Kurt Goldstein. Aoristo - International Journal of Phenomenology, Hermeneutics and Metaphysics, 2(1),231-254. [ Links ]
Horney, K. (2007). Cultura e neurose. Revista da Abordagem Gestáltica, 13(1),147-159 (Original de 1936). [ Links ]
Jolivet, R. (1975). Vocabulário de Filosofia, Rio de Janeiro: Agir. [ Links ]
Kyian, A. M. M. (2001). E a Gestalt emerge: vida e obra de Frederick Perls. São Paulo: Altana. [ Links ]
Laplanche, J. & Pontalis, J.-B. (2001). Vocabulário da psicanálise. São Paulo: Martins Fontes. [ Links ]
Laplanche, J. (1985). Vida e morte em psicanálise. Porto Alegre: Artes Médicas. [ Links ]
Lobb, M. S. (2015). Fundamentals and development of Gestalt Therapy in the contemporary context. Gestalt Review, 19(2),1-24. [ Links ]
Loffredo, A.M. (1994). A Cara e o Rosto. Ensaio sobre Gestalt Terapia. São Paulo: Escuta. [ Links ]
Mayer, E. L. (1986). Frederick S. Perls e a Gestalt-terapia. Em J. Fadiman e R. Frager, Teorias da Personalidade (p. 125-148). São Paulo: Harbra. [ Links ]
Müller-Granzotto, M. J. & Müller-Granzotto, R. L. (2007). Perls leitor de Freud, Goldstein e Friedlander e os primeiros ensaios em direção a uma psicoterapia gestáltica. Estudos e Pesquisas em Psicologia, 7(1),42-55. [ Links ]
Perls, F. S. (1977). Moral, Fronteira do Ego e Agressão. Em J. O. Stevens (org.). Isto é Gestalt. (p. 49-61). São Paulo: Summus. [ Links ]
Perls, F. S. (1979). Escarafunchando Fritz: dentro e fora da lata de lixo. São Paulo: Summus (Original de 1969). [ Links ]
Perls, F. S. (2002). Ego, Fome e Agressão: uma revisão da teoria e do método de Freud. São Paulo: Summus (Original de 1942). [ Links ]
Perls, F. S. (2002). Prefácio à edição de 1969 da Random House. Em F. S. Perls. Ego, Fome e Agressão (p. 35-36). São Paulo: Summus. [ Links ]
Perls, F. S. (2011). A abordagem gestáltica e testemunha ocular da terapia. Rio de Janeiro: LTC (Original de 1973). [ Links ]
Perls, F. S.; Hefferline, R.; Goodman, P. (1997). Gestalt- terapia. São Paulo: Summus. (Original de 1951). [ Links ]
Perls, L. (1977). Entendidos e mal entendidos em Gestalt-terapia. Conferência de Laura Perls no Congresso da Associação Europeia de Análise Transacional, Áustria. [ Links ]
Perls, L. (1988). A conversation with Laura Perls. Em J. Wysong e E. Rosenfeld (Orgs.), An oral history of Gestalt Therapy (p.3-25). Gouldsboro, Maine, USA: The Gestalt Journal Press. [ Links ]
Perls, L. (1994). Viviendo en los límites. Valencia: Promolibro (Original de 1992). [ Links ]
Prestrelo, E. T. (2012). A história da Gestalt-terapia no Brasil: "peles-vermelhas" ou "caras- -pálidas"? Em A.M.Jacó-Vilela, A.C.Cerezzo e H.B.C. Rodrigues (Orgs.), Clio-psyché: fazeres e dizeres psi na história do Brasil (p. 88-96). Rio de Janeiro: Centro Edelstein de Pesquisas Sociais. [ Links ]
Reich, W. (1998). Análise do Caráter. São Paulo: Martins Fontes (Original de 1933). [ Links ]
Smith, E. W. L. (2007). Gestalt Therapy and the Concretization of Nietzsche's Metaphor. Gestalt Review, 11(3), 207-216. [ Links ]
Staemmler, F-M. (2009). Aggression, Time, and Understanding: contributions to the evolution of Gestalt Therapy. New York: Routledge. [ Links ]
Strachey, J. (1996a). Nota do editor inglês. Em S. Freud, O futuro de uma ilusão, o mal-estar na civilização e outros trabalhos (p. 67-71). Rio de Janeiro: Imago (Original de 1930). [ Links ]
Strachey, J. (1996b). Nota do editor inglês. Em S. Freud, Os instintos e suas vicissitudes (p. 117- 122). Rio de Janeiro: Imago (Original de 1915). [ Links ]
Tellegen, T. A. (1984). Gestalt e grupos. São Paulo: Summus. [ Links ]
Wulf, R. (1996). The Historical Roots of Gestalt Therapy Theory. Gestalt Dialogue: Newsletter for the Integrative Gestalt Centre, November, s/p. [ Links ]
Wysong, J. (2002). Prefácio à edição do The Gestalt Journal 1992. Em F. S. Perls, Ego, Fome e Agressão (p. 29-33). São Paulo: Summus. [ Links ]
Recebido em 02.12.16
Primeira decisão editorial em 07.05.17
Segunda decisão editorial 11.11.17
Aceito em 27.12.17
1 Sobre os conceitos "instinto" e "pulsão", faz-se mister um breve comentário. Gomes (2001a) afirma que as duas teorias de Freud das pulsões usam conceitos muito diversos. Na primeira, as pulsões fundamentais eram as sexuais e as de autopreservação. Já na segunda, as pulsões de vida e de morte. Freud nunca usou o vocábulo instinto (instinkt) como alternativa ou sinônimo de pulsão, posto que, nas vezes em que fez uso dessa palavra, teve significado diferente de seus dois conceitos de trieb (pulsão). Em contrapartida, Freud nunca se opôs às traduções de trieb, como sinônimo de instinto. Quando Freud usa especificamente a palavra instinto, ele está se referindo ao inato, hereditário, que independe da experiência individual, noção esta que não condiz com pulsão posto que o objeto da pulsão é contingente , embora remeta à força motriz, oposta à razão e à reflexão. Assim, no português, uma tradução aceitável seria "impulso". Porém, há a desvantagem de não remeter ao somático, que era a ideia freudiana e, quando adjetivada para "impulsivo", indica o irrefletido. Assim, a tradução mais recomendável é "pulsão", que ocupou o lugar de "instinto", muito usada nas traduções francesas, embora "instinto" ainda seja mais usual em inglês. Portanto, as forças de autopreservação são, para Freud, pulsões ao longo de toda sua obra (e não instintos). Logo, fome e sede são pulsões. Dessa forma, a pulsão agressiva, tomada como pulsão de domínio, pode ser pensada como autoconservação. Laplanche e Pontalis (2001) definem instinto como um comportamento herdado de uma espécie animal, pouco variável de um indivíduo a outro, que se estende ao longo do tempo sem muitas alterações e que aparentemente serve a alguma finalidade.