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Revista da Abordagem Gestáltica

Print version ISSN 1809-6867

Rev. abordagem gestalt. vol.26 no.1 Goiânia Jan./Apr. 2020

https://doi.org/10.18065/RAG.2020v26n1.3 

RELATOS DE PESQUISA

 

O significado de ser pai na atualidade: um estudo na abordagem gestáltica

 

The meaning of being a father today: a study in the Gestalt approach

 

El significado de ser padre en la actualidad: un estudio en el enfoque gestáltico

 

 

Celina Magali Fonseca MazzoI; Josiane Maria Tiago de AlmeidaII

IPsicóloga clínica e educacional na Prefeitura Municipal de Anápolis. Graduada pela Universidade Federal do Paraná, com especialização em Gestalt-terapia (ITGT/PUC-GO), Psicopedagogia pela Universidade Federal de Goiás e Psicologia Educacional pela Unievangélica / (Orcid: 0000-0002-1681-4653) / Email: celina.fon@gmail.com
IIGraduação em Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás e graduação em Administração pela UDF - Centro Universitário. É Mestranda em Psicologia pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU), Especialista em Gestalt-Terapia pelo Instituto de Treinamento e Pesquisa em Gestalt-terapia de Goiânia - ITGT. Docente, supervisora de estágio e orientadora de Trabalho de Conclusão do Curso de Psicologia do Centro Universitário Alves Faria (UNIALFA). Docente, supervisora e orientadora de estágio no Instituto de Treinamento e Pesquisa em Gestalt-terapia de Goiânia - ITGT / (Orcid: 0000-0002-9148-9563) / Email: jmtal@hotmail.com

 

 


RESUMO

Mudanças nas relações familiares e no panorama socioeconômico mundial levaram a uma revisão das funções do homem e da mulher no exercício da educação dos filhos. Visando conhecer os reflexos dessas mudanças, esta pesquisa teve como objetivo principal compreender, sob a ótica da abordagem Gestáltica, o significado de ser pai para o homem na atualidade. Participaram do trabalho seis pais de 30 a 40 anos, com filhos de idade entre 2 e 11 anos. Coletaram-se os dados por meio de entrevista semiestruturada e para sua análise utilizou-se do método fenomenológico de Giorgi. Foram encontradas quatro categorias principais: responsabilidade, proximidade e convivência, expressão da afetividade e ser um pai melhor. Notou-se que o pai da atualidade está em processo de transformação, em movimento de maior aproximação dos filhos, buscando uma relação mais afetiva e significativa.

Palavras chave: Paternidade; Fenomenologia; Abordagem Dialógica; Família; Gestalt-terapia.


ABSTRACT

Changes in family relations and in the world socioeconomic panorama have led to a review of the roles of men and women in the exercise of their children's education. Aiming to know the reflexes of these changes, this research had as main objective to understand, from the point of view of the gestaltic approach, the meaning of being a father for man today. Six fathers between 30 and 40 years old, with children between the ages of 2 and 11, participated in the study. The data were collected through a semi-structured interview and for its analysis was used the Giorgi phenomenological method. Four main categories were found: responsibility, closeness and coexistence, expressing affection and being a better father. It was noted that the father of the present is in the process of transformation, in a movement of closer approach of the children, seeking a more affective and meaningful relationship.

Keywords: Paternity; Phenomenology; Dialogic Approach; Family; Gestalt therapy.


RESUMEN

Cambios en las relaciones familiares y en el panorama socioeconómico mundial llevaron a una revisión de las funciones del hombre y de la mujer en el ejercicio de la educación de los hijos. Con el fin de conocer los reflejos de estos cambios, esta investigación tuvo como objetivo principal comprender, bajo la óptica del abordaje Gestáltico, el significado de ser padre para el hombre en la actualidad. Participaron del trabajo seis padres de 30 a 40 años, con hijos de edad entre 2 y 11 años. Se recogen los datos por medio de una entrevista semiestructurada y para su análisis se utilizó el método fenomenológico de Giorgi. Fueron encontradas cuatro categorías principales: responsabilidad, proximidad y convivencia, expresión de la afectividad y ser un mejor padre. Se encontró que el padre de la actualidad está en proceso de transformación, en movimiento de mayor aproximación de los hijos, buscando una relación más afectiva y significativa.

Palabras clave: Paternidad; La fenomenología; Enfoque Dialógico; La familia; La terapia Gestalt


 

 

Introdução

Historicamente, os estudos da psicologia tiveram como foco principal a relação mãe-filho e; como aponta Coelho (2005), essa ênfase no papel da mãe ocorreu nas sociedades ocidentais. A díade primitiva tem sido objeto de incontáveis estudos e proposições teóricas que a relacionam a diversos aspectos do desenvolvimento psicoafetivo do indivíduo.

Concomitantemente, por muito tempo, a figura paterna tem sido vista como um elemento apenas coadjuvante na constituição das noções de afeto e vinculação, principalmente nos primeiros anos de vida. Isso nos leva a concordar com Parseval (1986) quando ela afirma que houve o que podemos chamar de uma "negação da paternidade na cultura ocidental contemporânea" (p.32). Tal fato refletiu uma noção social de que a tarefa de educação e suporte afetivo dos filhos cabia apenas à mãe.

Isso talvez se deva ao fato de que corresponde à mãe a responsabilidade biológica de gerar e nutrir o filho. Nesse sentido, estudos etnológicos apresentados por Parseval (1986) mostraram que o conhecimento baseado na realidade biológica pode ser utilizado por uma cultura justificando ou dando suporte a objetivos ideológicos.

De fato, os papéis sociais desempenhados pelo homem e pela mulher no exercício da parentalidade, isto é, na geração e educação dos filhos, segundo Parseval (1986) se organizaram "naturalmente" por meio de atividades ligadas aos fenômenos biológicos (concepção, transformações corporais na gravidez, parto, amamentação, etc.) que são vividos como processos naturais. Assim é que a nossa sociedade se utilizou dos conhecimentos biológicos para legitimar a parentalidade como um assunto particularmente materno e feminino, excluindo o pai do processo. Desta forma, enquanto a mãe é a responsável pela geração e nutrição do bebê e, consequentemente, pelo seu desenvolvimento saudável, o pai passa a ser reconhecido pelo valor do trabalho e conquista sua autoridade pelo lugar de provedor.

Trindade e Bruns (1999) ressaltam que a divisão acentuada entre o mundo público de responsabilidade masculina e o mundo privado, aos cuidados da mulher, iniciou no século XVI, com a ascensão social e política da classe burguesa. Examinando as atribuições e funções do pai, na evolução histórica do homem, Nolasco (1993) esclarece que, diferente do papel eminentemente afetivo da mãe, elas se misturam com as do chefe, do patrão, isto é, com certo tipo de autoridade que existe para controlar e fazer prevalecer certa opinião ou regra. Esse modelo tradicional e hierárquico de pai apoiado em imagens rígidas, distantes e mais preocupado com disciplina, norma e punição do que com formas de expressão afetiva que atendessem às necessidades suscitadas na relação pai e filho é o modelo prevalecente que embasou a noção de família nas sociedades ocidentais.

Segundo Coelho (2005), contudo, mudanças nas relações familiares e no panorama socioeconômico mundial levaram a uma revisão dos lugares do homem e da mulher no exercício da parentalidade. Novas práticas e negociações estão sendo incorporadas no dia a dia das famílias e novos significados estão sendo construídos sobre os papéis parentais. Dessa forma, ser mãe ou pai passam a ser aspectos da identidade pessoal e psicossocial que vão sendo constituídos na criação dos filhos e nas interações sociais.

Nesse sentido, Nolasco (1993) afirma que esse modelo de pai tradicional e hierárquico foi sendo desconstruído, e que nos últimos anos, as demandas solicitadas aos homens mudaram e os comportamentos esperados divergem qualitativamente dos anteriores. Entre outras coisas, a inserção da mulher no mercado de trabalho e a ampliação de suas ações para além do ambiente doméstico, exigiram do seu parceiro um reposicionamento e a assunção de novas posturas em relação ao casamento e à criação dos filhos.

Pensando sobre tais mudanças ocorridas no modelo tradicional de paternidade, as análises de Nolasco (1993) sugerem, todavia, um campo ainda confuso e indefinido, que carece de investigações. Segundo esse autor, estudos realizados mostram que é possível para o homem envolver-se e vincular-se ao filho a partir de sucessivas experiências cotidianas de intimidade e encontro. Contudo, para iniciar o exercício do contato e da expressão de suas necessidades afetivas, o novo pai provavelmente não poderá se apoiar na relação que teve com seu pai, mas sim deverá estar aberto para uma aprendizagem, construída a partir do relacionamento no dia a dia, do reconhecimento e do envolvimento com as mais diferentes formas de manifestação da subjetividade do filho.

Gadotti (1986), reafirmando essa possibilidade de vinculação afetiva por meio das experiências do cotidiano, em seu livro intitulado 'Dialética do amor paterno: do amor pelos filhos ao amor por todas as crianças', reflete sobre sua relação com seus filhos dizendo que "o pai só é pai quando cria seu filho na sua presença, de olhar para olhar, no contato epidérmico, na unidade, na oposição dos corpos, no tempo e no espaço da vida" (p. 24).

Por sua vez, Zinker (2001) entende a interação pai e filho como uma relação de intimidade, isto é, de maior proximidade, na qual os membros da família se voltam uns para os outros para conseguir aquilo que necessitam. E, fazendo uma analogia entre os fenômenos mentais e afetivos e a digestão, o autor acrescenta que é nesse contexto de proximidade afetiva, que o filho pode receber a nutrição emocional que vai sedimentar suas relações futuras.

Pesquisas sobre o tema 'Paternidade' têm trazido indicativos de mudanças no sentido de um pai renovado, principalmente no que se refere às mudanças de crenças, expectativas e representações (Balancho, 2004; Silva & Piccinini, 2007). Todavia, Vieira et al. (2014) acrescentam, com base na revisão de estudos empíricos realizados no Brasil a partir de 2000, que essas transformações nos papéis masculinos estão ocorrendo gradativamente e que o modelo tradicional de pai convive com o novo modelo na sociedade atual. Os estudos também trazem contribuições ao apontar que fatores como idade, escolaridade, trabalho, classe socioeconômica, relacionamento familiar, podem exercer influência sobre a concepção de paternidade (Amaro, 2008; Vieira et al., 2014).

As pesquisadoras, por sua vez, têm atendido e acompanhado pais, ao longo de mais de vinte anos de prática, tanto em contexto psicoterapêutico, quanto por meio de orientações reflexivas e informativas a respeito do relacionamento envolvendo pais e filhos. Nesse convívio e troca de experiências, de fato, percebeu-se nos últimos anos um aumento no interesse e participação por parte do pai na vida e educação dos seus filhos. Considerando os indicativos de mudanças na postura do homem no exercício da paternidade, porém ainda com caráter confuso e indefinido, como apontado por Nolasco (1993), surge o interesse em investigar e aprofundar os estudos sobre tais mudanças.

A perspectiva escolhida para referenciar esta investigação foi a abordagem gestáltica, teoria e metodologia psicoterápica formulada por Fritz Perls na década de 1940. A Gestalt se fundamenta na perspectiva dialógica buberiana a fim de propor uma atenção especial à constituição e manutenção dos relacionamentos que nos cercam. Nesse sentido, Hycner (1995, p. 16) nos ensina que: "A Gestalt-terapia tem um amplo foco experiencial e processual e, mais do que qualquer outra terapia, dá suporte a seus praticantes a se voltarem em direção a uma abordagem dialógica".

Falar do dialógico diz respeito a uma atitude de interesse e preocupação genuínos com o outro indivíduo e com as relações que são construídas "entre" as pessoas (Hycner, 1995). Esse princípio teórico e metodológico formulado por Martin Buber (1878-1965) se assenta na crença de que somente quando vamos ao encontro do semelhante, buscando estabelecer com ele uma relação pautada na transparência, na qual podemos ser verdadeiramente aquilo que somos, podemos ser reconhecidos como verdadeiramente humanos (Parreira, 2016).

Logo, o contexto relacional em que vivemos e somos constituídos fundamenta nosso modo de "estarmos-no-mundo-com". A criança, ao nascer, é recebida num sistema preexistente composto de uma complexa teia de relacionamentos e afetos que ela irá alterar, contribuir e herdar. Zinker (2001, p. 75) ressalta esse caráter dialógico e formativo da família quando afirma que "além de meramente ficar juntos, um casal ou uma família estão comprometidos com tarefas conjuntas." Desse modo, a forma como a família organiza suas funções vai definir uma gestalt, um sistema vivo e dinâmico de trocas afetivas. Pais, mães e filhos atuam juntos construindo vínculos e ensinando posturas, hábitos e valores. Mais uma vez, Zinker concorda com essa ideia afirmando que "todos os membros (da família) agem conjuntamente para organizar ou desorganizar suas vidas de modo que contribua para sua felicidade e seu bem-estar ou para sua insatisfação e sofrimento." (2001, p. 81).

Buber (2009) enxerga a tarefa de educar, seja da família ou da escola, como um despertar da humanidade e das potencialidades da criança e não uma atitude de simples transmissão de valores e hábitos. O dialógico, neste sentido, representa uma abertura, uma atitude genuína de sentir, sensibilizar-se e experienciar o outro como pessoa e não objeto (Hycner & Jacobs, 1997).

Hycner e Jacobs (1997) acrescentam que todo ser humano deseja estabelecer diálogo genuíno, pois por meio dele pode ser reconhecido na sua singularidade, plenitude e vulnerabilidade. Precisamos ser genuinamente valorizados por nós mesmos e pelos outros, pois sem isso não somos verdadeiramente pessoas e nem estamos inteiros.

Então, olhar a dimensão do dialógico significa afirmar a humanidade do homem preservando suas características mais próprias. Nesse sentido, Hycner e Jacobs (1997) reafirmam que a humanidade de uma pessoa só se manifesta na relação dialógica com o outro, tal como abordado por Buber (2009) quando diz que "ao penetrar na relação essencial é que o homem revela-se como homem" (p. 159) ou que "o homem se torna Eu na relação com o Tu" (Buber, 1974, p. 32).

Assim, a atitude dialógica para Buber (Hycner & Jacobs, 1997) é necessária para aquele que deseja se tornar um verdadeiro educador, e isto pode ser estendido para a função de pai, em que muito mais do que comportamentos sociais e regras ensina-se a convivência e o envolvimento. Zinker (2001) nos lembra de que os modelos de interação são aprendidos no início da vida. Para ele, a família transmite hábitos e valores e é por seu intermédio que os indivíduos são inseridos nos grupos sociais.

Dessa forma, os pais representam um modelo básico de relacionamento para a criança. As atitudes que são construídas no setting doméstico representam parâmetros que acompanharão a criança ao longo de sua existência delimitando seus relacionamentos. É por isso que Buber insiste na qualidade do inter-humano. Ele acredita que à medida que embasássemos nossas relações nas atitudes de presença, inclusão e confirmação estaríamos constituindo relações de qualidade (Buber, 1974). E o que seriam essas atitudes propostas por Buber?

Hycner (1995) comenta que a presença não pode ser confundida com o simples estar junto fisicamente, embora este seja indispensável para o sentido da presença. É estar inteiramente disponível para o outro num dado momento, sem considerações ou reservas. É necessário temporariamente colocar de lado nossos conceitos e preconceitos, pois assim ficamos mais abertos ao novo e à alteridade. Ou seja, "é um movimento de minha pessoa inteira voltando-me para o outro a fim de melhor me aproximar dele". (Hycner & Jacobs, 1997, p. 39).

A presença, como afirmam Hycner e Jacobs (1997), significa trazer para o relacionamento tudo o que somos e isso pode ser manifestado pelo contato visual, pelo toque físico e pelo movimento, enfim por meio de todas as emoções e comportamentos disponíveis. Zinker (2001) reafirma que quando os filhos se sentem mais próximos, cuidados e amados por seus pais eles também se sentem mais seguros e enraizados na família, portanto com mais coragem de ir para o mundo.

Outro elemento importante da relação dialógica é a inclusão. Para Hycner e Jacobs (1997), praticar a inclusão significa imaginar a realidade do outro em nós mesmos, mantendo, porém a nossa identidade. É "experienciar a experiência da outra pessoa tanto quanto a sua própria" (Hycner, 1995, p. 59).

Hycner e Jacobs (1997) complementam que essa é uma experiência realizada em momentos específicos, pois as pessoas não conseguem mantê-la por muito tempo. Existe uma prontidão subjacente que permeia os relacionamentos e os tornam celeiros para o verdadeiro encontro, sendo necessário um forte sentimento de identidade e flexibilidade existencial e psicológica para experienciar a perspectiva do outro.

A confirmação, por sua vez, é o elemento que está no centro da abordagem dialógica. Confirmar, segundo Hycner (1995), significa voltar-se para outra pessoa e afirmar sua existência única e separada, validando sua singularidade. A confirmação, de acordo com o autor, contém a aceitação, porém vai além dela, pois o processo de aceitação envolve aceitar a outra pessoa como ela é, num determinado momento e na realidade que lhe é própria. A confirmação, no entanto, é reconhecer e afirmar a existência da pessoa mesmo que às vezes o seu comportamento não seja totalmente aceitável.

De acordo com Hycner e Jacobs (1997), temos necessidade e prontidão para que a confirmação ocorra durante toda a nossa vida, porém, afirmam que são nos primeiros anos que a família deixa as marcas mais expressivas na nossa existência. A criança quando recebe a confirmação necessária desenvolve a confiança básica e essa passa a ser a matriz das futuras confirmações que receberá ao longo da sua vida. No entanto, os autores colocam que muitas pessoas não recebem tal confirmação inicial e acabam não desenvolvendo essa confiança básica. Aguiar (2005) complementa que as confirmações iniciais, promovidas pela família, irão ajudar a criança a construir um forte senso de eu, com autoestima elevada e crença em sua capacidade de lidar com suas necessidades.

Portanto, o pai, visto sob a ótica buberiana como verdadeiro educador, poderá contribuir significativamente no desenvolvimento das potencialidades e de uma existência mais saudável por meio de uma atitude dialógica genuína, que pressupõe reconhecer o filho como ser único e singular, compreendendo-o e afirmando-o na sua totalidade.

 

Objetivos Geral e Específicos

Partindo da ideia e do desejo de ampliação e aprofundamento dos estudos relacionados ao significado da paternidade e, considerando também as mudanças observadas no comportamento de alguns pais ao longo dos últimos anos, desenvolveu-se essa pesquisa com objetivo geral de compreender o significado de ser pai na atualidade.

Assim, definiu-se como objetivos específicos:

1) Verificar quais as atividades relacionadas ao cuidado com os filhos estão sob a responsabilidade dos pais e como eles as realizam;

2) Identificar qual o nível de compromisso que eles revelam nessas tarefas e o que os motivou a assumi-las;

3) Averiguar quais as formas de expressão de afeto e carinho são descritas pelos pais na relação com os filhos;

4) Investigar em que medida os pais na atualidade consideram que sua relação é diferente daquela que tiveram com seus pais.

 

Metodologia

Participantes

O presente estudo teve como sujeitos 06 homens, sendo identificados como Sebastião, Agenor, José, Alcides, Wilson e Lino, que residem na cidade de Anápolis (GO) na faixa etária entre 30 a 40 anos, com grau de escolaridade variado, que tinham pelo menos um filho de 2 a 11 anos, com o qual mantinham convivência diária e que aceitassem voluntariamente participar da pesquisa. O critério de exclusão atingiu homens que não se adequaram às características exigidas para esse trabalho. A opção por esta faixa etária, entre 30 e 40 anos justificou-se por ser uma geração que vive com muita intensidade as mudanças ocorridas nas relações familiares e no panorama socioeconômico. Os participantes receberam nomes fictícios, para que suas identidades fossem preservadas. A Tabela 1 apresenta as características dos participantes deste trabalho.

Procedimento

Primeiramente o projeto de pesquisa foi submetido à apreciação e aprovação da Plataforma Brasil que é uma base nacional e unificada de registros de pesquisas envolvendo seres humanos para todo o sistema CEP/CONEP, recebendo o parecer de nº 570.934/2014. O convite para participação da pesquisa foi divulgado verbalmente e por meio de cartaz no ambiente de trabalho das pesquisadoras, após ter sido autorizado por escrito pelo responsável do local. Este convite esclareceu sobre o objetivo da pesquisa e dados das pesquisadoras para que os interessados entrassem em contato. O primeiro contato ocorreu por telefone, e posteriormente, foi agendada uma entrevista em dia e horário combinado.

Os interessados em participar da pesquisa foram esclarecidos sobre o objetivo do trabalho, sua relevância, confidencialidade, privacidade e proteção de sua imagem e identidade. Os participantes foram informados de que poderiam interromper sua participação na pesquisa a qualquer momento sem nenhum ônus e/ou bônus, bem como de que não era esperado nenhum tipo de prejuízo para o colaborador. Depois de prestados todos os esclarecimentos sobre o trabalho e o participante ter aceito participar da pesquisa, foi assinado em duas vias o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. A pesquisa foi realizada por meio de uma entrevista semiestruturada que foi gravada em áudio e que iniciou com a pergunta disparadora: "o que significa ser pai para você?". No transcorrer da entrevista, à medida que surgiram oportunidades, foram inseridas algumas perguntas visando investigar os objetivos específicos. As perguntas foram:

1) Quais as atividades relacionadas aos cuidados com os filhos que estão sob sua responsabilidade? De que forma você as realiza?

2) Na sua opinião, qual a importância da realização dessas atividades?

3) Você demonstra sentimentos de afeto, carinho para seu filho? Em caso afirmativo, de qual maneira que você faz isso?

4) Você percebe diferenças entre a relação que você teve com seu pai e a relação atual que você tem com seu (sua) filho (a). Em caso afirmativo, em que consistem essas diferenças?

A coleta dos dados foi realizada mediante a transcrição das entrevistas gravadas em áudio reafirmando a segurança do participante de acordo com o previsto na resolução CNS Nº466/12 (CNS, 2012).

Procedimentos da análise compreensiva dos dados

Para chegar à compreensão do significado de ser pai foi realizada uma análise compreensiva do discurso de acordo com o método fenomenológico. Segundo Forghieri (1993), as situações vivenciadas por uma pessoa não possuem significado em si mesmas, mas adquirem sentido para quem as experiencia com base na sua própria maneira de existir. Dessa forma, a autora apresenta o método fenomenológico como recurso apropriado para pesquisar a vivência.

Moreira (2002) coloca que embora seja utilizada a expressão "método fenomenológico" no singular, ele possui muitas variantes de acordo com cada autor. Neste trabalho, foi utilizado o método fenomenológico de Giorgi (Giorgi, 1985; Giorgi & Sousa, 2010) que é muito aplicado no contexto das ciências humanas.

De acordo com o método fenomenológico de Giorgi (Giorgi, 1985; Giorgi & Sousa, 2010), podemos identificar quatro passos essenciais nesta pesquisa:

- primeiro passo: fazer uma leitura geral da descrição, para ter um sentido geral do todo;

- segundo passo: após captar o sentido do todo, fazer uma releitura com o objetivo de identificar as "unidades significativas", em uma perspectiva psicológica, mantendo o foco no fenômeno a ser estudado;

- terceiro passo: feita a identificação das "unidades significativas", o pesquisador destas unidades procura expressar o que elas contêm de uma forma mais direta. Nesta etapa, ocorre a transformação da linguagem cotidiana do sujeito para uma linguagem psicológica com ênfase no fenômeno estudado;

- quarto passo: e para finalizar, as unidades significativas são sintetizadas e transformadas em uma declaração consistente da estrutura do fenômeno estudado.

 

Resultados e Discussão

A análise compreensiva dos dados com base no método fenomenológico de Giorgi (1985) propiciou a identificação de um grande número de unidades de significado que foram sintetizadas em categorias em virtude das similaridades encontradas nos depoimentos dos colaboradores. Foram encontradas quatro categorias, quais sejam: responsabilidade, proximidade e convivência, expressão da afetividade e ser um pai melhor. A seguir será apresentada uma análise dessas categorias utilizando-se da teoria da abordagem gestáltica e exemplificando-se por meio de fragmentos das falas dos colaboradores.

Responsabilidade

Os entrevistados, ao relatarem o significado de ser pai, identificaram como característica inerente à paternidade a responsabilidade de conduzir o filho ao longo da vida. Zinker (2001) se refere aos adultos, aos pais, como cérebros ou administradores da família. É esperado que eles tomem decisões sensatas sobre a vida familiar e que além de ficarem juntos, uma família deve estar comprometida com tarefas conjuntas, pois formam um lar, criam filhos e proporcionam interação com sistemas mais amplos. Os pais que participaram da pesquisa relacionaram o significado da paternidade principalmente a essa responsabilidade de administradores da família, no sentido de propiciar o desenvolvimento dos filhos.

De acordo com os dados da pesquisa, a responsabilidade se desmembra em algumas funções que os pais associam ao significado da paternidade e que foram apresentadas na figura 1, seguindo uma ordem da maior para a menor incidência, quais sejam: cuidar, presença, proteção, manutenção financeira, correção comportamental (limites), transmissão de valores e orientação dialogada.

Em relação à função de cuidar, com maior incidência nos relatos dos pais, as unidades de significado que descrevem as tarefas desempenhadas dentro do sistema familiar foram as seguintes: cuidados com a higiene, alimentação, proteção, segurança e manutenção financeira; ensinar normas de convivência e valores; proporcionar acompanhamento escolar, atividades de lazer e brincadeiras.

Outra função apontada como relevante pela maioria dos pais entrevistados foi a correção do comportamento e a proteção material e moral. Esse dado reafirma uma característica da função paterna descrita por Nolasco (1993), como aquela que por muito tempo prevaleceu representando um tipo de autoridade que controlava, estabelecia regras e protegia material e moralmente. Nesse sentido, de maneira geral, os pais entrevistados sentem-se responsáveis pela segurança e proteção dos filhos. Eles apontaram como maiores preocupações: os perigos oferecidos pelos meios de comunicação, as más companhias e aqueles que afetam a integridade física.

Quanto à forma de lidar com essas preocupações, as respostas trazidas pelos sujeitos apontam para a linha de pensamento proposta por Zinker (2001) e alguns pais procuram restringir e controlar as situações de risco como o caso de Alcides que tem filhos menores: "quero que eles fiquem sempre debaixo dos meus olhos. Novela mesmo eu proíbo ele de assistir... na minha casa não tem computador". Outros pais procuram por meio da fiscalização, da orientação e do diálogo ajudar os filhos a ter maior consciência dos perigos, como faz Agenor que tem filhos pré-adolescentes:

O pai também tem essa obrigação de estar fiscalizando para saber se a criança está entrando em alguma coisa que não deve. Não é corrigir e simplesmente proibir fazer. As crianças aprendem dessa forma, porque às vezes a pessoa quer só proibir, mas não explica o porquê. Tem que colocar na cabeça dela assim, "você vai estar correndo um certo risco, um perigo. Então agora você já está sabendo. Qualquer coisa queacontecer, fica atenta". Já está consciente do perigo e já tem uma noção maior a respeito disso daí.

A dose de proteção usada pelos pais com os filhos é apontada por Zinker (2001) como um indicador de saúde na família. Nesse sentido, a "quantidade" de proteção necessita adequar-se à idade dos filhos. Ela precisa ser total quando as crianças são pequenas, mas à medida que os filhos crescem ela deve diminuir. Logo, devido às desigualdades entre os subsistemas na família, considerando os níveis de desenvolvimento, Zinker (2001) diz que os pais têm mais poder/autoridade e os devem utilizar de modo apropriado de acordo com a idade dos filhos, isto é, mais poder com crianças menores e menos poder com filhos mais velhos.

Ensinar normas de boa convivência também é uma responsabilidade assumida por pai e mãe e sofre a influência do casal, conforme descrito pelos colaboradores. Contudo, na colocação de limites, em casais com divisões de papeis mais rígidos, ainda essa função tende a ser mais executada pelo pai, pois esse ainda mantém seu papel de autoridade que existe para controlar e fazer prevalecer certa opinião ou regra (Nolasco, 1993), como afirma Alcides:

A gente coloca limite, porque se você solta muito, não da conta de controlar. A gente tenta um controle pra saber o que está acontecendo, pra crescer com sentimento que tem que dar satisfação. Eu e minha esposa educamos nesta linha. Quando faz alguma coisa com a mãe, eu corrijo, não deixo as coisas repetirem, você sabe que o filho tem liberdade maior de responder a mãe. Com o pai, fica mais receoso.

Sebastião também relata explicando que a mãe solicita sua intervenção para controlar os filhos: "qualquer coisa que acontece, menino deu trabalho, ela me manda chamar no (oficina) meu trabalho".

No mesmo grau de incidência da proteção e da correção, os entrevistados acrescentaram também o cuidado, a presença e a orientação dialogada como funções paternas, o que de certa forma, confirmou a literatura pesquisada (Nolasco, 1993), no sentido de uma nova e ampliada postura do homem no exercício da paternidade. Entretanto, Vieira et al.(2014) ressaltam que pesquisas apontam que a concepção de paternidade ainda está fortemente vinculada à função de provedor material e moral da família, mesmo que se perceba uma transição entre o modelo tradicional e outro mais atual, que abarca os aspectos afetivos e de cuidado.

Outro aspecto que sobressaiu nos depoimentos dos pais foi a correlação existente entre as divisões de tarefas entre homem e mulher no casamento e suas responsabilidades enquanto pais. Assim sendo, verificou-se que quando o casal mantém uma rígida divisão na qual o homem é o provedor e a mulher assume as tarefas domésticas, existe menos participação do pai nas atividades relacionadas aos filhos. Já aqueles casais que são mais flexíveis no desempenho dos papeis no casamento, também observa-se que compartilham mais as responsabilidades com os filhos.

Como exemplo, temos a fala de Alcides, que assim se pronuncia: "Ela (esposa) deixou o trabalho para cuidar dele (filho), dedicar a eles. Ela está em casa todos os dias". E complementa em outro momento, quando perguntado sobre as diferenças entre as funções da mãe e do pai:

Tem coisas que só ela faz. Por exemplo, o G está na escola no 3º ano. Quem ensina as atividades, ajuda nas tarefas é a mãe, porque ela gosta, tem prazer. Eu já não tenho muita paciência para ficar ali sentado ensinando. Então é função dela: ir na loja comprar uma roupa, é função dela. Ela tem bom gosto nesse sentido para eles, eu não tenho tão bom gosto igual ela pra escolher roupas. Na comida é ela que auxilia. Minha função é ajudar a educar pra fazer as coisas corretamente, não deixar coisas jogadas, brinquedo, roupa.

De acordo com Zinker (2001), a família transmite visões, hábitos e valores, por intermédio da educação dos filhos. Na experiência de Alcides, o pai se responsabiliza pelos aspectos relacionados às regras de boa conduta, aos limites educacionais e à manutenção financeira da família, já que a mãe abriu mão de trabalhar para estar em casa com os filhos.

Somado a esse posicionamento, verificou-se que os pais que possuem um menor grau de instrução (fundamental e médio) deixam transparecer que ainda acreditam ser uma responsabilidade exclusiva da mãe os cuidados com as crianças, como explica Agenor:

Sempre a minha esposa que cuidou da casa e eu mais na parte de prover as coisas mesmo. Porque atividade doméstica eu não faço. Às vezes, faço alguma coisa, mas não cuidar de criança, dar banho em criança... Isso daí fica mais na responsabilidade dela. Eu levanto de noite para ver se ele está dormindo, se ele está coberto...

Nas situações que os pais possuem nível de instrução superior, verificou-se um discurso diverso, em que o pai assume ser colaborador nas atividades de cuidado e relata desempenhá-las com tranquilidade na ausência da mãe, como mostra Wilson:

Eu vejo que é de extrema importância a participação do pai e da mãe na educação do filho em casa, na escola, na igreja, no ambiente de convívio... Compromisso do pai em ajudar a mãe a orientar o filho ao que é certo e ao que é errado. Ajudar nos afazeres, no acompanhamento na escola... Acho muito importante o acompanhamento como umtodo da criança. Três vezes na semana que eu fico com ela nesse período em que a G (esposa) está na academia. Deixo bem claro pra ela pra que ela (esposa) fique tranquila em relação à M.

No que concerne ao acompanhamento escolar, mantendo a mesma análise anterior, os pais de menor grau de instrução consideram o acompanhamento das tarefas e contato com a escola, como uma responsabilidade materna. O pai geralmente assume levar e buscar os filhos na escola, como cita Agenor: "eu trago e levo todo dia pra escola" e também Alcides: "Eu gosto de levar na escola, gosto de buscar".

Agenor também assume a responsabilidade de incentivar os estudos e o controle das faltas. Quando perguntado sobre isso, responde:

A escola é uma das coisas mais importantes que tem. Incentivo e eles sentem isso na prática. Muitas vezes, é necessário ter até um pouco de pulso. Às vezes a criança fala, "ah, hoje eu não vou para a escola", (e o pai responde) "hoje você vai sim! "

Já Wilson, com nível de instrução superior, afirma dividir todas as responsabilidades do acompanhamento escolar com a mãe e a importância de fazê-lo:

...dos dias letivos, eu garanto que noventa por cento eu levei junto. Projetos, festas de pais, eu e ela (mãe) vamos juntos, e reuniões de mães, também. A parte pedagógica também, quando ela tem a tarefinha, nós dois sentamos com ela e acompanhamos. Então, eu acho isso muito importante estar acompanhando o desenvolvimento do filho. É de responsabilidade do pai e da mãe.

A maioria dos pais considera que são compartilhadas as atividades de lazer e brincadeiras. Dizem gostar das brincadeiras com os filhos e ressaltam que esse é um momento especial da relação, como reflete Lino: "(...) na hora de brincar na areia ele mandou a mãe e a minha sogra ir passear e só eu brincar com ele na areia. (...) Brinquei. Jogava terra, aquela coisa toda. Eu acho que eu viro menino com ele".

Proximidade e convivência

Ao considerar os motivos que aumentaram a participação dos pais na educação dos filhos, todos os entrevistados, usando vocábulos diferentes e próprios da sua experiência, expressaram a necessidade e a importância dessa maior convivência e participação. Exemplificando, Wilson afirma a necessidade de acompanhar todo processo: "eu acho isso muito importante estar acompanhando o desenvolvimento do filho. É de responsabilidade do pai e da mãe. Essas coisas são essenciais".

No mesmo sentido, José reafirma a importância da participação: "Pai tem que criar, educar, transmitir amor, carinho e procurando estar sempre presente" e Alcides fala do desejo: "sonhei ser pai dessa forma, ...mas ser pai de verdade, você curtir seus filhos... ser pai para mim é algo que não abro mão".

Na abordagem dialógica, Buber (2009) fala de uma comunidade em evolução na qual os indivíduos ao invés de estar um ao lado do outro, poderão estar-um-com-o-outro. Tomando como base a perspectiva de Buber, nota-se que os pais entrevistados demonstram certa necessidade de estar mais com os filhos, e não só ao lado deles.

Quando indagados sobre os motivos que os levaram a buscar essa maior aproximação, foram abordados vários fatores, que, na opinião dos pais, justificariam a necessidade desse maior contato. Alguns pais percebem que os filhos sentem necessidade de presença e atenção por parte deles, o que é ressaltado por Buber (2009) quando coloca que para a relação dialógica ser construída o elemento presença é fundamental. Assim, observa-se que os pais pesquisados começam a perceber a necessidade de estarem disponíveis para o filho em alguns momentos, sem consideração ou reserva. Agenor assim relata essa necessidade da presença:

Quando eu chego de tarde, eles parecem que sentem a necessidade de me contar alguma coisa, de falar, de participar, de explicar alguma coisa que aconteceu mesmo que não seja muito importante. Mas, eu acho que pra mim é muito importante eu parar e falar, "pode falar o que você quiser" e mostrar para eles que eu estou dando atenção, sorrir com eles...

Enquanto relatava as implicações da sua presença e escuta junto ao filho, percebeu-se em sua fala traços da confirmação, outro elemento importante da relação dialógica. Agenor disse: "Às vezes, isso é até uma forma de eu mostrar o quanto ele é importante pra mim"

Outro aspecto ressaltado pelos pais entrevistados foi que a convivência entre eles gera confiança e segurança, como afirmou José: "O contato dos pais com os filhos é importante para que os filhos adquiram confiança nos pais e os pais também possam sentir confiança nos filhos..." e também Lino: "Eu vejo que ele vai sentir uma segurança no pai"... (resposta ao ser indagado sobre a importância de estar junto com o filho). Nesse sentido, depreende-se que se esse contato for de qualidade, envolvendo os elementos essenciais da relação dialógica, conforme referendo por Hycner e Jacobs (1997), quando discorrem sobre a importância da confirmação e desenvolvimento da confiança básica, teremos a constituição de uma afetividade saudável e equilibrada.

A aproximação paterna com afetividade é apontada por alguns pais como fator que pode ensinar os filhos a tornarem-se mais afetuosos. Agenor assim coloca: "Eu levanto de noite para ver se ele está dormindo, se ele está coberto... Às vezes eles até acordam aí eles sentem que estão assim, acarinhados... Eles reconhecem isso... Isso faz a criança ficar mais dócil". Nesse sentido, o pai exercendo sua função de verdadeiro educador, como apresentado por Buber (1974), pode, mais do que comportamentos sociais e regras, ensinar a convivência e o envolvimento. Zinker (2001) confirma essa argumentação dos pais ao colocar que os modelos de interação são aprendidos no inicio da vida.

Contribuições para um melhor desenvolvimento emocional dos filhos são citadas por alguns pais como consequência de uma relação pai e filho mais próxima. Lino assim se expressa: "Eu quero estar sempre presente na vida do K e acho que isso é fundamental para o desenvolvimento dele".

E nesse mesmo sentido Wilson diz:

Se o pai e a mãe não tiver essa presença com o filho, eu acho que ele vai expressar negativamente. Acompanhando ela, a gente vê o reflexo que tem. ... eu vejo que o que eu e a G (esposa) fazemos em relação à M (filha), pensando no futuro dela...

Percebe-se no depoimento dos entrevistados que além do envolvimento afetivo contribuir para vários aspectos no desenvolvimento dos filhos, ele também vem atender a uma necessidade e desejo de maior contato por parte de alguns pais. Alcides assume essa necessidade dizendo: "Eu acho bom porque a gente tem esse contato, essa proximidade, é importante e eu gosto".

Expressão da afetividade

A relação entre pai e filho é íntima e, segundo Zinker (2001), é nessa intimidade que recebemos nossa nutrição emocional, podendo assim conhecer verdadeiramente o outro e ser conhecido por ele. Todos os pais entrevistados afirmam que demonstram afeto e carinho para com seus filhos. Ao serem solicitados a descrever de que maneira expressavam esses sentimentos, eles apontaram com mais frequência o contato por meio do abraço, do beijo, da presença, da proximidade, do brincar, do divertir-se e do diálogo.

Observa-se um fato interessante que, embora os pais tenham ampliado a relação de intimidade com seus filhos e já sintam maior liberdade de falar desse envolvimento afetivo, a expressão afetiva envolvendo o contato físico, como o beijo e o abraço, ainda se efetiva com algum constrangimento. Nesse sentido, Lino não cita o aspecto físico como expressão de afeto e Agenor relata demonstrar o afeto pelo contato físico apenas com a filha e não com o filho como podemos constatar quando foi indagado sobre a forma de demonstrar afeto:

Quando eles chegam da escola, a minha menina me abraça e é muito carinhosa. O meu menino... quando eu chego na escola a primeira coisa que eu faço é pegar a mochila dele e eu levo a mochila para não ficar pesado pra ele.

Dessa forma, percebe-se uma maior expressão da afetividade no espaço da convivência entre os pais e seus filhos. Porém, há ainda algumas dificuldades em veicular esse afeto em comportamentos de carinho, principalmente se envolvem o toque com o filho do sexo masculino.

Ser um pai melhor

Ao considerar os relatos de experiência a respeito do relacionamento dos entrevistados com seus pais, todos falaram da pouca convivência, da correção severa e da pouca expressão de afeto. Quanto aos sentimentos com relação aos seus pais, metade dos entrevistados trouxeram sentimentos negativos ligados a essa relação. José traz o sentimento de ausência paterna: "Meu pai não foi uma pessoa presente, ele trabalhava muito... chegava à noite e saia de manhã". Sebastião também fala do sentimento de ausência e medo: "Eu não lembro de meu pai ta junto comigo. Não tinha liberdade, tinha muito medo". E Agenor relata o abandono: "Meu pai me abandonou quando eu era recém-nascido".

A outra metade dos entrevistados descreveu sentimentos positivos com relação aos seus pais e deixaram transparecer admiração por eles, estando, contudo, ainda presentes algumas restrições. Alcides percebia sentimentos de amor, cuidado, proteção que eram expressos por meio de agrados e ensinamentos:

Achava bonito o jeito dos meus pais de tratar os filhos, corrigir... No sentido de cuidado, zelo, amar ...ele tinha muito carinho com os filhos, apesar de ele não ser carinhoso no sentido de chegar dar um beijo, os pais não tinham essa forma de demonstrar... a gente morava na roça e ele ia pra cidade e ele trazia bala pra gente e aquelas coisinhas que as crianças gostam, dia das crianças, Natal ele comprava bola, carrinho,... quando a gente ia fazer algo que era perigoso ele dizia: não faz isso que é perigoso. A gente sabia que ele tinha amor na gente.

No mesmo sentido, Wilson comenta da presença e do carinho do pai, mas também da falta de diálogo e da existência de castigos físicos:

Meus pais sempre foram presentes na nossa criação. Meu pai, às vezes, não era muito de dialogar com a gente. Era mais pela bronca e, às vezes, era até uma "surrinha" que levava.... meu pai sempre foi muito carinhoso com a gente.

Trazendo também os sentimentos positivos com relação ao pai, Lino fala da presença, do mesmo modo, do excesso de trabalho: "Apesar de o meu pai não ter tanta presença assim... Meu pai foi presente na nossa infância ...só que ele trabalhava muito. Ia até tarde da noite trabalhando."

Os entrevistados, ao falarem do relacionamento com seus filhos, comparando com o relacionamento que tiveram com seus pais, relataram maior presença, convivência e envolvimento afetivo com demonstração dessa afetividade. De maneira geral, demonstram um desejo de melhorar a qualidade da relação com os filhos, principalmente quando se compararam com seus pais, assim como expressa Agenor: "Procuro ser um pai melhor do que o meu foi pra mim." Neste sentido, Lino se propõe a rever o próprio comportamento para compreender melhor as necessidades do filho: "É saber entender o que ele quer e é aonde eu estou me modificando com ele, pra saber entender o que ele está querendo".

Os discursos dos pais entrevistados sugerem um movimento de aproximação e de busca de uma relação afetiva mais profunda com os filhos e alguns, como Wilson, já conseguem vivenciá-las: ... "é um carinho muito grande. Abraça, beija, aperta e quer colo. A gente tem uma sintonia muito grande, muita liberdade um com o outro." Nesse sentido, Zinker (2001) aponta a importância do vínculo estabelecido com os pais dizendo que quando os filhos se sentem mais próximos, cuidados e amados por seus pais eles têm mais coragem de ir para o mundo, isto é, sentem-se mais seguros e enraizados na família.

Ao compartilhar da experiência do processo de construção da paternidade, todos os participantes trouxeram a aprendizagem com base no relacionamento e experiências do cotidiano. Os entrevistados que demonstraram sentimentos de admiração pelos pais também os apontaram como modelo para a construção do seu papel de pai, mas não nas questões que envolviam a forma de expressar a afetividade. Esse dado reafirma as proposições feitas por Nolasco (1993) quando explicita que o novo pai, para o exercício de contato e da expressão afetiva, não pode se apoiar na relação que teve com seu pai, mas sim na aprendizagem construída a partir do relacionamento no dia a dia.

 

Considerações Finais

Esta pesquisa teve como objetivo principal compreender, sob a ótica da perspectiva dialógica e do método fenomenológico que fundamentam a Gestalt-terapia, o significado de ser pai para os homens entrevistados. Esse entendimento pode ser efetivado pela investigação das relações parentais cotidianas, por meio das atividades e funções por eles assumidas, da expressão da afetividade e da construção do vínculo entre pai e filho.

Foi possível, por meio da investigação, encontrar as seguintes categorias: responsabilidade, proximidade e convivência, expressão da afetividade e ser um pai melhor. Todos os colaboradores da pesquisa demonstraram estarem conscientes da necessidade e importância da convivência e participação paterna na vida dos filhos. Os motivos apontados pelos pais que justificaram essa maior aproximação e envolvimento foram a percepção da necessidade de atenção e presença paterna por parte dos filhos, a importância de ser modelo de interação afetiva e conhecimento de que esse comportamento poderá contribuir com a confiança, segurança e desenvolvimento emocional do filho. Além desses fatores apontados pelos pais em que o foco é o desenvolvimento do filho, alguns pais assumem que essa interação também é uma necessidade e desejo seu e esse movimento de aproximação pode contribuir para o desenvolvimento de uma atitude dialógica.

Ao se compararem com seus pais, todos os entrevistados sentem que são mais presentes, têm mais convivência, envolvimento afetivo e demonstram essa afetividade. Deixaram transparecer um desejo de melhorar a qualidade da relação pai-filho, no sentido de buscar uma relação mais afetiva e profunda.

Logo, a síntese dos significados dessas categorias revela que o sentido de ser pai experienciado pelos pais entrevistados envolve um foco maior na construção e na vivência do vínculo pais-filhos. Os pais que participaram da pesquisa continuam cientes das responsabilidades envolvidas na tarefa paterna, como demonstram as unidades encontradas na categoria responsabilidade. Todavia, as outras categorias apontam uma preocupação com a relação afetiva que é tecida na cotidianidade das tarefas educativas. De acordo com as experiências relatadas, não é suficiente apenas representar a norma e a correção para os filhos, mas também construir e usufruir de intimidade, proximidade e convivência, transcendendo aquelas formas de expressão de afeto que foram vividas na relação com seus próprios pais.

Um dado interessante percebido nas experiências vividas pelos entrevistados foi que, as responsabilidades parentais estão associadas às divisões de papeis entre homem e mulher na família, isto é, quanto maior a flexibilidade na divisão de tarefas entre o casal, maior é a participação do pai nas responsabilidades com o filho. Dessa forma, nesse grupo participante, se o homem dentro do casamento considera que pode compartilhar um número maior de funções com a esposa, parece que, ele vai estender essa disponibilidade ao seu papel de pai e assumir tarefas que, tradicionalmente, seriam da mãe.

Verifica-se também que o grau de escolaridade, como já citado em outros estudos (Amaro, 2008; Vieira et al., 2014), influencia a concepção da paternidade, pois, evidenciou-se que os pais com maior nível de escolaridade, demonstraram maior participação e colaboração na criação dos filhos. Podemos levantar a hipótese de que quanto mais os pais se desenvolvem nos estudos, ampliando sua visão de mundo, mais eles são capazes de uma flexibilização a respeito das funções exercidas, abandonando a crença na designação "natural" do exercício da parentalidade e adotando a possibilidade da construção compartilhada entre pai e mãe das melhores formas de participação na criação dos filhos.

No entanto, considerando essas questões apresentadas da relação paterna associada à divisão de papéis do homem no casamento e da escolaridade, seria importante que novos estudos fossem realizados visando esclarecer de maneira mais ampla e aprofundada de que forma estas variáveis interferem na construção do papel de pai.

Outro aspecto interessante percebido quando buscou-se sujeitos que contribuíssem com a pesquisa, foi o fato de que nenhum pai procurou as pesquisadoras para participar do trabalho por meio do cartaz afixado num local de grande circulação de pais e famílias. No entanto, à medida que os sujeitos, via intermediário, aceitaram o convite e iniciou-se a entrevista, foi possível notar crescente interesse e envolvimento no processo, inclusive verbalizando, no final, que gostaram de participar do trabalho e refletir sobre o assunto paternidade. Partindo dessa experiência, é possível inferir que não é comum os pais pensarem sobre a função da paternidade e que seria relevante que fossem oferecidas oportunidades para a efetivação dessa reflexão em vários contextos da sociedade, principalmente nas áreas da educação e saúde. Esse processo poderia ocorrer por meio de trabalhos em grupos e palestras, conduzidos por profissionais qualificados que possam contribuir com os pais no sentido de levá-los a uma maior consciência a respeito dessa importante função do homem.

Constatou-se por meio desse trabalho que na atualidade o papel de pai está em processo de transformação, ampliando suas funções, em movimento de aproximação e envolvimento, buscando uma relação mais afetiva e significativa com seu filho. Porém, é importante ressaltar, como também foi observado em outras pesquisas (Vieira et al., 2014), que, embora haja mudanças no exercício da função paterna, ainda é possível observar aspectos tradicionais que caracterizam o pai como um "ajudante" da mãe, delegando a ela a maior parte das responsabilidades na criação dos filhos. Com base nesses resultados e estabelecendo uma correlação com a perspectiva dialógica utilizada como fundamento teórico deste trabalho, conclui-se, finalmente, que esse maior envolvimento e vinculação afetiva entre pais e filhos certamente contribui para o desenvolvimento de relações mais genuínas, com trocas afetivas mais intensas e sólidas e, portanto, com uma existência mais saudável para pais e filhos.

 

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Recebido em 14.08.2018
Primeira decisão editorial em 01.10.2018
Aceito em 04.12.2018

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