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Revista da Abordagem Gestáltica
Print version ISSN 1809-6867
Rev. abordagem gestalt. vol.26 no.1 Goiânia Jan./Apr. 2020
https://doi.org/10.18065/RAG.2020v26n1.5
ESTUDOS TEÓRICOS OU HISTÓRICOS
Gestalt-musicoterapia no Brasil: explorando o campo
Gestalt music therapy in Brazil: exploring fields
Musicoterapia gestáltica en Brasil: explorando el campo
Lázaro Castro Silva Nascimento
Musicoterapeuta, Mestre em Psicologia pela Universidade Federal do Paraná, Doutor em Psicologia Clínica e Cultura pela Universidade de Brasília, Gestalt-terapeuta, Membro da Associação de Musicoterapia do Paraná (AMT-PR) e da World Federation of Music Therapy (WFMT) / (Orcid: 0000-0003-3141-8939) / Email: lazarocsn@live.com
RESUMO
A Musicoterapia é uma área autônoma e híbrida surgida a partir da relação entre saberes e práticas dos campos das artes e da saúde. Por esse hibridismo, alicerçou parte de seus conhecimentos em outras disciplinas e em outros fazeres como as psicoterapias, entre elas a Gestalt-terapia. O objetivo deste trabalho foi investigar as relações entre Musicoterapia e Gestalt-terapia no caminho para se pensar uma Gestalt-Musicoterapia. Esta pesquisa se constitui como exploratória, sendo realizada a partir de levantamento bibliográfico sistemático e assistemático, bem como com proposições teóricas e políticas. A literatura mostra que apesar de existirem trabalhos nessa direção, a proposta de uma Gestalt-Musicoterapia ainda é pouco explorada, especialmente no Brasil, e que ainda há pouca abertura para profissionais Musicoterapeutas buscarem formação específica em Gestalt-terapia.
Palavras-chave: Musicoterapia; Gestalt-musicoterapia; Gestalt-terapia.
ABSTRACT
Music Therapy is an autonomous and hybrid area arising from the relation between the knowledge and the practices of arts and health fields. Because of this hybridism, it bases some of its knowledge on other disciplines and other practices such as psychotherapies and, amongst them, Gestalt therapy. The research aims to investigate relations between Music therapy and Gestalt Therapy in order to reflect about a Gestalt Music Therapy. It is an exploratory research, developed as a systematic and unsystematic bibliographical survey, as well as with theoretical and political propositions. The literature shows that although there are works in this direction, the proposal of a Gestalt Music Therapy is still little explored, especially in Brazil, and it seems that there is still little opening for professionals Music therapists to seek specific training in Gestalt therapy.
Keywords: Music Therapy; Gestalt Music Therapy; Gestalt Therapy.
RESUMEN
La Musicoterapia es un área autónoma e híbrida surgida a partir de la relación entre saberes y prácticas de los campos de artes y de la salud. Por ese hibridismo, fundó parte de sus conocimientos en otras disciplinas y en otros hacer como las psicoterapias, entre ellas la Terapia Gestáltica. El objetivo de este trabajo fue investigar las relaciones entre Musicoterapia y Terapia Gestáltica a fin de pensar una Musicoterapia Gestáltica. Esta investigación se constituye como exploratoria, siendo realizada a partir de levantamiento bibliográfico sistemático y asistemático, así como con proposiciones teóricas y políticas. La literatura muestra que a pesar de que existen trabajos en esa dirección, la propuesta de una Musicoterapia Gestáltica aún es poco explorada, especialmente en Brasil, y que todavía hay poca apertura para profesionales Musicoterapeutas buscaren formación específica en Terapia Gestáltica.
Palavras-clave: Musicoterapia; Musicoterapia Gestáltica; Terapia Gestáltica.
Circunscrevendo brevemente a Musicoterapia
A Musicoterapia é uma área que surge da interface de diversos saberes, como a medicina, a música, a enfermagem, a psicologia, a psicoterapia, entre outros. Caroll (2011) reconta a história humana a partir do uso terapêutico da música até o estabelecimento da Musicoterapia como profissão, por volta da década de 1940, nos Estados Unidos. Para a autora, os fatores como a rápida urbanização e o aumento de hospitais psiquiátricos após a II Guerra Mundial foram determinantes para que a música passasse a ser utilizada de maneira formal nos processos de promoção de saúde com soldados traumatizados.
Também compreendendo a complexidade da Musicoterapia, Bruscia (2016) relembra que a Associação Nacional de Musicoterapia nos Estados Unidos foi fundada em 1950, enfatizando a importância de que qualquer definição da área se mantenha aberta para compreendê-la tanto quanto profissão, quanto como disciplina. A definição utilizada pela World Federation of Music Therapy (WFMT) (2011) destaca que:
A musicoterapia é o uso profissional de música e seus elementos como uma intervenção em ambientes médicos e diários com indivíduos, com os grupos, com as famílias o com as comunidades [sic] que procuram otimizar sua qualidade de vida e melhorar seu físico, seu social, seu comunicativo, seu emocional, o intelectual e a saúde espiritual e bem-estar. A investigação, a prática, a educação e a instrução clínica na musicoterapia são baseadas em padrões profissionais conforme contextos culturais, sociais e político (World Federation of Music Therapy, 2011, sem paginação, tradução livre).
Há que se considerar que a primeira definição da Federação Mundial de Musicoterapia, datada de 1996, enfatizava o fazer musicoterapêutico como práxis da/o profissional Musicoterapeuta. A retirada do termo "Musicoterapeuta" parece ter criado tensões e repercussões internas na área, o que justificaria o fato da definição anterior continuar frequente, especialmente no Brasil, mesmo após 2011 e sua ampla divulgação.
A formação em Musicoterapia no país é relativamente recentemente. Segundo Chagas e Pedro (2008), sua chegada no Brasil ocorre apenas em 1973. Em 2015, completaram-se 40 anos desde que a primeira turma de musicoterapeutas se formou no Conservatório Brasileiro de Música (CBM), no Rio de Janeiro (RJ), onde o primeiro curso da área foi ofertado em terras tupiniquins. Nas palavras de Carvalho (1975), o curso pretendia:
Concorrer para a formação profissional devidamente habilitada em Musicoterapia, reunindo os fundamentos técnico-musicais e técnico-científicos, necessários ao exercício pleno da função em escolas especializadas, serviços de ação preventiva, clínicas e hospitais como Auxiliar Terapêutico, integrado nos propósitos específicos interdisciplinares das diferentes equipes médicas e médico-psicopedagógicas (p. 05).
Passadas estas quatro décadas, a profissão de Musicoterapeuta no Brasil avançou e se fortaleceu politicamente. Três marcos recentes e importantes nessa direção foram 1) a inclusão da Musicoterapia no Cadastro Brasileiro de Ocupações (CBO), sob o código 2263-05 (Musicoterapeuta); 2) a inserção da Musicoterapia na política pública do Sistema Único de Assistência Social (SUAS), em 2011; e 3) a inserção da Musicoterapia no Sistema Único de Saúde (SUS) e a sua oferta como parte da política de Práticas Integrativas Complementares (Brasil, 2017).
Outro avanço importante para área foi a criação da Revista Brasileira de Musicoterapia (RBM), que teve sua primeira publicação oficial em 1996, tornando-se um veículo de difusão científica de saberes e práticas. De acordo com o WebQualis do Quadriênio 2013-20161, a RBM recebeu avaliação Qualis B3 na área Interdisciplinar. Como último destaque nesse breve retorno histórico, situamos ainda dois macromovimentos que refletem a organização política de profissionais musicoterapeutas: a fundação, em 1993, do Comitê Latinoamericano de Musicoterapia, com presidência da brasileira Cecilia Fernández Conde (Comitê Latinoamericano de Musicoterapia, 2015) e a fundação da União Brasileira das Associações de Musicoterapia (UBAM), em 1995 (Santos, 2016).
Destacamos que a associação a essas entidades - mesmo que não compulsória, devido à ausência de regulamentação da profissão Musicoterapeuta no Brasil - se apresenta como um compromisso ético-político de suas/seus profissionais, a fim de fortalecer e difundir a profissão regionalmente. Em alguns estados brasileiros, empresas e contratantes já exigem o número/código de associada/o desses profissionais, reconhecendo socialmente a importância de um cuidado com a profissão e evitando a sua prática por profissionais sem devida qualificação.
Em estudo anterior, foi realizada uma discussão acerca de como se organizam as formações em Musicoterapia no Brasil, enfatizando a exigência de um curso de nível superior, seja de graduação ou pós-graduação lato sensu (especialização), para o exercício da profissão (Nascimento, 2016).
A práxis da(o) Musicoterapeuta
A(o) Musicoterapeuta atua com diferentes referenciais teóricos e as práticas musicoterapêuticas podem ser compreendidas a partir das experiências musicais vividas por suas/seus participantes. Bruscia (2016, p.56) propõe quatro experiências musicais:
Os Musicoterapeutas têm uma vasta gama de métodos para ajudar seus clientes a alcançarem as metas adotadas. As principais categorias são improvisação, re-criação, composição e audição, e existem infinitas variações sobre como essas experiências podem ser usadas para suprir as necessidades do cliente.
Apesar de serem apenas quatro experiências, seus desdobramentos e as diversas teorias que orientam a prática da(o) Musicoterapeuta imprimem certa complexidade na tentativa de delimitar sua práxis. Considerando que este artigo está submetido a uma revista não direcionada para Musicoterapeutas, faremos breves considerações acerca de sua atuação.
Utilizando-se do histórico sonoro-musical, de diversos conjuntos de sons, de canções pré-estabelecidas, de composições a partir da experiência do cliente/paciente/participante ou ainda dos fenômenos acústicos diversos que nos compõem como seres humanos, profissionais Musicoterapeutas traçarão seus objetivos e suas intervenções direcionadas a uma leitura salutogênica deste indivíduo. Portanto, as sessões de Musicoterapia são vivenciadas e estruturadas de formas diversas a depender do contexto, individual ou em grupo, para que sejam trabalhados conteúdos emocionais, ou referentes a questões de saúde física como a reabilitação, ou ainda de expressão e comunicação pensando-se a saúde integral dos sujeitos atendidos.
Com isso, há que se destacar que as áreas de atuação da(o) Musicoterapeuta também são diversas. Existem práticas na área de Musicoterapia Clínica, Musicoterapia Hospitalar, Musicoterapia Escolar e Educacional, Musicoterapia Organizacional, Musicoterapia Social e Comunitária, Musicoterapia na Saúde Mental entre outras. É comum que o trabalho seja desenvolvido com suporte de algum instrumento musical harmônico, como o violão ou o piano, além de um vasto repertório de canções.
As sessões podem ser previamente estruturadas ou construídas a partir dos conteúdos trazidos pelo paciente. É possível que haja interações tanto verbais, quanto musicais, enfatizando-se uma ou outra a depender dos objetivos terapêuticos traçados pela(o) Musicoterapeuta. Isto se dá pela existência de diversos modelos de Musicoterapia que orientarão a estrutura da sessão.
Entre os modelos/abordagens de Musicoterapia é possível mencionar a Musicoterapia Musicocentrada (André Brandalise), a Musicoterapia Criativa (Nordoff-Robins), a Musicoterapia Musico-verbal (Luiz Antônio Milleco), a Vocal Psychotherapy (Diane Austin), o Guided Imagery and Music (Helen Bonny) [GIM, Imagens Guiadas e Música] e a Musicoterapia Vibroacústica. Além de modelos orientados por concepções psicoterapêuticas como a Musicoterapia Analítica (Mary Priestley) e a Musicoterapia Comportamental (Clifford Madsen).
Em sessões estruturadas, por exemplo, é possível que o trabalho inicie com uma canção de chegança (hello song), em que o paciente acaba sendo temporalizado acerca do início do trabalho, após isto se siga com o desenvolvimento da sessão a partir de improvisação livre nos instrumentos e voz, e ao final haja uma canção de despedida (goodbye song). No desenvolvimento seria possível ainda a composição de canções, a utilização de paródias ou a execução de músicas previamente levantadas em uma anamnese a partir da ficha musicoterapêutica.
O setting musicoterapêutico (Santos, 2012) pode ser composto por instrumentos harmônicos, melódicos e de percussão que estejam à disposição do paciente, bem como apenas instrumentos específicos para determinado objetivo. Segundo a autora,
No setting, paciente e musicoterapeuta criam (e recriam) situações da vida, visando alcançar mudanças a partir da própria queixa do paciente [...] os instrumentos, o som, a música são formas de expressão que podem promover ataques, defesas, isolamento, integração etc., o que permite o surgimento de uma linguagem alternativa: corporal e sonoro-musical (p.17).
A práxis da(o) Musicoterapeuta, portanto, dependerá de pelo menos cinco fatores centrais: 1) o público atendido; 2) a modalidade de atendimento (individual ou em grupo); 3) o local da intervenção (clínica privada, instituições ou na saúde pública); 4) a orientação teórico-clínica que sustenta o fazer musicoterapêutico; e 5) os objetivos musicoterapêuticos traçados.
Gestalt-terapia como saber multidisciplinar
Ao indagar Gestalt-terapeutas sobre "o que é Gestalt-terapia?", é comum que as respostas se iniciem com "a Gestalt-terapia é uma abordagem psicológica que..." e, em seguida, sejam completadas enfocando-se algum dos muitos aspectos teórico-conceituais da área, como o aqui-agora, as suas bases existencialistas e fenomenológicas, o humanismo, a noção organísmica de Kurt Goldstein, a orientação compreensiva, os experimentos gestalt-terapêuticos etc.
A noção de "abordagem psicológica" engloba grandes teorias do conhecimento, que buscam compreender a subjetividade e funcionamento humano a partir de construções teórico-filosóficas distintas. Figueiredo (2008) apresenta uma tentativa de sistematizar as diversas matrizes do pensamento psicológico contemporâneo, dividindo-o em dois grandes grupos (matrizes cientificistas e matrizes românticas e pós-românticas) e subgrupos, descrevendo como a Psicologia se organizou como saber a partir disso. Moreira (2009) ancora-se no referido autor para circunscrever a Gestalt-terapia, e afirma:
A Gestalt-terapia de Perls, em certos momentos - na compreensão da vida como um fluxo positivo, ou no pragmatismo de Perls ao afirmar que sua proposta parte dele mesmo - se insere na matriz vitalista e naturista; em outros - em especial no que se refere ao conceito de campo organismo-ambiente, ou quando critica o dualismo nas psicologias - parece se inserir na matriz compreensiva, própria do pensamento fenomenológico-existencial, que rompe com o pensamento dualista (p. 10).
Desde o seu surgimento nos Estados Unidos, em 1951, e a chegada ao Brasil, em 1973, houve diversas ampliações do fazer gestalt-terapêutico para outras áreas de atuação da Psicologia além da clínica tradicional (Frazão, 2013). No Brasil, é possível citar: Organizacional e do Trabalho (Alvim, 2000; Alvim & Ribeiro, 2005), Escolar/Educacional (Lilienthal, 1997; Costa, 2002), Hospitalar (Freitas, 2009), Jurídica (Pereira, 2013), Esportiva (Santo, 2013, 2017), dentre outras; havendo, inclusive, um movimento de parte da comunidade gestáltica brasileira para que se pense uma "Abordagem Gestáltica", ao invés de "Gestalt-terapia", termo que estaria mais próximo de uma prática psicoterapêutica. Este fato fica evidente até mesmo no título do maior evento brasileiro da área, que acontece com periodicidade bianual: o Encontro Nacional de Gestalt-terapia & Congresso Brasileiro da Abordagem Gestáltica. Apesar de conhecer essa discussão, utilizamos neste artigo os termos Gestalt-terapia e Abordagem Gestáltica como sinônimos.
Certamente que a Psicologia é uma das áreas que representa de forma expressiva, quantitativamente, as produções e as práticas alicerçadas na Gestalt-terapia no Brasil e, talvez, no mundo. Contudo, ao aproximar lentes e vislumbrar o contexto global alcançado pela abordagem, não é difícil perceber que existem profissionais de outras áreas que atuam e/ou atuaram com seu referencial, como médicas/os e psiquiatras (como Adriana "Nana" Schnake e Cláudio Naranjo, e, vale ressaltar, um de seus maiores expoentes, Fritz Perls, médico), musicoterapeutas (Isabelle Frohne-Hagemann e Simon Jakob Drees, na Alemanha, além de Marisa Manchado Torres, na Espanha), arteterapeutas (Janie Rhyne), educadores/gestaltpedagogas/os ou, ainda, no contexto estadunidense, conselheiro pastoral (Ward A. Knights Jr.).
Contudo, se compreendemos que a Gestalt-terapia é uma prática psicoterapêutica, não haveria uma restrição a outras/os profissionais no Brasil? Na página virtual do Conselho Federal de Psicologia (sem data), é informado que:
O Conselho Federal de Psicologia regulamenta a atuação do psicólogo na psicoterapia, conforme Resolução CFP-010/2000. Entretanto, de acordo com a legislação brasileira, a psicoterapia não é atividade privativa de psicólogos, podendo ser praticada por outros profissionais, desde que não utilizem o título de psicólogo (sem paginação, grifo nosso).
Parte da discussão acerca do fazer psicoterapêutico por Gestalt-terapeutas e a formação em Gestalt-terapia no Brasil foi apresentada recentemente no estudo de Nascimento e Ribeiro (2017). Infelizmente, ainda é comum ouvir profissionais da Psicologia afirmarem irrefletidamente que a psicoterapia se constitui como atividade privativa da profissão de psicóloga/o. A obra organizada por Holanda (2012), intitulada O campo das psicoterapias: reflexões atuais, traz reflexões importantes nessa direção.
Esse contexto cultural global nos aponta, portanto, que é preciso compreendermos a Gestalt-terapia como um corpo teórico-prático que orienta, também, outras áreas do conhecimento além da Psicologia, como a Musicoterapia, a Arteterapia, a Pedagogia, a Psiquiatria, o Aconselhamento Pastoral entre outras. Partindo dessas compreensões, o objetivo deste trabalho é investigar as relações entre Musicoterapia e Gestalt-terapia no caminho para se pensar uma Gestalt-Musicoterapia.
Caminhos metodológicos
Esta pesquisa é classificada como exploratória, sendo composta por reflexões a partir dos estudos doutorais do autor, ainda em andamento. Segundo Gil (2008, p. 27), "as pesquisas exploratórias têm como principal finalidade desenvolver, esclarecer e modificar conceitos e ideias, tendo em vista a formulação de problemas mais precisos ou hipóteses pesquisáveis para estudos posteriores".
O autor antes citado afirma, ainda, que esse tipo de estudo objetiva "proporcionar visão geral, de tipo aproximativo, acerca de determinado fato. [...] É realizado especialmente quando o tema escolhido é pouco explorado e torna-se difícil sobre ele formular hipóteses precisas e operacionalizáveis" (Gil, 2008, p.27). Para composição dos materiais utilizados, foi realizada uma revisão bibliográfica sistemática em duas etapas, bem como a busca de materiais de forma não-sistemática. A primeira etapa da revisão sistemática foi direcionada às bases de dados SciELO Brasil, Biblioteca Virtual em Saúde (BVS), Banco de Teses e Dissertações da Capes e Periódicos da Capes; e a segunda, para os periódicos específicos da área de Musicoterapia: a Revista Brasileira de Musicoterapia (ISSN 2316-994X) e a Revista InCantare (ISSN 2317-417X).
Os descritores utilizados na primeira etapa da revisão bibliográfica sistemática foram "gestalt music therapy" (inglês), "musicoterapia gestáltica" (espanhol), "gestalt-musicoterapia" (português) e "Gestalt-Musiktherapie" (alemão). Considerando a escassez de materiais, não foi estabelecido nenhum período de tempo para o levantamento, e foram incluídos na amostra todos os trabalhos encontrados. Para a segunda etapa, em periódicos da área, o termo utilizado foi apenas "gestalt-terapia".
Para a revisão não-sistemática, foram utilizados materiais bibliográficos com os quais o autor da pesquisa teve contato no seu percurso com a Gestalt-terapia e com a Musicoterapia. Por fim, são feitas algumas considerações e reflexões teóricas a fim de buscar orientações na direção de uma Gestalt-Musicoterapia.
Exploração 1: revisão bibliográfica sistemática
A revisão bibliográfica sistemática apresentou sete (7) resultados. Os dados são exibidos na tabela abaixo com o descritor utilizado, o idioma, a quantidade de trabalhos encontrados e a base de dados:
Tabela 1 - Clique para ampliar
Utilizando a língua inglesa, espanhola, portuguesa e alemã, foram recuperados sete (7) resultados, quatro (4) em inglês, um (1) em espanhol, zero (0) em português e dois (2) em alemão. Contudo, os trabalhos encontrados para as línguas espanhola e alemã também constam na pesquisa para o descritor em língua inglesa. Assim, totalizam-se apenas quatro (4) trabalhos encontrados nas bases investigadas, sendo todos eles via Periódicos Capes. Nas outras bases de dados, não houve nenhum resultado.
Os trabalhos encontrados são: 1) Gestalt music therapy: The process of dreaming in sound, de Marisa Manchado Torres e Francesco Peñarubbia (2006); 2) Gestalt music therapy, de Fritz Hegi (2001); 3) Group music therapy with psychosomatic patients in a Gestalt therapy context, de K. Meyer (1999); 4) Schools of music therapy, de Hans-Helmut Decker-Voigt (2001). Os quatro resultados aparecem na categoria "Outros", não se configurando como artigos, nem resenhas, mas, apenas conteúdos breves. Além disso, os documentos estão indexados à base RILM Abstracts of Music Literature2, sendo disponibilizados apenas resumos e referências, sem acesso ao texto completo.
Usando motores de busca a fim de obter mais informações sobre os documentos identificados, foi possível verificar que os itens 2 e 4 se tratam do mesmo trabalho. O item 4 é o livro de Decker-Voigt (2001), intitulado Schulen der Musiktherapie (Schools of music therapy), que possui como um de seus capítulos o trabalho Gestalt-Musiktherapie (Gestalt music therapy), de Fritz Hegi (2001).
A busca nos periódicos Revista Brasileira de Musicoterapia e Revista InCantare foi realizada utilizando apenas o descritor "gestalt-terapia". Foi encontrado somente o artigo A história da musicoterapia na psiquiatria e na saúde mental: dos usos terapêuticos da música à musicoterapia de Puchivailo e Holanda (2014), na Revista Brasileira de Musicoterapia, o qual, todavia, não versa especificamente sobre a Gestalt-terapia, apenas a menciona.
Exploração 2: investigação bibliográfica assistemática
Como esta pesquisa se propõe a ser exploratória, é necessário esquadrinhar o campo para além de uma revisão bibliográfica sistemática, de forma menos rígida. Por meio dessa investigação assistemática, outros estudos emergiram. No primeiro, um artigo da Musicoterapeuta estadunidense Bárbara Wheeler (1981), em que surge o termo gestalt music therapist, traduzindo livremente como "Gestalt-Musicoterapeuta", a autora discute a relação da Musicoterapia com correntes psicoterapêuticas, e situa a Gestalt-terapia entre elas. Afirma que:
Tal como acontece com outras abordagens terapêuticas, o Gestalt-musicoterapeuta verá o comportamento perturbado dentro do contexto dessa teoria. O objetivo da terapia será aumentar a awareness sobre a experiência atual; a música facilitará essa awareness e ajudará a integrar as polaridades ou outros problemas que interferem com a capacidade do cliente de se experienciar (Wheeler, 1981, p.13, tradução livre).
Seguindo nos escritos da autora, ela prossegue: "Não há referências à gestalt e à musicoterapia na literatura, mas como os processos são semelhantes, os Musicoterapeutas podem tirar proveito das experiências de outras terapias artístico-criativas" (Wheeler, 1981, p. 13, tradução livre). Conforme a autora, parece ser 1981 o ano em que se inauguraria o termo "Gestalt-musicoterapeuta". Vale ressaltar que, no texto de Wheeler, são mencionados Fritz Perls e Joseph Zinker, importantes e conhecidos Gestalt-terapeutas dentro dos círculos de Gestalt-terapia.
Outra Musicoterapeuta importante na tentativa de costurar a história da Gestalt-Musicoterapia é a alemã Isabelle Frohne. Em uma conferência ministrada por ela, transcrita na obra Música e saúde, de Even Ruud, traduzida para o português, a autora afirma que "a gestalt-terapia e a musicoterapia se baseiam na consciência do que está acontecendo aqui e agora, ambas são voltadas para a experimentação dos sentimentos" (Frohne, 1991, p. 37, grifo nosso).
Frohne-Hagemann, em seu sítio virtual3, apresenta uma lista de suas produções bibliográficas, dentre elas um trabalho (Frohne-Hagemann, 1987) publicado no Gestalt Bulletin, uma revista da extinta Deutsche Gesellschaft für Gestalttherapie und Kreativitätsförderung (DGGK). Segundo Ladisich-Raine (2013), ao contar a história da Gestalt-terapia na Alemanha, o DGGK foi um dos grupos que lutou pelo reconhecimento da Gestalt-terapia no sistema de saúde alemão, nos anos 1980, período em que houve uma mudança na lei, que só admitia as abordagens psicanalíticas, de psicologia profunda e comportamental.
Outro achado é o livro Musicoterapia gestáltica: proceso sonírico da Musicoterapeuta espanhola Marisa Manchado Torres (2006), escrito como tese exigida pela European Association of Gestalt Therapy (EAGT) para ingressar como titular na associação. Nesse trabalho, a autora propõe o conceito de "sonírico" como algo que relaciona os sonhos (onírico) com sons (sonidos). Manchado Torres afirma que sonírico significa "esse estado de sonho, de outro estado de consciência que releva o inconsciente, o não-lógico, não-compreensível pela razão (...) jogo de palavras entre o sonho-sonhar e o som-sonoro" (2006, p.14).
Situando brasileiros, é possível mencionar o Prof. Dr. Paulo de Tarso de Castro Peixoto, Musicoterapeuta que, segundo dados da Plataforma Lattes, apresentou um seminário intitulado Da relação entre a Musicoterapia e a Gestalt-Terapia (1997), na extinta Associação de Gestalt Terapia do Rio de Janeiro. Em 2012, escreve sua obra gestalt-terapêutica A Estética do Contato, em coautoria com a Profª. Drª. Teresinha Silveira de Mello. Atualmente, é docente da Pós-Graduação em Psicologia Clínica pela Abordagem Gestáltica, do Instituto de Pós-Graduação Grupo Lusófona, no Rio de Janeiro.
Ainda em solo brasileiro, é possível citar o artigo Considerações sobre a linguagem na prática clínica musicoterapêutica numa abordagem gestáltica, no qual Sampaio (2007) relaciona conceitos da semiótica, da linguagem e da Gestalt-terapia. O autor conceitua ainda sobre princípios importantes para a formação da/o terapeuta, mencionando Perls, Naranjo, Ribeiro, Ciornai, entre outras/os Gestalt-terapeutas importantes. No que diz respeito a sua formação, o Prof. Dr. Renato Tocantins Sampaio é um Musicoterapeuta brasileiro que, de acordo com dados da Plataforma Lattes, iniciou sua formação em Gestalt-terapia no Instituto de Gestalt-terapia de São Paulo, no ano de 2005, interrompendo-a em 2008.
Na busca assistemática por Gestalt-Musicoterapia, outros dois achados menos expressivos, porém, não menos relevantes, também emergiram: 1) a citação a Perls, Hefferline e Goodman (1951) em Caminhos da Musicoterapia (Ruud, 1990, p.65), e 2) a citação ao trabalho de Joseph Zinker na obra Definindo Musicoterapia (Bruscia, 2016). Este fato aponta que esses Gestalt-terapeutas não só foram lidos, como compuseram a construção teórica das obras mencionadas anteriormente.
Música, Gestalt-terapia e Musicoterapia: alguns alinhavos teóricos e políticos
A Música, apesar de não ser central nos escritos da Gestalt-terapia, costuma aparecer timidamente em obras importantes da área, não sendo incomum encontrar referências ao poder da música em escritos de Gestalt-terapeutas. Na terceira parte da obra de Perls (1942/2002), em que são propostos exercícios para ampliação de awareness, o autor escreve: "Recomendo ouvir música. Em parte alguma você pode conferir tão efetivamente o seu poder de concentração. Na concentração total, não há lugar para ambos, ouvir música e pensar ou sonhar" (p.302). Em seus escritos autobiográficos, Perls (1969/1979) também afirmava: "Eu não sei cantar muito afinado. Ouvi música e sons aí, e não senti necessidade de preencher os sons com palavras. Sei que há música no vazio fértil" (p. 173, grifos nosso).
Na entrevista realizada por Daniel Rosenblatt, Laura Perls (1994) também destacou a importância que a música teve em seu desenvolvimento como Gestalt-terapeuta:
D.R.: Você estava falando sobre a música como um aprendizado cedo [em sua vida]. Como você acha que isso influenciou seu trabalho como Gestalt-terapeuta?
L.P.: Bom, está ligado, realmente, com o trabalho corporal que eu fazia desde o princípio. Primeiro quando eu tinha uns oito anos de idade. E mais tarde com diferentes escolas de ritmo e dança moderna com as quais tenho estado em contato durante toda minha vida. Ainda sigo fazendo alguns exercícios que me mantém em forma, estou praticando-os em muitos dos meus grupos de formação, penso que são um dos suportes essenciais (L. Perls, 1994, p. 20, tradução livre).
Discutindo o fundo estético da Gestalt-terapia, Alvim (2007) comenta como a Euritmia de Émile Jacques-Dalcroze influenciou a vida de Laura e sua atuação como Gestalt-terapeuta. A autora afirma que o sistema "Dalcroze Eurhythmics de Treinamento Musical, buscava transformar o sentido rítmico em experiência corporal, o que significava experimentar a música pelo movimento corporal. Essa foi uma grande influência para a Gestalt-Terapia" (p. 17). No mesmo trabalho, a autora afirma ainda que ritmo e musicalidade faziam parte não só da vida de Laura, como de Fritz.
Além destas referências, é possível mencionar as de Polster e Polster (1973/2001), que fazem uso de conceitos específicos da teoria musical para exemplificar conceitos gestalt-terapêuticos. Um exemplo aparece quando tentam elucidar a noção de situação inacabada:
Situações Inacabadas - Existe uma história apócrifa, às vezes atribuída a Bach, Handel ou Haydn, em que o maestro idoso se prepara para dormir e ouve um amigo tocando o clavicórdio no andar de baixo. O amigo toca de modo muito belo, e a música cresce, mas termina abruptamente, numa nota dominante! Bem, naquela época as notas dominantes eram sempre resolvidas passando-se para a tônica e para a nota final. O maestro, agitado, vira de um lado para o outro na cama sem conseguir dormir, até que desce as escadas e toca sua resolução no clavicórdio. Todas as experiências ficam em compasso de espera até que a pessoa as finalize (Polster & Polster, 1973/2001, p.52).
No excerto, as noções de dominância e resolução musical citadas pelo casal Polster fazem parte da teoria musical e são utilizadas para exemplificar um conceito fundamental em Gestalt-terapia. Vale lembrar que, apesar disso, há outros exemplos na obra sobre as situações inacabadas, não sendo necessária a teoria musical para exemplificá-las. Outras partes da obra Gestalt-terapia integrada trazem trechos semelhantes como as conceituações acerca da função de contato (p.155). Nesse capítulo, Polster e Polster (1973/2001) usam conceitos de apoio da voz, respiração, suporte, ressonância, fisiologia da voz cantada, timbre (voz metálica) e afins, conceitos extremamente utilizados na prática e ensino do canto e de técnica vocal. O fato é que ambos estes autores pareciam ter bastante proximidade com conceitos da música.
Outro Gestalt-terapeuta que traz a música de forma bastante presente em seus escritos é Joseph Zinker. No seu trabalho, é possível encontrar relatos clínicos em que cantava juntamente com suas/seus clientes e as/os incentivava a fazer o mesmo. Exemplos aparecem nos seguintes trechos:
Após uma solicitação que eu não sabia se ela atenderia, Katherine se prontificou a cantar para mim e, durante algumas sessões, nosso trabalho se concentrou em desenvolver sua consciência corporal enquanto cantava. [...] (Começo a cantar em homenagem as nossas depressões) [...] (Michael começa a cantar junto comigo) [...] (Para minha grande surpresa Michael começa a cantar também fazendo o contraponto) [...] (A letra não é especialmente criativa, mas cantada a duas vozes produz grande efeito) (Zinker, 1977/2007, p.46, 57)4.
Nesses trechos, Zinker parece compreender claramente o que é conhecido por musicistas e musicoterapeutas: a música possui propriedades e efeitos terapêuticos. Ao cantar em conjunto com as pessoas que atendia, favorecia a ampliação de awareness, trabalhava as relações com o corpo e fortalecia os vínculos terapêuticos. Talvez os conceitos específicos da teoria musical passem despercebidos aos olhos (e aos ouvidos) de Gestalt-terapeutas sem conhecimento formal da música e de seus elementos, porém, apontam como é possível pensar entrelaçamentos de tais saberes.
Apesar destas referências, podemos nos debruçar um pouco mais sobre as relações entre música e Gestalt-terapia, e especificamente sobre Gestalt-terapia e Musicoterapia. Retomando Bruscia (2016) e as quatro experiências musicais, uma Gestalt-Musicoterapia poderá pensar improvisação, re-criação, composição e audição com foco na promoção de awareness, na ampliação do contato da/o participante consigo e com o meio, no desenvolvimento de autossuporte, na integração de polaridades, no estabelecimento e manutenção de relações horizontalizadas etc. Além disso, a(o) Gestalt-Musicoterapeuta também poderá compreender de forma organísmica os ajustamentos criativos de sua/seu participante nas diversas formas sonoro-musicais apresentadas no setting musicoterapêutico.
Uma leitura gestalt-terapêutica pode auxiliar a(o) Musicoterapeuta a olhar o campo em que a(o) participante se encontra a partir de outras perspectivas. Por exemplo, entendendo a complexidade a partir das noções de valência positiva e negativa (Teoria de Campo) na escolha ou recusa de instrumentos musicais por seus participantes, na elasticidade ou fixidez da formação figura-fundo (Psicologia da Gestalt) que emerge na proposição do repertório musical, da totalidade organísmica (Teoria Organísmica) na forma como cada indivíduo canta ou se expressa musicalmente pela voz, ou ainda identificando as formas neuróticas e psicóticas (Mecanismos de evitação do contato) como o contato é interrompido e como isto se evidencia na experiência musical de forma singular.
Além disso, a(o) Musicoterapeuta alicerçada(o) em bases que sustentam a Gestalt-terapia poderia utilizar-se de um olhar compreensivo e descritivo (Fenomenologia) para pensar as experiências sonoro-musicais vividas neste setting musicoterapêutico, bem como para refletir sobre sua atuação no campo da saúde mental a partir de concepções psicopatológicas diferentes da tradição psiquiátrica clássica.
Contudo, para que isto seja possível, é necessário formação na área. Por isso, apresentamos como dado preliminar da pesquisa doutoral do autor um levantamento acerca dos Institutos que ofereceram formações/especialização/aperfeiçoamentos em Gestalt-terapia no Brasil, no período de 2012 a 2018. Estas informações se mostram relevantes para a discussão traçada.
Dos 47 institutos que fizeram parte do levantamento, distribuídos nas cinco (5) regiões brasileiras, apenas quatro (4) oferecem, explicitamente em seus meios de comunicação, formação para profissionais que não sejam psicólogas/os e/ou psiquiatras, estando estes três cursos concentrados na região sudeste, nos estados de São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro. Os cursos são: 1) "O Universo Gestáltico", curso livre ofertado pelo Instituto de Gestalt-terapia de São Paulo (IGSP) em 14 meses em São Paulo; 2) "Especialização em Gestalt", pós-graduação lato sensu ofertada pela Escola Gestalt Viva Cláudio Naranjo em 24 meses, no Rio de Janeiro; 3) "Formação em Gestalt-terapia" do Instituto Gestalt de Vanguarda Claudio Naranjo com 36 meses, em Minas Gerais e São Paulo; 4) "Formação em Gestalt-terapia" do Instituto de Gestalt de Curitiba com 12 meses.
Isso significa que, mesmo que um/a Musicoterapeuta graduada/o deseje realizar formação em Gestalt-terapia/Abordagem Gestáltica, no Brasil encontrará um campo ainda fechado. Muito provavelmente isto se dá por irreflexão de parte das(os) coordenadoras(es) de institutos/centros formadores com pensamentos ortodoxos de que a o trabalho terapêutico é fazer exclusivo de profissionais da psicologia e psiquiatria, como mencionado anteriormente.
Um ponto importante a se destacar é o fato da Associação Brasileira de Gestalt-terapia & Abordagem Gestáltica (ABG) reconhecer em seu estatuto oficial a possibilidade de profissionais de áreas afins à Psicologia se associarem como membros. Isto aponta que há um reconhecimento, ainda tímido, de que a formação em Gestalt-terapia irradiou para outros campos de atuação.
Considerações Finais
Os Institutos que oferecem formação em Gestalt-terapia no Brasil ainda possuem, em sua maioria, a leitura de que os seus cursos só podem ser realizados por psicólogas/os e, em alguns casos, também por psiquiatras. Cabe um posicionamento político das/os coordenadoras/es acerca deste fenômeno: reconhecer a abertura da Gestalt-terapia para outros campos fora da Psicologia é torná-la mais potente e rica, fertilizando práticas diversas e promovendo conceitos tão caros para nós, Gestalt-terapeutas. Isto parece combinar melhor com as noções de totalidade e integração que existem no bojo do pensamento gestalt-terapêutico e de seu fazer.
Apesar disso, vale também o questionamento acerca da pouca publicação de Musicoterapeutas buscando tal interface com a Gestalt-terapia. Dar-se-ia isto por se tratar de um campo pouco aberto a essas/es profissionais e/ou por desinteresse/desconhecimento do tema? Mesmo que nas bases curriculares das graduações em Musicoterapia no Brasil existam disciplinas de técnicas e abordagens psicoterapêuticas, ainda parece incomum que se discuta sobre Gestalt-terapia ou psicoterapias humanistas e compreensivas. Mais pesquisas nessa direção se mostram necessárias.
As relações entre Musicoterapia e Gestalt-terapia são diversas tanto na constituição teórica quanto no fazer. É reconhecido o potencial criativo da abordagem gestáltica, bem como é evidente a diversidade na práxis musicoterapêutica. Combinar ambas de forma consistente e organizada pode impactar positivamente as pessoas que atendemos servindo como caminhos de ampliação de fronteiras e ressensibilização à vida.
A Gestalt-Musicoterapia, apesar de potente, parece ainda marginalizada tanto no espaço musicoterapêutico, quanto nos espaços gestalt-terapêuticos. Ampliar os campos de alcance da abordagem gestáltica cria correntes que podem fortalecer todas as áreas envolvidas. Como nos ensina Robine (2005), ao questionar se "A gestalt-terapia terá a ousadia de desenvolver seu paradigma pós-moderno?", no fundo, o convite da pós-modernidade é sobretudo um convite ao desconstruir. Urge o convite para que a Gestalt-terapia brasileira se amplie, a fim de potencializar-se e difundir-se como merece, por toda sua riqueza e seu potencial transformador.
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Recebido em 16.11.2017
Primeira Decisão Editorial 17.05.2018
Aceito em 27.07.2018
1 Disponível na Plataforma Sucupira (https://sucupira.capes.gov.br).
2 Répertoire International de Littérature Musicale (RILM) é uma base de dados referencial internacional, que reúne informações de trabalhos na área de música desde os anos 1967.
3 Disponível em: http://frohne-hagemann.de/publikationen.
4 Vale ressaltar que, apesar do autor utilizar a música como recurso terapêutico, dentro de um processo terapêutico, isto não se torna uma prática musicoterapêutica, uma vez que não é realizada por Musicoterapeuta qualificada(o), nem possui objetivos musicoterapêuticos bem delineados.