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Pesquisas e Práticas Psicossociais
On-line version ISSN 1809-8908
Pesqui. prát. psicossociais vol.12 no.2 São João del-Rei Apr./June. 2017
Os jovens e as redes sociais virtuais
The young and virtual social networks
Los jóvenes y las redes sociales virtuales
Cristina BordignonI; Irme Salete BonamigoII
IPsicóloga, formada na Universidade Comunitária da Região de Chapecó (Unochapecó), Chapecó, SC
IIPsicóloga, Doutora em Psicologia Social pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e pós-doutora em Psicologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)
RESUMO
O presente artigo analisa as implicações das redes sociais virtuais na configuração de relacionamentos entre os jovens do município de São Lourenço do Oeste (SC). Fundamenta-se em pesquisa cartográfica com jovens lourencianos, por meio de grupo focal virtual e pesquisa documental na plataforma Facebook. O contato com esse grupo permitiu conhecer as vantagens e as desvantagens que os jovens pesquisados atribuem à adesão às redes sociais virtuais. Observou-se que os jovens, por meio das redes sociais virtuais, são convidados a tornar públicas suas intimidades. Notou-se que esse meio digital também instiga os jovens a serem mais dinâmicos e ágeis, por estimular que façam várias coisas simultaneamente, suscitando novas formas de interação humana. Conclui-se que as redes sociais virtuais podem contribuir para a homogeneização das subjetividades, ao uniformizar modos de ser, pensar, sentir e perceber. Porém, podem também implicar produção de subjetividades singulares, engendrando formas inéditas de viver.
Palavras-chave: Jovens. Cartografia. Redes sociais virtuais. Relacionamentos. Subjetividade.
ABSTRACT
This article analyzes the implications of virtual social networks in the configuration of relationships among young people in the municipality of São Lourenço do Oeste (SC). It is based on cartographic research with young Lourencians, through a virtual focus group and documentary research on the Facebook platform. The contact with this group allowed to know the advantages and the disadvantages that the young people surveyed attribute to the adhesion to the virtual social networks. It was observed that young people, through virtual social networks, are invited to make their intimacies public. It was noted that this digital medium also encourages young people to be more dynamic and agile, for encouraging them to do several things simultaneously, provoking new forms of human interaction. It is concluded that virtual social networks can contribute to the homogenization of subjectivities, by unifying modes of being, thinking, feeling and perceiving. However, they may also imply the production of singular subjectivities, engendering unprecedented ways of living.
Keywords: Young people. Cartography. Virtual social networks. Relationships. Subjectivity.
RESUMEN
Este artículo analiza las implicaciones de las redes sociales virtuales en la configuración de las relaciones entre los jóvenes de São Lourenço do Oeste (SC). Se basa en la investigación cartográfica de jóvenes lourencianos, a través de grupos de enfoque virtual y la búsqueda documental sobre la plataforma de Facebook. El contacto con este grupo permitió conocer las ventajas y desventajas que los jóvenes encuestados atribuyen a la adhesión a las redes sociales virtuales. Se observó que los jóvenes, a través de las redes sociales virtuales son llamados a hacer público su íntimo. Se señaló que este medio digital también incita a los jóvenes a ser más dinámicos y ágiles, animándoles a hacer varias cosas al mismo tiempo, dando lugar a nuevas formas de interacción humana. Resulta que las redes sociales virtuales pueden contribuir a la homogeneización de las subjetividades, para estandarizar la manera de ser, de pensar, sentir y percibir. Sin embargo, también pueden involucrar a la producción de la subjetividad natural, con nuevas formas de vivir.
Palabras clave: Jóvenes. Cartografia. Las redes sociales virtuales. Relaciones. Subjetividad.
Introdução
Estamos na era das redes sociais virtuais - que entretêm milhões de usuários no mundo todo. Essas redes, como afirma Carvalho (2011), alcançaram um crescimento expressivo nos últimos anos e são responsáveis por conectar em rede diversas pessoas, umas com as outras, possibilitando a expansão da rede relacional desses usuários e oferecendo amplo acesso à informação. As redes virtuais possibilitam transformações nos vínculos pessoais e sociais, já que, por meio delas, se podem criar comunidades e laços afetivos com outros sujeitos, situados em qualquer parte do mundo, com o compartilhamento de vivências, ideias, percepções e sentimentos com facilidade e rapidez.
Com todas essas transformações, pode-se depreender que se modificam também os modos de ser. Segundo Guattari (1992), a subjetividade é produzida por dispositivos diversos: família, educação, meio ambiente, religião, linguagem, arte, esporte, mídia, cinema, entre outros. Miranda (2000) afirma que a subjetividade deve ser compreendida como uma construção histórica, constituída por inúmeras facetas, localizada em um corpo social. Para ambos os autores, a subjetividade se constitui de forma heterogênea, sem hierarquia, pelo entrelaçamento das dimensões tanto individuais quanto sociais.
Com base nessa noção de subjetividade - como heterogênea e construída historicamente -, buscou-se investigar os atuais padrões de relacionamento entre os jovens - estendendo-se muitas vezes também para a vida adulta -, que são caracterizados, segundo Bauman (2004), pela transitoriedade nos relacionamentos amorosos, denominada por liquidez ou fragilidade dos vínculos humanos.
A conjunção apresentada instigou o interesse em pesquisar as implicações que essas plataformas exercem na vida dos sujeitos contemporâneos, especialmente na dos jovens entre 18 e 23 anos. Também de conhecer mais sobre as irrupções dos efeitos dessas redes virtuais "para as relações de amizade e para as noções de identidade, privacidade, autenticidade, comunidade e sociabilidade" (Aguiar, 2007, p. 11). Outro aspecto que contribuiu para a escolha e delineamento da pesquisa foi a leitura do livro Amor Líquido, de Bauman (2004), em especial sobre a expansão das redes virtuais de relacionamento, sua incidência na produção de relações cada vez mais transitórias, e as principais interferências desses meios de comunicação nos modos como se relacionam seus usuários.
Utilizamos a expressão redes sociais virtuais com base na noção de virtualidade proposta por Pierry Lévy, para ressaltar as transformações que passam a compor o mundo, a cultura, a comunicação e as relações humanas e tendo em vista que o virtual é um movimento que não se opõe ao real, mas ao atual. A tendência do virtual é atualizar-se sem passar a uma concretização efetiva ou formal. Assim, inversamente ao possível, ao estático e ao já constituído, o virtual remete à potência que "acompanha uma situação, um acontecimento, um objeto ou uma entidade qualquer e que chama um processo de resolução: a atualização" (Lévy, 1996, p. 16).
Cenário da pesquisa: o município de São Lourenço do Oeste (SC)
Segundo informações do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), com base no Censo de 2010, o município do oeste catarinense que faz divisa com o Paraná conta com uma população de 21.797 habitantes. Desses, 16.885 (77,46%) vivem na cidade, e os outros 4.912 (22,54%) no meio rural. Da população geral, 10.830 (49,69%) são homens e 10.967 (50,31%) mulheres. De acordo com os dados referentes ao ano de 2010 publicados pelo IBGE, a população lourenciana distribui-se entre as seguintes faixas etárias: 22,4% de 0 a 14 anos; 9% de 15 a 19 anos; 18,2% de 20 a 29 anos; 40,3% de 30 a 59 anos e 10,4% acima de 60 anos.
Segundo o Governo Municipal de São Lourenço do Oeste (2013), o município conta com um programa que disponibiliza internet gratuita e de qualidade a todos os munícipes, às escolas e também às microempresas lourencianas. O Programa Cidade Digital se mantém com recursos do município e garante acesso à internet banda larga para os seus cidadãos, tanto em casa quanto em locais públicos como escolas, restaurantes e praças. Esse acesso à internet passa por um filtro que impede o acesso a páginas com conteúdos impróprios ou com vírus. Por meio desse programa, alunos e professores, nas escolas, podem utilizar a internet para expandir os conhecimentos, tornando as aulas mais proveitosas e eficazes. Essas informações estão sendo descritas porque se articulam ao estudo em questão
Método
Trata-se de estudo cartográfico que busca analisar a complexidade e a processualidade das relações humanas mediadas por redes sociais virtuais. O método cartográfico foi proposto por Gilles Deleuze e Félix Guattari, não para mapear um percurso a ser seguido pelo pesquisador, mas sim mantê-lo aberto para a produção das informações do campo investigado, sem focalização prévia em determinado ponto. Por conseguinte, o pesquisador poderá conhecer diversos elementos que parecem sem conexão ou seccionados, embora as informações façam sentido mediante a processualidade no transcorrer da pesquisa (Kastrup, 2010).
A pesquisa foi desenvolvida em 2013 com jovens do município de São Lourenço do Oeste, por meio da técnica do grupo focal virtual. Para Gaskell (2002), um grupo focal tradicional é formado por seis, sete ou oito pessoas. Esses sujeitos são reunidos com o moderador (ou pesquisador), que utiliza um tópico guia, com um resumo dos assuntos a serem discutidos. O pesquisador estimula os demais participantes do grupo para que respondam aos comentários feitos pelos outros e faz perguntas sobre o que está sendo debatido. No entanto, como esta pesquisa foi on-line, as adaptações necessárias foram feitas para utilizar o grupo focal como meio de acesso aos subsídios que fundamentaram os resultados deste estudo. Destarte, formou-se um grupo on-line na rede social Facebook, tendo ele sete participantes, e foi utilizado, assim como sugere Gaskell (2002), um tópico guia com os assuntos fundamentais a serem abordados. Os jovens que participaram da pesquisa tinham entre 18 e 23 anos1
A escolha dos sujeitos da pesquisa teve como critérios de delimitação: pessoas que residem no município de São Lourenço do Oeste e são usuárias do Facebook; jovens que estão nos contatos adicionados a amigos da plataforma da pesquisadora. Essa escolha se deveu ao fato de que, sendo "amigos" na rede, a pesquisadora teria mais acessibilidade aos participantes. O modo de seleção dos participantes se deu por meio da técnica da Bola de Neve. De acordo com Baldin e Munhoz (2011), esse é um método utilizado em pesquisas sociais e ocorre da seguinte forma: os participantes iniciais da pesquisa sugerem para o pesquisador outras pessoas para participarem do estudo. Como a proposta da pesquisa foi a da formação de um grupo focal, utilizou-se como limite o número de sete pessoas para sua constituição. Além disso, é importante constar que a pesquisadora, como reside em São Lourenço do Oeste, conhece pessoalmente todos os jovens participantes da pesquisa. Essa proximidade esteve presente também entre os jovens que compuseram o grupo focal, dado o pequeno tamanho da cidade, o que propicia que seus moradores conheçam uns aos outros. Essa característica foi considerada na análise das informações produzidas. A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da Unochapecó.
Tendo a possibilidade de criação de grupos na plataforma Facebook, criou-se um grupo fechado, com o título de TCC, e todos os participantes foram convidados a se tornarem membros. Em seguida, fez-se o combinado de data e horário para que todos estivessem disponíveis para a discussão conjunta. A linguagem utilizada foi simples e informal e esteve de acordo com a verbalização utilizada pelos jovens entrevistados em seu cotidiano no meio virtual, a fim de facilitar o diálogo.
Para alcançar os objetivos do estudo, a pesquisa documental foi a estratégia para buscar dados pertinentes à investigação na rede social Facebook, visto que a pesquisadora é usuária da plataforma e essa foi uma forma de observar a interação e utilização dela pelos jovens entrevistados. A pesquisa documental, segundo Sá-Silva, Almeida e Guindani (2009), é um método crucial nas pesquisas em ciências humanas, pois os documentos analisados podem ser o alicerce para a investigação em questão. Esse procedimento metodológico objetivou explorar os modos como se relacionam os jovens nas redes sociais virtuais e quais os conteúdos de suas publicações. Por meio dessa técnica, pode-se compreender com mais profundidade algumas questões que, no diálogo com o grupo focal, não foram enfatizadas ou aprofundadas.
É importante esclarecer que este estudo cartográfico teve como base as etapas propostas por Kastrup (2010). Inicialmente procedeu-se à aproximação das redes sociais virtuais mantendo a atenção flutuante para o movimento de rastreio. Não houve expectativa em relação a respostas determinadas e foi mantida a atenção no todo, buscando não negligenciar nenhuma informação que poderia ser fundamental para o processo e resultados da pesquisa. Assim, nessa fase de rastreio (Kastrup, 2010), em conexão ao Facebook, acompanhamos o fluxo de informações e imagens compartilhadas pelos jovens adicionados à lista de amigos da pesquisadora, observando a interação de uns com os outros por meio de comentários e outras opções de trocas comunicacionais disponíveis na plataforma.
Em seguida, configurou-se o que Kastrup (2010) chama de toque, momento em que a atenção evidenciou movimentos que iam se delineando e ativou a técnica de seleção, que ocorreu quando se iniciou a escolha dos jovens participantes para a constituição do grupo focal. A etapa seguinte, o relevo, ocorreu quando percebemos que a maioria dos jovens da lista de amigos da pesquisadora compartilhavam com frequência sentimentos, pensamentos e imagens pessoais, expondo publicamente informações outrora consideradas íntimas, como será visto na sequência, com base em Sibilia (2008). Então a atenção foi concentrada nesse movimento que ganhou relevo para compreender o que estava ocorrendo, como uma espécie de zoom. Isso foi se efetivando nos contatos com os jovens que posteriormente formariam o grupo focal, o que caracteriza, de acordo com Kastrup (2010), outra etapa da pesquisa cartográfica: o pouso. "O gesto de pouso indica que a percepção, seja ela visual, auditiva, ou outra, realiza uma parada e o campo se fecha, numa espécie de zoom. Um novo território se forma, o campo de observação se reconfigura" (Kastrup, 2010, p. 43).
A seguir, partimos para o reconhecimento atento, que também é citado por Kastrup (2010) como uma etapa da cartografia, quando o pesquisador mais uma vez suspende a atenção concentrada para, agora sim, acompanhar o processo que ganhou relevo em sua pesquisa. Este foi o momento do diálogo com o grupo focal, no qual as questões que anteriormente ganharam relevo - em relação à exposição do Eu, de pensamentos, sentimentos e imagens pessoais por parte dos jovens nas redes sociais virtuais - foram analisados. Nesse momento, passamos a associar as percepções que apareceram quando do rastreio com os dados obtidos na etapa de pouso. Isto é, quando algo ganhou relevo na pesquisa, começamos a buscar a compreensão desse fenômeno, fazendo e refazendo análises, ligando umas às outras, em busca da assimilação de toda essa processualidade.
Assim, a análise das informações aconteceu durante o decorrer da pesquisa, seguindo os preceitos da cartografia. Para Barros e Barros (2013), a análise cartográfica é compreendida como processo, por isso não deve ocorrer apenas no final da pesquisa, mas durante todo o seu percurso. A análise visa abarcar todos os elementos que compõem a realidade investigada, apreendendo não apenas a objetividade dos fenômenos, mas também sua expressão subjetiva, dando visibilidade aos processos de subjetivação e às singularidades. A análise em cartografia não objetiva explicar ou interpretar determinada realidade, mas, sim, dar visibilidade aos processos que nela se desenvolvem. Ganha evidência tanto aquilo que está já estabelecido quanto aquilo que se mostra singular e em confronto com o que está instituído (Barros & Barros, 2013).
Apresentação dos jovens que participaram da pesquisa
Para manter o sigilo da identidade dos participantes, os nomes são fictícios e foram criados tendo como referência a denominação "curtir" disponível no Facebook, em outros idiomas de países nos quais a plataforma é utilizada. Gilla, Suka, Dáma e Patinka são os nomes das quatro jovens de sexo feminino e Hoffi, Gugent e Leuk dos três participantes do sexo masculino.
Cinco participantes (Dáma, Leuk, Hoffi, Patinka e Gugent) têm naturalidade lourenciana. Suka é natural do Mato Grosso, mas mudou-se quando ainda era pequena para São Lourenço do Oeste, onde vive até hoje; declara que gosta do município e não pretende se mudar novamente - atualmente mora com o noivo. Gilla sempre morou em São Lourenço do Oeste com os pais, mas nasceu em um hospital de uma cidade próxima. Conta que não gosta de residir no município e não tem um motivo concreto para isso; pretende mudar de cidade assim que for possível.
Outros dois participantes contaram ter morado em outra localidade. Dáma residiu em Pato Branco, cidade vizinha a São Lourenço do Oeste, por alguns períodos e expõe que, mesmo sendo próximas, as cidades são muito diferentes. Alude ainda que não pretende sair de onde mora, pois ali tem uma vida tranquila. Reside com os pais e uma irmã.
Leuk viveu em outra cidade por cinco anos, com a finalidade de cursar o Ensino Superior. Comentou que, antes de se mudar, quando ainda estava em São Lourenço do Oeste, desejava muito residir em outro lugar. Quando isso aconteceu, sentiu vontade de voltar para a cidade natal: "por me sentir em casa, pelas ruas arborizadas, calçadas largas, clima agradável, enfim, o ambiente urbano aqui é bom" (Leuk). Todavia, relatou que novamente pretende trocar de cidade, porque, segundo ele, a filosofia dos lourencianos não se encaixa com a dele. Atualmente reside com os pais e dois irmãos mais novos.
Hoffi assume gostar de viver em São Lourenço do Oeste, onde mora com os pais, porque as pessoas se cumprimentam nas ruas, mas como não há muitas opções de lazer, como bares e culinária diferenciada, pretende sair do município - mas não agora. Patinka também diz sentir falta de opções de lazer, mas, mesmo assim, gosta de onde reside, pois, se comparada às grandes cidades, São Lourenço do Oeste é um local sem violência. Revela que não tem a pretensão de se mudar, a não ser que receba uma boa proposta de emprego em outra cidade. Mora com os pais e a irmã mais nova. Gugent nos fala que gosta muito do município, onde reside com os pais e uma irmã mais nova, mas, ao mesmo tempo, pensa em morar em outro lugar, como no litoral, quando terminar sua graduação.
A renda mensal domiciliar desses jovens é de pelo menos um salário mínimo por pessoa. Ou seja, em relação a cada um deles: se mora com mais quatro pessoas, a renda mensal é superior a cinco salários mínimos; se mora com mais duas pessoas, a renda é superior a três salários mínimos.
Juventude e contemporaneidade - novas formas de se relacionar
Noção de subjetividade que fundamenta o estudo
De acordo com Guattari e Rolnik (2000), a subjetividade é produzida por agenciamentos coletivos de enunciação, isto é, não é constituída apenas por agentes individuais ou por agentes grupais, mas resultado tanto daquilo que é infrapessoal quanto daquilo que é extrapessoal. Portanto, compreende-se a subjetividade como plural, produto da interconexão dessas distintas instâncias.
Guattari (1992) destaca que a modernidade tecnológica e científica, com toda comunicação e informação que produz, opera na produção da subjetividade, "não apenas no seio das suas memórias, da sua inteligência, mas também da sua sensibilidade, dos seus afetos, dos seus fantasmas inconscientes" (p. 14). Isso, segundo o autor, reforça a definição de que a subjetividade é produzida heterogeneamente, por múltiplas instâncias que mantêm relação com o sujeito, como família, educação, meio ambiente, linguagem, religião, arte, esporte, mídia, cinema e outras.
Pensemos na computação, em toda sua gama de tecnologia de ponta que favoreceu o surgimento da internet. O ciberespaço possibilita novas formas de interação, redimensionando a relação do sujeito com o tempo e o espaço. Estaríamos assistindo ao esvaziamento da sociabilidade, ao favorecimento do individualismo contemporâneo, ou à produção de novas formas de socialização? A internet representa, sem dúvida um modo de produção subjetiva contemporânea, um lugar, mesmo que virtual, de produção de valores, costumes, linguagem. (Miranda, 2000, p. 40)
Guattari (1992) aborda que os avanços tecnológicos tendem a homogeneizar e modelizar as subjetividades, mas não é por isso que se pode dizer que essas transformações são apenas negativas, tampouco somente positivas. "A produção maquínica de subjetividade pode trabalhar tanto para o melhor como para o pior... tudo depende de como for sua articulação com os agenciamentos coletivos de enunciação" (p. 15).
Os jovens e as redes sociais virtuais
As redes sociais virtuais disponíveis para conexões são inúmeras. Apesar da análise documental ter sido realizada apenas na plataforma Facebook, os jovens falaram também de outras plataformas digitais das quais já fizeram parte até o surgimento do Facebook, ou das quais continuam fazendo parte: Orkut, mIRC2, MSN3 e Bate-papos da Uol.
Sibilia (2008) faz um breve apanhado histórico sobre o surgimento dessas redes digitais, apontando que elas tiveram início em meados século XX, com o advento das tecnologias eletrônicas4. Posteriormente, nos primórdios do século XXI, surgiram os computadores que se conectam entre si por meio de circuitos digitais, possibilitando, assim, a comunicação entre seus usuários. Mediante a expansão dessas redes sociais virtuais, inúmeras e aceleradas mudanças passam a ocorrer em nossa sociedade. Surge o correio eletrônico, em seguida os bate-papos - que logo se desenvolvem em sistemas mais avançados como o MSN e plataformas digitais como Facebook, Orkut, entre outras. Com isso, de acordo com Sibilia (2008), a rede de contatos pessoais é potencializada, permitindo a conexão entre muitas pessoas ao mesmo tempo. Desse modo, a sociedade passa por uma grande transformação e reorganização rizomática. As redes sociais virtuais também possibilitam a horizontalidade das relações, tudo isso contribuindo para a edificação do fenômeno chamado Web 2.0.
Justo (2005, p. 70), ao analisar as características da contemporaneidade, reflete sobre como as redes sociais virtuais estão de acordo com as novas particularidades de nossa sociedade atual: "[...] com a aceleração do tempo e a derrubada das fronteiras geográficas e psicossociais, as relações passam a ser mais fluidas, breves, instantâneas, diversificadas e instáveis". Assim, passa a ser enorme a influência da informática, da internet e dos demais meios de virtualização da realidade na sociabilidade dos jovens. Exige-se dos jovens que sejam metamorfoses ambulantes desassossegadas em busca do novo, capazes de estabelecer em sua vida vínculos temporários, efêmeros e de explorar novos territórios. Para tal, muito contribuem as redes de informação e as redes sociais virtuais.
Pode-se notar, com base em conversas informais e por meio da conexão às redes sociais virtuais, a atratividade destas, visto que são compostas por diversos dispositivos, como jogos, chats, álbuns para divulgação de fotos e vídeos e acesso a publicações de outros contatos, entre outros recursos. Além desses dispositivos disponíveis, Passarelli, Guzzi, Dimantas e Kiyomoura (2009) explicam que o grande número de usuários de internet deve-se, também, à sua familiaridade com esse ambiente digital, além da ampla disponibilidade de locais que oferecem acesso a essa rede. Os autores, em sua pesquisa, constatam que o meio digital viabiliza e potencializa contatos com outras pessoas, além de auxiliar em fins intelectivos e profissionais.
No caso dos jovens participantes desta pesquisa, esses são também motivos que os levam a passar horas durante o dia nessas redes de socialização. Leuk passa cerca de cinco horas por dia conectado; Patinka, entre quatro e cinco horas; Suka, aproximadamente duas; Hoffi, normalmente uma hora por dia, com exceção do período de férias, quando passa cerca de quatro horas por dia conectado; Gilla, em torno de cinco horas por dia; Dáma, cerca de seis; e Gugent, em média sete horas diariamente. Como aponta Sibilia (2008), passando tanto tempo on-line, as pessoas passam a ter uma "vida paralela" (p. 13). Entretanto, é pertinente destacar que a maioria desses jovens, quando está conectada às redes sociais virtuais, não necessariamente está destinando total atenção a elas, pois se conectam durante o horário de trabalho ou enquanto realizam outras tarefas.
Como descrito, a maioria dos jovens entrevistados passa conectada às plataformas digitais mais de quatro horas por dia. Há inúmeros outros motivos que os levam a aderir às redes sociais virtuais, conforme exposto no grupo focal: fluxo de informação; poder conversar com pessoas que não viam há muito tempo; para manter contato com amigos e familiares; pelo fato de muitos amigos fazerem parte dessas redes; por curiosidade; por ser muito mais fácil conhecer e conversar com pessoas pela internet do que pessoalmente; por considerarem formidável uns interagindo com os outros, postando em seu perfil fotos de lugares visitados; para saberem das novidades, como com quem esta ou aquela pessoa está "ficando"; para bisbilhotar a vida alheia; pela possibilidade de participar de grupos, como "fóruns", formados por conhecidos; porque é a "onda do momento"; porque muita gente tem perfil na internet, então querem ter também; para manter contato com amigos e conhecer gente nova; para economizar na conta de telefone; e pela facilidade de contato com quem mora longe (geograficamente).
Com base nesses dados, é possível analisar nas falas dos jovens pesquisados o que Sibilia (2008) descreve sobre a contemporaneidade: o despontar da internet contribuiu para a sociedade se tornar um espetáculo, assim como nossa vida, nosso modo de ver e de nos relacionar com o mundo. Somos um conjunto de imagens que necessita ser o tempo todo atualizado e visto. A autora destaca também o declínio da leitura, da escrita e da arte da conversação, que cederam lugar ao império da imagem. A atenção que antes se atinha às narrações tradicionais e aos romances da era burguesa hoje se atém à cultura audiovisual, à escuta e ao olhar ligeiro e superficial.
Os jovens lourencianos que comentaram por que publicam imagens pessoais nas plataformas digitais declararam que é porque gostaram de si na foto e, por isso, compartilham com os amigos. "Já que é uma rede social, eu posto/compartilho algo com o objetivo de mostrar para os meus amigos e conhecidos os lugares ou o que eu tenho feito ultimamente" (Gugent). Também afirmaram, durante a discussão com o grupo formado nesta pesquisa, que publicar informações ou imagens pessoais surge para eles como uma necessidade. Necessidade de se expor, de compartilhar o que se está sentindo ou fazendo e de ser reconhecido pelos demais. Analisamos, com base em Sibilia (2008), que, por intermédio das redes virtuais de relacionamento, o "eu" passa a ganhar mais expressão, e todos que habitam esses ambientes são o foco da atenção, não mais apenas as celebridades. Percebe-se assim que a forma de ser reconhecido pelo outro se transforma com o advento das redes sociais virtuais.
Outras informações decorridas do diálogo com o grupo focal se referem às diversas vantagens aludidas pelos jovens como oferecidas pelas plataformas digitais: é possível discutir diversos assuntos acadêmicos e fazer até negócios por meio das redes sociais virtuais - um dos participantes (Gugent) é administrador de um grupo de negócios no Facebook; há a otimização do tempo, pois é possível conversar com várias pessoas ao mesmo tempo sobre assuntos diferentes; as informações chegam mais rápido; tem-se mais coragem de falar o que se quer às pessoas pelas redes virtuais do que pessoalmente; há uma difusão de múltiplas ideias, informações e opiniões; há mais facilidade em conhecer pessoas para se relacionar posteriormente na "vida real"; é mais fácil "fugir" das pessoas com quem não se quer falar nas redes sociais virtuais (exemplos citados: tias mais velhas e primas mais novas), pode-se bloqueá-las ou aparecer offline ou "invisível" para impedir que iniciem uma conversa - o que não é possível fazer pessoalmente. Como analisa Bauman (2004), muitos sujeitos optam por "conectar-se" em vez de "relacionar-se", devido à facilidade e rapidez que essas redes sociais virtuais oferecem para a construção e desconstrução de relacionamentos com outras pessoas.
Tais vantagens citadas pelos jovens também permitem observar que, cada vez mais, se estimula que as pessoas façam várias coisas ao mesmo tempo. Em contrapartida, conforme cita Sibilia (2008), desestimula-se a focalização em atividades contínuas e duráveis. Com todas essas mudanças no meio, transformam-se também as subjetividades, como discutido anteriormente.
Alguns dos jovens pesquisados comentaram que, dada a quantidade de informações e imagens pessoais publicadas nas redes sociais virtuais, não há mais possibilidade de se refletir, por exemplo, sobre como estão os amigos e parentes que moram longe: "Tu não te surpreendes mais com a vida das pessoas. Não tem mais novidade. Tu sabes o que acontece todos os dias com os teus amigos, mesmo que morem longe ou que tu não converses mais, porque no feed de notícias está sempre ali" (Leuk).
Sibilia (2008) discute que essa grande quantidade de informação e velocidade de comunicação configura a aceleração do mundo contemporâneo: em razão do constante surgimento de novidades, muitas vezes se perdem oportunidades de reflexão sobre o mundo. As velhas artes de narrar, que caracterizaram o narrador tradicional de décadas atrás, têm hoje como suas substitutas informações audiovisuais. Antigamente, o leitor tinha diversas possibilidades de interpretação acerca do que lia, já que nem tudo lhe era mostrado ou dito, forçando-o a imaginar e refletir. Hoje, o indivíduo muitas vezes apenas vê ou ouve as informações transmitidas por meios audiovisuais - como as fotografias e outras imagens publicadas pelos jovens lourencianos na plataforma Facebook -, e não lhe é possibilitada, assim, a abertura a interpretações que tinha outrora.
Além dessa desvantagem ocasionada pela utilização das redes virtuais como meio de interação humana, outras foram referidas pelos jovens pesquisados. Uma delas diz respeito à qualidade das relações, que, como citou Dáma, tornaram-se mais superficiais: "Pessoas te adicionam, curtem suas coisas, mas não te cumprimentam na rua". Patinka concordou, alegando que as redes sociais virtuais afastaram um pouco as pessoas fisicamente, pois mesmo quando se encontram, elas não têm mais assuntos para conversar devido à exposição de tudo nas plataformas digitais. Por isso o comentário de Leuk exposto anteriormente de que não se surpreende mais com a vida das pessoas, pois tudo é exposto nas redes sociais virtuais.
Alguns ainda informaram que as redes virtuais de relacionamento implicam diminuição dos encontros face a face: "a gente acaba perdendo essa coisa de se encontrar para conversar, o contato direto com os amigos, abraçar, você fica perto, mas distante ao mesmo tempo, cria uma certa barreira" (Suka). Leuk refere que sente saudade de conversar com amigos em um balcão de bar, cara a cara, "Ou então brigar com alguém ao vivo, até DR é por Facebook ou SMS agora" (Leuk).
Observa-se que a maioria dos jovens pesquisados utilizam as redes sociais virtuais concomitantemente às relações face a face com outros jovens, sendo a internet mais um dispositivo de comunicação e relacionamento. O cruzamento entre essas duas formas de interação pode tanto aproximar quanto distanciar os vínculos entre eles. É pertinente analisar que essa característica está presente nas relações entre a juventude que habita cidades pequenas, pois quase todos se conhecem.
Alguns jovens lourencianos consideram que as plataformas digitais prendem as pessoas a relações virtuais, diferentemente de alguns anos atrás, nos quais as relações eram baseadas no contato face a face. À medida que eles expõem informações sobre si nas redes sociais virtuais, os encontros presenciais entre eles diminuem, pois se esgotam os assuntos a serem conversados. Ao mesmo tempo, ressaltam que quando se encontram face a face, por ser algo cada vez mais incomum, não têm mais a mesma intimidade de outrora, o que gera certo estranhamento.
Por conseguinte, pode-se considerar que as redes sociais virtuais contribuem também, e não apenas, para a construção de relacionamentos superficiais, principalmente em relações de amizade, como mencionaram os jovens pesquisados. Embora a maioria dos participantes do grupo focal esteja em relacionamento amoroso estável, relacionamentos esses iniciados por intermédio de meios digitais, não é o mesmo com as amizades. Os jovens discorreram que não trocam amizades iniciadas por contato face a face por aquelas iniciadas virtualmente. Comentaram que conhecem muitas pessoas virtualmente, e algumas dessas relações acabam se estendendo para encontros face a face, mas são exceções.
Houve ainda outras desvantagens das redes sociais virtuais expostas pelos jovens no grupo focal. Gilla mencionou que hoje é possível diferenciar os amigos entre reais e virtuais. Suka relatou que "simples 'curtidas' em fotos ou comentários geram DRs5". Outro ponto que emergiu na discussão foi em relação às interpretações feitas acerca das publicações nas plataformas digitais: às vezes, interpreta-se uma frase compartilhada por alguém de uma maneira ou de outra, sem saber se realmente essa interpretação condiz de fato com o que a pessoa quis transmitir com a publicação, ou seja, as interpretações podem ser muitas e talvez nenhuma delas seja verdadeira, e isso pode gerar intrigas, desconfiança e conflitos.
Buscando compreender e analisar esse fato - de que as publicações nem sempre são interpretadas da forma esperada por quem as fez -, realizou-se análise documental e observação sobre as publicações realizadas pelos jovens pesquisados. Notou-se que todos compartilhavam fotos de locais visitados, fotos apenas de si, ou com amigos, familiares, entre outros, assim como opiniões sobre música, esportes, ciência, livros e outros assuntos que permeiam suas vidas. De fato, foi possível notar que muitos dos compartilhamentos possibilitam múltiplas interpretações, pois não explicam o porquê de a pessoa ter exposto o que expôs. Por exemplo, alguns publicam que estão se sentindo mal, ou bem, ou felizes, ou alegres, entre outros sentimentos, e não justificam por quê. Isso dá abertura a muitas interpretações por parte daqueles que veem tais postagens.
Além do mais, é válido ressaltar que nas redes sociais virtuais as pessoas podem administrar o que mostram, podem escolher as imagens, vídeos e mensagens a compartilhar. Por isso, "Cabe indagar se todas essas palavras e essa enxurrada de imagens não fazem nada mais (e nada menos) do que exibir fielmente a realidade de uma vida nua e crua. Ou se, ao contrário, esses relatos criam e expõem diante do público um personagem fictício" (Sibilia, 2008, p. 30).
Os jovens pesquisados afirmam restringirem-se a compartilhar determinadas coisas por alguns motivos, por exemplo, porque outras pessoas poderão não entender o que querem transmitir com certas publicações. Em outros casos, ocultam as postagens de algumas pessoas ou selecionam para apenas determinados grupos de amigos poderem visualizar.
Hoje, depoimentos e frases virtuais podem ser escritos, mas nem sempre expressam sentimentos verdadeiros... Muitas vezes as pessoas estão muito mais preocupadas no que os outros vão pensar sobre o que você escreve do que com o que realmente acreditam que seja o correto. Eu, por exemplo, me cuido muito com o que eu publico nas redes... (Gugent)
A partir da citação de Gugent e dos demais comentários dos jovens, questionamos se as subjetividades na contemporaneidade não estariam sendo inautênticas, como se as pessoas estivessem usando máscaras que mostram uma imagem falsa sobre si, escondendo verdades elementares. Ou o oposto: quiçá, como assinala Sibilia (2008), essas características de reprodução de autoficções denunciam o surgimento de subjetividades elásticas e inconstantes.
Segundo a autora, nem sempre os sujeitos foram, como atualmente, convidados a se exibirem para o mundo inteiro, mesclando agora, pois, o que antes era dividido entre esfera pública e esfera privada. Assim, nos dias atuais, nessa sociedade do espetáculo, novas subjetividades se constroem. Diferentes daquelas introdirigidas de tempos atrás, hoje elas são incitadas a serem exteriorizadas.
Sibilia (2008) destaca que o uso das redes sociais virtuais como meio de "confissão" poderia ser uma nova forma de se autobiografar, como se fazia antigamente nos diários íntimos. Passa-se, atualmente, a fazer isso por meio de imagens, vídeos e outras postagens nas redes virtuais de relacionamento, expondo o que antes era reservado para si próprio. E por meio dessas "confissões" (ou compartilhamentos), como citado por uma das participantes do grupo focal, é possível encontrar afinidades com outras pessoas. "Eu me identifico com posts, a personalidade de alguém é muito notável pelo que ela posta e compartilha. Já conversei com muitas pessoas por ter comentado alguma publicação ou coisa assim e me identifiquei com a pessoa" (Dáma). Quatro participantes curtiram esse comentário de Dáma ("curtir" comentários é uma opção disponível na plataforma Facebook).
Com base na análise documental realizada no perfil de cada um dos jovens pesquisados, pudemos observar também que eles constantemente compartilhavam informações sobre como estão se sentindo, tornando a plataforma Facebook uma espécie de diário íntimo. Muitos expunham comentários sobre suas emoções, o que estavam pensando naquele momento; compartilhavam também suas preocupações, opiniões, ou, ainda, sobre atividades futuras, que viriam a desempenhar.
Outro meio de utilização do Facebook por esses jovens mostrou-se na publicação de fotos pessoais, de fotos com amigos, parentes, de fotos em viagens ou em quaisquer outros locais. Ainda, quando se compartilha uma imagem na plataforma, há um pedido de descrição do nome do local no qual a foto foi tirada e com quem, dando a possibilidade de "marcar" as pessoas presentes na foto (para "marcar" alguém, basta que se coloque o nome desse sujeito sobre a foto - ao clicar em cima dessa marcação, quem o fez é conduzido para o perfil virtual da pessoa marcada).
Quando questionados sobre os motivos que os levam a publicar fotos nas redes sociais virtuais, os jovens comentaram não ter um objetivo definido, mas que, em geral, é para mostrar aos demais usuários da plataforma virtual os lugares para os quais foram, ou, quando compartilham fotos nas quais estão com outras pessoas ou animais de estimação, é para demonstrar o seu apreço por eles. Quando publicam fotos apenas de si, é porque gostaram delas, acharam-se bonitos e compartilham para se mostrar aos demais, para atualizar seu perfil, para que os outros curtam suas fotos ou para interagir com outras pessoas por meio dos comentários feitos sobre as imagens.
Apontaram que quando seus amigos (pessoas adicionadas como amigos nas redes sociais virtuais) compartilham fotos, suas reações, em geral, são de curtir as imagens se gostaram delas e comentar no caso de serem pessoas mais próximas. Um dos jovens ainda registrou que às vezes curte fotos de amigos nas plataformas digitais para "puxar o saco" deles, para mostrar que se lembra desses amigos. Pode-se analisar que, com todas essas transformações ocorridas com base nos avanços tecnológicos e no surgimento das redes sociais virtuais, criam-se outros modos de pensar, sentir e agir, instituindo-se, assim, outros meios de relação com o mundo e com os outros (Sibilia, 2008).
Entretanto, há de se destacar aqui também que a autora aponta para o fato de que, apesar de muitos relacionamentos estabelecidos por meio da internet serem superficiais, fortes laços afetivos podem ser criados virtualmente e estendidos para a relação face a face, como é o caso de quatro dos sete jovens pesquisados. Dáma está noiva, conheceu e iniciou contato com o atual parceiro nas redes sociais virtuais (por meio do mIRC) - eles estão juntos há oito anos. Suka também está noiva e iniciou o relacionamento com o parceiro no MSN; estão juntos há cerca de cinco anos. Patinka está namorando há três anos e as primeiras conversas com o parceiro se deram nas plataformas digitais. Há também o caso de Leuk, que está namorando, e os primeiros contatos com a atual parceira se deram por meio de mensagens de celular, ou seja, houve implicações de meios digitais na constituição de seu relacionamento.
Como se pode observar, os quatro jovens participantes do grupo focal que estão em relacionamento "sério" começaram a conhecer o parceiro atual e conversar com ele por intermédio dos meios digitais, três deles por meio das redes sociais virtuais. Isso indica que estas não contribuem apenas para o desenvolvimento de relações líquidas (Bauman, 2004), mas também para a constituição de relacionamentos estáveis. Mas o que leva esses relacionamentos a se iniciarem por intermédio de meios digitais? Em comentários feitos pelos participantes, são apontadas algumas respostas que podem ser sintetizadas pela afirmação de [Autor des1] Dáma:
Se expressar face a face é muito, mas muito mais complicado comparado com a virtual. Eu, por exemplo, morria de vergonha em falar pessoalmente com alguém que eu conhecia pela internet, hoje já estou mais tranquilo quanto a isso... Outro ponto interessante que vale destacar que na frente de uma tela a gente tem um tempo para pensar e responder, pessoalmente se demorar para falar alguma coisa "existe" sentimento ou a pessoa está mentindo. (Dáma).
Como se pode notar, as redes sociais virtuais podem facilitar os primeiros contatos para a constituição de relacionamentos amorosos. Até mesmo os mais tímidos conseguem se soltar quando estão conversando com outras pessoas virtualmente. Assim, o contato inicial virtual pode permitir um conhecimento mínimo, um pouco de intimidade, o que facilita o encontro face a face. No entanto, fica claro que, apesar de citarem as redes sociais virtuais como mediadoras de novos contatos, os jovens lourencianos apontam o contato face a face como fundamental para o sucesso dos relacionamentos. O que se pode analisar, com base nessas informações, é que as plataformas digitais possibilitam que se amplie a rede relacional, mas a continuidade do relacionamento com esses novos contatos exigirá a presença física da pessoa, principalmente se for para relacionar-se amorosamente.
Considerações finais
O presente estudo buscou acompanhar os processos emergentes no campo das redes sociais virtuais, expondo algumas informações e análises de relações de jovens residentes em São Lourenço do Oeste, as quais permitiram cartografar a complexidade, a diversidade e as singularidades que caracterizam os processos de subjetivações contemporâneos.
A pesquisa permitiu compreender os motivos que levam à adesão dos jovens às redes sociais virtuais. Nesse aspecto, inúmeras intenções foram identificadas: a possibilidade de receber um número muito grande de informações das mais diversas; poder manter contato com pessoas que moram longe, e por isso economizar na conta de telefone; a curiosidade, já que outros amigos já eram usuários das redes virtuais de relacionamento; a possibilidade de acompanhar a vida de várias pessoas, por meio de suas publicações (de imagens e mensagens); a possibilidade de se tornarem membros de grupos virtuais de conhecidos com interesses em comum; e a facilidade de poder conhecer pessoas virtualmente e por meio desse contato iniciar novos relacionamentos.
O estudo possibilitou compreender como as redes sociais virtuais implicam nos relacionamentos entre os jovens lourencianos. Por meio das informações advindas dos sujeitos pesquisados, as plataformas digitais foram percebidas como auxiliares para a construção de relacionamentos efêmeros. Por meio delas, os jovens podem conhecer novas pessoas e rapidamente estabelecer uma espécie de vínculo, que também, em muitos casos, rapidamente pode ser desfeito. Entretanto, cabe destacar que os quatro jovens pesquisados que atualmente estão envolvidos em relacionamento estável conheceram ou tiveram suas primeiras conversas com seus parceiros por intermédio de meios digitais, para somente depois estender o contato para a relação face a face. Assim, pode-se analisar que as redes sociais virtuais colaboram para a constituição de relacionamentos passageiros, mas também podem ser utilizadas como porta de entrada para relações duradouras.
Os jovens pesquisados mencionaram também que não se tem mais novidades para conversar com pessoas que moram longe quando se encontram, já que por meio das redes sociais virtuais sabem sobre tudo que acontece com cada conhecido, mediante as informações que publicam em seu perfil virtual. Consideram que houve perdas na qualidade das relações humanas, visto que se tornam mais superficiais, porque, em vez de se encontrarem pessoalmente, as pessoas mantêm majoritariamente contato virtual. Isso ocasiona o afastamento umas das outras, fazendo com que quando se encontrem pessoalmente nem sequer se cumprimentem, mesmo que nas plataformas digitais sejam "amigas" e curtam umas as publicações das outras. Mesmo quando combinam para se encontrar pessoalmente (do que sentem saudade), em muitos casos não têm assuntos para conversar, já que tudo é exposto nas redes sociais virtuais, não havendo mais novidades. Em vista disso, ressalta-se que, com os relacionamentos podendo ser mediados por meios digitais, despontam novos modos de socialização - nem piores, nem melhores, mais diferentes dos de outrora.
Procuramos compreender processos de produção de subjetividades pelas redes sociais virtuais nos jovens pesquisados. Além das implicações já mencionadas, notamos que essas redes estimulam os jovens a exporem sua vida por meio de vídeos, imagens, mensagens e depoimentos pessoais, exteriorizando, portanto, suas subjetividades. Com isso, há a possibilidade de encontrar afinidades e/ou se identificar com outras pessoas, mediante suas publicações. Também se observou que as plataformas digitais estimulam os jovens a fazerem várias coisas ao mesmo tempo, com rapidez, não permitindo que foquem sua atenção em alguma tarefa específica. Por conseguinte, compreende-se que surgem novas maneiras e possibilidades de interação entre as pessoas, e entre elas e as informações das mais diversas.
É importante considerar que a maioria dos jovens pesquisados, por habitar uma cidade pequena, com 21.797 habitantes, conhecem pessoalmente as pessoas com quem se relacionam virtualmente. Observou-se que essa característica de estabelecer concomitantemente as duas formas de relação e comunicação não necessariamente produz efeitos determinados, pois os relatos dos jovens evidenciam que o cruzamento desses dois modos de interação pode tanto aproximar quanto distanciar vínculos sociais e afetivos entre eles.
Por fim, conclui-se que as redes sociais virtuais que configuram a sociedade contemporânea podem contribuir para a homogeneização das subjetividades, ao veicular e uniformizar modos de ser, pensar, sentir e perceber. Porém, podem também implicar produção de subjetividades singulares, como foi possível notar nos comentários de alguns dos jovens pesquisados, que mostraram a originalidade de sua expressão mediante aquilo que é oferecido pelos meios digitais, questionando as circunstâncias em que se encontram e produzindo formas inéditas de viver e de se relacionar com o meio
Considerando que este tema pesquisado envolve redes sociais virtuais e jovens na contemporaneidade, compreende-se o quanto estes são dinâmicos e estão, por isso, constantemente produzindo mudanças em si e no mundo. Por isso, nota-se a pertinência de que estudos na área sejam frequentemente realizados, a fim de se buscar compreender todo esse dinamismo e as implicações que produz na vida das pessoas. Como sugestão, poder-se-ia pensar em desenvolver outros estudos com esse tema, quiçá em outras localidades, abordando outros conjuntos de pessoas e outras dimensões que recebem implicações das redes sociais virtuais, como a política e o trabalho.
Referências
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Recebido em 10/06/2015
Aprovado em 09/05/2017
1 Destaca-se que pelos padrões das Nações Unidas, jovem é a pessoa com idade entre 15 e 24 anos. No Brasil, a Secretaria Nacional de Juventude define o período de 15 a 29 anos como marco etário da juventude, pela incorporação da noção de adulto jovem.
2 Trata-se de um cliente de IRC, shareware, para o sistema operacional Microsoft Windows.
3 Sigla de Microsoft Service Network.
4 Sobre a era da informação, ver Bell (1973) e Drucker (1998).
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