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Pesquisas e Práticas Psicossociais
versión On-line ISSN 1809-8908
Pesqui. prát. psicossociais vol.15 no.4 São João del-Rei oct./dic. 2020
Larissa Medeiros Marinho dos SantosI; Isabela Saraiva de QueirozII; José Rodrigues de Alvarenga FilhoIII; Maria de Fatima Aranha de Queiroz e MeloIV
Ilarissa@ufsj.edu.br
IIisabelasq@ufsj.edu.br
IIIjoserodrigues@ufsj.edu.br
IVfatimaqueiroz.ufsj@gmail.com
Encerramos este ano falando de incertezas e vulnerabilidades como temas recorrentes nos artigos do nosso último número. Medo era o sentimento que se insinuava em março deste ano. Nove meses depois, numa longa gestação, parimos a monstruosidade de mais de 175 mil mortos e cerca de 6 milhões de infectados pela covid-19. O medo se concretizou em tragédia e passamos a viver o risco de forma banalizada. O coronavírus chegou até nós como uma revanche da natureza, uma entre as possíveis outras que ainda podemos viver, mudando radicalmente a vida de todos os habitantes do planeta. A crise climática, tão negligenciada por nossos governantes, nos impõe mudanças urgentes em nosso modo de viver e tratar a Mãe Terra, se quisermos deixar alguma promessa de vida para as gerações futuras. Este foi o ano em que vimos as nossas florestas arderem em incêndios intermináveis, devastando plantas e animais, deixando um rastro de destruição e aridez. Foi também o ano em que milhares de famílias em desespero não puderam dar adeus aos seus mortos que não resistiram à covid-19.
Embora não sendo uma realidade comum a todos, entre as paredes de nossas casas, buscamos o mundo por meio das janelas eletrônicas, por onde a vida era obrigada a fluir em tempos de confinamento. As reuniões e cursos online, as lives para todos os gostos e o trabalho remoto em home offices precisaram da interface das telas de nossos celulares e computadores. Ruim com elas, pior sem elas, pois estaríamos condenados à total desconexão. Está sendo o ano em que nos esforçamos para dar algum sentido às nossas vidas confinadas, tentando sobreviver ao caos. Algumas profissões, mais que outras, sofreram em suas rotinas de trabalho de forma avassaladora. Profissionais da saúde - mais que todos, no enfrentamento direto com os cuidados aos enfermos - e profissionais da educação tiveram suas vidas profundamente alteradas por um grau de estresse inimaginável com o aumento da sua carga de trabalho, numa indefinição entre as rotinas profissionais e domésticas. As desigualdades se acirraram com o recrudescimento da falta de empregos e da economia em queda, produzindo mais pobreza e injustiça social.
O que dizer do ano de 2020? Ano cancelado? Ano roubado? Ano em que nossos dramas pessoais viraram poeira diante do turbilhão coletivo que um ser mínimo e invisível produziu no mundo? Foi e ainda será assim por algum tempo. Está sendo o ano em que, mais que nunca, apesar do discurso delirante dos terraplanistas e negacionistas, a comunidade científica respondeu ao desafio de oferecer orientação segura nos atos e palavras daqueles que investigam os fenômenos que afetam as nossas vidas. As falas de professores e pesquisadores saíram dos laboratórios e das universidades para protagonizar nossos noticiários e combater a desinformação. Cientistas de todo o planeta investiram esforços para nos oferecer, em tempo recorde, vacinas que fortalecessem nossa imunidade diante do vírus. Resultados de pesquisas - alguns contestados, outros confirmados - foram publicados em revistas de renome, num movimento em espiral de erros e acertos que vai se consolidando para ordenar ações políticas de bom senso.
O ano de 2020 foi um ano desafiador, povoado por muitas reações - de medo, perplexidade, cansaço, desespero, solidão - e, para acolher a crescente demanda por alívio de tanto sofrimento, os profissionais da Psicologia se reinventaram em novas modalidades de atendimento não presencial, utilizando as telas como interface mediadora. Foi um ano de muita ação, de soluções criativas e alguma esperança também. Eleições aconteceram dentro e fora do país, mostrando possibilidades de virar um jogo viciado. Nos Estados Unidos, a alternância de poder entre partidos nos promete, no mínimo, a saída de um mandatário beligerante que acirrou conflitos, estimulou extremismos e tornou o xadrez geopolítico um perigoso barril de pólvora. Na América Latina, nos alegramos com a tenacidade das conquistas do povo chileno e com o discurso unificador do novo governo da Bolívia. No Brasil, as eleições nos presentearam com candidaturas exitosas de representantes negros, indígenas, LGBTs e mulheres, que trarão suas bandeiras para ampliar espaços políticos e dar mais visibilidade às suas lutas. Lutas que precisam ganhar cada vez mais espaços, porque é preciso reafirmar sempre aos desavisados que todas as vidas importam. Nem tudo foi perdido, ainda teremos muito que falar deste ano e do que esteve e está em jogo.
Apesar dos recursos cada vez mais escassos para o exercício das atividades acadêmicas e da tentativa de interferência do Governo Federal na gestão universitária, as revistas continuaram seu trabalho. A PPP conclui as publicações de 2020 com seu quarto número. No 15(3), contamos com um número temático dedicado ao PesquisarCOM: feminino e feminismos na ciência. Dele participaram 14 artigos com a autoria de pesquisadoras de renomadas instituições do país. Foram tantos os artigos submetidos e aprovados que não couberam em um só número. Dessa forma, cinco deles comporão a presente publicação em forma de dossiê; os outros nove artigos abordam diferentes temas, tendo como os mais recorrentes a formação e atuação do psicólogo em diferentes campos.
Em "Socioeducação e práticas restaurativas: relato de experiência de formação de profissionais", as autoras Maria de Fatima Pereira Alberto, Tâmara Ramalho de Sousa Amorim, Cibele Soares da Silva Costa, Erlayne Beatriz Félix de Lima Silva, da Universidade Federal da Paraíba, relatam experiências de formação de profissionais para atuação com práticas restaurativas, utilizando como canal um projeto de extensão vinculado à citada Universidade e mostrando a necessidade de construção de novas atuações mais comprometidas com os direitos humanos dos jovens e famílias.
Amanda Carollo Ramos da Silva e Luciana Albanese, da Universidade Federal do Paraná, são autoras de Formação acadêmica e atuação do psicólogo nos Centros de Referência de Assistência Social, no qual relatam pesquisa realizada com profissionais de um Cras para saber mais sobre a relação entre a formação acadêmica em Psicologia e as demandas de trabalho de psicólogos na Assistência Social, indicando a fase de construção em que se encontra a Psicologia para o enfrentamento dessa política pública.
Discutindo as "Concepções da deficiência em Moçambique: embates entre versões ocidentais e contemporâneas", Alexandra Justino Simbine, da Universidade Eduardo Mondlane, em Moçambique, mostra a riqueza de compartilhar entre os profissionais de Psicologia não apenas as concepções de deficiência circulantes na sociedade moçambicana, mas também as concepções conhecidas no Ocidente, evitando tomar a deficiência a partir de uma única perspectiva.
As autoras Rita de Cássia Maciazek-Gomes, Geruza Tavares D'Avila, Daniela Barsotti Santos, da Universidade Federal do Rio Grande, em "Reflexões sobre o estágio de Psicologia Social: narrativas de diferentes enfoques do processo de formação", apresentam questionamentos e reflexões em torno das práticas psicológicas observadas nos locais onde se deram as primeiras experiências de estágio em Psicologia Social, levando a problematizar, no processo de formação, a articulação entre Psicologia e Políticas Públicas.
Izabela da Silva Dantas, da Faculdade Martha Falcão, e Adinete Sousa da Costa Mezzalira da Universidade Federal do Amazonas, no artigo "Psicólogo escolar: fortalecendo a participação da família na escola", relatam pesquisa que buscou investigar a participação da família na escola, destacando o papel do psicólogo escolar como importante mediador dessa relação, ao garantir a promoção de espaços dialógicos.
O autor Thales Fabricio da Costa e Silva, da Universidade Federal de Campina Grande, aborda o Programa Nacional de Assistência Estudantil (o Pnaes) no relato de experiência "Desafios da atuação do psicólogo na Assistência Estudantil em uma Universidade Federal", no qual apresenta os desafios da inserção e atuação do psicólogo na Assistência Estudantil em uma universidade federal, ressaltando a necessidade de respaldar essa prática nos fundamentos da Psicologia Escolar e no trabalho de uma equipe multidisciplinar.
Por meio de revisão integrativa da literatura, os autores Mariane Comelli dos Santos, Denise Cord e Daniela Ribeiro Schneider, da Universidade Federal de Santa Catarina, trazem, no artigo "Adolescência, uso de drogas e prática infracional: reflexões a partir de estudos brasileiros", o estado da arte da produção científica sobre o tema, apontando a complexidade do fenômeno, a necessidade de abordagens ampliadas e de políticas públicas que deem conta do enfrentamento dessa articlação.
No artigo "A interseccionalidade na produção científica brasileira", as autoras Roseane Amorim da Silva da Universidade Federal Rural de Pernambuco, e Jaileila de Araújo Menezes, da Universidade Federal de Pernambuco, dissecam o uso do termo interseccionalidade na produção científica brasileira, verificando a variedade de abordagens, campos de aplicação e métodos de pesquisa, com destaque para a potencialidade da interseccionalidade como forma de viabilizar situações de opressão e desigualdade social.
No artigo "Subjetividade e espaço: um olhar pela Teoria Ator-Rede", os autores Leonardo Perdigão Leite, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, e Pedro Jorge Lo Duca Vasconcellos, da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, utilizando como referenciais teóricos autores como Bruno Latour, David Lapoujade, Gabriel Tarde e John Law, buscam traçar uma forma alternativa de se entender e desenvolver as subjetividades e suas relações com os agrupamentos sociais, defendendo que as coisas e os espaços são também agentes em muitas situações em que a subjetividade não se dá apenas entre os seres humanos e sua interioridade.
Para que os quatro números deste ano fossem publicados, muitas pessoas estiveram envolvidas com as suas parcelas de contribuição, sem as quais este resultado não seria possível. Mesmo a distância, por troca de mensagens via e-mail e WhatsApp e de reuniões online, nossos encontros foram possíveis. Num desses encontros, cujo objetivo era discutir a situação das revistas da UFSJ, tivemos a oportunidade de conhecer o Prof. Stênio Nunes Alves, então Pró-Reitor de Pesquisa e Pós-Graduação, que faleceu em decorrência da covid-19 no dia 12 de novembro, perda com a qual nos solidarizamos. A Revista Pesquisas e Práticas Psicossociais encerrra este editorial agradecendo as parcerias e o trabalho compatilhado ao longo do ano, na esperança de que a tempestade passe e tenhamos a chance de sobreviver a ela.