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Revista Brasileira de Psicologia do Esporte
On-line version ISSN 1981-9145
Rev. bras. psicol. esporte vol.1 no.1 São Paulo Dec. 2007
Estudo exploratório sobre o abandono do esporte em jovens tenistas
Exploratory study about the abandonment of the sport in young tennis players
Estudio explorador sobre el abandono del deporte en jovenes tenistas
Mariana Hollweg Dias1; Marco Antônio Pereira Teixeira2
1 Departamento de Fundamentos da Educação-UFSM
2 Instituto de Psicologia-UFRGS
RESUMO
Procurou-se investigar possíveis fatores que pudessem estar associados com a intenção de abandono do esporte entre jovens atletas, com o intuito de obter dados que eventualmente pudessem ser utilizados para a compreensão do fenômeno ou mesmo para subsidiar intervenções preventivas. Foi criado um instrumento para este estudo, onde se requisitava informações sobre a prática esportiva e investigava diversos pensamentos e sentimentos em relação à prática do tênis (incluindo pensamentos de abandono). Foram encontradas correlações significativas entre a variável pensamentos de abandono e as seguintes variáveis: número de horas treinadas por semana (correlação negativa), metas não alcançadas, preocupação menor com os resultados, cobranças por parte de pais e treinadores as quais os atletas não sabem se conseguirão atingir, o fato de sentirem-se menos valorizados pelo treinador do que os colegas, de não estarem mais sentindo prazer em treinar e vontade de ir aos treinos e ainda a falta de recurso financeiro.
Palavras-chave: Psicologia do esporte, Jovens atletas, Tênis, Abandono do esporte.
ABSTRACT
This study tried to investigate possible factors to be associated with the intention of abandonment of the sport among young athletes, with the intention of obtaining data that eventually could be used for the understanding of the phenomenon or even to subsidize preventive interventions. An instrument was created for this study, where it was requested information on the sporting practice and it investigated several thoughts and feelings in relation to the practice of the tennis (including thoughts of abandonment). They were found significant correlations between the variable thoughts of abandonment and the following variables: number of hours a week (negative correlation), goals not reached, smaller concern with the results, collections on the part of parents and trainers which the athletes don't know if they will get to reach, the fact of they feel her less valued by the trainer than the friends, of they be not more feeling pleasure in and will of going to the trainings and still the lack of resource financier.
Keywords: Sport Psychology, Young athletes, Tennis, Abandon of the sport.
RESUMEN
Se procuró investigar posibles factores que pudieran estar asociados con la intención de abandono del deporte entre jóvenes atletas, con el intuito de obtener datos que eventualmente puedan ser utilizados para la comprensión del fenómeno o también, para subsidiar intervenciones preventivas. Fue creado un instrumento para este estudio, donde se requería informaciones sobre la práctica deportiva e investigaba diversos pensamientos y sentimientos en relación a práctica del tenis (incluyendo pensamientos de abandono). Fueron encontradas correlaciones significativas entre la variable pensamientos de abandono y las siguientes variables: número de horas entrenadas por semana (correlación negativa), metas no alcanzadas, preocupación menor con los resultados, exigencias por parte de padres y entrenadores, las cuales los atletas no saben si conseguirán alcanzar, el hecho de sentirse menos valorados por el entrenador que los colegas, de no estar sintiendo mas placer al entrenar y voluntad para ir a los entrenos pero falta de recursos financieros.
Palabras clave: Psicología del deporte, Jóvenes atletas, Tenis, Abandono del deporte.
Introdução
O abandono da prática esportiva é tema recorrente quando o assunto é jovens atletas. Na literatura especializada, quando se fala em abandono do esporte, em geral usa-se o termo em inglês burnout (que poderia ser traduzido como queima, esgotamento). Na definição dada por Gould, Tuffey e Loehr (1996.a), burnout seria o abandono do esporte por um estresse excessivo crônico; já quando o abandono do esporte se dá por outros motivos que não esse (mudança ou conflito de interesses, falta de diversão, baixa percepção de competência etc) o termo adequado seria dropout. No entanto, muitas vezes essa diferenciação não é feita, e o termo burnout é utilizado para designar o abandono do esporte independentemente dos motivos associados ao abandono. A seguir apresentaremos três modelos de compreensão de burnout que têm sido apontados com freqüência pela literatura especializada: são os modelos de Smith (1986), Silva (1990) e Coakley (1992).
Segundo Smith (1986), o burnout no esporte caracteriza-se como um abandono psicológico, emocional e algumas vezes físico de uma atividade na qual a pessoa costumava engajar-se e divertir-se em função do estresse crônico ou da falta de satisfação. O autor propõe um modelo de processo de burnout no esporte baseado no estresse composto por quatro estágios. No primeiro estágio desse modelo o atleta é colocado sob alguma demanda, como tempo prolongado de treino ou pressão para ganhar imposta por pessoas significativas. No segundo estágio, o atleta interpreta e avalia tal situação. No terceiro estágio, se a demanda é vista como assustadora, há uma resposta fisiológica como insônia ou cansaço. E no quarto estágio o atleta vai apresentar algum comportamento de enfrentamento (coping) para lidar com tal situação, que pode resultar em diminuição da performance, dificuldades interpessoais ou mesmo o abandono da atividade.
No modelo proposto por Smith (1986), os estágios são influenciados por fatores motivacionais e de personalidade como a auto-estima e traço de ansiedade. É uma manifestação ou conseqüência de componentes situacionais, cognitivos, fisiológicos e comportamentais de estresse excessivo. O burnout é então visto como resultado de uma interação recíproca entre fatores pessoais e situacionais.
Silva (1990), apesar de reconhecer a importância dos fatores psicológicos envolvidos no burnout, dá mais atenção às respostas ao treinamento físico. Muito treino pode resultar em uma adaptação negativa. Essa má adaptação pode levar a uma resposta negativa aos treinos, levando a um contínuo que vai do cansaço esperado a um cansaço por supertreinamento e finalmente ao burnout. Silva (1990) define burnout como uma resposta psicofisiológica resultante de esforços freqüentes, às vezes extremos, e geralmente inefetivos para dar conta das elevadas exigências de treinamento e competição.
Coakley (1992) concorda que o estresse está envolvido no burnout. No entanto, ele argumenta que o estresse não é a causa, mas sim um sintoma. O autor apresenta uma perspectiva sociológica relacionando o burnout com a estrutura social de participação no esporte de atletas adolescentes. Nessa perspectiva, o burnout acontece quando os atletas sentem que estão perdendo tempo com o esporte ou quando se sentem presos ao mesmo. Coakley (1992) relaciona essas questões com problemas de identidade. O autor sugere que a organização social do esporte não permite que os atletas tenham controle sobre seu próprio envolvimento na prática esportiva numa idade em que é muito importante para o jovem desenvolver o senso de independência e autonomia. Além disso, por causa da demanda de tempo associada com uma participação intensa no esporte, os atletas não são encorajados a explorar outros papéis que não o de atleta. Como resultado, os jovens podem definir-se exclusivamente como atletas ao invés de adotarem uma identidade multifacetada típica dos adolescentes. Essa identidade unidimensional faz com que se sintam pressionados a obter sucesso já que o senso de self é baseado exclusivamente em ser atleta. Quando o atleta sofre alguma lesão ou não tem bons resultados, esta identidade única relacionada a ser atleta é abalada, causando estresse que contribui para o burnout.
Segundo Weinberg & Gould (2001), o esgotamento, tanto físico quanto emocional, são aspectos característicos do burnout trazendo como conseqüência a perda de preocupação, energia, interesse e de confiança além de sentimentos de baixa realização pessoal, baixa auto-estima, fracasso e depressão. Segundo esses autores, o fato de os atletas começarem a vida esportiva muito cedo e serem pressionados a se tornarem profissionais ainda na adolescência contribui para que sofram o processo de burnout muito jovens. O treinamento cada vez mais intenso e com poucos intervalos entre as temporadas, como ocorre principalmente no tênis, na ginástica olímpica e na natação, contribuem para o esgotamento dos atletas.
Epiphanio (2002) realizou uma pesquisa sobre os conflitos vivenciados por atletas quanto à manutenção da prática esportiva de alto rendimento com base no acompanhamento psicológico feito com atletas tanto de esportes coletivos quanto individuais, com média de idade de 18 anos. Segundo a autora, em um determinado momento da vida, é comum que ocorra um conflito com relação ao desejo manifesto pelo esporte, que pode estar relacionado à ausência de objetivos, falta de perspectiva no esporte e afastamento do prazer inicialmente proporcionado pelo esporte. Tais conflitos ocorrem em um momento de transformação, a adolescência, quando há uma pressão para a efetivação da opção pela vida de atleta, sendo assim, este deve ser um foco de atenção terapêutica para os psicólogos que trabalham no meio esportivo.
Hallal, Nascimento, Hackbart e Rombaldi (2004) realizaram um estudo com 140 atletas que haviam participado de equipes competitivas de futsal e que abandonaram o esporte entre 11 e 17 anos com o objetivo de investigar os fatores psicológicos relacionados ao abandono. A análise global dos resultados mostrou que problemas com o treinador e dificuldade em conciliar esporte e estudo foram os principais fatores relacionados ao abandono do futsal nesta amostra de adolescentes brasileiros. A análise dos resultados por faixa etária mostrou que, entre aqueles atletas que abandonaram o esporte entre 11 e 12 anos, os principais fatores associados foram o prejuízo nos estudos, falta de apoio do técnico e dificuldade de relacionamento com o técnico. Entre 13 e 14 anos, os principais fatores apontados foram falta de apoio do técnico, prejuízo nos estudos e preferência por outros esportes. Já entre os jovens que abandonaram o esporte entre 15 e 17 anos o prejuízo nos estudos, a falta de apoio do técnico e a falta de patrocínio ou apoio financeiro foram os aspectos mais citados.
Chiminazzo e Montagner (2004) destacam que as pressões externas podem ser determinantes na vida de um atleta. A exigência de vitórias por parte dos pais ou treinadores bem como as comparações entre irmãos ou entre atletas de um mesmo grupo podem contribuir para que o atleta deixe de jogar por prazer, ficando o jogo caracterizado somente pela busca da vitória. De acordo com os autores, este pode ser um fator desencadeante da síndrome de burnout devido à grande cobrança pela perfeição.
Knijnik, Greguol e Seleno (2001), em estudo que apresenta uma revisão de literatura sobre os motivos do abandono precoce do esporte infanto-juvenil, citam os seguintes fatores como os mais relevantes: falta de participação em campeonatos, ênfase exagerada na vitória e excesso de pressões por parte dos pais e dos técnicos. García (2000) sugere que entre outros fatores que têm levado os jovens a abandonarem o esporte estão: a excessiva insistência na vitória, a pressão competitiva, a falta de diversão, a conduta do treinador, a forma em que estão organizados os treinamentos e as competições, e a pobre comunicação com treinadores e companheiros. O autor ainda coloca que na juventude é muito importante a influência dos pais, dos treinadores, dos companheiros e dos amigos tanto na motivação para iniciar quanto para continuar praticando um esporte.
Pesquisando o abandono do contexto competitivo de talentos do atletismo no estado do Paraná, Vieira (1997) concluiu que são diversos os fatores que levam jovens atletas a abandonarem o esporte e que estes estão relacionados com o período de vida e o histórico esportivo do atleta. Entre os fatores que influenciaram o abandono dos dez jovens entre 18 e 22 anos pesquisados, foram apontados como determinantes: oportunidade para trabalhar, casamento seguido de paternidade, extinção da fundação de esportes, falta de valorização da modalidade e discussão com o técnico. Entre os fatores intervenientes foram citados: maturação precoce, ter que estudar, busca por outras atividades, ter que trabalhar, lesões musculares, falecimento do pai, condição financeira da família, falta de estrutura na cidade, pressões familiares, interferência do pai no treinamento, falta de técnico especializado, competir em categorias mais elevadas, desgaste psicológico, falta de orientação pessoal, falta de patrocínio, dependência equipe-prefeitura e falta de valorização da modalidade.
Raedeke e Smith (2001) sugerem que uma das razões do burnout no esporte não ter sido muito estudada é o fato de não existir até então um instrumento psicométrico consistente que trate dessa questão. Partindo da definição de burnout como uma síndrome psicológica de exaustão física e emocional, associada a um senso reduzido de capacidade de realização e à desvalorização do esporte, os autores desenvolveram o Athlete Burnout Questionnaire, aplicável a uma variedade de contextos de esportes competitivos para adolescentes e jovens adultos. Tal instrumento, até onde foi possível verificar, não foi adaptado à realidade brasileira. Nesse estudo, os autores procuraram relacionar os resultados da escala de burnout com outras medidas de estresse, coping, diversão e motivação, fazendo uso de testes específicos para o esporte. Encontraram uma relação positiva entre burnout e estresse, ansiedade-traço de competição e falta de motivação, e uma relação negativa entre burnout e falta de motivação interna, diversão e comprometimento.
Segundo Smith (1986), a síndrome do burnout é mais freqüente em atletas de esportes individuais devido principalmente à natureza repetitiva e monótona dos treinamentos, além do menor suporte social dos companheiros. Nesse sentido, De Rose (2001) verificou, entre adolescentes brasileiros, um maior nível de estresse entre aqueles que praticavam tênis em comparação com os que praticavam basquetebol, futebol e natação. Considerando que o estresse está associado ao burnout, tal resultado está de acordo com as conclusões de Smith (1986).
Um importante estudo a respeito de burnout em jovens tenistas, desenvolvido em três partes foi feito por Gould e equipe de colaboradores (Gould, Tuffey e Loehr ,1996.a; Gould, Tuffey e Loehr , 1996.b; Gould, Tuffey e Loehr, 1996.c). Importante ressaltar que esses autores não diferenciaram burnout de doprout. A meta da primeira parte da pesquisa era identificar e descrever psicologicamente os atletas juniores de tênis que haviam abandonado o esporte e comparar esses indivíduos com aqueles jogadores que não haviam abandonado o esporte. Na pesquisa foi utilizado o inventário de burnout chamado Eades Athletic Burnout Inventory que, apesar de os autores ressaltarem não possuir uma validade comprovada, foi usado por ser a única escala de burnout específica ao esporte existente naquele momento. Além disso, os atletas responderam a um inventário sobre o seu histórico no tênis, uma escala específica de motivação no esporte, uma escala de perfeccionismo, uma escala de ansiedade no esporte, uma escala de medida de identidade de atleta e uma outra para avaliar as estratégias de coping. Os atletas que já haviam abandonado o esporte foram orientados a responder os questionários em relação ao seu último ano de competição, e os que ainda praticavam foram orientados a responder de acordo com a fase em que se achavam mais envolvidos com o tênis.
No que diz respeito às variáveis psicológicas, os atletas que haviam abandonado o esporte apresentaram uma motivação externa mais baixa, escores mais altos de falta de motivação e relataram serem mais retraídos. Logo, em relação aos que ainda não haviam abandonado o esporte, estes atletas pareceram estar mais desmotivados e sem investir psicologicamente na atividade.
Os dois grupos de atletas apresentaram diferenças em diversas subescalas que procuravam medir perfeccionismo, sendo que uma das principais descobertas dessa investigação foi o importante papel desempenhado por esta característica no burnout. Os atletas que já haviam abandonado o esporte apresentaram uma maior percepção de críticas e expectativas parentais, tiveram maior necessidade de organização, apresentaram maior preocupação a respeito de seus erros e tinham padrões pessoais em relação ao desempenho no esporte mais baixos. Pesquisas anteriores citadas no mesmo artigo já apontavam que, se os atletas percebem uma alta crítica por parte de seus pais e são mais preocupados com os seus erros, estão mais propensos a experimentar o estresse e o burnout, assim como aqueles atletas que sentem que as coisas não estão organizadas do jeito que eles gostariam. No entanto, os autores colocam que se esperaria que estes atletas, por serem mais perfeccionistas, se cobrassem mais em termos de resultados, tendo um padrão alto de performance. Ressalte-se, contudo, que alto padrão de performance é apenas uma das subescalas de perfeccionismo. Alternativamente, poderia-se pensar que, por já estarem em processo de burnout, estes atletas não seriam mais tão exigentes quanto a sua performance,
Os estudos de Gould, Tuffey e Loehr (1996.a; 1996.b; 1996.c) mostraram ainda que os atletas que abandonaram o tênis apresentaram, no último ano de sua prática, menos estratégias de enfrentamento (coping) para lidar com as situações estressantes do esporte e uma menor capacidade de reinterpretação positiva e desenvolvimento de habilidades de coping. Os autores colocam que, apesar deste estudo ter apontado que características da personalidade como o perfeccionismo podem predispor alguém a abandonar o tênis, o estudo também mostrou a relevância de muitas variáveis situacionais, como a elevada crítica dos pais ou o ato de competirem na faixa etária acima da sua.
Na segunda parte da pesquisa desenvolvida por Gould, Tuffey e Loehr (1996.b), 10 atletas, entre 12 e 23 anos, que participaram da primeira parte do estudo e que haviam experenciado o burnout, foram convidados a participar de um estudo de aprofundamento do tema. Os atletas responderam a uma entrevista estruturada, que visava entender melhor os fatores individuais que os conduziram ao burnout. Analisando as dez entrevistas foram identificadas as características físicas e mentais desses atletas assim como os motivos para que o burnout acontecesse.
As características mais citadas foram a falta de motivação, a frustração, o fato de sentir-se irritado e enjoado com os treinamentos e sentir-se fisicamente sem energia. De acordo com a revisão de literatura feita por Gould, Tuffey e Loehr (1996.b), era esperado que fatores como supertreinamento físico, lesões e exaustão física caracterizassem a maior parte dos casos de atletas que sofreram burnout; no entanto, foi constatado que fatores psicossociais foram muito mais importantes.
A partir das entrevistas, várias categorias foram elencadas como fatores que levam ao burnout. No grupo "problemas físicos" estão incluídos, por exemplo, lesões, cansaço dos treinamentos e não estar satisfeito com os seus resultados. Do grupo "preocupações logísticas" fazem parte o tempo despendido com os treinamentos, o fato de viajar muito e ter problemas na escola por falta de tempo. E no grupo relativo a "problemas sociais e interpessoais" estão agrupadas as características como vontade de estar com os amigos e de ter uma vida social mais ativa. Gould, Tuffey e Loehr (1996.b) também concluíram que expectativas não alcançadas, inabilidade para alcançar suas metas pessoais e o fato de o tênis ter se tornado menos importante para eles e de preocuparem-se menos com suas performances são fatores que contribuíram para o abandono.
Gould, Tuffey e Loehr (1996.a), ao final da pesquisa, verificaram que a experiência de burnout é heterogênea. Alguns atletas que abandonaram o tênis pararam totalmente de se envolver com o esporte e não tinham mais nem mesmo vontade de pegar numa raquete. Outros, no entanto, experimentaram tanto estresse como os outros, mas não abandonaram o esporte; apenas diminuíram seu envolvimento físico e psicológico com o mesmo. Com isso, os autores concluíram que os atletas que experimentam burnout cortam o seu envolvimento com a prática esportiva de alguma maneira, mas nem sempre abandonam totalmente o esporte.
Como parte de suas conclusões, Gould, Tuffey e Loehr (1996.b) ressaltam a importância de os atletas juniores terem amigos e estarem com os amigos para que seja mantida sua motivação para jogar. Infelizmente, quando o tênis se torna mais competitivo as oportunidades de estar com os amigos diminuem. Isto, segundo os autores, diminui a habilidade de combater o estresse em função da redução do suporte social, reduz a diversão no tênis e faz com que as alternativas de atividade onde os jogadores possam estar com seus amigos pareçam mais atrativas.
Uma limitação desse estudo, segundo seus autores, é que ele teve uma natureza retrospectiva. O ideal seria fazer um estudo longituginal para saber como a história de atletas que abandonaram por burnout difere daqueles que não o fizeram. Os autores ainda recomendam que, em estudos futuros, seria interessante separar os dois tipos de abandono de atividade (abandono por burnout e abandono por outros motivos). Dado que durante o processo de burnout a motivação para participação dos atletas diminui e eles desenvolvem o desejo de fazer outras coisas (como estar com os amigos) há dificuldade em fazer tal distinção. Para os autores dessa pesquisa, a chave para entender o burnout é vê-lo não como uma fraqueza de personalidade, mas como uma interação de características dos jogadores com as demandas situacionais.
No terceiro estudo, Gould, Tuffey e Loehr (1996.c), procuraram mostrar a importância das experiências individuais de cada atleta como determinantes para o abandono da prática esportiva. Foram feitos três estudos de caso: um jogador que apresentava altos níveis de pefeccionismo e supertreinamento; um jogador que sofreu pressão por parte de outras pessoas e que sentia necessidade de uma vida social, e um jogador que estava estafado com os treinamentos (physically overtrainning) e tinha metas inapropriadas. Com isso, os autores concluíram que, embora em geral o burnout possa ser caracterizado por aqueles quatro passos propostos no modelo de Smith (1986), ele é uma experiência única e pessoal, podendo estar bastante relacionada ao contexto social, como refere Coakley (1992), ou ainda ao supertreinamento como sugere Silva (1990).
Em um outro estudo realizado com jovens tenistas, Copetti (2001), abordou o abandono da prática esportiva ao investigar atributos pessoais de jovens tenistas. Fizeram parte do estudo 46 tenistas de dois clubes do Estado do Rio Grande do Sul, com idades entre nove e dezoito anos, de ambos os sexos. Foi utilizada uma entrevista baseada em um roteiro pré-estabelecido na forma de questionário. A partir de então, foi feita uma análise categorial das entrevistas. Dentre as categorias analisadas, há uma chamada "fatores de interação no desencadeamento da disposição pessoal para abandonar o tênis", que é particularmente interessante para o presente estudo.
Todos os tenistas que participaram da pesquisa estavam naquele momento envolvidos com o esporte. No entanto, dentre aqueles tenistas que já haviam parado de jogar por um período de tempo, foi observado que o desencadeamento dessa disposição ocorreu em função de fatores tais como: obtenção de maus resultados, mudanças de interesses, estresse e cansaço dos jogos e treinamentos, mudança no significado que o tênis passou a ter em suas vidas (deixando em um determinado momento de ser tão importante) e dificuldades em lidar com lesões. Dentre os tenistas que já haviam apresentado vontade de parar de praticar o tênis, mas que não chegaram a fazê-lo, foram observados os seguintes fatores como geradores de tal disposição: maus resultados obtidos, mudanças de interesse (principalmente por outros esportes), a dificuldade de conciliar as exigências do esporte com os estudos, por ter começado muito cedo (não tendo ainda despertado o gosto e o prazer de jogar tênis) e o resultado da avaliação negativa realizada pelos colegas. Com base nesses dados, Copetti (2001) concluiu que a disposição para permanecer engajado no tênis ou em outros esportes, não ocorre apenas em função dos elementos que constituem a aprendizagem e o treinamento da modalidade esportiva em questão. A rede social em que o atleta convive, bem como o significado elaborado por cada indivíduo acerca de suas vivências pessoais no esporte também são fatores muito importantes.
O objetivo da presente investigação empírica é explorar possíveis fatores relacionados ao abandono do esporte em jovens atletas tenistas. Ao invés de realizar-se um estudo retrospectivo com atletas que abandonaram o esporte, optou-se por investigar a presença de pensamentos de abandono (ou seja, pensamentos ligados à falta de motivação para o esporte e intenção de deixá-lo), relacionando estes pensamentos com diversas variáveis apontadas pela literatura e sugeridas pelo contato com treinadores e atletas como possíveis causas de abandono. Presume-se que, antes de abandonar o esporte, os atletas experimentem tais tipos de pensamentos, sendo assim relevante investigar a associação entre esta variável e outras que talvez lhe sejam precursoras. Reconhece-se, no entanto, que se trata de um estudo de caráter correlacional, não sendo possível inferir relações de causalidade entre as variáveis.
No presente estudo não será feita distinção entre burnout, entendido como abandono do esporte em função do estresse relativo ao treinamento, ou abandono do esporte devido a outros fatores. Estaremos investigando possíveis fatores relacionados ao abandono da prática esportiva em virtude de qualquer razão, até porque como já apontado por Gould, Tuffey e Loehr (1996.a), essa distinção entre burnout e dropout nem sempre é simples de ser feita.
Método
Participantes
Participaram da pesquisa jovens tenistas de um clube esportivo localizado em uma cidade do interior do RS que estavam treinando regularmente em outubro de 2003 nas equipes A e B do clube. A equipe A tinha por objetivo principal a competição, enquanto a equipe B visava a recreação e a preparação para o esporte competitivo. Uma vez que a equipe A tinha por meta a competição, havia um investimento maior da própria equipe técnica em relação a esses atletas, no sentido de que mesmo estando em número reduzido em relação à equipe B, eles tinham um treinador específico além de preparador físico e atendimento psicológico. O horário e a carga de treinamentos eram também diferenciados. Esses atletas, além de terem um nível técnico apurado, deviam demonstrar vontade de dedicar-se ao esporte como requisito para estar na equipe A, já que esta equipe era considerada a elite do clube, de quem eram esperados resultados. Já entre os atletas da equipe B, alguns participavam de competições, mas o objetivo maior era a recreação, sendo bem menos cobrados nos treinamentos. A amostra foi composta por 32 atletas. Destes 84,4% eram meninos e 15,6% eram meninas. Nesta amostra 31,3% dos atletas faziam parte da equipe A (n=10) e 68,8% da equipe B (n=21). A média de idade dos atletas foi de 14,4 anos (desvio padrão de 2,01), com amplitude de 12 a 19. Eles começaram a jogar em média aos 10,47 anos e a competir aos 11,25 anos. A quantidade de horas dedicadas aos treinos era, em média, de 9,7 horas por semana.
Instrumento
Baseado nos estudos citados anteriormente e a partir da experiência de trabalho com atletas e técnicos, criou-se um instrumento com o intuito de explorar quantitativamente a correlação entre possíveis fatores que levam ao abandono do esporte e intenção de abandono, revelada por pensamentos de abandono (anexo A). Além de solicitar informações a respeito da idade do atleta, equipe em que treina, idade em que começou a jogar, idade em que começou a competir e número de horas que treina por semana, o questionário contou com 27 afirmações relativas a pensamentos e sentimentos em relação à prática do tênis. Para cada uma das questões foi utilizada uma escala Likert de cinco pontos no qual o participante indicava, numa graduação, o quanto concordava com cada proposição. Os 27 itens foram agrupados em oito categorias: a) Pensamentos de abandono; b) Baixo desempenho percebido; c) Reações negativas ao baixo desempenho; d) Cobranças externas; e) Falta de incentivo ou apoio; f) Reações negativas ao treinamento; g) Interferência do tênis em outros interesses; e h) Outros. Os itens relativos a pensamentos de abandono foram os seguintes: "Eu penso em abandonar o tênis", "Pergunto-me se vale a pena continuar jogando tênis" e "Tenho vontade de desistir do tênis". Os conteúdos dos itens das demais categorias são apresentados nas Tabelas 2 a 5, juntamente com os resultados.
Procedimentos
Os questionários foram aplicados no horário em que os atletas compareciam ao treinamento em uma sala próxima às quadras de tênis. Algumas aplicações foram em grupo e outras foram feitas individualmente. Devido à re-estruturação do comitê de ética em pesquisa da universidade a que os pesquisadores estavam vinculados à época, não foi possível submeter o projeto à apreciação do comitê. Contudo, atletas e seus responsáveis foram esclarecidos sobre os objetivos da pesquisa antes da sua realização, tendo sido obtidos termos de consentimento de participação na pesquisa de ambos.
Análise dos dados
A variável pensamentos de abandono foi originalmente operacionalizada em três itens, conforme descrito anteriormente. Análises de correlação posteriores, contudo, indicaram que apenas os itens "Eu penso em abandonar o tênis" e "Tenho vontade de desistir do tênis" estavam fortemente correlacionados (coeficiente rho=0,79; p< 0,001). Por este motivo, foram utilizados apenas estes dois itens para compor a medida de pensamentos de abandono (somando-se os escores).
A variável pensamentos de abandono foi então correlacionada com cada uma das demais variáveis (itens). Para isto foi utilizada a análise de correlação de Spearman. Para efeitos de interpretação dos resultados, foram consideradas apenas as correlações com nível de significância p<0,05, salvo comentários em contrário. Para análise e interpretação dos dados foram separados os resultados dos atletas por equipe. Isso foi feito principalmente em virtude de os objetivos em relação ao tênis serem bastante diferentes entre as equipes A e B.
Resultados e Discussão
A Tabela 1 mostra as correlações entre pensamentos de abandono e as variáveis idade, idade em que começou a jogar, idade em que começou a competir e número de horas de treinamento por semana. Destas, apenas a última apresentou uma correlação significativa. Na equipe A o número de horas treinado na semana mostrou-se inversamente correlacionado com os pensamentos de abandono, ou seja, quanto mais horas treinam por semana, menos vontade têm de abandonar o tênis. Poderia ser esperado um resultado oposto: mais horas de treinamento levariam a uma estafa física e psicológica e conseqüentemente ao processo de abandono. No entanto, dado o contexto, percebe-se que a carga de treinamentos nesta equipe não é tão pesada a ponto de estafar os atletas. Pode-se pensar que aqueles atletas que dedicam mais horas ao treinamento estão realmente engajados na tarefa e motivados; logo, não pensam em abandonar o esporte. Ao contrário, se freqüentam menos os treinamentos é porque não estão, por vários motivos, tão dispostos a investir. Estes vários motivos é que poderiam levar o atleta a viver o processo de abandono do tênis.
Já a Tabela 2 mostra as correlações entre pensamentos de abandono e os itens das categorias "baixo desempenho percebido" e "reações negativas ao baixo desempenho". Como se pode observar, o fato de os atletas não estarem tendo o desempenho que esperavam e não apresentarem o mesmo desempenho em competições e treinos não apresentou correlação significativa com os pensamentos de abandono do esporte. No entanto, para equipe A, o fato de não estar alcançando as metas traçadas está significativamente correlacionado com pensamentos de abandono. Ter um desempenho abaixo do esperado não se mostrou relacionado com pensamentos de abandono, mas não alcançar as metas sim. Esse é um resultado curioso já que as variáveis são, no mínimo, muito parecidas. Esta diferença pode ter surgido em função de uma interpretação errônea do instrumento por parte dos atletas, mas acredita-se que mais provavelmente deva-se ao pequeno tamanho da amostra.
De qualquer forma, é possível entender porque o fato de não alcançar as metas tem correlação para a equipe A e não para equipe B. De uma forma geral os atletas da equipe A investem mais no tênis, estão mais envolvidos emocionalmente e, logo, se não alcançam seus objetivos sentem-se mais frustrados do que aqueles que encaram o tênis de forma mais recreativa. O fato de não ter os resultados desejados é apontado na literatura como uma das causas do abandono do esporte (Gould, Tuffey e Loehr, 1996.a; Gould, Tuffey e Loehr, 1996.b; Copetti, 2001).
Ainda na Tabela 2 pode-se ver que nenhuma das variáveis que compõem a categoria "reações negativas ao baixo desempenho" esteve relacionada com pensamentos de abandono nas equipes A e B, em separado. No entanto, quando somado o total de atletas das duas equipes aparece uma correlação significativa com a variável estar menos preocupado com os resultados do que costumava estar, marginalmente significativo (possivelmente em função do tamanho reduzido da amostra).
Pode-se pensar que, por já estarem pensando em abandonar o esporte, os atletas estão desinvestindo e, por isso, estão menos preocupados com os resultados. Isso vai ao encontro da pesquisa de Gould, Tuffey e Loehr (1996.a) que coloca que atletas que experimentaram o burnout apresentaram padrões de desempenho mais baixos, ou seja, não estavam tão preocupados com uma alta performance.
A Tabela 3 traz os resultados das correlações entre pensamentos de abandono e os itens das categorias "cobranças externas" e "falta de incentivo ou apoio". Nota-se que, entre os itens de "cobranças externas", o fato de serem cobrados por pais e treinadores e não terem certeza de que possam atingir os resultados esperados por estes estiveram correlacionados significativamente com os pensamentos de abandono para a equipe A. Esse é um dado em acordo com a literatura, que indica que a pressão exercida por pessoas significativas como algo que pode levar ao abandono do esporte (Gould, Tuffey e Loehr, 1996.a; Knijnik, Greguol e Seleno, 2001; Chiminazzo e Montagner, 2004). Já na equipe B não se verificou tal correlação. Não sendo a competição seu objetivo central, as cobranças externas quanto a resultados, se existem, certamente são menos intensas. A variável sentir que não está correspondendo ao que os outros esperam não esteve relacionada com os pensamentos de abandono.
Já em relação à categoria "falta de incentivo ou apoio", a Tabela 3 mostra que o fato de não se sentir tão valorizado pelo treinador quanto seus colegas esteve correlacionado significativamente aos pensamentos de abandono para os atletas da equipe B. Este é um dado bastante interessante sobre o qual a equipe técnica deve estar atenta. O fato de haver essa hierarquia entre as equipes, sendo que muito mais atenção do clube é despendida à equipe A, pode vir a ser um motivo para que os atletas, sentindo-se sem apoio, abandonem o tênis. Não que esta separação por si só seja prejudicial; bem ao contrário, ela traz muitos benefícios e acredita-se que deva ser feita até em função dos objetivos diferenciados de cada grupo. No entanto, há que se ter cuidado na maneira como isso é feito. Conforme Garcia (2000), a conduta do treinador é um fator que pode influenciar no abandono da atividade, uma vez que o atleta que não se sente motivado por ele pode ficar desmotivado para o treinamento.
Na Tabela 4 é possível verificar que, entre as variáveis da categoria "reações negativas ao treinamento", o fato de não estar mais sentindo prazer em treinar esteve significativamente correlacionado com os pensamentos de abandono do esporte para as duas equipes. Ou seja, quanto menos prazer o atleta sente em treinar, mais pensamentos de abandono ele apresenta. Esse dado deixa claro que mesmo quando se tem por objetivo a competição, que exige mais dos atletas física e psicologicamente, o prazer na realização da atividade é muito importante. Para os atletas da equipe B há uma correlação significativa entre não ter vontade de ir ao treino e pensar em abandonar. É esperado que esta falta de vontade de ir treinar, aliada à falta de prazer em fazê-lo, seja uma das características do processo de abandono, como já apontado na revisão de literatura (Gould, Tuffey e Loehr ,1996.a; Raedeke e Smith, 2001; Epiphanio, 2002). As variáveis que diziam respeito a não sentir-se entrosado com os companheiros, sentir-se muito cansado com os treinamentos e achá-los rotineiros e cansativos não estiveram significativamente correlacionadas com os pensamentos de abandono.
Ainda na Tabela 4, em relação à categoria "interferência do tênis em outros interesses", observa-se que foram encontradas correlações significativas entre pensamentos de abandono e as variáveis sentir falta de tempo para atividades sociais e querer fazer outras coisas que não o tênis, mas somente quando se considera o total da amostra (possivelmente porque o tamanho das subamostras foi pequeno para que os resultados fossem estatisticamente significativos). Não houve correlação significativa entre pensamentos de abandono e o fato de apresentar notas baixas por falta de tempo para estudar.
Weineck apud Vieira (1999) coloca que o interesse pelo esporte tende a decrescer com a chegada da puberdade. Na idade escolar as crianças considerariam a prática esportiva como sendo vital, mas à medida que vão crescendo outros fatores despertariam seus interesses como namoros, escolha da profissão e outros tipos de lazer, fazendo com que o esporte recue na escala de valores dos jovens. O fato de o interesse por outras atividades afastar os atletas da prática esportiva também aparece em vários estudos na revisão de literatura (Gould, Tuffey e Loehr, 1996.c; Copetti, 2001).
Como se pode observar na Tabela 5, que exibe os resultados para a categoria "outros", a variável não ter metas claras em relação ao tênis apresentou uma correlação significativa com pensamentos de abandono, considerando-se o total da amostra. A importância de o atleta ter metas claras foi um fator citado na pesquisa de Gould, Tuffey e Loehr (1996.a). Ter metas faz com que o atleta sinta-se motivado na medida em que há um objetivo a ser atingido. Assim, o atleta empenha-se para a realização deste objetivo, possivelmente tornando-se mais capaz de enfrentar as adversidades que possam surgir.
A falta de recursos financeiros teve uma correlação positiva com os pensamentos de abandono para a equipe B. Este dado é muito interessante para que se possa refletir sobre os supostos objetivos dos atletas que estão treinando nesta equipe. Os atletas deste clube não pagam nada além da mensalidade de sócio para treinar e usufruir de suas dependências. No entanto, os gastos com viagens e competições não são pagos pelo clube. À medida que participar de competições envolve custos com os quais nem sempre os pais podem arcar, pode-se pensar que alguns atletas da equipe B tenham vontade de competir, mas não tenham condições financeiras para tanto. Isto pode ser um fator desmotivante para os atletas que pode levá-los a ter pensamentos de abandono. O fato se torna mais marcante se considerarmos que o clube investe visivelmente mais nos atletas de competição, seja oferecendo a preparação física, o atendimento psicológico e mesmo um trabalho mais individualizado. Este dado empírico está de acordo com Vieira (1999) e Hallal et al. (2004), que apontam a falta de recurso financeiro como uma das causas do abandono do esporte por jovens atletas.
Por fim, cabe tecer alguns comentários sobre as médias das respostas dadas pelos atletas aos itens do instrumento (lembrando que quando escolhiam a opção 1, os atletas estavam discordando totalmente da proposição, e a opção 5, concordando). O único item que tinha um caráter positivo no que diz respeito à adesão ao esporte ("Sei que posso contar com o apoio dos meus pais mesmo quando tenho resultados ruins") obteve a média mais alta (4,0). Isso mostra que os atletas desta amostra, em geral, contavam com o apoio incondicional dos pais ao esporte, o que é extremamente positivo dado a importante influência que têm os pais desde a iniciação esportiva até a manutenção da prática.
Já os itens que diziam respeito a pensamentos de abandono tiveram escores médios baixos (entre 1,47 e 2,31). Aliás, com exceção do item que tratava do apoio dos pais, todos os demais apresentaram uma baixa pontuação (no máximo 2,94, o que é ligeiramente abaixo do ponto médio da escala). Tais resultados sugerem que os atletas pesquisados não apresentavam propensão a parar de jogar, pelo menos no momento em que foi feito o estudo. Ao contrário, o item "Não estou mais sentindo prazer em treinar" foi o que apresentou o menor escore (1,28), o que nos leva a pensar que estes atletas sentiam-se bem com os treinamentos. Vale ressaltar que os itens que tiveram as pontuações mais altas estão relacionados a fatores internos, de âmbito pessoal ("Quando não tenho bons resultados no tênis fico muito chateado comigo", "Em competições eu não consigo ter o mesmo desempenho que nos treinos", "Eu estou menos preocupado com os meus resultados no tênis do que eu costumava estar", "Não admito que meu desempenho esteja abaixo do melhor que eu possa fazer") e não aqueles relativos a fatores externos como falta de incentivo, cobrança ou algum tipo de lesão, por exemplo.
Considerações finais
Neste estudo foram encontradas correlações significativas entre a variável pensamentos de abandono e as seguintes variáveis: número de horas treinadas por semana (correlação negativa), metas não alcançadas, preocupação menor com os resultados, cobranças por parte de pais e treinadores às quais os atletas não sabem se conseguirão corresponder, o fato de sentirem-se menos valorizados pelo treinador do que os colegas, de não estarem mais sentindo prazer em treinar e nem tendo vontade de ir aos treinos e ainda a falta de recurso financeiro. Todas estas correlações vão ao encontro de resultados de outras pesquisas citadas na revisão de literatura (Gould, Tuffey e Loehr, 1996.a; 1996.b; 1996.c; Vieira, 1999; Garcia, 2000, Copetti, 2001; Raedecke e Smith, 2001; Weinberg e Gould, 2001; Knijnik, Greguol e Seleno, 2001; Epiphanio, 2002; Hallal et al, 2004; Chimanazzo e Montagner, 2004).
É preciso considerar, contudo, algumas limitações deste estudo. Dado que não foi encontrado nenhum instrumento brasileiro que avaliasse o abandono do esporte, foi necessário que se construísse um instrumento para esta pesquisa, com o qual não foi possível realizar estudos de validade. Além disso, alguns atletas podem ter tido problemas na interpretação das proposições apresentadas no instrumento. Ainda, o fato de ser um instrumento de auto-relato não dá garantias a respeito da veracidade das respostas. Não se pode descartar a hipótese de desejabilidade social, na medida em que se mostrar favorável à prática do tênis é algo possivelmente valorizado por pessoas importantes para estes jovens atletas (por exemplo, pais e treinadores). Logo, pode ter havido um receio em explicitar sentimentos contrários a isso. Por fim, cabe ressaltar que estes resultados não são generalizáveis para qualquer contexto de prática de tênis juvenil, uma vez que a amostra é muito pequena e restrita a um clube.
No entanto, ainda que com possibilidades de generalização limitadas, uma das maiores contribuições deste trabalho foi justamente a sua aplicabilidade dentro do contexto em que foi realizado. A discussão dos resultados junto à equipe técnica ensejou a busca por novas maneiras de aumentar a vinculação dos jovens com o esporte. Segundo Gould, Tuffey E Loehr (1996), se técnicos, pais e psicólogos esportistas são familiarizados com as características da síndrome de burnout, eles podem tornar-se habilitados a identificar atletas jovens que estejam nesse processo de burnout e intervir para ajudá-los. Os resultados da pesquisa indicam que planejar e esclarecer metas esportivas exeqüíveis juntos com os adolescentes, não cobrar resultados em demasia, dar atenção igualmente a todos os atletas são algumas ações que podem ser implementadas com o intuito de prevenir o abandono.
Este estudo mostrou também que pensamentos de abandono do esporte podem estar presentes entre jovens atletas, em maior ou menor grau. Ainda que tais pensamentos não se intensifiquem a ponto de resultar em um abandono, eles fazem parte da experiência esportiva dos jovens e se associam a outras dificuldades específicas. Cabe ao psicólogo do esporte estar atento e sensível a estas dificuldades, não apenas para prevenir o abandono, mas principalmente para promover a saúde e o desenvolvimento dos atletas. Como apontado por Dias e Teixeira (2006) um dos aspectos mais interessantes no trabalho da psicologia do esporte junto a jovens atletas é que, devido ao forte investimento afetivo nas questões referentes à prática esportiva, uma intervenção focalizada no esporte pode generalizar-se para outros aspectos de suas vidas. Assim, por exemplo, quando se trabalha com um jovem atleta que tem dificuldades em lidar com derrotas, afastando-se das competições ou treinamentos por medo do fracasso, espera-se que ele possa se beneficiar dessa intervenção generalizando suas estratégias de enfrentamento da dificuldade para outros contextos vitais importantes como, por exemplo, naquilo que diz respeito a seu futuro profissional. Isso deixa claro que também no contexto esportivo a atenção do psicólogo está voltada acima de tudo para a saúde mental do atleta.
Espera-se, ainda, que esta pesquisa possa servir de base para futuras investigações sobre burnout como, por exemplo, a possível construção e validação de um instrumento brasileiro capaz de avaliar variáveis envolvidas no abandono da prática esportiva. A partir do estudo daquilo que pode motivar o abandono do esporte é possível pensar em estratégias para preveni-lo; daí a importância de se serem realizados novos estudos sobre esse tema.
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Endereço para correspondência
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Mariana Hollweg Dias
Professora Substituta do Departamento de Fundamentos da Educação /UFSM. Mestranda em Psicologia Social e Institucional/UFRGS. Psicóloga do Esporte do Avenida Tênis Clube, Santa Maria, RS. Psicóloga Clínica com formação em Tratamento e Diagnóstico dos Transtornos do Desenvolvimento pelo Centro Lydia Coriat/POA.
Marco Antônio Pereira Teixeira
Professor Adjunto do Instituto de Psicologia/UFRGS. Doutor em Psicologia/UFRGS