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Revista Brasileira de Psicologia do Esporte
On-line version ISSN 1981-9145
Rev. bras. psicol. esporte vol.3 no.1 São Paulo June 2010
Fatores familiares associados ao desenvolvimento do talento no esporte
Family factors associated with talent development in sports
Factores familiares asociados con el desarrollo del talento deportivo
Paulo Vinícius Carvalho Silva; Denise de Souza FleithI
IInstituto de Psicologia - Universidade de Brasília
RESUMO
Este estudo teve como objetivo construir e validar uma escala, denominada Inventário Fatorial de Práticas Parentais Relacionadas ao Desenvolvimento do Talento no Esporte (IFATE), que avalia a frequência com que práticas parentais, relacionadas ao desenvolvimento do talento no esporte, eram implementadas por pais de atletas, segundo a percepção dos próprios atletas. A escala foi respondida por 225 atletas adultos de alto desempenho, distribuídos entre vinte modalidades esportivas. Os resultados indicaram que o IFATE é composto por cinco fatores: Envolvimento com a Prática Esportiva do Filho, Suporte Informativo e Emocional Proporcionado pela Família, Crenças da Família sobre o Potencial dos Filhos, Valores da Família e Expectativas da Família sobre o Desempenho do Filho. Os coeficientes de fidedignidade variaram entre 0,58 a 0,89. Os resultados deste estudo propiciam informações relevantes para subsidiar programas de intervenção e orientação junto a atletas, pais e técnicos acerca do papel da família no desenvolvimento do talento no esporte.
Palavras-chave: Desenvolvimento, Talento, Esporte, Família, Construção e validação de escala.
ABSTRACT
Family factors associated with talent development in sportsThis study aimed at constructing and validating a scale, named Factor Inventory of Parental Practices Related to Talent Development in Sports (IFATE), which assesses the frequency in which parental practices related to talent development in sports were implemented by parents of athletes according to the athletes’ perception. The scale was answered by 225 adults high performance athletes, distributed among twenty sports modalities. The results indicated that the IFATE is composed by five factors: the Involvement in Children’s Sports Practice, Informative and Emotional Support provided by the Family, Family’s Beliefs Related to Children’s Potential, Family Values, and Family Expectations on Children’s Performance. The alpha coefficients of reliability varied from .58 to .89. The results of this study provide relevant information for further assistance and guidance programs to athletes, parents and coaches as for aspects related to the role played by athletes’ families in the talent development in sports.
Keywords: Development, Talent, Sports, Family, Construction and validation of a scale.
RESUMEN
Factores familiares asociados con el desarrollo del talento deportivoEste estudio tiene como objetivo construir y validar una escala, llamada Inventario Factorial de las Prácticas Parentais Relacionadas con el Desarrollo de Talento en el Deporte (IFATE), que evalúa la frecuencia con que las prácticas parentais, relacionadas con el desarrollo de talentos en el deporte, fueron ejecutados por los padres de atletas, según la percepción de los atletas. La escala fue respondida por 225 atletas adultos de alto rendimiento, distribuidos entre veinte deportes. Los resultados indicaron que la IFAT se compone de cinco factores: la Participación con la Práctica Deportiva del Hijo, Apoyo Emocional y Información Proporcionada por la Familia, las Creencias de la Familia sobre el Potencial de los Niños, los Valores Familiares y Expectativas de la Familia sobre lo Rendimiento del Hijo. Los coeficientes de fiabilidad variaron de 0,58 a 0,89. Los resultados de este estudio proporcionan información relevante para apoyar los programas de asistencia y orientación con los atletas, los padres y los entrenadores sobre el papel de la familia en el desarrollo del talento deportivo.
Palabras-llave: Desarrollo, Talento, Deportes, Familia, Construcción y validación de una escala.
Introdução
A quantia de investimentos destinada a programas de atendimento ao indivíduo superdotado ou talentoso tem aumentado durante os últimos anos. Além disso, várias pesquisas têm abordado esta temática. Segundo Alencar (2001): "Observa-se na atualidade um interesse crescente pelo superdotado, por aquele que se destaca por uma habilidade superior ou inusitada para uma pessoa de sua idade, ou por um desempenho excepcional, reflexo de suas habilidades e aptidões" (p. 119). Este interesse se deve ao reconhecimento das possíveis vantagens socioeconômicas decorrentes das contribuições destes indivíduos à sociedade (Alencar & Fleith, 2001; Virgolim, 2007; Winner, 2000).
Relacionado à superdotação ou talento1, é importante considerar que ela se distribui em um continuum de habilidades, em pessoas com diversos graus de talento e motivação (Alencar & Fleith, 2001). Desta forma, alguns indivíduos podem mostrar um talento muito elevado e outros podem apresentar um talento menor, porém suficiente para destacá-los em comparação com a população geral (Virgolim, 1997).
No Brasil, a definição empregada pela Secretaria de Educação Especial do Ministério da Educação afirma que "alunos com altas habilidades/superdotação demonstram potencial elevado em qualquer uma das seguintes áreas, isoladas ou combinadas: intelectual, acadêmica, liderança, psicomotricidade e artes, além de apresentar grande criatividade, envolvimento na aprendizagem e realização de tarefas em áreas de seu interesse" (Brasil, 2008a, p. 15). Esta definição implica que o talento ou superdotação pode se desenvolver em uma grande variedade de áreas. Por exemplo, o talento especial para artes envolve alto desempenho em artes plásticas, musicais, dramáticas cênicas e literárias. A capacidade psicomotora, por sua vez, refere-se ao desempenho superior em atividades físicas e esportes (Virgolim, 2007).
Assim como em outras áreas, a busca pela excelência de desempenho tem sido considerada fundamental para responder à competitividade inerente ao âmbito esportivo. Segundo a Secretaria Nacional de Alto Rendimento, ligada ao Ministério do Esporte, o talento no esporte constitui um dos temas mais essenciais e complexos das Ciências do Desporto e das Políticas Públicas para o Desenvolvimento do Esporte (Brasil, 2008b).
Segundo Filho e Böhme (2001), "o termo talento esportivo é empregado para caracterizar indivíduos que demonstram elevadas capacidades biológicas e psicológicas que, dependendo do meio social no qual vivem, poderão apresentar alto desempenho esportivo, dependendo para isso de condições ambientais adequadas" (p. 155). Esta definição ressalta a interação entre fatores individuais e ambientais para o desenvolvimento do talento no esporte. Nesta direção, Durand-Bush e Salmela (2002) indicam fatores importantes ao desenvolvimento de um desempenho superior: treinamento, técnicos/treinadores, satisfação com a atividade, recuperação física, idade, atributos e habilidades psicológicas, habilidades inatas e suporte proporcionado pelos pais.
A prática empreendida também é um aspecto bastante enfatizado por alguns estudiosos para a manifestação do desempenho superior. Segundo Ericsson, Krampe e Tesch-Römer (1993), o nível de desempenho de um indivíduo em uma área qualquer depende diretamente da quantidade de prática deliberada realizada, que corresponde às atividades de treinamento individualizadas, planejadas pelo professor ou treinador para propiciar o aumento do desempenho por meio de repetição e aperfeiçoamento.
A importância do acúmulo de prática deliberada também justifica a afirmação de que é difícil um indivíduo alcançar o seu maior nível de desempenho antes da idade adulta. Entretanto, destaca-se que o desempenho não necessariamente aumentará nas pessoas que continuarem exercendo suas habilidades ao longo do curso de suas vidas. Ou seja, a prática não produz o mesmo efeito em todas as pessoas (Ericsson & Charness, 1994; Singer & Janelle, 1999; Winner, 1998). Com base nisso, pode-se afirmar que outros fatores também interferem no desenvolvimento e manifestação de um desempenho superior como, por exemplo, características familiares e práticas parentais.
Na área do talento ou superdotação, a literatura aponta para a existência de várias práticas parentais associadas a famílias que possuem algum indivíduo talentoso entre seus integrantes. Estudos sugerem uma grande dedicação das famílias aos filhos que apresentam comportamentos superdotados (Bloom, 1985; Chagas, 2008; Winner, 1998, 2000). Sacrifícios - financeiros, sociais, educacionais e profissionais - são feitos em nome do filho. Os pais ajudam a organizar a rotina dos jovens, monitoram suas atividades e os ajudam a superar eventuais dificuldades. Ou seja, as necessidades das crianças passam a ocupar uma posição central na dinâmica familiar. Destaca-se também o impacto das crenças e expectativas da família em relação ao desempenho do indivíduo talentoso.
Pesquisas indicam relação entre a crença dos pais e a percepção de competência desenvolvida pelos jovens (Babkes & Weiss, 1999; Dweck, 1986; Freeman, 2000; McCarthy, Jones & Clark-Carter, 2008). Isto é, o fato dos pais considerarem que os filhos apresentam competência em uma determinada área contribui para que os jovens também reconheçam suas próprias habilidades nela. Isto, por sua vez, funciona como um estímulo para que eles se dediquem cada vez mais à sua respectiva atividade. Ressalta-se também que o fato dos pais reconhecerem que o filho apresenta um desempenho expressivo em alguma atividade influencia o posterior envolvimento e apoio deles (Côté, 1999).
No que diz respeito ao impacto das expectativas dos pais, Eccles e Harold (1991) afirmam que elas influenciam o desempenho atual do jovem e a forma como este se dedica a atividades específicas e se esforça na atividade realizada. Esta influência, segundo Ericsson et. al. (1993), pode ser direta devido à provisão de oportunidades, ou indireta em virtude do fortalecimento da motivação e da autoconfiança para a realização de uma atividade. No contexto esportivo, Eccles e Harold (1991) afirmam que as expectativas dos pais influenciam os filhos em relação à dedicação em atividades específicas, à intensidade de esforço empreendido e ao nível de desempenho atual.
A família exerce ainda a relevante função de servir como modelos de determinados valores e atitudes como, por exemplo, trabalho árduo e dedicação à atividade, que constituem aspectos ligados ao desempenho notável (Winner, 1998, 2000). Portanto, é importante que os pais cobrem empenho dos filhos e que, paralelamente, mostrem a mesma dedicação em suas respectivas atividades, representando exemplos aos jovens.
Pesquisadores também discutem a importância de adversidades e desafios a serem enfrentados pelos jovens, o que pode contribuir para o desenvolvimento do talento. Por exemplo, Winner (1998) sugere uma maior harmonia e coesão das famílias de crianças superdotadas, beneficiando a assimilação dos valores pelos filhos. Porém, Aspesi (2007) sinaliza estudos cujos autores afirmam que circunstâncias estressantes e adversas no ambiente familiar podem impulsionar a busca da criança por atividades criativas e intelectuais. Destaca-se também a importância dos pais permitirem que seus filhos enfrentem desafios e dificuldades (Chagas, 2008; Olszewski-Kubilius, 2002). Por meio da superação destes obstáculos, os jovens adquirem maior autonomia e confiança para lidar com eventuais problemas que venham a ocorrer, expandindo suas próprias competências (Freeman, 2000).
Ressalta-se a importância da família conceder independência para que o filho tome suas próprias decisões e assuma alguns riscos (Winner, 1998).A independência concedida aos filhos é importante para que eles desenvolvam sua própria identidade, o que contribui para o desenvolvimento de suas potencialidades (Aspesi, 2003).
No contexto esportivo, os pais exercem o importante papel de introduzir os filhos naquela determinada prática (Ericsson et. al., 1993; Marques & Kuroda, 2000). Ademais, eles são importantes em relação à transição dos jovens para uma fase de treino mais intenso e deliberado, assim como em relação à provisão de recursos necessários à prática. Sendo assim, a família desempenha importantes funções em relação ao início e prosseguimento da prática esportiva de um indivíduo, podendo contribuir de diversas formas para o desenvolvimento do talento.
Em pesquisa realizada com atletas de destaque a nível mundial em suas respectivas modalidades, os resultados indicaram que os pais forneceram grande apoio e incentivo aos esportistas em questão, possibilitando a existência de um ambiente seguro (Hemery, citado por Lee & MacLean, 1997). De acordo com Côté e Hay (2002), o suporte proporcionado pela família se divide em: suporte emocional, suporte informativo, suporte tangível e o suporte de rede ou parceria. O suporte emocional envolve quatro dimensões diferentes: suporte durante eventos negativos e positivos, aumento da autoconfiança e suporte para a compreensão do indivíduo. O suporte informativo se caracteriza pelo fornecimento de orientações com a finalidade de solucionar eventuais problemas e desafios. O suporte tangível se refere a formas concretas de assistência, como o financiamento de viagens e equipamentos necessários à prática esportiva. Por fim, a parceria se caracteriza pela ocorrência de relacionamentos casuais que possibilitam a participação do indivíduo em atividades sociais e recreativas.
Em outro estudo, realizado com tenistas suecos de alto nível, destacou-se a importância da percepção de jovens atletas em relação ao suporte familiar (Carlson, 1988). Concluiu-se que o suporte e incentivo dos pais/família devem ser acompanhados de uma percepção favorável dos jovens. Para isso, enfatiza-se a necessidade do diálogo entre os pais e os jovens atletas, com o objetivo de esclarecer o envolvimento exercido pelos pais e desejado pelos jovens.
A despeito dos efeitos positivos associados à participação dos pais na vida esportiva dos filhos, alguns pesquisadores também afirmam que esta influência pode ser negativa. Weinberg e Gould (2001) destacam que é fundamental identificar as formas como os pais podem influenciar positivamente as experiências das crianças e encorajá-los a empregarem essas práticas. Paralelamente a isso, também é importante a identificação das práticas negativas e os esforços para eliminá-las.
Apesar de aspectos relacionados à família influenciarem o desenvolvimento de comportamentos de superdotação ou talento, Chagas (2003) cita estudos cujos autores afirmam que ainda não há consenso suficiente para delimitar a extensão e magnitude do impacto destes aspectos sobre tal processo. Desta forma, destaca-se a importância da realização de outros estudos relacionados a esta temática, possibilitando uma compreensão mais acurada acerca do papel desempenhado pela família. Para tornar possível a realização destes estudos, também é importante a construção e validação de instrumentos que avaliem a influência da família no desenvolvimento do talento em diferentes áreas.
Observa-se a existência de algumas escalas (Lee & MacLean, 1997; Moraes, Rabelo & Salmela, 2004) que se relacionam predominantemente ao envolvimento da família na prática esportiva dos atletas, sem abordarem outras dimensões importantes, como, por exemplo, os valores cultivados pelas famílias. Por outro lado, outras escalas (Babkes & Weiss, 1999; Woolger & Power, 2000) abordam uma quantidade maior de dimensões das práticas parentais relacionadas ao desenvolvimento do talento no esporte, tal como as expectativas dos pais/família em relação ao desempenho dos filhos atletas e a função dos pais/família servirem como modelo aos jovens. Porém, estas escalas se relacionam apenas a uma determinada modalidade esportiva, e retratam, principalmente, características atuais da relação estabelecida entre o atleta e seus pais.
Ressalta-se ainda que estas escalas foram utilizadas em estudos que envolviam apenas crianças desportistas e suas famílias. Em um dos casos, a escala foi respondida somente pelas crianças (Lee & MacLean, 1997). Em outros, apenas os pais dos jovens atletas responderam a escala (Power & Woolger, 1994; Woolger & Power, 2000). Há também a existência de escalas que foram respondidas tanto pelas crianças quanto por seus respectivos pais, permitindo a comparação entre as respostas emitidas (Babkes & Weiss, 1999).
Todas as escalas validadas foram elaboradas em outros países (Babkes & Weiss, 1999; Lee & MacLean, 1997; Power & Woolger, 1994; Woolger & Power, 2000). Além disso, estes instrumentos não abordam períodos mais avançados do desenvolvimento do talento, devido ao fato de serem direcionadas a crianças. Assim, uma escala respondida por atletas adultos, que acumulam um maior período de prática e de participação em competições e que já apresentam um alto desempenho, permitiria a avaliação de um período mais amplo do processo de desenvolvimento do talento no esporte. De uma forma retrospectiva, estes indivíduos poderiam julgar a influência e participação de suas famílias sobre o seu desenvolvimento como atletas, durante suas trajetórias esportivas.
Com base nestes argumentos e de forma a possibilitar acesso a informações mais completas, o objetivo principal deste estudo foi construir e validar uma escala, no Brasil, denominada Inventário Fatorial de Práticas Parentais Relacionadas ao Desenvolvimento do Talento no Esporte (IFATE). Esta escala tem como alvo atletas adultos de alto desempenho e busca investigar várias dimensões das práticas parentais associadas ao desenvolvimento do talento no esporte, possibilitando a avaliação sistemática de aspectos referentes à participação da família neste processo. Estes conhecimentos poderão subsidiar orientações a atletas, famílias e técnicos, contribuindo para o processo de desenvolvimento do talento esportivo. Além disso, este estudo proporcionará contribuições à produção científica, especialmente nacional, na área do desenvolvimento do talento no esporte, sobretudo em relação à influência e participação da família neste processo.
Método
PARTICIPANTES
Participaram do estudo 225 atletas adultos2, sendo 152 (67,6%) do gênero masculino e 73 (32,4%) do gênero feminino. A média de idade dos participantes foi 23,61 anos (DP= 4,29), variando de 18 a 33 anos. Para participar do estudo, os atletas deveriam treinar e residir no Distrito Federal. Além disso, eles deveriam, no mínimo, participar de competições há três anos e de competições nacionais há dois anos. Estes critérios tinham o objetivo de selecionar uma amostra de participantes com um nível de desempenho acima da média em suas modalidades.
Os atletas estavam distribuídos entre vinte modalidades esportivas: (a) esportes individuais: natação, nado sincronizado, saltos ornamentais, triatlo, ciclismo, atletismo, remo, esgrima, ginástica rítmica, patinação artística, judô, jiu-jitsu, karatê, taekwondo e luta olímpica; (b) esportes coletivos: futsal, basquete, vôlei, vôlei de praia e handebol. Em relação à ordem de nascimento dos participantes, 66 (29,3%) eram filhos primogênitos, 51 (22,7%) eram filhos do meio (não eram filhos primogênitos, nem filhos caçulas), 93 (41,3%) atletas eram filhos caçulas e 13 (5,8%) atletas eram filhos únicos. Dois participantes não informaram este dado.
Em relação à idade de início de prática em seus respectivos esportes, os atletas indicaram que, em média, isto ocorreu quando eles tinham 10,97 anos (DP= 4,09). Vinte e quatro (10,7%) atletas relataram que começaram a praticar aquele esporte entre três e cinco anos atrás, 62 (27,6%) atletas indicaram que o início no esporte em questão ocorreu entre cinco e dez anos atrás, 84 (37,3%) atletas mencionaram que o ingresso naquela prática esportiva ocorreu entre dez e quinze anos atrás, e 55 (24,4%) atletas afirmaram possuir mais de quinze anos de experiência no esporte escolhido por eles. Entretanto, este período não corresponde, necessariamente, ao tempo de participação em competições. Em virtude disso, foi questionado há quanto tempo os atletas participavam de competições (de qualquer nível) e há quanto tempo eles participavam especificamente de competições nacionais.
Relativo ao tempo de participação em competições (de qualquer nível), 31 (13,8%) atletas mencionaram que competem entre 3 a 5 anos, 45 (20%) atletas competem entre 5 a 8 anos, 53 (23,6%) competem entre 8 a 10 anos, 62 (27,6%) competem entre 10 a 15 anos e 33 (14,7%) atletas relataram que competem há mais de 15 anos. Apenas um participante não descreveu o seu tempo de participação em competições.
Correspondente ao tempo de participação em competições nacionais, 89 (39,5%) atletas afirmaram que competem entre 2 a 5 anos, 87 (38,7%) competem entre 5 a 10 anos e 49 (21,8%) atletas mencionaram que competem há mais de 10 anos. Por fim, foi verificado se os atletas possuíam experiência apenas em competições nacionais ou se possuíam experiência também em competições internacionais. Do total de atletas, 132 (58,7%) participaram apenas de competições nacionais e 93 (41,3%) tinham experiência em competições nacionais e competições internacionais.
PROCEDIMENTOS
Primeira etapa. O projeto de pesquisa, inicialmente, foi submetido e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos, de uma instituição federal de ensino superior (Registro n° 009/2008; CAAE: 0007.0.012.000-08).
Nesta fase, foram estabelecidos contatos com as federações esportivas de diversas modalidades. Previamente, realizou-se um planejamento acerca de atletas que poderiam participar do estudo. Posteriormente, contatou-se as federações esportivas correspondentes às modalidades destes prováveis participantes. Nestas visitas, o projeto de pesquisa foi apresentado e foram comunicadas as normas éticas que os pesquisadores deveriam cumprir. O perfil dos participantes do estudo foi descrito aos presidentes e/ou vice-presidentes das respectivas federações esportivas, que indicaram técnicos/treinadores, clubes e equipes esportivas que possuíam atletas com o perfil desejado.
Segunda etapa. Após a construção da escala, a realização dos três estudos-piloto e a análise da escala pelos juízes, foi iniciada a aplicação das escalas aos atletas. Para isso, primeiramente, foi feito um contato telefônico com técnicos indicados pelas federações esportivas. Em algumas ocasiões, o primeiro contato com os técnicos foi feito pessoalmente pelo primeiro autor do estudo no próprio local de treinamento. Durante esta conversa, foi realizada uma breve descrição do projeto de pesquisa e do perfil que os atletas deveriam ter para participar do estudo. Neste momento, também foi combinado um horário para que o projeto fosse apresentado aos atletas.
No dia e horário previamente combinados, foram descritos os objetivos da pesquisa aos atletas e foi solicitada sua colaboração no estudo. Quase todas as escalas foram aplicadas em dias de treinamento, no próprio local. Termos de consentimento livre e esclarecido foram providenciados aos participantes do estudo. Nestes, eram descritos brevemente os objetivos da pesquisa e as normas éticas que deveriam ser cumpridas pelos pesquisadores. Após a devolução dos termos, com as respectivas assinaturas dos atletas participantes, iniciou-se a aplicação da escala, que foi realizada tanto de forma individual como coletiva (cada participante respondeu a escala individualmente). O sigilo das informações e da identidade dos participantes foi assegurado pelos pesquisadores.
ETAPAS DA CONSTRUÇÃO DO INSTRUMENTO
Para a construção do Inventário Fatorial de Práticas Parentais Relacionadas ao Desenvolvimento do Talento no Esporte (IFATE), foram utilizadas a teoria e o modelo de elaboração de instrumental psicológico proposto por Pasquali (1999). Os itens desta escala expressam um conjunto de práticas parentais relacionadas ao desenvolvimento do talento no esporte. Esta escala investiga, por meio da percepção de atletas adultos de alto desempenho, fatores familiares associados ao desenvolvimento do seu talento esportivo. A princípio, foram elaborados 36 itens para integrar a escala. No entanto, alguns itens foram excluídos em virtude das sugestões suscitadas pelos estudos piloto. Após as modificações, a versão final utilizada neste estudo foi composta por 31 itens, que representam práticas parentais relacionadas ao desenvolvimento do talento no esporte. As instruções da escala foram redigidas minuciosamente, explicando em que consistia a escala e como ela deveria ser preenchida. Todos os itens se referiam a comportamentos implementados pelos pais dos atletas. Porém, foi esclarecido que eles poderiam expressar comportamentos implementados somente pela mãe ou pelo pai do participante. As instruções também esclareceram que os atletas deveriam responder aos itens se tivessem sido criados apenas por sua mãe, apenas por seu pai ou por outras pessoas, como seus avós, por exemplo. Nestes casos, eles deveriam responder aos itens com base na relação estabelecida com estas pessoas. Os itens são respondidos em uma escala Likert de 4-pontos, assim apresentada: (1) nunca ou quase nunca, (2) algumas vezes, (3) muitas vezes, (4) sempre ou quase sempre. Ou seja, os atletas respondiam em relação à frequência com que as práticas parentais, apontadas nos itens, eram implementadas por suas famílias ao longo de suas trajetórias esportivas.
Para a composição dos itens da escala, foi efetuada uma extensa revisão da literatura sobre o desenvolvimento do talento, em diversas áreas. Procurou-se, sobretudo, investigar aspectos ligados à influência e participação da família no processo de desenvolvimento do talento no esporte. A análise da literatura possibilitou o acesso a diversas características e práticas parentais associadas a famílias de indivíduos talentosos. Ainda com a finalidade de obter informações úteis à construção dos itens, foram entrevistados dois ex-atletas de nível internacional. Nestas entrevistas, foram abordadas, principalmente, as formas pelas quais a família pode influenciar o processo de desenvolvimento do talento de atletas.
Após a construção da versão inicial da escala, procedeu-se a realização do segundo estudo piloto, com o objetivo de verificar a redação dos itens. A escala, inicialmente composta por 36 itens, foi apresentada a dois indivíduos não-atletas (uma mulher e um homem), que tinham que relatar a compreensão que tiveram sobre os itens e, caso necessário, sugerir outra forma de redigi-los, tornando-os mais claros e compreensíveis. A redação de cinco itens foi modificada em decorrência das sugestões dos participantes.
Depois da realização deste estudo piloto, foi efetuada uma revisão detalhada da escala, resultando na modificação da redação de oito itens, com o objetivo de torná-los mais claros e objetivos. Além disso, foram excluídos quatro itens que não permitiam uma compreensão precisa e/ou que não possuíam tanta relevância para a temática investigada.
Posteriormente, foi realizado o terceiro estudo piloto, com os objetivos de analisar semanticamente os 32 itens elaborados para a escala, a fim de se garantir a sua compreensão, evitar ambiguidades e verificar o tempo médio gasto para a aplicação das escalas. A amostra para este estudo piloto foi composta por dois ex-atletas e três atletas com as características do público-alvo do estudo. Neste estudo piloto, tanto a escala quanto um questionário com informações sociodemográficas e dados relativos à prática esportiva foram respondidos pelos cinco participantes (três mulheres e dois homens). Devido às sugestões dos participantes, dois itens foram modificados e um item foi excluído. Após a aplicação das escalas, os atletas e ex-atletas relataram não terem enfrentado dificuldade para compreender o conteúdo dos itens. O tempo gasto para o preenchimento da escala variou de dez a doze minutos. A escala, após a realização dos estudos-piloto, ficou composta por 31 itens. Concluída esta etapa, a escala foi submetida à análise de juízes ou análise de construto. Esta análise verificou a adequação da representação comportamental dos fatores da escala.Após o exame dos instrumentos pelos juízes, foi realizada a aplicação da escala aos atletas participantes do estudo.
Além do IFATE, foi construído, pelos autores deste estudo, um questionário com o objetivo de obter informações sociodemográficas e dados relativos à prática esportiva dos atletas. Este instrumento foi respondido antes do IFATE.
Relacionado aos dados sociodemográficos, foram investigadas informações relativas à idade, gênero, ordem de nascimento e renda mensal da família de origem. Em relação à atividade esportiva, foi indagada a modalidade esportiva praticada pelo participante, idade de início da prática daquele determinado esporte, período correspondente ao início de participação em competições, período relativo ao início de participação em competições nacionais, competição mais importante na qual o atleta participou, maior resultado obtido, segundo a opinião do atleta, estágio no qual a família participou mais ativamente da carreira esportiva do participante, pessoas da família que ofereceram maior suporte ao atleta durante sua trajetória esportiva e importância da família para o desenvolvimento do atleta. Estas informações foram importantes para a seleção e caracterização dos participantes. Ressalta-se que, do total de escalas aplicadas, 225 foram utilizadas para fins de validação, não tendo sido as demais aproveitadas (n=95), uma vez que os participantes não possuíam o perfil delimitado para o estudo.
ANÁLISE DE DADOS
As análises, descritas a seguir, foram realizadas por meio do pacote estatístico SPSS 13.0 (Statistical Package for the Social Sciences). Para estabelecer a validade de construto da escala elaborada, examinou-se sua estrutura interna por meio de análise fatorial exploratória. Com esta finalidade, realizou-se uma análise dos eixos (Principal Axis Factoring), com rotação oblíqua (oblimin), antecedida por análise exploratória dos dados, cujo objetivo foi verificar a normalidade das distribuições e os pressupostos da análise fatorial. O KMO foi de 0,93 e o teste de esfericidade de Bartlett foi significativo. Não foram encontrados mais do que 3,11% de casos omissos por variável. Optou-se por substituir os casos omissos pelo valor das médias relativas aos respectivos itens. A fidedignidade dos fatores foi verificada por meio do coeficiente alfa de consistência interna.
Resultados
O fator 1, denominado Envolvimento da Família com a Prática Esportiva do Filho, inclui dez itens que expressam a participação direta dos pais na prática esportiva dos filhos, no que diz respeito a aspectos ligados a treinamentos e competições (ver Tabela 1). O eigenvalue deste fator foi 7,81 e explica 36,89% da variância comum. O coeficiente alfa de consistência interna foi de 0,89.
O fator 2, Suporte Informativo e Emocional Proporcionado pela Família, engloba seis itens que representam o fornecimento de orientações da família com a finalidade de solucionar eventuais problemas e desafios enfrentados pelos jovens (ver Tabela 2). O eigenvalue deste fator foi 6,20 e explica 5,47% da variância comum. O coeficiente alfa de consistência interna foi de 0,89.
O fator 3, denominado Crenças da Família sobre o Potencial do Filho, inclui quatro itens relacionados ao reconhecimento da família acerca dos interesses e empenho dos filhos em suas atividades (ver Tabela 3). O eigenvalue deste fator foi 4,78 e explica 2,55% da variância comum. O coeficiente alfa de consistência interna foi de 0,75.
O fator 4, Valores da Família, inclui seis itens que retratam os valores ressaltados e cultivados pela família dos jovens atletas, os quais também podem ser assimilados pelos atletas em questão (ver Tabela 4). O eigenvalue deste fator foi 6,00 e explica 2,02% da variância comum. O coeficiente alfa de consistência interna foi de 0,80.
O fator 5, denominado Expectativas da Família sobre o Desempenho do Filho, inclui três itens referentes ao que a família esperava que os jovens poderiam alcançar em suas respectivas práticas esportivas (ver Tabela 5).O eigenvalue deste fator foi 4,60 e explica 1,92% da variância comum. O coeficiente alfa de consistência interna foi de 0,58.
Discussão
Nesta seção, serão discutidos os resultados referentes à construção e validação do Inventário Fatorial de Práticas Parentais Relacionadas ao Desenvolvimento do Talento no Esporte (IFATE). Mas, primeiramente, serão apresentadas considerações e reflexões acerca das características dos participantes deste estudo.
CARACTERÍSTICAS DOS ATLETAS PARTICIPANTES
A amostra de participantes foi composta, predominantemente, por atletas do gênero masculino. Do total de 225 atletas participantes, 152 (67,6%) são homens e 73 (32,4%) são mulheres. Ressalta-se que nem todos os atletas do Distrito Federal, com o perfil delimitado para o estudo, responderam aos questionários. Caso toda a população de atletas do DF, com as características mencionadas, tivesse respondido aos questionários, provavelmente teria sido maior ainda esta discrepância entre o número de atletas do gênero masculino e do gênero feminino. Estes dados podem indicar uma longevidade e persistência maior dos atletas de gênero masculino, em virtude de um maior reconhecimento à atividade esportiva praticada por eles. Conforme apontado pela literatura, o incentivo e reconhecimento atribuídos às atividades esportivas praticadas por homens geralmente são maiores do que em relação às atividades esportivas praticadas pelas mulheres (Eccles & Harold, 1991; McCarthy et. al., 2008). Eles se sentem mais encorajados a persistirem em suas carreiras esportivas, enquanto as mulheres, a partir de um determinado período, podem buscar outras atividades devido à falta de apoio na prática esportiva. Realmente é menos aceita a participação feminina no esporte. O esporte, culturalmente, tem sido mais associado aos homens.
Acerca da ordem de nascimento dos participantes, 93 (41,3%) eram filhos caçulas, 66 (29,3%) eram filhos primogênitos, 51 (22,7%) eram filhos do meio e 13 (5,8%) atletas eram filhos únicos. Dois participantes não indicaram esta informação. Portanto, a maioria dos participantes foi composta por filhos caçulas. Estes dados contrastam com outros estudos, nos quais se indicam que indivíduos talentosos geralmente são filhos primogênitos ou únicos (Chagas, 2003; Simonton, 1994; Winner, 1998). Entretanto, os dados corroboram a afirmação de que filhos caçulas e primogênitos geralmente são mais favorecidos pelas famílias. Desta forma, maiores recursos são destinados a eles, possibilitando-lhes a apresentação de um maior desempenho em suas atividades (Albert, citado por Olszewski-Kubilius, 2000). Neste sentido, observa-se que, em algumas famílias, os filhos mais velhos sacrificam-se para proporcionar melhores condições a seus irmãos mais novos.
Sobre a idade de início da prática esportiva, os atletas indicaram que, em média, tinham 10,97 anos. Deste modo, nota-se que os atletas iniciaram o envolvimento no esporte precocemente.Do total dos participantes, 84 (37,3%) atletas mencionaram que o ingresso naquela prática esportiva ocorreu entre dez e quinze anos atrás e 55 (24,4%) atletas possuíam mais de quinze anos de experiência no esporte escolhido por eles. Porém, este período não corresponde, necessariamente, ao tempo de participação em competições, pois a prática esportiva poderia acontecer de forma essencialmente recreativa, sem o objetivo definido de aperfeiçoar o desempenho. Em relação ao tempo de experiência em competições, os dados revelaram que 33 (14,7%) atletas participavam de competições há mais de quinze anos, 62 (27,6%) acumulavam de dez a quinze anos de participação em competições e 53 (23,6%) atletas possuíam de oito a dez anos de participação em competições. Portanto, os resultados sugerem que os atletas acumulavam um extenso período de prática deliberada, o que é considerado um aspecto importante para o alcance de um desempenho superior (Ericsson et. al., 1993; Singer & Janelle, 1999).
Observa-se que a amostra foi composta por atletas de diferentes níveis de experiência em suas modalidades esportivas e de faixa etária variada. Além disso, a grande maioria dos participantes eram atletas do gênero masculino. Ou seja, a amostra poderia ter sido mais homogênea em relação às características citadas. Por exemplo, um número mais equilibrado de atletas do gênero masculino e feminino seria mais apropriado para estabelecer comparações entre as respostas dos atletas. Em relação ao grau de experiência dos participantes, teria sido mais adequado se a pesquisa tivesse sido realizada somente com atletas de nível internacional e com mais de dez anos de treinamento. Isto tornaria a pesquisa mais direcionada ainda a atletas com desempenho realmente superior. Entretanto, ressalta-se que esta pesquisa foi feita com base no cenário esportivo do Distrito Federal, cujas características foram retratadas pela amostra do estudo. Neste estado, vários atletas participam de competições nacionais e internacionais. Porém, apenas alguns realmente se destacam nestas competições. Apesar disso, ressalta-se que o perfil delimitado para os participantes deste estudo já os caracteriza como atletas de desempenho acima da média, em comparação com a grande maioria dos atletas do DF. Além disso, convém mencionar que esta amostra de participantes representou de forma confiável o cenário esportivo desta localidade, uma vez que diversos atletas de alto desempenho, que treinam e residem no DF, responderam as escalas.
CONSTRUÇÃO E VALIDAÇÃO DO INVENTÁRIO FATORIAL DE PRÁTICAS PARENTAIS RELACIONADAS AO DESENVOLVIMENTO DO TALENTO NO ESPORTE (IFATE)
Os dados psicométricos sugerem que o Inventário Fatorial de Práticas Parentais Relacionadas ao Desenvolvimento do Talento no Esporte constitui-se em um instrumento válido para investigações pertinentes ao papel da família no desenvolvimento do talento de atletas. Os cinco fatores decorrentes da análise fatorial medem distintas dimensões das práticas parentais associadas ao desenvolvimento do talento no esporte. Destaca-se que, do ponto de vista metodológico, apenas um dos fatores (Fator 5: Expectativas da Família sobre o Desempenho do Filho; índice de fidedignidade: 0,58) teve um coeficiente alfa de consistência interna com um valor pouco abaixo do nível ideal. Segundo Gable e Wolf (1993), um critério de retenção dos fatores, considerando-se sua fidedignidade, é um coeficiente alfa de consistência interna igual ou superior a 0,70.
É importante destacar, ainda, as diferenças que o IFATE apresenta em relação a outras escalas que também abordam aspectos relativos à participação da família no desenvolvimento do talento esportivo. Conforme citados anteriormente, estes instrumentos, validados em outros países, não retratam uma grande quantidade de dimensões das práticas parentais relacionadas ao desenvolvimento do talento no esporte. Além disso, eles são destinados a crianças atletas e suas famílias, e se relacionam especificamente a uma determinada modalidade esportiva. Nota-se também que as escalas investigam, principalmente, aspectos correspondentes à relação atual que os jovens atletas estabelecem com suas famílias. O IFATE, por outro lado, é uma escala validada no Brasil, contemplando uma grande variedade de dimensões das práticas parentais relacionadas ao desenvolvimento do talento no esporte: Envolvimento da Família com a Prática Esportiva do Filho, Suporte Informativo e Emocional Proporcionado pela Família, Crenças da Família sobre o Potencial do Filho, Valores da Família e Expectativas da Família sobre o Desempenho do Filho. Além disso, o IFATE pode ser utilizado com atletas de diversas modalidades esportivas. Para a elaboração de seus itens, também foram consultados estudos que abordam o desenvolvimento do talento em outras áreas, o que proporcionou contribuições relevantes ao instrumento. O IFATE possibilita a investigação acerca do papel da família no desenvolvimento do talento de atletas, ao longo de suas respectivas trajetórias esportivas (início do envolvimento naquele determinado esporte até o presente momento). Deste modo, os itens não caracterizam somente a relação atual estabelecida entre o atleta e suas famílias. Ou seja, o objetivo do IFATE é diferente dos objetivos das outras escalas mencionadas. Ressalta-se ainda que o IFATE, por ser respondido por atletas adultos de alto desempenho, que acumulam um grande período de prática e uma maior experiência em competições, permite a avaliação de um amplo período do processo de desenvolvimento do talento no esporte. Crianças atletas, por sua vez, não poderiam julgar da mesma forma suas trajetórias no esporte, pois elas ainda não passaram por determinados estágios de desenvolvimento do talento.
Conforme mencionado, um dos fatores medidos pelo IFATE é o Envolvimento da Família com a Prática Esportiva do Filho. Em relação a este tema, estudos mostram que ele pode sofrer modificações ao longo da trajetória esportiva do atleta (Bloom, 1985; Côté, 1999, 2002). Entretanto, os itens da escala são respondidos de uma forma geral. Deste modo, esta pode ser considerada uma das limitações do IFATE, cujos itens, relativos ao envolvimento dos pais na prática esportiva do filho, não possibilitam que os participantes diferenciem este envolvimento ao longo dos estágios de participação esportiva.
Considerações Finais
Os resultados decorrentes do IFATE podem propiciar informações a atletas, pais e professores/técnicos acerca das práticas parentais que podem contribuir para o desenvolvimento dos atletas. Ou seja, primeiramente o IFATE, caso seja aplicado a atletas com um alto desempenho, fornece um panorama acerca das práticas parentais relacionadas ao desenvolvimento do talento no esporte que têm sido implementadas pelos pais destes atletas.Posteriormente, os resultados obtidos podem contribuir para a implementação de ações conjuntas, envolvendo atletas, seus pais e técnicos, com o objetivo de proporcionar condições favoráveis ao desenvolvimento do talento daquele respectivo atleta. Orientações podem ser transmitidas aos atletas e às pessoas que interagem com eles. Os pais devem ser informados em relação às formas pelas quais eles podem contribuir em relação ao desenvolvimento do talento de seus filhos atletas. Ou seja, deve ser esclarecida a importância das práticas parentais retratadas pelo IFATE. Os atletas, por sua vez, devem comunicar, a seus pais e técnicos, as necessidades e os desafios enfrentados ao longo de suas trajetórias esportivas. Além disso, os resultados, obtidos por este estudo e por outros que abordam o desenvolvimento do talento e a trajetória de atletas de alto desempenho, devem ser discutidos com pais, técnicos e atletas. Desta forma, com diálogo e colaboração mútua entre todas as pessoas envolvidas, os jovens atletas podem desenvolver o seu potencial, apresentando um desempenho superior em suas atividades.
Destaca-se ainda que versões adaptadas desta escala podem ser respondidas por atletas mais jovens e com um menor nível de desempenho (atletas em formação). Isso possibilitaria um acompanhamento acerca das práticas parentais implementadas pelos pais/famílias destes atletas, e também sobre a percepção dos jovens em relação ao papel desempenhado por seus pais. Ademais, esta escala vem suprir uma área carente de instrumentação e pode constituir uma ferramenta útil em futuros estudos sobre o desenvolvimento do talento no esporte.
Ao longo deste artigo, foi enfatizada a importância da família para que o atleta alcance um maior desempenho em suas modalidades. Ela exerce diversos papéis ao longo do desenvolvimento do atleta e é importante em relação a vários aspectos: suporte material, suporte informativo, suporte emocional, valores que são transmitidos aos atletas, crenças e expectativas depositadas no desempenho dos filhos atletas e envolvimento com a prática esportiva dos jovens. Apesar disso, ressalta-se que outros aspectos também são importantes para o desenvolvimento de um atleta de alto desempenho: relação estabelecida com o técnico, treinamentos de alta qualidade, acesso a equipamentos mais aprimorados e a uma alimentação adequada, apoio financeiro para participar de competições em outros locais e para treinar com atletas de outros centros esportivos. O alcance de um desempenho superior é resultado de uma combinação de fatores que possibilitam condições propícias para que o atleta possa se aperfeiçoar constantemente, superando eventuais desafios que surjam.
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Endereço para correspondência
Paulo Vinícius Carvalho Silva
SQN 304 - Bloco H - ap 506 / CEP 70736-080 / Brasília - DF
E-mail: paulovcs@hotmail.com
Denise de Souza Fleith
Universidade de Brasília, Instituto de Psicologia,
Departamento de Psicologia Escolar e do Desenvolvimento.
Campus Universitário - Asa Norte CEP 70910-900 / Brasília - DF
E-mail: fleith@unb.br
Sobre os autores
Paulo Vinícius Carvalho Silva
Mestre em Processos de Desenvolvimento Humano e Saúde (Programa de Pós-Graduação em Processos de Desenvolvimento Humano e Saúde, Instituto de Psicologia, Universidade de Brasília).
Denise de Souza Fleith
Docente do Instituto de Psicologia da Universidade de Brasília Ph.D. pelo National Research Center on the Gifted and Talented, University of Connecticut - EUA
Sobre o trabalho
Trabalho desenvolvido com apoio da CAPES
1 Neste artigo, os termos superdotação e talento serão considerados sinônimos.
2 Os participantes considerados adultos tinham, pelo menos, 18 anos de idade (Brasil, 1990).