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Psicologia em Pesquisa

versão On-line ISSN 1982-1247

Psicol. pesq. vol.4 no.1 Juiz de Fora  2010

 

ARTIGOS

 

Estudo Psicométrico de Escalas de Depressão (EDEP e BDI) e o Inventário de Percepção de Suporte Familiar (IPSF)*

 

Psychometric Study of Depression Scales (EDEP and BDI) and the Inventory of Perceived Family Support (IPFS)

 

 

Makilim Nunes BaptistaI; Adriana Munhoz CarneiroII; Fermino Fernandes SistoI

I Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Psicologia da Universidade São Francisco (USF)
II Universidade São Francisco (USF)

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Esta pesquisa teve como objetivo encontrar evidências de validade para o conjunto de descritores intitulado inicialmente de Escala de Depressão –EDEP em relação a outras variáveis, que foram o Inventário de Depressão de Beck (BDI) e o Inventário de Percepção do Suporte Familiar (IPSF) e evidenciar o quanto as variáveis sexo, estado civil, idade e escolaridade do chefe da família contribuem para essas relações. A coleta de dados resultou em um total de 165 estudantes universitários dos cursos de Direito e Enfermagem do interior do Estado de São Paulo, com idades entre 18 e 52 anos (M= 24,6; DP= 6,74). As análises foram realizadas pela a estatística paramétrica, a qual denotou correlações boas e positivas entre a EDEP e o BDI, assim como correlações fracas e negativas entre a EDEP e IPSF. Isso permitiu concluir que a EDEP mostra-se como um instrumento promissor no cenário da testagem psicológica. Por ser este um estudo que visa apenas um tipo de evidencia de validade, sugere-se que outras pesquisas sejam realizadas com a EDEP, a fim de se avaliar outras evidências de validade.

Palavras-chave: Validade; depressão; testes psicológicos; família.


ABSTRACT

This research aimed to find evidence of validity for a set of descriptors initially titled Depression Scale-EDEP in relation to other variables, which were the Beck Depression Inventory (BDI) and the Inventory of Perceived Family Support (IPSF) and show how the gender, marital status, age and education of household head contribute to these relations. Data collection resulted in a total of 165 university students from the law school and nursing in the state of Sao Paulo, aged between 18 and 52 years (M = 24.6, SD = 6.74). Analyses were performed by the parametric analysis, which denoted good and positive correlations between EDEP and BDI as well as weak and negative correlations between EDEP and IPFS. This showed that the EDEP shows up as a promising tool in the setting of psychological testing. Since this was a study to only one type of evidence of validity, it is suggested that further research be conducted with EDEP in order to evaluate other evidence of validity.

Keywords: Validity; depression; psychological tests; family.


 

 

Os testes psicológicos consistem em uma das ferramentas mais importantes de uma avaliação psicológica (Prieto & Muñiz, 2000; CFP, 2001).

Como sua utilização ocorre em vários contextos de atuação do profissional de psicologia, é essencial que os instrumentos de medida apresentem estudos psicométricos que justifiquem seu uso (Pasquali, 1999), principalmente no que se refere ao âmbito nacional, onde a área de avaliação psicológica apresenta-se em franca expansão.

Ao consultar o Sistema de Avaliação de Testes Psicológicos (SATEPSI, CFP, 2009), foram encontrados 102 testes aprovados para utilização pelo psicólogo, o que é um número ainda pequeno e preocupante, tendo em vista a multiplicidade de contextos em que esse profissional pode atuar. Dentre esses testes, apenas um avalia os sintomas depressivos, que é o Inventário de Depressão de Beck, o qual possui estudos psicométricos que possibilitaram sua validação em 2001 (Cunha, 2001).

A importância do estudo e criação de instrumentos que avaliem os Transtornos de Humor é essencial, justificado por estudos tanto internacionais quanto nacionais. A World Health Organization (WHO, 1999) e as estatísticas mostradas no Manual Diagnóstico de Transtornos Mentais (DSM-IV-TR, APA, 2002) apontam altas prevalências do transtorno depressivo, acometendo cerca de 120 milhões de pessoas no mundo. No âmbito nacional, o Ministério da Saúde (2003) relata que cerca de 10 milhões de brasileiros já em 2003 sofriam deste Transtorno.

Em razão disso, a construção de um instrumento que seja capaz de captar grande parte de indicadores/sintomas depressivos pode funcionar como facilitador ao psicólogo para detecção e prevenção desse problema, assim como pode auxiliar o acompanhamento da evolução do paciente e o resultado dos tratamentos (Calil & Pires, 1998). Igualmente, há a necessidade de um instrumento que seja construído de acordo com a realidade do país, pela variedade de etnias, dimensões e particularidades do povo quanto a questões culturais (Pasquali, 1999).

Atualmente, a depressão é compreendida como um Transtorno de humor multifatorial. Seus sintomas incluem, além das alterações do humor ou tendência à tristeza (ou irritável, quando se trata de crianças ou adolescentes), também alterações neuropsicológicas (déficit de memória, problemas de evocação e atenção), psicomotoras (agitação ou lentidão), biológicas/vegetativas/orgânicas (hormonais, áreas relacionadas ao córtex pré frontal medial e giro do cíngulo) e ligadas ao clima (sazonais) (APA, 2002; Bussatto-Filho, 2006; Porto, Hermolin & Ventura, 2002).

Dentre o número crescente de estudos realizados, encontram-se aqueles que relacionam a sintomatologia depressiva a fatores como classe sócio econômica, situação marital, idade, sexo e eventos de vida abrangendo vínculos sociais, tais como trabalho, moradia e família (Bahls, 2002; Oliveira, Fonseca & Del Porto, 2002; Seiffge-Krenke & Stemmler, 2002). A relação entre gênero e depressão é de três mulheres para cada homem, justificada por fatores hormonais, estilo de percepção e estratégias de enfrentamento, número de papéis sociais desempenhados, dentre outras (Kornstein, 1997; Nazroo, Edwards & Brown, 1998; Rabasquinho & Pereira, 2007; WHO, 2000) O DSM-IV-TR (APA, 2002) indica que a depressão aparece como a segunda causa que mais afeta pessoas no mundo entre 15 e 44 anos (WHO, 1999).

Em um artigo de revisão baseado em pesquisas epidemiológicas nacionais e internacionais sobre os transtornos depressivos, Lima (1999) relata que ser mulher, ter entre 20 e 40 anos, baixa escolaridade e renda, estado conjugal de viuvez, separação ou divórcio, morar em comunidades urbanas, possuir estresse crônico (ex: dificuldades financeiras e relações interpessoais) e falta de suporte social, são fatores potenciais para o desenvolvimento de transtornos depressivos. Ainda, o autor elucida que a depressão não afeta somente o individuo, mas também toda a sua rede de contatos.

Meadows, Brown e Elder-Jr. (2006) verificaram o impacto das relações entre estresse, gênero e suporte familiar na sintomatologia depressiva, utilizando dados do National Longitudinal Study of Adolescent Health (Add Health), estudo realizado com 90000 estudantes americanos com idades entre 7 e 12 anos, a fim de verificar a ocorrência dos sintomas na fase de transição da adolescência para a vida adulta. Sintomas depressivos foram medidos pela Center for Epidemiologic Studies Depression Scale (CES-D)e os eventos estressores pelo Junior High Life Experiences Survey (JHLES), cujos itens referem-se à vida escolar (baixas notas, ser expulso da escola), social (ex. amigos, trabalho), familiar (ex. mudança de casa, morte de algum parente) e individual (ex. mudanças sexuais, termino de relação de namoro). Duas medidas foram utilizadas para captar a expressão do suporte dos pais: a freqüência com que o adolescente pensava no interesse dos pais  por ele e o quanto o adolescente avaliava o carinho e amor recebido de seus pais. Os resultados sugeriram a maior prevalência de depressão nas mulheres e uma diminuição no nível de estresse conforme o aumento de idade. Eventos estressores foram preditores de sintomas depressivos em mulheres, mas não nos homens. Outros resultados demonstraram correlação negativa entre depressão e relações familiares em ambos os sexos, indicando que a família pode atuar como fator protetivo nessa fase de transição.

O estudo do impacto das relações familiares na vida vem cada vez mais se mostrando como de grande importância, principalmente pelo fato da família ser vista como protetiva para diversos transtornos que afetam o estado de saúde física e mental (Ivanova & Israel, 2005; Uchino, 2006). Para Abreu, Stoll, Ramos, Baumgardt e Kristensen (2002), o suporte afetivo constitui-se como uma relação que fornece sensação de conforto, segurança e confiança, caracterizada como fundamental para o desenvolvimento geral do indivíduo. Um dos primeiros ambientes que irá propiciar tal suporte é o familiar. Segundo Pearlin (1982), na maioria das sociedades contemporâneas, a família tem um papel acolhedor, agradável e de refúgio, sendo para muitas pessoas o único lugar no qual se tem aceitação e apoio.

Pesquisas relacionadas à depressão e à família sugerem a importância do suporte familiar, ou seja, de relações de liberdade, autonomia, carinho, diálogo, atenção, proximidade afetiva e autonomia para o estado de saúde mental (Baptista & Baptista, 2000; Chou 2000, dentre outros). Chou (2000) pesquisou sobre a relação entre autonomia e depressão em 512 adolescentes entre 16 e 18 anos (M= 16,9; DP= 1,1), dos  quais 274 (53,5%) eram mulheres. Aplicou-se para mensuração da depressão o CES-D e o The Emotional Autonomy Scale,para verificar o quanto as relações familiares prezavam a individualidade. Os resultados do estudo permitiram aos autores identificar a autonomia como um fator protetor essencial para o desenvolvimento saudável dos adolescentes por diminuir o risco para a depressão.

Baptista e Baptista (2000), ao avaliarem a percepção de suporte familiar em adolescentes com e sem sintomas de depressão, encontraram que as adolescentes com sintomatologia depressiva percebiam suas relações familiares mais negativas, possuindo menor freqüência de comportamentos de carinho e maiores de rejeição. No entanto, uma vez que os depressivos tendem a avaliar seu mundo de forma mais negativa, suas percepções sobre o suporte recebido podem ser distorcidas. Os autores aventaram, em decorrência, a hipótese da importância da autonomia, afetividade e sentimento de adaptação na família como essencial para o enfrentamento da sintomatologia.

A Escala de Depressão (EDEP), uma nova proposta de instrumento que avalia sintomatologia, têm obtido evidências de validade baseada nas relações com outras variáveis, tais como desesperança, personalidade e percepção de suporte familiar. Rodrigues (2008) avaliou a percepção do suporte familiar relacionado à depressão e estilos parentais em estudantes, utilizando o Inventário de Percepção de Suporte Familiar (IPSF), o Inventário de Estilos Parentais (IEP) e a EDEP. Participaram do estudo 455 adolescentes (11 e 18 anos), que responderam aos instrumentos. Os resultados denotaram correlações negativas entre a EDEP e o IPSF, sendo no fator Afetivo-consistente, (r=-0,47), Adaptação (r= -0,46), Autonomia (r= -0,32) e Total (r= -0,54), altamente significativos (p< 0,000), indicando que quanto maior a percepção de suporte familiar, melhores os estilos parentais e menor a sintomatologia depressiva.

Em um estudo com universitários realizado no Sul de Minas Gerais, Baptista, Souza e Alves (2008) buscaram evidências de validade para a EDEP relacionada a outras variáveis. A amostra foi composta por 157 universitários, sendo 75,5% do sexo feminino. Os instrumentos aplicados foram o Beck Depression Inventory (BDI) e o IPSF. O coeficiente de correlação de Spearman (rs), utilizado para análises não paramétricas, apontou correlação positiva da EDEP com o BDI (rs= 0,75; p< 0,000) e negativas e significativas com o IPSF e seus fatores – Afetivo consistente (rs= -0,36), Adaptação (rs= -0,37), Autonomia (rs = -0,32) e Total (rs = -0,42) – indicando que quanto maior a sintomatologia depressiva, menor a percepção de autonomia, afetividade, carinho e segurança nas relações familiares.

Finalmente, o estudo realizado por Dias (2008) buscou evidências de validade para a EDEP em um contexto hospitalar. A amostra foi composta por 200 participantes, com idades entre 18 e 62 anos, sendo 100 deles pacientes de um ambulatório de doenças inflamatórias intestinais e 100 acompanhantes. Os instrumentos aplicados foram o Inflamatory Bowel Disease (IBDQ), o IPSF, a Bateria Fatorial de Personalidade (BFP) e a EDEP. Os resultados indicaram correlações entre traços de personalidade e percepção do suporte familiar, assim como resultados promissores para a EDEP, pois a correlação da EDEP com o IBDQ (r= 0,71), com o IPSF Total (r= -0,51) e com o fator neuroticismo do BFP (r= 0,48) foi significativa, indicando evidências de validade convergente, discriminante e de critério, uma vez que os pacientes apresentaram maior sintomatologia depressiva ao serem comparados com os acompanhantes.

Conforme Cronbach (1996) coloca, a qualidade e quantidade de informações de um teste é altamente relevante, visto que o teste pode ser excelente em vários aspectos, porém, se não é corretamente interpretado, não é válido. A validade trata da relevância de uma interpretação proposta e permitirá inferir interpretações dos escores obtidos no teste (Anastasi & Urbina, 2000; Cronbach, 1996; Urbina, 2007). Nota-se que existem diferentes formas ou evidências de validade, porém, deve-se considerar que essas formas não são dissociadas, mas sim como distintas maneiras de evidenciar aspectos de um único construto (American Educational Research Association [AERA], American Psychology Association [APA], Nacional Council on Measurement in Education [NCME], 1999). Dentre as evidências de validade existentes, encontra-se a baseada na relação com outras variáveis, que será um dos objetivos deste estudo.

Anastasi (1977) defende que a validade convergente-discriminante serve para mostrar não apenas as correlações do teste com as variáveis estudadas, mas também que ele não se correlaciona significativamente com as variáveis das quais deveria diferir. Além disso, tendo em vista a necessidade e importância de estudos para diagnóstico de depressão, verifica-se a pertinência da realização de estudos que buscam ampliar o leque de evidências de validade.

Assim, o objetivo principal desta pesquisa será buscar evidências de validade para a EDEP baseada na relação com outras variáveis, avaliando para isto as relações entre dois instrumentos, sendo um que avalia a depressão e outro, a percepção do suporte familiar em Universitários. Estudo semelhante já foi relatado na literatura usando os mesmos instrumentos por Baptista, Souza e Alves (2008). Entretanto, diferentemente dessa pesquisa, este estudo pretende evidenciar o quanto as variáveis sexo, estado civil, idade e escolaridade do chefe da família contribuem para essas relações.

 

Método

Participantes

Participaram do estudo 165 estudantes, sendo 118 do curso de direito e 47 de enfermagem, que cursavam o 2º, 4º, 8º e 10º semestres, com idades entre 18 e 52 anos (M= 24,6; DP= 6,74). Outros dados sócio-demográficos dos sujeitos estão disponíveis na Tabela 1.

 

Tabela 1 - Descrição dos dados sócio-demográficos sexo, faixa etária, estado civil e escolaridade do chefe familiar.

 

Mediante a descrição dos dados, é possível verificar uma prevalência do sexo feminino em relação ao masculino, solteiros, maior concentração na faixa etária que corresponde à idade de 18 a 25 anos e maior prevalência de escolaridade do chefe da família até o superior incompleto.

Instrumentos

Questionário de Identificação. Foi desenvolvido pelos autores, visando à coleta de dados sócio-demográficos dos participantes. Com ele, aplicou-se o questionário ABIPEME (Almeida & Wickerhauser, 1991) para a classificação das classes sociais dos sujeitos em A1, A2, B1, B2, C, D e E. O Questionário foi composto de perguntas fechadas, tais como sexo, estado civil, classe social, nível de escolaridade do chefe da família, histórico de depressão na família, ter passado por avaliação psiquiátrica ou psicológica; e as abertas foram idade, número de pessoas que reside, curso e semestre. Foi anexada ainda uma lista de 51 eventos baseada na entrevista de Paykel (1967) de Eventos de Vida, que foi traduzida e validada para o país por Oliveira, Dunn, Fonseca e Del Porto (2002). Estes itens foram adaptados para auto-resposta e divididos em categorias denominadas Trabalho (6 itens), Educação (3 itens), Questões Financeiras (3 itens), Saúde (6 itens), Luto/ Perda (5 itens), Migração/mudança (2 itens), Namoro/coabitação (4 itens), Questões Legais (4 itens), Família (10 itens) e Matrimônio (8 itens).

Escala de Depressão (EDEP) (Baptista & Sisto, 2008).Trata-se de um conjunto de descritores idealizado com base no DSM-IV (APA, 2002), CID-10 (Organização Mundial da Saúde, 1993), teoria cognitivo-comportamental de Beck (Beck, Rush, Shaw & Emery, 1982), e terapia comportamental (Ferster, 1977). A primeira versão da escala possui 75 itens, sendo um instrumento de "screening" baseado em 26 indicadores, como desesperança, humor deprimido, irritabilidade, sentimentos de inadequação, perda/ diminuição de prazer, queda de produtividade, hipocondria, autocrítica exacerbada, culpa, dentre outros. Para cada um dos indicadores foram elaboradas frases que apontam extremos (frases negativas e frases positivas), para que o sujeito indique em uma escala de cinco pontos como se sente em relação àquele item. Exemplos "Faço normalmente o que é necessário – Não consigo mais fazer o necessário"; "Sinto-me culpado por tudo – Não tenho culpa na maioria das vezes"; "Gosto de tomar remédio por precaução – Tomo remédio apenas quando preciso". A pontuação varia de 0 a 300, sendo que, quando maior a pontuação, maior a intensidade percebida da sintomatologia depressiva.

Inventário de Depressão de Beck (BDI) (Cunha, 2001): O BDI é uma escala de auto-relato de 21 itens, com quatro alternativas, cujos escores variam de 0 a 3 e seu objetivo é medir a intensidade da depressão. Apresenta em seus itens conteúdos cognitivo-afetivos e somáticos, tais como pessimismo, sentimento de fracasso, retraimento social, tristeza, dentre outros, podendo ser aplicada tanto em ambiente clínico quanto não-clínico. O escore total classifica em níveis a intensidade da depressão, que varia entre mínima (0-9), leve (10-16), moderada (17-29) e severa (30-63).

Inventário de Percepção do Suporte Familiar -IPSF (Baptista, 2010): O IPSF avalia a percepção que o indivíduo tem do suporte que recebe de sua própria família. Tal instrumento possui estudos de validação, sendo que a análise fatorial de 1064 participantes passou a fornecer três dimensões. Os índices de fidedignidade referentes ao método de consistência interna (alfa de Cronbach) e das duas metades (Spearman- Brown e Guttman), indicaram coeficientes com valores acima de 0,80. Alguns estudos sobre as evidências de validade de construto e critério para o IPSF são os de Santos (2005), Rigotto (2006), Aquino (2007), Souza (2007) e Rodrigues (2008). É uma escala tipo Likert de três pontos e possui 42 itens, sendo dividido em três fatores: afetivo consistente, que possui 21 itens referentes a relações afetivas positivas (verbais e não verbais), proximidade, carinho, proximidade, clareza em regras, habilidades na resolução de problemas, respeito; adaptação familiar, que possui 13 itens referente a sentimentos negativos sobre a família, como isolamento, raiva, vergonha, não pertencimento, irritação, relações agressivas e percepção de que existe competição entre os familiares. Este fator é pontuado inversamente, de forma a ser mensurado como os outros fatores; e autonomia familiar que é composto por 8 itens sobre relações de confiança, liberdade e privacidade entre os membros.

Procedimentos

Após aprovação do trabalho no comitê de ética, as solicitações para aplicação de teste foram encaminhadas aos coordenadores dos respectivos cursos. A aplicação foi realizada em salas de aula com aproximadamente 25 participantes, durando em média 40 minutos, sendo que os instrumentos foram aplicados em uma seqüência aleatória, para se tentar controlar o efeito fadiga, conservando a ordem apenas do TCLE e do questionário de identificação, que iniciavam a aplicação dos instrumentos.

 

Resultados

Dados descritivos

A análise descritiva dos eventos de vida denotou que os eventos mais pontuados foram Questões financeiras (62,4%), Trabalho (56,8%) e Família (52,6%), e os que tiveram menor pontuação foram Matrimônio (16,7%), Legalização (18,2%) e Saúde (22,5%). O maior número de eventos assinalados por uma pessoa foi 15 e o menor, zero, havendo uma concentração entre 1 a 4 eventos assinalados.

Quanto aos instrumentos, os resultados no BDI apontaram que a média de resposta dos estudantes concentrou-se na pontuação de depressão zero e a maior, 33. Na EDEP, a média de respostas foi 73,85 (DP= 51,93), sendo o escore mínimo encontrado 0 e o máximo, 264. Em relação aos escores do IPSF, eles mostraram que os estudantes possuem percepção de um bom suporte familiar. O Fator 1 (Afetivo Consistente) teve média de respostas de 26,06 (DP= 9,78), sendo o escore mínimo 0 e o máximo, 42. O Fator 2 (Adaptação familiar) teve média de 20,22 (DP= 5,37), com escores mínimo e máximo de zero e 26. O Fator 3 (Autonomia)  teve uma média de pontuação de 12,38 (DP= 3,65), sendo o mínimo zero e o máximo, 16. Por fim, a soma dos escores totais, denominada IPSF Total, teve média de 58, 67 (DP= 16,22), sendo a pontuação máxima obtida pelo instrumento de 82 e a mínima, zero.

Relações da EDEPcom o BDI e IPSF

Considerando que o objetivo principal deste estudo era buscar evidências de validade para a EDEP, utilizou-se o coeficiente de correlação de Pearson (r) do EDEP com o BDI e IPSF, controlando os efeitos das variáveis sexo, idade e escolaridade do chefe familiar, e sem o controle dessas variáveis. Para interpretação do coeficiente de correlação avaliou-se sua magnitude. Os resultados estão apresentados na Tabela 2.

 

Tabela 2 - Coeficiente de correlação de Pearson da EDEP com o IPSF e o BDI, com e sem controle das variáveis.

 

Conforme se pode observar, as correlações da EDEP com o BDI foram positivas, e as com o IPSF, negativas. Ao lado disso, a magnitude dos coeficientes com o BDI podem ser consideradas como boas, enquanto que as do IPSF, fracas.

Assim, as relações entre o EDEP e o BDI indicam que conforme aumentam as pontuações em um dos instrumentos, aumenta também no outro. Inversamente, e por sua vez, as relações entre o EDEP e o IPSF possibilitam interpretar que ao aumento das pontuações na medida do suporte familiar corresponde uma diminuição da intensidade do índice de depressão.

Além disso, a magnitude encontrada na relação entre a EDEP e o BDI permite inferir que se trata de constructos semelhantes enquanto que a magnitude da correlação entre a EDEP e o IPSF sugere que, mesmo possuindo uma parte comum, a maior parte de variância das duas medidas se refere a constructos diferentes. Assim, os resultados são congruentes com o desenho de busca de evidências de validade da pesquisa proposta.

Finalmente, no que se refere às participações das variáveis sexo, estado civil, idade e escolaridade do chefe da família nas relações da EDEP com o BDI e o IPSF, vale a pena comentar que foi muito pequena, a ponto de não interferir nos resultados e, em decorrência, na interpretação. Em outros termos, sexo, idade do participante e escolaridade do chefe familiar não parecem ser variáveis que interajam na relação da depressão com suporte familiar ou do outro instrumento de depressão.

 

Discussão

Considerando que o presente estudo buscou encontrar evidências de validade para um conjunto de indicadores, inicialmente denominado EDEP e, ao mesmo tempo, evidenciar o quanto as variáveis sexo, estado civil, idade e escolaridade do chefe da família contribuem para essas relações, pode-se afirmar que estes objetivos foram alcançados. É importante ressaltar que o estudo, mesmo realizado com uma amostra classificada como pequena (Prieto & Muñiz, 2000), foi capaz de detectar correlações com magnitudes interpretáveis e coerentes com os conteúdos dos instrumentos. As correlações encontradas entre a EDEP com o BDI foram boas, ao passo que com o IPSF foram fracas. Deve-se ainda ressaltar que, como a Escala de Depressão avalia um construto diferente do que o IPSF avalia, era esperada uma correlação baixa o suficiente para indicar uma pequena comunalidade entre os instrumentos, preservando a maior parte da variância para as diferenças entre os construtos.

No que se refere aos resultados obtidos da correlação entre a EDEP e o IPSF, eles indicam que quanto menor a sintomatologia depressiva, maior a percepção de carinho, habilidade nas estratégias de enfrentamento, percepção de relações de colaboração e compreensão, autonomia, confiança e liberdade, corroborando as pesquisas que colocam a família, principalmente o suporte que esta propicia, como um fator associado à saúde mental do individuo, assim como os estudos realizados tanto no âmbito nacional quanto internacional já evidenciavam (Baptista & Baptista, 2000; Chou, 2000; Ivanova & Israel, 2005; Meadows, Brown & Elder Jr., 2006).  Além disso, os índices de correlação encontrados vão ao encontro de outras pesquisas que tiveram como base o IPSF e a EDEP, como o de Baptista et al. (2008), Rodrigues (2008) e Dias (2008), nos quais os resultados também evidenciaram que quanto maior a percepção de suporte familiar, menor a sintomatologia depressiva.

Em relação à EDEP e ao BDI, os resultados indicaram que quanto menor a pontuação na EDEP, menor o nível de depressão dos participantes detectada pela BDI e assim sucessivamente. Tal resultado é considerado como promissor, principalmente pela alta respeitabilidade do BDI ao redor do mundo (Santor, Gregus & Welch, 2006). Entretanto, deve-se considerar que o coeficiente foi bom, mas não ótimo ou alto o suficiente para considerar ambos os instrumentos como similares.

Isto talvez se deva a dois fatos. Um deles é que a EDEP contém todos os indicadores do DSM e CID, condição essa que o BDI não atende. Nesse contexto, conforme Calil e Pires (1998), a avaliação da sintomatologia depressiva depende das categorias nas quais os sintomas são incluídos nos itens de cada escala, aspecto que diferencia uma escala de outra. E o segundo está relacionado à montagem do instrumento, no qual se colocam duas frases e se pede para que a pessoa se situe em um contínuo entre eles.

Esse segundo aspecto é importante, pois por meio dele procurou-se tornar mais clara a informação buscada, devido ao fato de que no Brasil existe uma grande diversidade cultural, étnica e sócio-cultural, devendo tais características ser respeitadas ao se elaborar um teste e ao aplicá-lo. Além disso, tal necessidade de respeitar esses aspectos ao se avaliar uma pessoa torna-se essencial para sua interpretabilidade, visto que seu objetivo é o fornecimento de informações suficientes para que se possa utilizá–lo como facilitador para detecção e prevenção do estado de saúde mental das pessoas, conforme Calil e Pires (1998) argumentam.

Uma vez que a EDEP foi construída com o objetivo de avaliar um número mais amplo de indicadores da sintomatologia depressiva que capte características da população do país, o índice de correlação obtido com o BDI denota que o conjunto de indicadores constitui-se como um promissor instrumento para avaliação da depressão. Da mesma forma, os resultados obtidos vão ao encontro do estudo realizado por Baptista e colaboradores (2008), que também denotaram o crescimento do nível de depressão mensurado pelo BDI à medida que a pontuação dos sintomas depressivos na EDEP aumentava.

Na literatura, verificou-se também que a escolaridade reflete na sintomatologia depressiva e na percepção do suporte familiar, indicando que quanto maior o nível de instrução, maior a percepção de suporte que a pessoa possui e menor tendência a sintomatologia depressiva (Lima, 1999). Nesse contexto, crianças, adolescentes e adultos que possuem pais com maior instrução conseguem comunicar-se mais acerca de sua vida acadêmica e pessoal, propiciando assim um maior tempo nas relações, maior discriminação de estados afetivos, maior comunicação, sentimento de pertença e relações de autonomia, e um ambiente propício para o desenvolvimento cognitivo e social. Entretanto, a variável escolaridade do (a) chefe da família não interferiu na relação encontrada entre a EDEP e o IPSF, o que se contrapõe aos resultados de Lima (1999), pois a neutralização dessa variável não muda a magnitude da correlação, sugerindo que independentemente da escolaridade a relação se mantém.

Levando em conta que a idade diz respeito, dentre outras características, à habilidade para dirigir sua própria vida, liberdade e privacidade para definir metas, é esperado um maior sentimento de autonomia familiar, uma vez que uma das características da vida adulta engloba responsabilidades e independência (Papalia, Olds & Feldman, 2000). Novamente, o efeito dessa variável sobre a relação EDEP-IPSF foi muito pequeno, sugerindo que o efeito observado por Papalia, Olds e Feldman (2000) não pode ser extrapolado para a situação de depressão e suporte familiar, pelo menos levando-se em consideração a atual amostra.

Outro fator que é indicado pela WHO (2000), DSM-IV-TR (APA, 2002) e outras pesquisas apresentadas neste trabalho como potencial para a sintomatologia depressiva é o sexo, e as mulheres seriam mais suscetíveis do que os homens. No entanto, tal diferença não mudou a relação entre a EDEP e o IPSF, talvez até porque o número de homens da amostra foi insuficiente para detectar tal diferença. Contrariando tais resultados, Dias (2008), utilizando a EDEP em um conjunto de 100 pacientes e 100 acompanhantes com doença de Crohn, com distribuição eqüitativa de sexo, relatou ter encontrado diferença significativa entre depressão e gênero, demonstrando que as mulheres apresentaram maior freqüência de sintomatologia depressiva em relação aos homens.

Por fim, consideram-se como limitações o tamanho da amostra e a distribuição das respostas dadas pelos participantes, que possuíram pouca variância. Assim, para que mais analises possam ser realizadas em uma replicação deste estudo, sugere-se uma amostra maior e mais heterogênea. Outra sugestão se pauta na necessidade de outros estudos de validade com este conjunto de indicadores que o relacione a outras variáveis como raça, estratégias de enfrentamento, estresse, ansiedade, suicídio e desesperança, além de outras escalas que também avaliem depressão e possuam evidências de validade para a população brasileira.

 

Referências

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Endereço para correspondência:
Makilim Nunes Baptista
Programa de Pós Graduação Strictu-Sensu em Psicologia da Universidade São Francisco
Av. Alexandre Rodrigues Barbosa, 45 – Centro
CEP 13251-900 - Itatiba-SP
Email: makilim.baptista@saofrancisco.edu.br
Telefone: (11) 4534-8040

Recebido em Agosto de 2009
Revisto em Janeiro de 2010
Aceito em Março de 2010

 

 

*Artigo financiado pelo programa de bolsa produtividade do CNPq do primeiro autor e Bolsa de Iniciação Científica FAPESP da segunda autora.

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