Serviços Personalizados
Journal
artigo
Indicadores
Compartilhar
Contextos Clínicos
versão impressa ISSN 1983-3482
Contextos Clínic vol.9 no.1 São Leopoldo jun. 2016
https://doi.org/10.4013/ctc.2016.91.08
ARTIGOS
Intervenção psicossocial com o adulto autor de violência sexual intrafamiliar contra crianças e adolescentes
Psychosocial intervention with the adult responsible for intra-familiar sexual violence against children and adolescents
Fernanda Figueiredo Falcomer MenesesI; Lucy Mary Cavalcanti StroherI; Cássio Bravin SetubalI; Lana dos Santos WolffI; Liana Fortunato CostaII
ISecretaria de Estado de Saúde do Distrito Federal. Programa de Pesquisa, Atenção e Vigilância à Violência - PAV Alecrim. Setor Bancário Norte (SBN), Quadra 02, bloco "P" lote 04, loja 01, 70040-020, Brasília, DF, Brasil. fernanda.falcomer@gmail.com, cassiosetubal@yahoo.com.br, lustroher@gmail.com, lanawolff@gmail.com
IIUniversidade de Brasília. Programa de Pós-graduação em Psicologia Clínica e Cultura. Campus Universitário Darcy Ribeiro, ICC Sul, Instituto de Psicologia, Universidade de Brasília, 70910900, Brasília, DF, Brasil. lianaf@terra.com.br
RESUMO
O texto tem como objetivo apresentar um relato de experiência de intervenção psicossocial grupal para adultos autores de violência sexual intrafamiliar contra crianças e adolescentes. O atendimento à pessoa que comete violência está previsto no Plano Nacional de Enfrentamento da Violência Sexual Contra Crianças e Adolescentes, e requer das instituições e da sociedade uma mudança de paradigma, em relação a punir versus tratar. A intervenção se passa em uma unidade pública de saúde, a equipe é formada por um psicólogo, duas psicólogas, uma assistente social e um psiquiatra. Descreve-se uma experiência grupal ocorrida em 2014, que contou com dezessete participantes, e idades entre 27 e 71 anos. O fluxo do atendimento inclui: entrevista individual inicial, entrevista familiar, entrevista psiquiátrica, e as sessões grupais, em número de nove, com duração de duas horas cada. Os temas presentes nas sessões são: avaliação e incremento da autoestima; responsabilização pelo sofrimento perpetrado a outrem; enfrentamento da ação violenta; reflexão sobre a criação de vínculos e intimidade com outras pessoas; presença de fantasias sexuais envolvendo crianças e /ou adolescentes; recuperação do processo de comportamentos que se sucedem antes da ofensa sexual; construção de estratégias para evitar novas situações de violência sexual e elaboração de projeto de futuro de vida. O limite do texto está na ausência de outras experiências narradas em contexto brasileiro que possibilitasse discussão mais ampla. No entanto, busca-se a presença do escopo da interseção de diferentes saberes, como o Direito, a Psicologia, a Psiquiatria e o Serviço Social.
Palavras-chave: abuso sexual, vitimização, crime, agressões sexuais.
ABSTRACT
The text has the goal to present a report of the group psychosocial intervention experience with adults responsible for intra-familiar sexual violence against children and adolescents. The treatment to the person who commits sexual violence is provided by the National Plan of Coping with the Sexual Violence against Children and Adolescents (Plano Nacional de Enfrentamento da Violência Sexual Contra Crianças e Adolescentes), and requires a change of paradigm from the institutions and society, regarding punishment versus treatment. The intervention takes place in a public health unity; a male psychologist, two female psychologists, a social assistant and a psychiatry form the team. A group experience that took place in 2014 is described, which included seventeen participants between the ages of 27 and 71. The treatment flow includes: an initial individual interview, a family interview, a psychiatric interview and nine group sessions, with the duration of two hours each. The themes presented in the sessions are: evaluation and increase of self-esteem; accountability for the suffering perpetrated to others; coping with the violent act; reflection about bonding and intimacy with others; the presence of sexual fantasies involving children and/or adolescents; recovery of the behavioral processes that happen before the sexual assault; strategy construction to avoid new sexual violence situations, and the elaboration of a future life project. The limit of the text is in the absence of other experiences narrated in a Brazilian context, which would make a wid er discussion possible. Nevertheless, the presence of different areas scope, such as Law, Psychology, Psychiatry and Social Service is eagerly searched.
Keywords: sexual abuse, vitimization, crime, sex offenses.
Introdução
Este texto tem como objetivo apresentar um relato de experiência de intervenção psicossocial grupal para adultos autores de violência sexual intrafamiliar contra crianças e adolescentes. Trata-se de uma experiência piloto, ao mesmo tempo de uma pesquisa-ação (Barbier, 2002), que caracteriza uma parceria entre uma universidade pública e uma instituição de saúde governamental. É muito recente a preocupação com o atendimento ao ofensor sexual, sendo que não se tem conhecimento de outra experiência dessa natureza em andamento no Brasil dentro do sistema de saúde pública. No entanto, iniciativas dessa ordem são necessárias para que se cumpra o circuito de proteção às vítimas de abuso sexual. Em São Paulo, o trabalho de Baltieri e Andrade (2009) com avaliação de ofensores sexuais, caminha no sentido da estruturação de uma avaliação do comprometimento psíquico de ofensores sexuais, utilizando métodos de entrevistas e de aplicação de instrumentos atuariais (Gonçalves e Vieira, 2005; Gordon e Grubin, 2004). Cabe salientar que o atendimento à pessoa que comete violência está previsto no Plano Nacional de Enfrentamento da Violência Sexual Contra Crianças e Adolescentes (Brasil, 2013). A isso se acresce a constatação de que, na maioria dos casos de violência sexual contra crianças e adolescentes, esses atos violentos são cometidos mais por pessoas do sexo masculino do que por pessoas do sexo feminino (Hohendorff et al., 2013; Marshall, 2001; Mascarenhas et al., 2010; Pincolini e Hutz, 2014). Espera-se que este texto possa trazer avanços nessa trajetória de atenção ao autor de violência sexual, na medida em que descreve uma experiência em curso, realizada em contexto de intervenção psicossocial.
Aspectos teóricos da proposta
A Organização Mundial de Saúde (OMS) define a violência sexual como ações que envolvem maus-tratos e, no caso de crianças, implica que ela seja vitimizada por uma pessoa mais velha com o objetivo de satisfação sexual. O ofensor geralmente tenta aproximar-se da criança pela sedução, com o objetivo de conquistar-lhe a confiança, envolvendo-a em uma relação muito próxima e erotizada, hierarquizada em relação ao poder, com o intuito de concretizar o contato genital (Organização Mundial da Saúde, 2002). O âmbito do texto limita-se a propor uma intervenção que se destina à violência sexual contra crianças e adolescentes ocorrida de modo intrafamiliar. Essa proposta encontra um sentido em relação ao maior número de abusos sexuais ocorridos no contexto familiar, seja com relação ao abuso sexual de meninos ou de meninas (Bogaerts et al., 2010). Por outro lado, o abuso sexual intrafamiliar é visto como mais grave, danoso e mais persistente, pois a vítima tem mais dificuldades em interromper a vitimização pelo fato de conhecer/conviver com o ofensor (Miranda e Corcoran, 2000).
O oferecimento de ações voltadas para esse público, adultos ofensores sexuais intrafamiliares, requer das instituições e da sociedade uma mudança de paradigma, em relação a punir e aprisionar versus identificar e oferecer atendimento em saúde pública (Day e Ward, 2009; Howells e Day, 1999; Marshall et al., 2006; Schafer e Peternelj-Taylor, 2003; Ward et al., 2007; Ward et al., 2009). Com relação aos conteúdos presentes nas intervenções, a escolha dos temas privilegia, segundo Howells e Day (1999), Holland et al. (2007), Marshall (2006), Worley et al. (2011): avaliação e incremento da autoestima; responsabilização pelo sofrimento perpetrado a outrem; enfrentamento da ação violenta; reflexão sobre a criação de vínculos e intimidade com outras pessoas; presença de fantasias sexuais envolvendo crianças e/ou adolescentes; recuperação do processo de comportamentos que se sucedem antes da ofensa sexual, construção de estratégias para evitar novas situações de violência sexual e elaboração de projeto de futuro de vida. Todos os autores consultados, e apontados neste texto, concordam com a necessidade insubstituível da avaliação do funcionamento psíquico do ofensor sexual, do acompanhamento durante o processo da oferta da intervenção, bem como da avaliação da recidiva do ato violento. Com relação ao formato da intervenção, esta pode ser individualmente ou em forma grupal (Marshall, 2006), porém, uma vez que se escolha o formato grupal, os participantes devem manter uma homogeneidade de problemáticas, para que o design seja comum a todos. Com relação ao período da intervenção, dependendo da avaliação, poderá se estender de três a nove meses. Não há um perfil de ofensor sexual (Bogaerts et al., 2010; Seto, 2008), por isso, a intervenção oferecida deve ser adaptada à diversidade dos componentes do grupo. Além disso, mais recentemente, autores como Lauritsen e Carbone-Lopez (2011), Rodgers e McGuire (2012) e Worley et al. (2011) vêm chamando a atenção sobre a necessidade de se considerar outros aspectos interpessoais do ofensor sexual - o contexto, a família e a comunidade - como elementos importantes na avaliação de recidiva do ato violento e no planejamento dos atendimentos, visando ao restabelecimento de relações sociais para os ofensores, objetivando a não recidiva do ato ofensor. Isso significa incluir os aspectos presentes no contexto do ofensor sexual, como as relações familiares, a situação ocupacional, as relações com grupos sociais, o uso de substância, a conjugalidade (Howells e Day, 1999; Marshall, 2006; Miranda e Corcoran, 2000).
Há um programa de atenção ao ofensor sexual melhor e mais indicado? Certamente não, e os autores concordam com essa assertiva e adiantam que deve haver um ajustamento entre os participantes da intervenção, os objetivos a serem alcançados e as características do contexto social e comunitário (Howells e Day, 1999; Marshall, 2006). Há ainda uma questão ética, que é a posição assumida por autores como Ward et al. (2007) e Ward et al. (2009), de que os direitos humanos se impõem como uma diretriz a ser cumprida, pois se trata de um problema de saúde pública, além de ser evidente a urgência em se compreender quem é o autor de ato violento, e sua reinserção familiar e social.
Contexto
A intervenção se passa em uma unidade pública de saúde que faz parte de uma rede especializada em atendimento às vítimas de violência (PAV Alecrim - Secretaria de Saúde - Governo do Distrito Federal). A unidade aqui indicada é responsável pelo atendimento dos homens que cometeram ofensa sexual, e funciona em local distinto das demais unidades da rede. A equipe é formada por um psicólogo, duas psicólogas, uma assistente social e um psiquiatra. O psiquiatra é responsável pela avaliação do comprometimento do autor da violência em alguma expressão de psicopatologia, por meio de uma entrevista psiquiátrica realizada antes do início da intervenção grupal. Os demais profissionais são responsáveis pelas entrevistas iniciais com o autor da violência e com o grupo familiar, e conduzem o atendimento psicossocial.
Participantes
O grupo aqui descrito foi composto por 16 participantes, com idades entre 27 e 71 anos, sendo que a média de idade é de 47,8 anos. A maioria deles é casada, ou em união estável. Oito participantes estão trabalhando no mercado formal, três no mercado informal, dois aposentados, três desempregados, e um recebe bolsa da Fundação de Amparo ao Trabalhador Preso (FUNAP-DF) (Brasil, 1986). A escolaridade vai de não alfabetizado (i) até o superior incompleto (ii), sendo que a maioria se encontra no ensino fundamental incompleto (Tabela 1). A renda pessoal varia de 2/3 do salário mínimo até sete salários mínimos, e a renda familiar vai de um salário mínimo até quinze salários mínimos. Quatorze participantes foram condenados por violência sexual intrafamiliar e receberam penas que variaram de 2 anos a 17 anos de prisão, tendo permanecido recolhidos no sistema prisional uma média de 2 anos e 1 mês. Dois participantes foram julgados e condenados, mas cumpriram a pena em regime aberto, em prisão domiciliar, e um participante não chegou a ser julgado, e seu processo estava suspenso.
Sobre as vítimas, foram 12 do sexo feminino, cinco vítimas do sexo masculino, sendo que um autor de violência ofendeu a ambos os sexos. A idade média das vítimas do sexo feminino foi de 12 anos e um mês, com idades entre 4 anos e 24 anos. A idade média das vítimas do sexo masculino foi de 9 anos, com idades entre 7 anos e 11 anos. Dos 16 participantes, 11 fazem uso de álcool, entre os modos moderado e abusivo. A maioria dos participantes já cumpriu suas penas, e são recebidos na instituição por encaminhamento da Vara de Execuções Penais, ou da Vara de Execuções de Penais em Meio Aberto, ou da Promotoria de Violência Doméstica. O encaminhamento proveniente dessa última Vara explica porque, nesse grupo, havia um ofensor de vítima com 24 anos com deficiência intelectual. O encaminhamento é sob obrigação, e a participação no grupo é sigilosa.
Instrumentos
Roteiro de entrevista semiestruturado - Da entrevista individual, constam os seguintes itens: identificação, dados da família, condições de moradia e de saúde, histórico da violência sexual encaminhada à justiça, entrada no sistema judiciário, expectativas para a intervenção e encaminhamentos para a rede de saúde e/ou assistência social, realizados ao final do atendimento. Nesse momento, também é confeccionada uma linha da vida, buscando conhecer as trajetórias de vida da pessoa atendida (Nascimento et al., 2005).
Entrevista semiestrutrada com a família - Toda a família é convidada a comparecer, e o objetivo é conhecer a interação familiar, a reorganização familiar após a saída do autor do sistema penitenciário (Holland et al., 2007; Visher, 2007). Essa entrevista é a oportunidade para a confecção do Genograma (McGoldrick et al., 2012), que consiste em uma representação gráfica dos membros da família de suas várias gerações, e da qualidade dessas relações entres os diferentes membros. Em relação a esses sujeitos é interessante, em particular, a repetição dos atos violentos em cada geração.
Entrevista de avaliação psiquiátrica - Essa entrevista é fundamental para acrescentar, à compreensão do contexto socioeconômico e cultural do adulto ofensor, o seu comprometimento com a presença de aspectos psicopatológicos, por exemplo, psicopatias ou depressão (Gordon e Grubin, 2004; Marshall, 2001; Seto, 2008).
Instrumento atuarial - O checklist SVR-2.0 é um instrumento preenchido pela equipe de profissionais responsáveis pelo atendimento, e visa à detecção de risco de possível cometimento de ato violento, incluindo a observação de fatores individuais e situacionais. Os fatores de observação são: ajustamento psicossocial, histórico das ofensas sexuais, existência de planos futuros. A partir da observação desses pontos, elabora-se uma estimativa de recidiva de violência sexual de maior, médio ou baixo risco. O preenchimento é fruto da observação sobre o sujeito ofensor e deve ter uma perspectiva processual, ou seja, seu preenchimento deve permanecer em aberto, incluindo novas observações à medida que o sujeito vai percorrendo todas as etapas da intervenção (Boer et al., 2005; Gonçalves e Vieira, 2005; Walters, 1998).
Recursos humanos e materiais
Os recursos humanos disponíveis estão descritos no item "Contexto". Faz parte, ainda, da equipe, uma psicóloga, docente de uma universidade pública que é responsável pela pesquisa. Esse grupo, em fase anterior à implantação da intervenção propriamente dita, reuniu-se buscando material teórico e técnico em autores internacionais que subsidiassem a possibilidade da execução da tarefa. O primeiro semestre de reuniões (1º semestre de 2013) contou com a participação de pessoal da área da saúde prisional e pessoal da justiça para efetivar conhecimento acerca do sistema prisional, aplicação de penas e do sistema de justiça. No segundo semestre de reuniões (2º semestre de 2013), teve início um programa de leituras sobre criminologia, direitos humanos, avaliação de condutas criminais, diferentes instrumentos de avaliação, experiências internacionais de intervenção com autores de violência. O terceiro semestre de preparação (1º semestre de 2014) foi utilizado para a construção teórica e metodológica da proposta a ser adotada. Foi o momento no qual se decidiu que se privilegiaria uma entrevista semiestruturada logo ao início do atendimento, que haveria uma entrevista psiquiátrica definindo e diagnosticando psicopatologias e que se adotaria um instrumento atuarial para avaliação do risco de reincidência aplicado a todos os participantes. Esse instrumento seria o checklist SVR-2.0 (Boer et al., 2005; Gonçalves e Vieira, 2005). Essas definições foram baseadas principalmente em: Howells e Day (1999); Holland et al. (2007); Mandeville-Norden e Beech (2006); Marshall (2006); Nunes et al. (2013); Vess et al. (2008); Seto (2008). Com relação à pesquisa, a intervenção constitui-se em um projeto de pesquisa-ação apresentado ao Comitê de Ética do Instituto de Ciências Humanas (via Plataforma Brasil) da Universidade de Brasília e recebeu o parecer número 972.246.
A intervenção se passa em um auditório disponibilizado pela unidade de saúde. Os recursos materiais utilizados são: papel, lápis, cola, revistas, barbante, fitas adesivas, e, como material permanente, televisão e computador. Para o lanche que foi oferecido em todos os encontros, houve uma divisão de responsabilidade, sendo que a instituição ofereceu alguns itens e os participantes, outros.
A proposta metodológica
O fluxo do atendimento teve início com a chegada ao serviço do participante concomitantemente com cópia de partes do processo enviada diretamente das varas penais já citadas. Esse encaminhamento contém informações atualizadas sobre sua condição socioambiental, detalhes do processo e uma avaliação, se ocorrida ou não, dentro do sistema prisional. Em seguida, cada participante foi entrevistado por uma dupla de profissionais, visando ao conhecimento de informações acerca da realidade psicossocial, da ocupação, das condições de moradia, da renda pessoal e familiar, do uso de substâncias, da escolaridade, da situação empregatícia e da situação da violência perpetrada e de informações sobre a vítima. Nessa oportunidade, busca-se primordialmente o estabelecimento de vínculo de aceitação e empatia com o participante (Marshall, 2006) a partir do processo de transformação da demanda compulsória para uma possível demanda real. Nessa primeira entrevista, foi feita ainda a Linha da Vida com o ofensor. Uma segunda entrevista foi realizada a partir do convite para a presença de familiares, na qual foi realizado o Genograma. A maioria dos ofensores trouxe a companheira. Um terceiro contato antecedente ao início da intervenção grupal foi a entrevista psiquiátrica. Em termos de fluxo do processo da intervenção, acontece, então, o compartilhamento de todas as informações a respeito de cada participante, por meio de reunião de estudo de caso envolvendo todos os profissionais.
A partir desse ponto, foi feito o planejamento grupal e a decisão sobre se haveria algum participante considerado inadequado para a intervenção. O critério de definição dessa inadequação é a presença de alguma expressão psicopatológica, como depressão mais grave, ou sociopatia, ou, ainda, o diagnóstico de pedofilia. Essa decisão de não atendimento a ofensores com diagnósticos graves, e com comprometimento sociopático, está calcada em Marshall (2006), que orienta a não se misturar participantes com comprometimentos muito desiguais, porque vai se sobretratar (oferecer intervenção mais complexa com conteúdo para sujeito com baixo risco) uns e subtratar (oferecer intervenção menos complexa com conteúdo para sujeito com alto risco) outros.
Ainda há que se apontar que esses critérios seguem orientação de Marshall (2006) no tocante à condição de ser uma intervenção em grupo sem possibilidades de continuidade do atendimento em longo prazo, e ainda se privilegiar o atendimento aos sujeitos com possibilidade de responsividade à proposta da intervenção.
A intervenção grupal foi planejada para ocorrer em nove encontros de duas horas cada um. O primeiro encontro (29/08/2014) teve como objetivo o acolhimento e a integração grupal: O que espero do trabalho? Como posso contribuir para a intervenção? Foi feito o acerto do contrato com respeito à hora de chegada e saída. Compareceram 13 participantes, e um detalhe interessante foi o pedido deles para que houvesse lanche em cada intervenção. O segundo encontro (12/09/2014) teve a presença de 11 participantes, e o tema tratado foi a capacidade de controlar comportamentos invasivos em relação a outras pessoas. Após um momento inicial de integração grupal, o tema foi experienciado a partir de disparadores, cartazes contendo fotografias que pudessem mobilizar reações frente a pessoas e situações que requerem necessidade de controle interno, e ainda conseguirem refletir qual a consequência da falta de controle naquela circunstância. O terceiro encontro (26/09/2014) ocorreu com a presença de 11 participantes, e o tema foi "relações violentas", com enfoque tanto nas relações com adultos ou crianças, e diferentes modos de relacionamento violento. Esse tema ensejou que os participantes pudessem retomar suas próprias experiências de sofrimento com a violência familiar, bem como reconhecer as violências praticadas na atualidade. O quarto encontro (10/10/2014) contou com 10 participantes e teve como tema a reestruturação de objetivos para a construção de planos para o futuro. A atividade escolhida como disparador da reflexão foi uma história de vida, de um ex-presidiário, retirada de um jornal. O objetivo da reflexão foi avaliar o que é necessário ser feito agora para a vida ser retomada, e como as ações devem ser repensadas para que ocorram mudanças no modo de se relacionar com crianças, adolescentes e adultos. O quinto encontro (24/10/2014) contou com 11 participantes. O tema foi o abuso sexual, e a reflexão foi proporcionada por uma encenação de uma abordagem sedutora a uma criança. A encenação, dramatizada pelos componentes do grupo, teve início com uma notícia real retirada de um jornal de um abuso sexual envolvendo uma menina, e o desafio foi o grupo dar uma continuidade adequada à cena inicial. O sexto encontro (07/11/2014) teve a presença de 11 participantes, e o tema foi sobre os preconceitos a respeito das mulheres, sobre o que se espera dos homens em relação à sua masculinidade, sobre a dominação de pessoas com menos idade, e como esses preconceitos guiam as vidas e condicionam os comportamentos. O sétimo encontro (21/11/2014) teve a presença de seis participantes, e o tema foi construir e estudar a Árvore da Vida, com sua raiz do que já aconteceu, com seu tronco, que dá firmeza para seu crescimento, e com seus galhos, que são renováveis e representam as mudanças que podem vir a ocorrer. Na verdade, esse tema foi uma introdução aos Planos para o Futuro. O oitavo encontro (05/12/2014) teve a presença de nove participantes. O tema foi "Desfazer nós", e o objetivo foi poder identificar com quais nós (conflitos) os participantes ainda se sentem envolvidos. O principal nó apontado por eles foi a eclosão de conflitos familiares após sua reintegração familiar. O nono e último encontro ocorreu em 12 de dezembro de 2014, teve a presença de oito participantes, e o objetivo foi a preparação para o término do grupo, a retomada da vida cotidiana "sem dever nada à justiça". Alguns familiares compareceram e foram convidados a percorrer, com os participantes, uma linha traçada no chão, que significou o caminho a ser percorrido daqui para frente. As expectativas dos participantes foram receber ajuda de Deus, da família e manter ou conseguir trabalho e emprego para a continuidade da vida.
Comentários sobre as sessões
Incialmente, aponta-se a necessidade de que a intervenção tenha início, meio e fim já definidos, para que os participantes possam negociar esse compromisso junto a seus empregadores. Adotou-se uma abordagem lúdica, com construção de desenho, colagens, objetos intermediários para facilitar a expressão dos sentimentos, angústias e diminuição da tensão frente ao tema da violência. O objeto intermediário é um instrumento aplicável quando existem papéis pouco desenvolvidos e sobre os quais se deseja atuar terapeuticamente, ou quando ainda está se lidando com estados de alarme (Rojas-Bermúdez, 1977), e pode também ser usado como estímulo para evidenciar aspectos inconscientes ou condutas conflitivas evitadas de acordo com os papéis que estão postos em funcionamento. A decisão de construção desse ambiente lúdico advém da orientação de Marshall (2006) quanto ao estabelecimento de relações empáticas entre todos os componentes do grupo, bem como da equipe para os participantes, de evitação de uma posição de confronto com o ato violento praticado, embora não se esteja negando ou evitando se falar sobre isso. Todos os presentes sabem que o comparecimento é sob obrigação, já que foram instados a procurar o programa logo após sua liberação do sistema prisional, no entanto, os responsáveis pelo andamento do grupo guardam o sigilo pertinente e não informam ao sistema de justiça sobre o conteúdo tratado nas conversações. Aqueles que não compareceram não receberam sanções, a orientação de que procurassem o programa foi em função de poderem receber ajuda e apoio para esse momento de transição. Parece que esse aspecto acabou prevalecendo, e um crédito foi dado a essa abordagem mais descontraída e lúdica, conforme orientação teórica do Psicodrama (Moreno, 1993), que enfatiza o trabalho de se refletir sobre uma condição "como se", ou seja, substituindo um fato por outro como se esse outro fato proporcionasse as condições de reflexão. Adotaram-se, ainda, jogos dramáticos, que são "brincadeiras" que permitem viabilizar o "como se", e oferecem oportunidade de se "falar sério" por meio da ludicidade (Motta, 1995). Salienta-se que, além das temáticas apontadas pela literatura, buscou-se enfocar o estigma de presidiário/estuprador com o fito de desconstrução desses conceitos, além das relações de gênero. A proposta de reflexão por meio de atividades lúdicas contribuiu para intervir na constituição do grupo, ou seja, sobre a escolha de um participante preferir conversar repetidamente com outro participante, visto que a grande maioria já possuía conhecimento mútuo, desde o contexto prisional. A não ser assim, corre-se o risco de reproduzir a formação de subgrupos já organizados advindos desse contexto anterior.
Seguem-se alguns comentários sobre o andamento e o desenvolvimento do tema de cada encontro. No primeiro encontro, foi fundamental se discutir sobre o "contrato terapêutico", porque é necessário se fazer uma distinção em relação ao contexto jurídico e o da intervenção. Os participantes chegam para o atendimento com dificuldade de distinção entre o contexto judicial e o contexto da intervenção e, principalmente, de confiar que o atendimento não está subordinado ao contexto jurídico. As expectativas, delineadas por eles, desde o princípio, é de receberem apoio e suporte para permanecerem fora da prisão. Várias qualidades vão ser necessárias nessa fase de readaptação: coragem, determinação e controle para enfrentar o medo que têm naquele momento de não saberem se vão conseguir superar as dificuldades - além disso, querem esquecer o passado. Assim se resume o que esperam: permanecer próximo da família e aprender a discernir entre o certo e o errado. Os participantes também deram sugestões dos temas que gostariam que fossem abordados: o preconceito; a família/o sofrimento/o constrangimento; tristeza/felicidade; liberdade. Da parte da equipe, dois temas foram também sugeridos: controle dos impulsos e a expressão da sexualidade. A intervenção da equipe se deveu à necessidade de que o tema do controle da impulsividade fosse incluído (Mandeville-Norden e Beech, 2006; Marshall, 2006).
Para o segundo encontro, foi proposta uma discussão sobre o limite necessário para as ações desrespeitosas com crianças e adolescentes, e o que o Estatuto da Criança e do Adolescente (Brasil, 1990) estabelece como direitos e proteção de crianças e adolescentes. Um participante indicou a diferença que deve pautar a conduta deles agora: "antes não dava nada e agora dá" (agora o abuso sexual é crime). Outro assunto que mobilizou a todos foi a adoção de um vagão do metrô separado para as mulheres, e os participantes falaram de sua preocupação com a possibilidade de que pudessem tocar em alguma mulher, serem denunciados e voltarem para o regime fechado. Sem dúvida, esse assunto teve repercussão, pois se mostraram decididos a evitar se colocarem em situação que ofereça risco de interpretação de sedução em público, diante de mulheres, crianças e adolescentes. Um fato marcante nesse encontro foi a primeira menção, advinda de um participante, sobre ele mesmo ter sido vítima de abuso sexual na infância. Embora o fato tivesse sido narrado como uma expressão precoce de masculinidade, ele foi ressignificado, pela equipe de atendimento, como violência sexual e o possível sofrimento decorrente da situação. O não reconhecimento da violação sexual é um mito masculino, e precisa ser desconstruído nesse contexto, porque não há o reconhecimento do abuso e da violação (Allagia e Mishna, 2014; Artime et al., 2014). O não reconhecimento da vitimização por abuso sexual na infância está vinculado ao cometimento de atos violentos na adolescência ou na fase adulta, aumentando as chances de sua ocorrência (Easton et al., 2014; Nunes et al., 2013). O terceiro encontro teve início com uma exposição de fotos com os seguintes assuntos: uma mulher batendo em uma criança; uma criança que parece estar sofrendo; um homem batendo no rosto de uma mulher; um homem tirando a roupa e uma criança deitada de bruços em uma cama; um pai batendo em seu filho. As fotos serviram como aquecimento para a discussão sobre a presença da violência no cotidiano da vida de todos, antes e agora, buscando que pudessem se identificar com alguma situação e refletissem sobre a banalização da violência sofrida e praticada. A revelação do abuso sexual por parte da vítima do sexo masculino é bastante complexa, pois envolve preconceitos e toca no mito da masculinidade. Esse fator impede que muitos adultos reconheçam que passaram por violências e violações.
O quarto encontro teve início com falas de vários participantes sobre avaliação das conversas ocorridas no grupo. Embora houvesse uma prevalência maior de estarem gostando da conversa, também foi apontado o constrangimento e a dificuldade de conversarem sobre violência sexual. Após esse momento, a discussão foi sobre controle do impulso de se aproximar de crianças. Isso foi feito por meio da apresentação de uma foto com um homem e uma criança. Pediu-se que eles elaborassem uma história com esses dois personagens. Os pensamentos diante da foto foram: "acreditou que ela não ia contar", "acreditou que não ia dar cadeia". O sentimento identificado foi: confiança de que ele "era o cara", ou seja, a crença superestimada sobre si mesmo do ofensor. Como estratégias de controle, surgiram: fingir que não está vendo, mudar o olhar, respeitar o medo de voltar para a cadeia. A reflexão sobre esse conteúdo deve fazer parte da preocupação de qualquer serviço de reinserção social, contemplando a presença do tema da avaliação da motivação do ofensor para enfrentar a interrupção da prática de ofensas sexuais (Balakrishna, 1998). O quinto encontro enfocou a presença da qualidade dos pensamentos que estão dominando o cotidiano dos participantes. Vários autores que indicam ações de intervenção com esse público (Howells e Day, 1999; Holland et al., 2007; Mandeville-Norden e Beech, 2006; Marshall, 2006; Seto, 2008) apontam a inclusão do questionamento sobre esses pensamentos, que envolvem várias questões: a negação da violência cometida, a percepção distorcida de sua ação violenta, a culpabilização da vítima. O questionamento e reflexão sobre como esses pensamentos colocam em risco as condutas dos participantes é fundamental, e não pode estar ausente de um programa que se propõe a intervir com essa população. O mapa dos pensamentos de risco elaborado, na possibilidade de se aproximar de uma menina, foi: "Vai dar nada não"; "Vai perder a chance de curtir?"; "Você está velho brocha, vai perder a chance de ser feliz hoje?". Pensamentos diferentes que possam se contrapor ao mapa anterior e restabelecer o limite: "Reza que passa"; "Rapaz, vai procurar outra mulher por aí. Tem tanta mulher por aí!"; "Cara, cuidado que você vai ser preso. Será que vale a pena?!".
O sexto encontro procurou oportunizar a reflexão sobre o poder de crenças intocáveis nas vidas, como é o caso dos preconceitos, principalmente aqueles machistas. Para isso, o vídeo "Minha vida de João" (Minha Vida de João - Guia de Discussão, s.d.) foi reproduzido. Esse vídeo mostra uma vida fictícia de um João qualquer, moldada por atender às crenças do que deve ser atitude de um homem em sociedade, violência no trato com a família, com os amigos, com os filhos e, assim, reproduzir a forma como ele mesmo foi educado. As entrevistas individuais iniciais demonstraram o que vários autores corroboram: que os ofensores sexuais tiveram uma infância com a presença constante de muita violência (Ho-wells e Day, 1999; Lauritsen e Carbone-Lopez, 2011; Mathews et al., 1997; Rodgers e McGuire, 2012). Daí ser fundamental que possam recuperar seu próprio sofrimento com a violência perpetrada contra eles. O sétimo encontro ocorreu em torno do tema da transgeracionalidade, ou seja, os aspectos herdados da família de origem caracterizados por violência, ou maltrato, ou, ainda, aqueles aspectos que ofereceram fortaleza para a possibilidade de se efetuar mudanças na vida. Foi solicitado a cada participante que desenhasse uma árvore com raiz, caule e frutos, sendo que a raiz representaria a geração dos pais e avós, o que cada um havia recebido dessa geração como uma "base para a vida", o caule representaria o que cada participante havia feito com essa "herança" recebida e se poderiam modificar algum aspecto, e os frutos seriam aquilo que eles gostariam de passar adiante para seus descendentes. As heranças foram indicadas como muito diversas, com elementos bons e maus, porém, no momento, as expectativas foram de poder deixar para os filhos, e a família, um sentido de união. A menção à importância da família na vida deles é inegável. Marshall (2001, 2006), Lambie e Johnston (2015), Worley et al. (2011) Hollist et al. (2009) são exemplos de autores que indicam a relação direta da ofensa sexual, seja cometida por adolescente ou por adulto, como ligada à vivência de relações familiares e/ou comunitárias repletas de interações violentas. Por outro lado, após a experiência de reclusão em regime fechado, os participantes buscam com grande expectativa o apoio da família. E os autores já citados, juntamente com Howells e Day (1999) e Marshall (2006), enfatizam a importância da família no processo de ressocialização e reintegração social do ofensor.
O encontro oito teve como objetivo proporcionar uma reflexão sobre a expressão da sexualidade dos participantes, o que se constitui em ponto fundamental de conscientização como recomendação de Marshall (2006). Note-se que esse encontro se seguiu àquele no qual os problemas e expectativas familiares foram enfocados. Sendo assim, o tema dos conflitos familiares ressurgiu. A equipe manejou a situação de modo a que se pudesse conversar sobre a família e a sexualidade, que eles próprios pudessem escolher qual tema traz mais preocupações. Na subdivisão da preferência dos participantes por discutirem um ou outro tema, ficaram marcantes as diferenças dos subgrupos. O subgrupo, que discutiu a questão da sexualidade, conseguiu trazer para o meio da discussão questões como controle e limite na interação de sedução com meninas ou mulheres, bem como pensar em estratégias para não serem invasivos em relações pouco respeitosas. O outro subgrupo assumiu uma posição mais queixosa e de vitimização com relação à família atual, em função de a família apontar o uso excessivo de álcool, ou a frustração porque a família, em sua ausência, continuou com seus afazeres e muitas decisões foram tomadas sem a participação deles. Muitas vezes, essas iniciativas, por exemplo, de trabalho, determinam afastamentos afetivos e uma reorganização familiar que contraria um hábito presente na interação familiar anterior à reclusão. O tema da reintegração familiar é um vasto campo de estudo (Marshall, 2006; Miranda e Corcoran, 2000; Zankman e Bonomo, 2004), e os autores concordam com sua importância capital. O nono e último encontro contou com a presença de alguns familiares - todas as famílias foram convidadas, porém, poucas compareceram, e notou-se que alguns participantes não convidaram os familiares, em função do constrangimento já citado anteriormente. Foi traçada uma linha no chão, símbolo de uma caminhada que está sendo realizada por todos os participantes, que foram desafiados a apontar os obstáculos que estão enfrentando e os que poderão vir a aparecer. Foram reconhecidos os prejuízos na vida, até então, mas também as conquistas. E as expectativas para o futuro estão entre ter saúde, conseguir adquirir um lote, ou um emprego, ou se aposentar. Diante dessas referências, a equipe introduziu a necessidade de que os participantes enriquecessem sua rede de apoio, de relação familiar, de ajuda de parentes, amigos e conhecidos, do mesmo modo que considerassem aquele espaço da instituição como uma referência para outros momentos nos quais precisassem de ajuda.
Limites da proposta
Dois tipos de limites são observados: do texto em si e da própria proposta. Com relação à metodologia apresentada neste texto, não se têm parâmetros para discussão, pois se desconhece outra intervenção pensada nesses moldes. Trata-se de uma intervenção psicossocial, voltada para a realidade de uma instituição pública de saúde, que foi apoiada/demandada para apresentar um programa de acolhimento e atenção a ex-detentos prestes a serem liberados do sistema prisional. A decisão de limitar o oferecimento da ação a ofensores sexuais intrafamiliares se deu pela maior prevalência da natureza dessa violência, e pela condição de oferecer uma unidade de problemática que se acreditou que facilitaria a iniciação de atendimento a um público sobre o qual se tem pouco conhecimento. Mesmo dentro desse conjunto, há grande heterogeneidade de constituição, tendo em vista não haver um perfil único do ofensor sexual (Seto, 2008). Considera-se que esse projeto é um piloto de uma ação para a qual se está buscando parceiros na academia e em diferentes saberes, como o Direito, a Psicologia, a Psiquiatria e o Serviço Social, no sentido de ampliar as possibilidades de crítica e discussão das diferentes etapas da ação e da pesquisa. Reconhece-se que a equipe de atendimento ainda se encontra buscando qualificação, e que o patamar teórico técnico alcançado ainda necessita de investimento, em função das limitações de investimento que um serviço público é capaz de oferecer.
Por outro lado, reconhece-se que ainda persiste um limite configurado na dificuldade de se colocar em prática o preenchimento do checklist SVR-2.0. Esse instrumento requer material importado, há ausência de pessoas no Brasil que tenham domínio sobre seu conteúdo e aplicação. Mesmo com esses impasses, a equipe prossegue na experiência de seguir a orientação do manual do cheklist (Boer et al., 2005), que oferece os critérios de avaliação dos itens de observação do comportamento e da história de violência sexual cometida pelo adulto ofensor.
Assim, o preenchimento do formulário de avalição do checklist é realizado em reunião na qual se congregam todos os participantes da equipe, e a discussão do caso se faz a partir das informações contidas na entrevista individual, na entrevista familiar, no encaminhamento da justiça, que contém partes do processo, e em documento proveniente do Ministério Público, no qual há o depoimento da vítima sobre a violência perpetrada. Essas informações são fundamentais na composição do quadro de fatores de risco e de proteção no qual o adulto ofensor está inserido. Nesse sentido, a parceria com uma universidade mostra-se fundamental, pois é possível vislumbrar contatos e despertar o interesse em parcerias e projetos de pesquisa em comum com o meio acadêmico. O texto, então, apresenta uma carência de apresentação, discussão e avaliação dessas etapas sobre a aplicação do checklist em questão. Finalmente, aponta-se a situação atual do programa, que já se encontra na terceira edição da intervenção. Houve atendimento de um grupo no primeiro semestre de 2015, outro grupo no segundo semestre de 2015 (ainda em andamento) e já se apresentaram as demandas para o grupo ocorrer no primeiro semestre de 2016.
Referências
ALLAGIA, R.; MISHNA, F. 2014. Self Psychology and Male Child Sexual Abuse: Healing Relational Betrayal. Clinical Social Work Journal, 42(1):41-48. http://dx.doi.org/10.1007/s10615-013-0453-2 [ Links ]
ARTIME, T.M.; MCCALLUM, E.B.; PETERSON, Z.D. 2014. Mens' Acknowledgement of Their Sexual Victimization Experiences. Psychology of Men & Masculinity, 15(3):313-323. http://dx.doi.org/10.1037/a0033376 [ Links ]
BALAKRISHNA, J. 1998. Sexual Abuse: How Far Do the Ripples Go? Sexual and Marital Therapy, 13(1):83-89. http://dx.doi.org/10.1080/02674659808406546 [ Links ]
BALTIERI, D.A.; ANDRADE, A.G. 2009. Treatment of Paraphilic Sexual Offenders in Brazil: Issues and Controversies. International Journal of Forensic Mental Health, 8(3):218-223. http://dx.doi.org/10.1080/14999010903362369 [ Links ]
BARBIER, R. 2002. A pesquisa-ação. Brasília, Plano, 157 p. [ Links ]
BOER, D.P.; HART, S.; KROPP, P.R.; WEBSTER, C.D. 2005. SVR-20 - Manual de valoración del riesgo de violencia sexual. Barcelona, Ediciones de la Universitat de Barcelona, 106 p. [ Links ]
BOGAERTS, S.; BUSCHMAN, J.; KUNST, M.J.J.; WINKEL, F.W. 2010. Intra- and Extra-Familial Child Molestation and Personality Disorders. International Journal of Offender Therapy and Comparative Criminology, 54(4):478-493. http://dx.doi.org/10.1177/0306624X09334519 [ Links ]
BRASIL. 1986. Lei nº 7.533, de 2 de setembro de 1986. Autoriza o Governo do Distrito Federal a constituir uma Fundação com a finalidade de amparar o trabalhador preso, e dá outras providências. Disponível em: http://www2.camara.leg.br/legin/fed/lei/1980-1987/lei-7533-2-setembro-1986-367599-publicacaooriginal-1-pl.html. Acesso em: 16/12/2015. [ Links ]
BRASIL. 1990. Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Lei nº 8069/90, de 13 de julho de 1990. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8069Compilado.htm. Acesso em: 15/02/2016. [ Links ]
BRASIL 2013. Plano Nacional de Enfrentamento da Violência Sexual Contra Crianças e Adolescentes. Brasília, Secretaria de Direitos Humanos. Disponível em: http://www.comitenacional.org.br/files/anexos/08-2013_PNEVSCA-2013_f19r39h.pdf. Acesso em: 11/06/2016. [ Links ]
DAY, A.; WARD, T. 2009. Offender Rehabilitation as a Value-Laden Process. International Journal of Offender Therapy and Comparative Criminology, 54(3):289-306. http://dx.doi.org/10.1177/0306624X09338284 [ Links ]
EASTON, S.D.; SALTZMAN, L.Y.; WILLES, D.G. 2014. "Would You Tell Under Circumstances Like That?" Barriers to Disclosure of Child Sexual Abuse for Men. Psychology of Men & Masculinity, 15(4):460-469. http://dx.doi.org/10.1037/a0034223 [ Links ]
GONÇALVES, R.A.; VIEIRA, S. 2005. A avaliação do estilo de vida criminal em ofensores sexuais. Psicologia: Teoria, Investigação e Prática, 10(1):81-92. [ Links ]
GORDON, H.; GRUBIN, D. 2004. Psychiatric Aspects of the assessment and Treatment of Sexual Offenders. Advances in Psychiatric Treatment, 10(1):73-80. http://dx.doi.org/10.1192/apt.10.1.73 [ Links ]
HOHENDORFF, J.V.; HABIGZANG, L.E.; KOLLER, S.H. 2013. Violência sexual contra meninos: dados epidemiológicos, características e consequências. Psicologia USP, 23(2):395-416. http://dx.doi.org/10.1590/S0103-65642012005000007 [ Links ]
HOLLAND, S.; POINTON, K.; ROSS, S. 2007. Who returns to prison? Patterns of recidivism among prisoners released from custody in Victoria in 2002-2003. Corrections Research Paper Series, 1:1-25. [ Links ]
HOLLIST, D.R.; HUGHES, L.A.; SCHAIBLE, L.M. 2009. Adolescent Maltreatment, negative emotion, and delinquency: An Assessment of General Strain Theory and Family-based Strain. Journal of Criminal Justice, 37(4):379-387. http://dx.doi.org/10.1016/j.jcrimjus.2009.06.005 [ Links ]
HOWELLS, K.; DAY, A. 1999. Rehabilitation of Offenders: International Perspectives Applied to Australian Correctional Systems. Australian Institute of Criminology, 112. Disponível em: http://aic.gov.au/documents/B/D/0/%7BBD027F93A5CF-497C-B4A2-85B1987B4668%7Dti112.pdf. Acesso em: 03/10/2013. [ Links ]
LAMBIE, I.; JOHNSTON, E. 2015. "I couldn't do it to a kid knowing what it did to me": The Narratives of Male Sexual Abuse Victim's Resiliency to Sexually Offending. International Journal of Offender Therapy and Comparative Criminology, 60(8):1-22. [ Links ]
LAURITSEN, J.L.; CARBONE-LOPEZ, K. 2011. Gender Differences in Risk Factors for Violent Victimization: An Examination of Individual-, Family-, and Community Level Predictors. Journal of Research in Crime and Delinquency, 48(4):538-565. http://dx.doi.org/10.1177/0022427810395356 [ Links ]
MANDEVILLE-NORDEN, R.; BEECH, A.R. 2006. Risk Assessment of Sex Offenders: The Current Position in the UK. Child Abuse Review, 15(4):257-272. http://dx.doi.org/10.1002/car.944 [ Links ]
MARSHALL, W.L. 2001. Agresores Sexuales. Barcelona, Ariel, 156 p. [ Links ]
MARSHALL, W.L. 2006. Treatment of Sexual offenders and its Effects. Resource Material Series, 72. (133 RD International Training Course, Visiting Expert's Papers). [ Links ]
MARSHALL, W.L.; FERNANDEZ, Y.M.; MARSHALL, L.E.; SERRAN, G.A. 2006. Sexual offender treatment: Controversial issues. Chichester, Wiley, 283 p. [ Links ]
MASCARENHAS, M.D.M. et al. 2010. Violência contra a criança: revelando o perfil dos atendimentos em serviços de emergência, Brasil, 2006 e 2007. Cadernos de Saúde Pública, 26(2):347-357. http://dx.doi.org/10.1590/S0102-311X2010000200013 [ Links ]
MATHEWS, R.; HUNTER, J.A.; VUZ, J. 1997. Juvenile Female Sexual Offenders: Clinical Characteristics and Treatment Issues. Sexual Abuse: A Journal of Research and Treatment, 9(3):187-199. [ Links ]
MCGOLDRICK, M.; GERSON, R.; PETRY, S. 2012. Genograma: Avaliação e intervenção familiar. 3ª ed., Porto Alegre, Artmed, 235 p. [ Links ]
MINHA VIDA DE JOÃO - GUIA DE DISCUSSÃO. 2014. Disponível em: http://promundo.org.br/recursos/minha-vida-de-joao-guia-de-discussao/. Acesso em: 20/09/2014. [ Links ]
MIRANDA, A.O.; CORCORAN, C.L. 2000. Comparison of Perpetration Characteristics between Male Juvenile and Adult Sexual Offenders: Preliminary Results. Sexual abuse: A Journal of Research and Treatment, 12(3):179-188. http://dx.doi.org/10.1177/107906320001200302 [ Links ]
MORENO, J.L. 1993. Psicoterapia de Grupo e Psicodrama. Campinas, Psy, 377 p. [ Links ]
MOTTA, J. (org.) 1995. O Jogo no Psicodrama. São Paulo, Ágora, 143 p. [ Links ]
NASCIMENTO, L.C.; ROCHA, S.M.M.; HAYES, V.S. 2005. Contribuições do Genograma e do Ecomapa para o estudo de família em enfermagem pediátrica. Texto e Contexto em Enfermagem, 14(2):280-286. http://dx.doi.org/10.1590/S0104-07072005000200017 [ Links ]
NUNES, K.L.; HERMANN, C.A.; MALCOM, J.R.; LAVOIE, K. 2013. Childhood sexual victimization, pedophilic interest, and sexual recidivism. Child Abuse & Neglect, 37(9):703-711. http://dx.doi.org/10.1016/j.chiabu.2013.01.008 [ Links ]
ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DE SAÚDE (OMS) 2002. Relatório Mundial sobre Violência e Saúde. Genebra, Organização Mundial de Saúde. [ Links ]
PINCOLINI, A.M.F.; HUTZ, C.S. 2014. Abusadores Sexuais Adultos e Adolescentes no Sul do Brasil: Pesquisa em Denúncias e Sentenças Judiciais. Temas em Psicologia, 22(2):301-311. http://dx.doi.org/10.9788/TP2014.2-03 [ Links ]
RODGERS, K.B.; MCGUIRE, J.K. 2012. Adolescent Sexual Risk and Multiple Contexts: Interpersonal Violence, Parenting, and Poverty. Journal of Interpersonal Violence, 27(11):2091-2107. http://dx.doi.org/10.1177/0886260511432148 [ Links ]
ROJAS-BERMÚDEZ, J.G. 1977. Introdução ao Psicodrama. 2ª ed., São Paulo, Mestre Jou, 155 p. [ Links ]
SCHAFER, P.; PETERNELJ-TAYLOR, C. 2003. Therapeutic relationships and boundary maintenance: the perspective of forensic patients enrolled in a treatment program for violent offenders. Issues in Mental Health Nursing, 24(6-7):605-625. http://dx.doi.org/10.1080/01612840305320 [ Links ]
SETO, M.C. 2008. Pedophilia and Sexual Offending against children: theory, assessment, and intervention. Washington, APA, 208 p. http://dx.doi.org/10.1037/11639-000 [ Links ]
VESS, J.; WARD, T.; COLLIE, R. 2008. Case Formulation with Sex Offenders: An Illustration of Individualized Risk Assessment. JOBA-OVT, 1(3):284-293. http://dx.doi.org/10.1037/h0100450 [ Links ]
VISHER, C.A. 2007. Returning home: Emerging Findings and Policy Lessons about Prisoner Reentry. Federal Sentencing Reporter, 20(2):93-102. http://dx.doi.org/10.1525/fsr.2007.20.2.93 [ Links ]
WALTERS, G.D. 1998. Changing lives of crime and drugs. Intervening with substance abusing offenders. Chichester, Wiley, 235 p. [ Links ]
WARD, T.; GANNON, T.; BIRGDEN, A. 2007. Human Rights and the Treatment of sex offenders. Sex Abuse, 19(3):195-216. http://dx.doi.org/10.1177/107906320701900302 [ Links ]
WARD, T.; GANNON, T.; VESS, J. 2009. Humans Rights, Ethical Principles and Standards in Forensic Psychology. International Journal of Offender Therapy and Comparative Criminology, 53(2):126-144. http://dx.doi.org/10.1177/0306624X07313986 [ Links ]
WORLEY, K.B.; CHURCH, J.K.; CLEMMONS, J.C. 2011. Parents of Adolescents Who Have Committed Sexual Offenses: Characteristics, Challenges, and Interventions. Clinical Child Psychology, 17(3):433-448. http://dx.doi.org/10.1177/1359104511417787 [ Links ]
ZANKMAN, S.; BONOMO, J. 2004. Working with Parents to Reduce Juvenile Sex Offender Recidivism. Journal of Child Sexual Abuse, 13(3/4):139-156. http://dx.doi.org/10.1300/J070v13n03_08 [ Links ]
Submetido: 12/05/2015
Aceito: 07/01/2016
Este é um artigo de acesso aberto, licenciado por Creative Commons Atribuição 4.0 International (CC BY 4.0), sendo permitidas reprodução, adaptação e distribuição desde que o autor e a fonte originais sejam creditados.