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Contextos Clínicos

versão impressa ISSN 1983-3482

Contextos Clínic vol.9 no.2 São Leopoldo jul./dez. 2016

https://doi.org/10.4013/ctc.2016.92.02 

ARTIGOS

 

Relações entre qualidade de vida e diabetes mellitus tipo 1 na adolescência

 

Relations between quality of life and type 1 diabetes mellitus on teenagers

 

 

Juliana Prytula Greco-Soares; Débora Dalbosco Dell'Aglio

Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Rua Ramiro Barcelos, 2600, Santa Cecília, 90035-003, Porto Alegre, RS, Brasil. juliana_greco@hotmail.com, dddellaglio@gmail.com

 

 


RESUMO

O impacto do diabetes na qualidade de vida de adolescentes se dá desde o diagnóstico até a manutenção do tratamento, podendo interferir nas relações sociais e no desenvolvimento. Este estudo investigou a qualidade de vida em adolescentes com diabetes mellitus tipo 1, observando também sintomas como ansiedade, depressão e estresse, e sua associação com a adesão ao tratamento, autocuidado e variáveis sociodemográficas. Participaram 122 adolescentes com diagnóstico de diabetes mellitus tipo 1, com idades entre 12 e 18 anos (M=14,71; ±1,77), sendo 56,6% do sexo masculino, que responderam instrumentos de autorrelato. Quatro variáveis conjuntamente explicaram 55,9% da variância da qualidade de vida desses adolescentes: sintomas de ansiedade, depressão e estresse; adesão ao tratamento; número de internações; e autocuidado. Os achados deste estudo destacam o impacto dos sintomas psicológicos e a importância da adesão ao tratamento e das atividades de autocuidado na qualidade de vida de adolescentes com diabetes mellitus tipo 1.

Palavras-chave: diabetes mellitus tipo 1, adolescentes, qualidade de vida.


ABSTRACT

The impact of diabetes in the quality of life of teenagers starts at the diagnosis and goes until the maintenance of the treatment. It may interfere in social relationships and growth. This study investigated the quality of life of teenagers with type 1 diabetes mellitus, also observing symptoms such as anxiety, depression and stress, and their association with treatment adherence, self-care and sociodemographic variables. The study consisted of 122 teenagers diagnosed with type 1 diabetes, aged 12 to 18 years (M= 14.71; ±1.77), in which 56.6% were male, who responded to self-report tools. Four variables together explained 55.9% of the variance in the quality of life of adolescents: symptoms of anxiety, depression and stress; adherence to treatment; hospitalizations; and self care. The findings of this study highlight the impact of psychological symptoms and the importance of treatment adherence and self-care in the quality of life of teenagers with type 1 diabetes mellitus.

Keywords: diabetes mellitus type 1, teenagers, quality of life.


 

 

Introdução

A Qualidade de Vida (QV) depende da percepção do indivíduo acerca de uma série de elementos e particularidades de sua vida (Fa-ria et al., 2013). Não existe consenso na definição do termo, entretanto Seidl e Zannon (2004) apontam a subjetividade e a multidimensionalidade como noções que geralmente embasam essa definição. De maneira abrangente, pode levar em conta os aspectos de bem-estar psicológico e social, funcionamento emocional, condição de saúde, desempenho funcional, satisfação com a vida, suporte social e padrão de vida (Barros et al., 2008). Faria et al. (2013) acrescentam que esse termo engloba, ainda, a satisfação do indivíduo em relação à sua condição física, estado emocional e espiritual, além de outras atitudes e habilidades que repercutem na participação social. Minayo et al. (2000) consideram que a QV está relacionada com o adequado aproveitamento e utilização dos recursos culturais e econômicos disponíveis em determinada sociedade. Sendo assim, a QV seria entendida como a relação entre as condições ambientais, sociais e econômicas e fatores comportamentais, sendo que a percepção individual desses elementos é o que os articula (Gimenes, 2013).

A QV relacionada à saúde é o segmento que estuda a QV a partir dos sintomas, incapacidades ou limitações decorrentes de uma enfermidade (Seidl e Zannon, 2004). Esse termo diz respeito à percepção que o indivíduo tem tanto de sua saúde física quanto mental. Também envolve as repercussões de uma enfermidade e seu tratamento, levando em conta a capacidade do indivíduo de desenvolver potencialidades e ter uma vida plena (Faria et al., 2013). Quando as condições físicas decorrentes da enfermidade são enfocadas, três aspectos surgem como os mais afetados: trabalho/estudo/atividades do lar, capacidade física e relacionamento familiar (Souza et al., 1997). Uma enfermidade crônica, como o Diabetes Mellitus tipo 1 (DM1), pode trazer repercussões negativas à QV relacionada à saúde, principalmente em decorrência das demandas do tratamento e das complicações da doença (Faria et al., 2013). Esse diagnóstico pode afetar aspectos sociais, psicológicos e econômicos, gerar problemas de independência e conflitos de autocuidado, bem como alterações na autoimagem e na sexualidade (Souza et al., 1997). Tais dificuldades podem aparecer de maneira diferenciada em crianças e adolescentes.

O DM1 é a forma de diabetes que mais afeta crianças e adolescentes; é uma doença metabólica, caracterizada por hiperglicemia, que tem origem autoimune e caracteriza-se pela destruição total das células-beta, produtoras de insulina, que são agredidas por autoanticorpos (Marques et al., 2011; Minanni et al., 2010; Silva et al., 2009). O diagnóstico de DM1 implica em novos hábitos, fundamentais para o manejo da doença, como múltiplas aplicações de insulina, automonitorização (testes de glicemia na ponta dos dedos), plano alimentar balanceado e prática regular e planejada de atividades físicas (Tschiedel et al., 2008). Durante a fase inicial da doença, o efetivo controle metabólico, que inclui o controle glicêmico, juntamente com o controle dos lipídeos séricos, pressão arterial, manutenção do peso corporal adequado, entre outros, pode reduzir ou retardar as complicações decorrentes da doença (Silva et al., 2009; Zanetti e Mendes, 2000).

Na adolescência, o controle metabólico pode ser ainda mais complicado, devido às mudanças ocorridas nesse período. As mudanças hormonais dificultam a estabilização da glicemia, podendo exigir uma maior dose de insulina e maior empenho para a realização do autocuidado (Anderson et al., 2009; Marques et al., 2011). As mudanças biológicas da adolescência também têm impacto no desenvolvimento físico e cognitivo, bem como na maturidade emocional (Minanni et al., 2010). No caso de adolescentes com DM1, os esforços para seguir o tratamento exigem que os jovens se ajustem a uma realidade permeada por restrições e necessidades, que afetam diversas áreas de sua vida.

É preciso adaptar as atividades sociais (escola, festas, reuniões com amigos) às rotinas médicas (Minanni et al., 2010). Caso o adolescente apresente dificuldades para lidar com essas novas situações, pode desenvolver quadros de estresse, ou outros sintomas emocionais, como depressão (Fu I et al., 2000). Para minimizar essas dificuldades, o adolescente precisa ser orientado sobre como lidar com cada mudança que a rotina do tratamento implicará, necessitando acompanhamento com equipe interdisciplinar capacitada, não só para manter adequados índices metabólicos (como a hemoglobina glicada, HbA1c), mas também para receber suporte emocional.

Todo esse processo, desde a adaptação à doença até a adesão ao tratamento, exige demandas internas e externas. A adesão ao tratamento e o autocuidado do adolescente apresentam impactos na QV. Dessa forma, é importante considerar circunstâncias típicas da adolescência e específicas do DM1 para que se possa melhor compreender como interferem na QV e na percepção que o adolescente tem de sua saúde. Considerando aspectos físicos e emocionais envolvidos em adolescentes com doença crônica, este estudo investigou a qualidade de vida em jovens de 12 a 18 anos com DM1, observando também sintomas de ansiedade, depressão e estresse, e sua associação com a adesão ao tratamento, autocuidado e variáveis sociodemográficas.

 

Método

Participantes

Participaram do estudo 122 adolescentes, entre 12 e 18 anos (M=14,71; ±1,77), sendo 43,4% do sexo feminino e 56,6% do sexo masculino, com diagnóstico de diabetes mellitus tipo 1 (DM1), em atendimento em um serviço do Sistema Único de Saúde (SUS) que é referência regional em diabetes na infância e adolescência. O serviço conta com uma equipe composta por médicos, psicóloga, assistente social, enfermeiros, dentistas, educador físico, recreacionistas e nutricionistas. O período em que os participantes estiveram em atendimento variou entre quatro meses e 10 anos (M=5,91; ±2,98). Os critérios de inclusão na amostra foram: faixa etária entre 12 e 18 anos, diagnóstico de DM1, capacidade de compreensão dos instrumentos e realização de pelo menos duas análises clínicas de hemoglobina glicada coletadas no local.

Instrumentos

Ficha de Dados Sociodemográficos: ficha para obter dados relacionados a sexo, escolaridade, constituição familiar, tempo de diagnóstico, tempo de tratamento, número de internações hospitalares, complicações clínicas decorrentes do DM1, presença de outras doenças e uso de medicação.

CEAT-VIH adaptado para tratamento com insulina: o instrumento CEAT-VIH (Remor, 2002, 2013; Remor et al., 2007) foi utilizado para avaliar a adesão ao tratamento dos adolescentes com DM1. No estudo de adaptação do instrumento para a população brasileira, o CEAT apresentou adequada confiabilidade, com coeficiente Alpha de Cronbach de 0,64 (Remor et al., 2007). Neste estudo, ao mensurar a adesão ao tratamento do DM1, o instrumento apresentou caraterísticas psicométricas desejáveis, com coeficiente Alpha de Cronbach de 0,76. Para sua aplicação, foram realizadas modificações no instrumento original: as expressões "tomar sua medicação", "os medicamentos que toma para o HIV", "o uso destes medicamentos" e "tomar seus remédios" foram substituídas por "aplicar insulina", "(seguir o) tratamento" e "fazer aplicações de insulina". A modificação do item 6 afetou o conteúdo semântico em relação ao original, pois substitui "médico" por "equipe técnica", uma vez que se trata de uma equipe interdisciplinar que realiza o acompanhamento no caso do DM1. Também foram eliminados dois itens do original (itens 5 e 15), que se referiam ao uso de medicação e efeitos colaterais das mesmas. A maioria das questões é em formato de escala Likert de cinco pontos, sendo as duas últimas em formato dicotômico (sim/não). A pontuação total é obtida pela soma de todos os itens, e, quanto maior a pontuação, maior o grau de adesão ao tratamento.

Questionário de Atividades de Autocuidado com o Diabetes (QAD; Toobert e Glasgow, 1994, adaptado por Michels et al., 2010): Este instrumento avalia o autocuidado a partir de 15 itens distribuídos em sete dimensões: Alimentação Geral, Alimentação Específica, Atividade Física, Uso da Medicação, Monitorização da Glicemia, Cuidado com os Pés e Tabagismo (item descartado, pois os participantes eram adolescentes). Os itens de cuidado com os pés também foram excluídos, uma vez que essas questões se relacionam a complicações que aparecem apenas mais tarde. São questões com alternativas de resposta variando de 0 a 7, considerando em quantos dos últimos sete dias o paciente realizou determinado comportamento ou atividade. Quanto maior a pontuação, maior o grau de autocuidado, exceto nos itens 2.2 e 2.3 que se referem à ingesta de alimentos ricos em gordura e doces.

Instrumento de Qualidade de Vida para Jovens com Diabetes (IQVJD; Ingersoll e Marrero, 1991, adaptado por Novato et al., 2007): Este instrumento é composto por 50 itens distribuídos em três domínios: A - Satisfação (17 itens), B - Impacto (22 itens) e C - Preocupações (11 itens). São questões do tipo Likert com cinco opções de respostas, variando de muito satisfeito (1) a muito insatisfeito (5), no domínio Satisfação, e de nunca (1) a sempre (5) nos domínios Impacto e Preocupações. O menor escore corresponde à percepção de melhor qualidade de vida relacionada à saúde, exceto no item B7, em que os escores são invertidos. O estudo de adaptação, de Novato, Grossi e Kimura (2007), demonstrou propriedades psicométricas adequadas com coeficiente Alpha de Cronbach de 0,87 no domínio Satisfação; 0,86 no domínio Impacto; 0,84 no domínio Preocupações; e 0,93 para o total dos itens.

Escala de Depressão, Ansiedade e Estresse (EDAE-A; Lovibond e Lovibond, 1995, adaptado para adolescentes por Patias et al., 2016): A escala consiste em 21 itens, em formato Likert de quatro pontos (de 0 a 3), que se distribuem em três dimensões: depressão, ansiedade e estresse. Cada dimensão é composta por sete itens. A escala fornece três notas, uma por cada dimensão, determinadas pela soma dos resultados dos sete itens, em que notas mais elevadas correspondem a estados afetivos mais negativos (Leal et al., 2009). O coeficiente alpha total na escala original para as três subescalas foi de 0,93. Na versão adaptada para adolescentes brasileiros (Patias et al., 2016), o coeficiente alpha total foi de 0,90, e as medidas de fidedignidade para as subescalas foram de 0,86 para Estresse, 0,83 para Ansiedade e 0,90 para Depressão.

Consulta de prontuários: Os prontuários dos participantes do estudo foram acessados para obter os valores de HbA1c referentes às últimas duas medidas.

Delineamento, procedimentos e considerações éticas

Trata-se de um estudo transversal e quantitativo, junto a adolescentes. O projeto de pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Grupo Hospitalar Conceição e pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Instituto de Psicologia da UFRGS, em conformidade com a Resolução nº 466, de 12 de dezembro de 2012. Foi assinado o Termo de Concordância da Instituição para realização da coleta de dados. Os adolescentes foram convidados a participar da pesquisa, sendo informados, juntamente com o responsável que os acompanhava, sobre o tema e os objetivos do estudo. Posteriormente, os pais ou responsáveis assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) e os jovens autorizaram sua participação através da assinatura do Termo de Assentimento. Os próprios adolescentes com 18 anos completos na data da coleta dos dados assinaram o TCLE.

Os instrumentos eram autoaplicáveis e foram respondidos pelos adolescentes, na sala de espera, enquanto aguardavam as consultas da equipe interdisciplinar. Em alguns casos, o preenchimento dos instrumentos foi interrompido, para realização de consultas, e posteriormente retomado, concluindo a coleta. Os dados foram digitados em planilha eletrônica, para análise em software estatístico (SPSS versão 20.0).

 

Resultados

A partir dos dados sociodemográficos, foi realizada uma análise descritiva, na qual se constatou que, quanto à idade em que foi feito o diagnóstico do DM1, houve um predomínio da descoberta da doença por volta dos nove anos, sendo que 60% dos participantes foram diagnosticados até essa idade. Quanto às hospitalizações por complicações do diabetes, 73% dos participantes informaram que já tiveram, pelo menos, uma internação, sendo que a média de internações foi de 2,47 (±2,15). Do total da amostra, 38,5% internaram apenas uma vez, 12,3% duas vezes, 14% estiveram três ou mais vezes internados, e 4,1% foram internados mais de dez vezes.

Instrumento de Qualidade de Vida para Jovens com Diabetes - IQVJD

O instrumento apresentou excelentes características psicométricas, com coeficiente Alpha de Cronbach de 0,92 para a escala total. Separadamente, os domínios apresentaram características psicométricas desejáveis, com coeficientes Alpha de Cronbach de 0,89 no domínio Satisfação, 0,86 no domínio Impacto e 0,86 no domínio Preocupação. Um dos itens desse instrumento é computado separadamente, por recomendação dos autores do original, que é uma escala de quatro pontos variando de ruim a excelente, na qual a maioria dos participantes (52,5%) avalia sua saúde como boa, 20% avalia como excelente, 19,2% como satisfatória e apenas 8,3% como ruim, se comparado com outros adolescentes. Os somatórios dos resultados obtidos variaram entre 70 e 208 pontos (M=110,15; ±26,68). As médias de acordo com o sexo, idade e tempo de diagnóstico, em anos, estão apresentadas na Tabela 1. Foram realizados Testes t comparando as médias entre meninos e meninas, bem como entre os adolescentes até 14 anos e os maiores de 15; contudo, nenhuma dessas diferenças foi estatisticamente significativa.

Análise de Regressão Linear Múltipla

Para identificar variáveis independentemente associadas à QV, foi realizada uma análise de regressão linear múltipla, cuja variável dependente foi o escore total do IQVJD. Foram introduzidas as seguintes variáveis explicativas: Total do EDAE-A, total CEAT, número de internações e autocuidado. A Tabela 2 apresenta o resultado da análise com as variáveis que entraram na equação de regressão. Juntas, as quatro variáveis foram responsáveis por 55,9% da variância no IQVJD (R²). Os coeficientes de regressão padronizados Beta indicaram relações diretas entre a variável critério e as variáveis explicativas EDAE-A (B=0,866) e número de internações (B=2,740), com valores positivos, lembrando que uma menor pontuação no IQVJD aponta para uma maior QV. Portanto, tais coeficientes indicaram que, quanto mais vezes o adolescente já ficou internado em decorrência de complicações do DM1 e quanto mais sintomas de ansiedade, depressão e estresse apresenta, pior é sua QV. Além disso, quanto mais adesão ao tratamento prescrito e quanto maior o autocuidado, melhor a QV do adolescente.

Foram analisadas dez variáveis, por meio de diferentes combinações, sendo que seis não contribuíram para o modelo explicativo da QV: tempo de doença, idade, média dos dois valores medidos da HbA1c e os fatores isolados do EDAE-A (depressão, ansiedade e estresse).

 

Discussão

Os dados sociodemográficos descrevem o perfil geral da amostra. A idade na época do diagnóstico é um indicador de quanto tempo o adolescente convive com o DM1. Os resultados deste estudo foram semelhantes aos encontrados no estudo de Marques et al. (2011), com adolescentes entre 10 e 19 anos na cidade de Goiânia, onde os adolescentes foram diagnosticados com média de idade inferior aos 10 anos. Já outro estudo, realizado na cidade de Salvador, com crianças e adolescentes, apresentou média inferior, de 7,7 anos (Alves et al., 2007). Tais dados indicam que o diagnóstico do DM1 é realizado, geralmente, antes do início da puberdade.

A maior prevalência de meninos na amostra deste estudo também foi observada no estudo realizado por Zanetti e Mendes (2000), ainda que a associação com o DM1 não seja estatisticamente significativa. Outros estudos brasileiros (Brasil et al., 2014; Santos e Enumo, 2003; Tschiedel et al., 2008) encontraram maior incidência do DM1 em meninas em suas amostras, o que parece sugerir que não há, de fato, uma clara associação dessa doença com o sexo. Quanto à QV, neste estudo, não foi observada diferença estatisticamente significativa entre os sexos, embora a média das meninas tenha sido levemente superior no instrumento, o que indicaria uma pior percepção de sua QV. Novato e Grossi (2011) afirmam que as implicações do DM1 sobre a QV parecem influenciar de maneiras diferentes indivíduos do sexo feminino e do sexo masculino, sendo que adolescentes do sexo feminino tenderiam a, de modo geral, pior avaliar sua QV. Este aspecto deve ser mais investigado em estudos futuros, a fim de que possa ser observado como e se, de fato, o sexo influencia na percepção de QV na adolescência.

A maioria dos participantes deste estudo avaliou sua saúde como boa ou excelente, com poucos adolescentes considerando-a ruim. No entanto, deve-se destacar que esta amostra é composta por adolescentes que recebem acompanhamento periódico em um centro de referência na área, o que pode minimizar o impacto da doença. Outro estudo sobre DM1, com participantes de idades entre 6 e 72 anos, também identificou que mais da metade dos participantes sentem-se bem ou muito bem, mesmo com sua doença (Maia e Araújo, 2004). Na revisão de Novato e Grossi (2011), foi encontrado que os adolescentes que melhor avaliam sua saúde também apresentam melhor avaliação da QV. Esses achados divergem de hipóteses nas quais o DM1 traria repercussões negativas à percepção do adolescente quanto à QV.

Neste estudo, quatro variáveis conjuntamente explicaram 55,9% da variância (R²) da QV dos adolescentes com DM1, essas foram: sintomas de ansiedade, depressão e estresse; adesão ao tratamento; número de internações; e autocuidado. O conjunto de sinais englobados nos sintomas de ansiedade, depressão e estresse variam desde físicos, como excitação do sistema autônomo, até alterações no pensamento, como falta de interesse (Ludwig et al., 2012; Pais-Ribeiro et al., 2004). Em alguns casos, o diagnóstico do DM1 pode gerar dificuldades de adaptação e estresse, que tendem a diminuir com o tempo (Fragoso et al., 2010).

Entende-se que, ao receber um diagnóstico de doença crônica, o jovem precisa enfrentar novos sentimentos e lidar com a quebra de crenças onipotentes. Ainda assim, adolescentes que apresentam dificuldades ao diagnóstico têm maior risco de desenvolver transtornos de caráter psicológico (Ducat et al., 2014). O impacto do DM1 sobre os aspectos emocionais é controverso na literatura. Os autores Ballas et al. (2006) apontam que, apesar de estudos anteriores indicarem prejuízos psíquicos para adolescentes com a doença, na pesquisa deles não foram encontradas dificuldades emocionais maiores nos jovens com diabetes. Ainda, outros autores (Frey et al., 1997) sugerem que adolescentes com DM1 enfrentam de maneira semelhante os conflitos típicos do período, como testar normas e figuras de autoridade.

Construção de identidade de gênero, sexualidade, autoimagem, aceitação social, escolha profissional, busca por autonomia, entre outros, também podem provocar estresse nos adolescentes, de modo geral. Quando aparecem sinais como ansiedade, perdas precoces, conflitos com os cuidadores, problemas com o grupo de pares, dificuldades escolares, dificuldade em lidar com o estresse, acontecimentos desfavoráveis e doença crônica, o risco de o adolescente desenvolver depressão fica aumentado (Resende et al., 2013). Os sintomas podem se agravar se o DM1 for considerado mais um complicador para o adolescente.

Algumas atividades relacionadas ao autocuidado podem causar vergonha ou embaraço na criança com DM1, como explicar aos amigos sobre a doença ou aplicar insulina (Sparapani et al., 2012). É importante que sejam desenvolvidos mais estudos sobre esses aspectos sociais em adolescentes com a doença. Acredita-se que esse constrangimento social apareça de outras maneiras na adolescência, deixando o adolescente estressado, inseguro, nervoso ou, ainda, triste e desanimado. Caso esses sentimentos apareçam de forma constante e recorrente, podem desencadear quadros de ansiedade e depressão. Não é possível afirmar qual a direção da associação entre QV e os aspectos psicológicos, mas sabe-se que têm mútua influência. Sendo assim, é importante que haja avaliação e acompanhamento psicológico nos cuidados médicos de rotina, a fim de promover qualidade de vida para esses jovens.

Quanto à adesão ao tratamento e ao autocuidado, no período da adolescência, os responsáveis precisam delegar ao adolescente o controle de sua doença, através das práticas diárias de monitorização da glicemia, aplicação de insulina e contagem de carboidratos. Para isso, faz-se necessário que haja comunicação de qualidade entre pais e filhos, adequada divisão de papéis, acompanhamento a consultas, supervisão dos responsáveis em relação ao controle metabólico e à realização do tratamento (Nunes, 2014). Dessa forma, a autonomia acaba sendo um fator determinante para o autocuidado e para a adesão. Segundo Reichert e Wagner (2007), o desenvolvimento da autonomia é uma das tarefas esperadas durante a adolescência intermediária, e esse processo envolve transformações, inclusive nas relações familiares. Cabe ressaltar que o papel do cuidador é de incitar o desejo de cuidado, ou melhor, provocar no adolescente o desejo de cuidar de si mesmo (Pennafort et al., 2014).

A fim de que todas essas mudanças, sociais, físicas e psicológicas, sejam paulatinamente compreendidas e incorporadas à rotina, é necessário que o adolescente desenvolva algumas habilidades e aprimore o conhecimento acerca de sua doença e de seu tratamento. No decorrer dessa transição, é comum que haja períodos em que o jovem se descuide e tenha que lidar com as imediatas consequências de um desequilíbrio metabólico. Quando esse desequilíbrio se agrava, uma possível consequência seria a necessidade de internação hospitalar. Neste estudo, o número de internações também se mostrou significativamente associado à QV, indicando que quanto mais vezes o adolescente já ficou internado em decorrência de complicações do DM1, pior é sua QV. No estudo de Marques et al. (2011), 15% dos casos exigem internações para a recomposição do equilíbrio metabólico. O número de internações é um fator significativo no modelo da QV, porque se inter-relaciona com outras variáveis, como a adesão ao tratamento e as questões de ordem emocional, por exemplo.

Um grande número de adolescentes desta amostra passou por internações em hospitais ou pronto-socorro. Contudo, é possível que tenha diferenças na compreensão de cada participante a respeito do termo "internação hospitalar" em decorrência de, no local, existir um serviço de "internações" no hospital-dia, que tem a finalidade de auxiliar no controle em casos de crises, diminuindo a necessidade de internações hospitalares. Se tal tipo de atendimento fosse considerado como internação, então 100% dos participantes já teriam passado por elas, pelo menos uma vez. Antes de iniciar o acompanhamento ambulatorial na instituição, o paciente é atendido no hospital-dia, independentemente do tempo de diagnóstico do diabetes. Além disso, nesse serviço, os pacientes que apresentam controle metabólico inadequado nas primeiras consultas, com níveis de HbA1c superiores a 13%, ou aqueles que não realizam automonitorização domiciliar adequadamente também são atendidos em regime de hospital-dia (Tschiedel et al., 2008).

No estudo de Zanetti e Mendes (2000) com entrevistas semiabertas realizadas com as mães de crianças e adolescentes com DM1 no estado de São Paulo, 86,7% já haviam sofrido internações hospitalares, sendo a hiperglicemia a causa mais frequente dessas, em 46,7% dos casos, sugerindo que um percentual alto de pacientes com DM1 necessita passar por esse tipo de intervenção. O controle glicêmico é um importante fator para evitar ou minimizar complicações que podem acarretar em internações. Nesse sentido, a revisão realizada por Novato e Grossi (2011) demonstra que os episódios de hipoglicemias graves, motivo de internação mais prevalente neste estudo, também apresentaram impacto negativo na QV dos jovens. Ainda assim, o tempo da doença é uma variável que pode levar ao surgimento e agravamento de complicações, uma vez que, ao longo da vida, o indivíduo frequentemente passa por situações de desequilíbrio metabólico, apresentando, por exemplo, prolongada exposição a níveis glicêmicos elevados (Marques et al., 2011). As complicações agudas exercem impacto sobre a QV dos pacientes, mas as complicações graves, que geralmente levam mais tempo para aparecer, parecem ser o principal fator isolado para redução da QV (Maia e Araújo, 2004).

Com este estudo, pode-se discutir as relações entre a QV e outras variáveis associadas. No modelo encontrado, os sintomas de ansiedade, depressão e estresse se constituíram na variável que melhor explicou a percepção que o adolescente tem de sua QV. Destacam-se as repercussões desses sintomas na vida dos adolescentes com DM1 e a importância de um adequado suporte, tanto emocional quanto técnico. É importante que os adolescentes recebam informações sobre a doença e o tratamento, a fim de evitar novas internações (American Diabetes Association, 2015). Outras variáveis associadas à QV foram a adesão e o autocuidado, que permitem, inclusive, que os jovens se sintam mais independentes e satisfeitos com sua vida. O autocuidado e a adesão podem contribuir para evitar complicações decorrentes do DM1, diminuindo, consequentemente, o número de internações hospitalares.

Algumas limitações deste estudo foram identificadas. Uma delas, por exemplo, se refere ao delineamento transversal, que contempla apenas uma coleta de dados. Seria interessante a realização de novos estudos que avaliem os adolescentes longitudinalmente, observando seu controle glicêmico, autocuidado e adesão ao tratamento, bem como a presença ou não de sintomas como ansiedade, depressão e estresse ao longo do tempo. Estudos longitudinais de longo prazo sobre o desenvolvimento desses jovens com DM1 podem trazer contribuições importantes para subsidiar programas de intervenção e promoção de saúde junto a essa população clínica.

 

Referências

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Submetido: 16/09/2015
Aceito: 10/03/2016

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