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Contextos Clínicos
versão impressa ISSN 1983-3482
Contextos Clínic vol.11 no.1 São Leopoldo jan./abr. 2018
https://doi.org/10.4013/ctc.2018.111.08
ARTIGOS
Avaliação da qualidade de vida, estresse, ansiedade e coping de jogadores de futebol de campo da categoria sub-20
Assessment of quality of life, stress, anxiety and coping in u-20 soccer players
Daniella Moreira PaínaI; Juliane Jellmayer FechioII; Maria Stella PeccinII; Ricardo da Costa PadovaniII
IUniversidade Federal de Minas Gerais. Av. Presidente Antônio Carlos, 6627, Pampulha, 31270-901, Belo Horizonte, MG, Brasil. danipaina@hotmail.com
IIUniversidade Federal de São Paulo. Campus Baixada Santista, Rua Silva Jardim, 136, Vila Mathias, 11015-020, Santos, SP, Brasil. jfechio@terra.com.br, stella.peccin@gmail.com, ricardopadovani@yahoo.com.br
RESUMO
O objetivo do estudo foi avaliar a qualidade de vida, os níveis de estresse, ansiedade e habilidades de coping de jogadores de futebol de campo da categoria sub-20. Participaram do estudo 23 atletas de futebol da categoria sub-20 de um clube de futebol da primeira divisão do estado de São Paulo, que responderam instrumentos de autorrelato. Os resultados mostraram que os atletas apresentaram bons indicadores de qualidade de vida, baixos níveis de estresse e de ansiedade e bom repertório de coping.
Palavras-chave: futebol, qualidade de vida, coping.
ABSTRACT
The aim of this study was to evaluate the quality of life, stress, anxiety, and coping in under-20 soccer players of a Brazilian first division club. 23 under-20 soccer players of a Brazilian first division club of São Paulo state participated of the study, responding to self-report tools. The results showed that athletes had good levels of quality of life, low levels of stress and anxiety and good coping skills.
Keywords: soccer, quality of life, coping.
Introdução
O futebol apresenta importante expressão no cenário esportivo. Sua influência pode ser observada pela movimentação financeira e mobilização da população. Essa realidade é facilmente observada pelo número de torcedores e apreciadores nos estádios e nos jogos televisionados esportivo (Brandão et al., 2008; Cavichiolli et al., 2011; Reis et al., 2014; Ribeiro, 2007). A profissionalização no futebol pode trazer prejuízos para a formação educacional do atleta (Melo et al., 2014; Melo et al., 2016).
Acessar e se manter no mundo do futebol de elite constitui uma realidade para uma pequena parcela da população de atletas. Dentre os inúmeros desafios enfrentados na construção da carreira de jogador de futebol, pode-se destacar: longas horas de treinamento; restrição de atividades sociais; distanciamento dos núcleos familiares e afetivos; expectativa da família; capacidade de gerenciar o estresse e a ansiedade; equilíbrio emocional; risco de sofrer uma lesão esportiva importante e comprometer toda a trajetória (Brandão et al., 2008; Ivarsson et al., 2013; Melo et al., 2014; Ramadas et al., 2012; Rosito, 2008).
Haro et al. (2012) ressaltam a importância do contexto social e esportivo no processo formativo do jovem jogador de futebol. Tal cenário deixa evidente que o ambiente do esporte competitivo de alto nível pode constituir expressivo obstáculo a manutenção da saúde mental e qualidade de vida de atletas. Miranda e Bara Filho (2008) ressaltam a necessidade do esporte competitivo gerar bem-estar psicológico para o atleta. Os autores destacam ainda a necessidade do treinamento de qualidade, que respeite o grau de desenvolvimento psicofisiológico e proporcione prazer para o atleta. Consideram que esse cuidado permite que o atleta permaneça maior tempo possível no esporte.
A possibilidade de acessar ao mundo do futebol de elite é marcada pela categoria sub20, caracterizada como a fase decisiva na profissionalização do atleta. Representa, portanto, um período intenso e de grande carga emocional. Manter e otimizar as capacidades físicas, técnicas e psicológicas, aspectos centrais nessa etapa, podem constituir um desafio adicional para esses jovens atletas. Neste cenário, manejar emoções negativas, manter uma perspectiva positiva e preservar a qualidade de vida em um período marcado por instabilidade e necessidade de superação constitui um desafio adicional. Dentre as implicações do estresse excessivo no esporte, destacam-se a síndrome de burnout e o risco aumentado das lesões esportivas (Gouttebarge et al., 2015; Malagris e Wolff, 2015).
O estudo de Modolo et al. (2009) mostra que atletas profissionais de modalidades coletivas quando comparados com atletas profissionais de modalidades individuais e atletas amadores de modalidades coletivas ou individuais apresentaram melhor perfil de humor e qualidade de vida. Ainda em relação à qualidade de vida de atletas, Antunes et al. (2006) constataram que atletas de corrida de aventura, mesmo submetidos a condições adversas da modalidade e apresentando indicadores de dependência de exercício, não apresentaram indicadores de ansiedade e distúrbios de humor que viessem comprometer a qualidade de vida. Resultados semelhantes foram observados no estudo de Snyder et al. (2010), que encontraram melhores indicadores de qualidade de vida dos aspectos físicos, sociais, saúde mental e estado de saúde geral entre adolescentes atletas quando comparado com não atletas. Os autores sugerem que adolescentes atletas são mentalmente, emocionalmente e socialmente mais saudáveis que pares não atletas.
Tais achados deixam evidente a complexidade da investigação da qualidade de vida e da saúde mental de atletas de alto rendimento. Na tentativa de ampliar o entendimento do atleta de alto rendimento, Gucciardi et al. (2016) propõem que a resistência mental, que seria a capacidade de gerenciar o estresse e a ansiedade, pode se apresentar como importante indicador de saúde mental ou facilitador da sua realização. Essa complexidade pode ser observada no estudo de Arliani et al. (2014) que encontraram importantes indícios de baixa qualidade de vida e saúde física entre ex-jogadores profissionais de futebol no Brasil, como por exemplo, 78% apresentaram sobrepeso, 4% foram considerados obesos e 97% dor crônica na articulação do joelho após o término da carreira. Por sua vez, o estudo de Cevada et al. (2012) encontraram melhores indicadores dos aspectos emocionais e saúde geral de ex-atletas quando comparado com não atletas. Tais considerações deixam evidente a complexidade do fenômeno da saúde mental e da qualidade de vida no esporte de alto rendimento.
Na tentativa de ampliar o entendimento da saúde mental e qualidade de vida, identificar os recursos de enfrentamento se revelam importantes. Os recursos de enfrentamento ou coping podem ser definidos como um conjunto de esforços, cognitivos e comportamentais, que o indivíduo utiliza para lidar com as demandas impostas, internas ou externas, que surgem em situações de estresse e são avaliadas como potencialmente aversivas sobrecarregando ou excedendo seus recursos individuais. Trata-se de uma ação intencional, física ou mental, iniciada em resposta a um estressor percebido, dirigida para circunstâncias externas ou estados internos (Antoniazzi et al., 1998; Coimbra, 2011; Lazarus e Folkman, 1984). Nesta perspectiva, estudos têm apontado que quanto maior o repertório de coping dos atletas, melhor é o seu desempenho esportivo (Bim et al., 2014; Coimbra et al., 2013; Pensgaard e Ursin, 1998; Oliveira et al., 2016; Secades et al., 2016).
Assim, considerando a importância da compreensão da qualidade de vida no desempenho atlético e na carreira esportiva e a necessidade de ampliar estudos nacionais sobre o tema, esta pesquisa tem como objetivo avaliar a qualidade de vida, os níveis de estresse, ansiedade e habilidades de coping de jogadores de futebol de campo da categoria sub-20.
Método
Trata-se de um estudo transversal, de natureza quantitativa e de amostragem intencional. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de São Paulo (CEP 394.420).
Participantes
A amostra foi do tipo não-probabilística e por conveniência, composta por atletas, do gênero masculino, jogadores de futebol de campo da categoria sub-20 vinculados a um clube de futebol profissional da primeira divisão do estado de São Paulo. Os critérios de inclusão para participação na pesquisa foram: ser jogador do clube; estar inserido na categoria sub-20 masculino e ter acima de 18 anos de idade. Os critérios de exclusão foram: ter sido convocado ao menos uma vez para jogar na categoria profissional e apresentar histórico prévio de doença mental. A amostra final foi constituída por 23 atletas de futebol da categoria sub-20 (18,4 + 0,51 anos), convocados para a Copa São Paulo.
Instrumentos
(i) Anamnese do perfil esportivo. Questionário desenvolvido para coletar informações referentes à idade, escolaridade, relacionamento afetivo, tempo de prática, tempo na equipe, participação em competições, convocação para os jogos e histórico de lesões.
(ii) Avaliação da Qualidade de Vida (WHOQOL BREF). Trata-se da versão abreviada em português do Instrumento de Avaliação de Qualidade de Vida da Organização Mundial de Saúde (OMS). É um instrumento de autoavaliação e autoexplicativo composto por 26 questões, sendo duas sobre a qualidade de vida geral e 24 facetas as quais compõem 4 domínios: físico, psicológico, relações sociais e meio ambiente. As respostas seguem uma escala Likert (de 1 a 5 pontos) e quanto maior a pontuação melhor a qualidade de vida. O escore de cada domínio pode variar de 4 a 20. Foi desenvolvido pelo Grupo de Qualidade de Vida da Organização Mundial de Saúde (THE WHOQOL GROUP, 1998) e sua versão em português foi validada por Fleck et al. (2000).
(iii) Athletic Coping Skills Inventory 28 (ACSI-28). Instrumento multidimensional que mensura sete diferentes habilidades psicológicas de coping no esporte: Lidar com Adversidades; Desempenho sob Pressão; Metas/Preparação Mental; Concentração; Livre de Preocupação; Confiança/Motivação; Treinabilidade. O instrumento foi desenvolvido por Smith e colaboradores, e validado para a língua portuguesa por Coimbra (2011). Os valores de cada subescala podem variar de 0 a 12 pontos. Os resultados são obtidos a partir das médias das subescalas. Para a versão brasileira, três itens foram removidos da análise por não apresentarem cargas fatoriais suficientes para pontuarem em alguma das dimensões, os quais estavam associados, respectivamente, às dimensões confiança/motivação, concentração e treinabilidade na versão original do instrumento. Tais dimensões apresentam intervalos de pontuação entre 0 e 9, ao passo que as dimensões lidar com adversidades, desempenho sob pressão, metas/preparação mental e livre de preocupação possuem intervalo de pontuação entre 0 e 12. Para os recursos pessoais de coping, o intervalo de pontuação pode variar entre 0 e 75.
(iv) Inventário de Ansiedade Beck (BAI). Constituído por 21 itens que medem a intensidade dos sintomas de ansiedade. Os itens devem ser avaliados pelo sujeito em uma escala do tipo likert de 4 pontos, que refletem níveis de gravidade crescente de cada sintoma. O escore total é o resultado da soma dos escores dos itens individuais que pode variar de 0 a 63 e permite a classificação em níveis de intensidade da ansiedade: mínimo (0-10), leve (11-19), moderado (20-30) e grave (31-63). A versão em português foi validada por Cunha (2001).
(v) Inventário de Sintomas de Stress para adultos de Lipp (ISSL). É um instrumento que busca identificar de modo objetivo a sintomatologia do estresse. Avalia se o indivíduo apresenta sintomas de estresse, o tipo de sintoma existente (psicológico ou somático) e a fase em que se encontra. Estrutura-se em três quadros referentes às fases de estresse proposta por Lipp (2005): o quadro um avalia a fase de alerta (Q1); o quadro dois, é dividido em duas fases, a fase de resistência e a fase de quase-exaustão (Q2); o quadro três, a fase de exaustão (Q3), que permite o diagnóstico do estresse. A presença de estresse pode ser constatada se qualquer dos escores brutos atingirem os limites determinados (maior que seis no Q1, maior que três no Q2, maior que oito no Q3).
Os instrumentos foram aplicados em duas sessões com duração média de 30 minutos cada sessão. Foi utilizada a sala do clube destinada ao atendimento de atletas. Os instrumentos eram auto administráveis e os pesquisadores acompanharam a execução e estiveram disponíveis para quaisquer esclarecimentos. A comissão técnica não esteve presente durante a aplicação. A assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) formalizou a participação no estudo. A comissão técnica da categoria sub20 era composta por: médico, fisioterapeuta, preparador físico, psicólogo do esporte, assistente social, enfermeiro, massagista, roupeiro, fisiologista, técnico e auxiliar técnico.
Resultados
O grupo investigado foi composto em sua maioria por solteiros, não namorando (52,2%,) com ensino médio incompleto (43,5%), católicos (65,2%). 17,4% apresentaram o ensino fundamental incompleto. Os atletas iniciaram sua carreira esportiva em média aos 8,6 anos (dp=2,9) e começaram a treinar de forma sistemática e competir por volta dos 10,6 anos (dp=3,1). 60,9% dos atletas sofreram lesão. Destas lesões, 50% foram lesões musculares, em sua maioria em músculos da coxa, e 29,2% foram fraturas, a maioria no tornozelo. 13% afirmaram sentir dores crônicas. Oito participantes eram meio-campistas; cinco atacantes; quatro zagueiros; três goleiros; três laterais. 21,7% já tinham sido convocados para jogar na seleção brasileira sub-20.
A Tabela 1 apresenta a distribuição dos domínios da qualidade de vida e os níveis de ansiedade da população investigada.
Constata-se na Tabela 1 que os domínios relacionados a relações e suporte social (domínio relações sociais) e sentimentos positivos, memória e concentração (domínio psicológico) foram os mais elevados no grupo. O domínio direcionado à segurança física, e proteção e cuidados de saúde (domínio meio ambiente) foi o que apresentou a menor média. O escore médio da ansiedade indicou presença de nível mínimo de sintomas no grupo.
A Tabela 2 mostra a presença e a severidade dos sintomas de estresse na população investigada.
Verifica-se na Tabela 2 que a sintomatologia do estresse foi observada em 17,4% dos atletas (n=4) com sintomas físicos (50%) e psicológicos (50%). Dos quatros participantes, apenas um encontrava-se na fase do estresse considerada positiva (alarme).
A Tabela 3 ilustra os escores médios nas habilidades de coping.
Os escores médios mais elevados foram encontrados nas categorias "desempenho sob pressão" (escore máximo 12), "confiança e motivação" (escore máximo 9). Os menores escores médios foram identificados nos itens "livre de preocupação" (máximo 12) e "treinabilidade" (máximo 9).
Discussão
O baixo investimento em atividades acadêmicas tem sido uma característica importante anotada por diferentes estudiosos que investigam a modalidade do futebol no Brasil (Fechio et al., 2011; Melo et al., 2014; Melo et al., 2016). Melo et al. (2014) destacam que os atletas jogadores de futebol colocam a escola em segundo plano, apesar de reconhecer sua importância e o futuro incerto na carreira do futebol. Os autores destacam que a exigência, dedicação, disciplina e competição inerente no processo de formação no futebol explica, em parte, como se dá o processo de escolarização com essa população. Destacam ainda que a permanência dos atletas na escola pode simplesmente significar na amostra selecionada a necessidade de cumprimento da lei.
O início dos treinos e a participação em competições de forma sistemática abaixo de 12 anos pode constituir um fator de risco importante para a especialização precoce. Na especialização esportiva são adotados programas e métodos de treinamento especializados destinados ao aprimoramento dos fundamentos técnicos e táticos, o desenvolvimento das capacidades físicas é direcionado ao desempenho esportivo e as competições são regulares. Consequentemente, contribui para uma formação escolar deficiente, reduz a participação em atividades e jogos infantis, aumenta o risco de lesões, favorecem reações de estresse crônico decorrente do ambiente competitivo e o abandono esportivo (Arena e Bohme, 2000; De Rose Jr., 2009; Jayanthi et al., 2013; Machado e Gomes, 2011; Tourinho Filho e Tourinho, 1998).
A exposição precoce a padrões de treinos e competições associada a características idiossincráticas do atleta explica, em parte, a alta frequência de lesões no presente estudo (60,9%). As lesões no futebol podem ser explicadas pelas características da modalidade (esporte de contato), da intensidade do treinamento, das condições físicas e psicológicas do atleta (Ivarsson et al., 2013; Johnson e Ivarsson, 2011; Palacio et al., 2009). Nessa perspectiva, Ivarsson et al. (2013) apontam para importância do manejo do estresse e da ansiedade na prevenção da lesão. Pode-se inferir que o alto índice de lesões no grupo investigado pode se apresentar um fator de risco para a qualidade de vida do atleta.
As características expostas evidenciam que as exigências do esporte de alto desempenho podem ter impacto importante na qualidade de vida, uma vez que envolve o gerenciamento de demandas de natureza física (como por exemplo, o risco de lesões esportivas, fadiga decorrente do treinamento), psicológica (estresse psicológico e a ansiedade) e sociais (restrição de atividades sociais e de lazer, distanciamento dos núcleos afetivos).
A carga de treinamento, o risco de se lesionar e o desgaste físico decorrente das competições associados à distância da família, para uma parcela expressiva dos participantes, ajudam a explicar as menores médias nos domínios meio ambiente e físico. É interessante observar que ao comparar os dados com os de Toledo (2015), com estudantes universitários, com média de idade semelhante e mesmo gênero, constata-se que as médias dos domínios relações sociais e psicológico do presente estudo foram superiores às médias dos participantes de Toledo (2015). Tais achados permitem inferir que para essa amostra, apesar das adversidades impostas pela busca da profissionalização, a qualidade de vida tem se mostrado positiva. Estes indicadores podem também ser decorrentes das características idiossincráticas dos atletas, da estrutura do clube e da equipe de psicologia do esporte no quadro da comissão técnica que os preparam para a transição de carreira, acompanham o dia a dia do atleta, frequentarem treinos e jogos, corroborando com as afirmações de Miranda e Bara Filho (2008), Rubio (2011), Haro et al. (2012) e Wolff (2015) sobre a importância do psicólogo do esporte em uma equipe esportiva.
Cevada et al. (2012) encontraram melhores resultados nos aspectos emocionais e no estado geral de saúde de ex-atletas quando comparado com o grupo de não atletas. Melhores indicadores de qualidade de vida também foram apontados nos estudos de Antunes et al. (2006), de Modolo et al. (2009) e de Snyder et al. (2010) com atletas de diferentes modalidades esportivas, o que reforça os achados do presente estudo.
Apesar dos achados do presente estudo apontarem para indicadores de qualidade de vida e saúde mental na população investigada, deve-se considerar os estudos de Arliani et al. (2014) com ex-jogadores de futebol que indicaram ganho de peso após a aposentadoria, elevado número de infiltrações de medicamentos no joelho durante a carreira e dor crônica nesta articulação após o término da carreira. A importância de se investigar a qualidade de vida dos atletas é apontada por Dos Santos (2015) que destaca que a investigação da temática é rara na área do esporte e a maioria dos estudos quando a investiga relaciona com a lesão. De acordo com Ledochowski et al. (2012), atletas com melhor qualidade de vida lidam melhor com o estresse e com as demandas impostas e podem obter melhores performances.
Outro aspecto que merece ser dimensionado nesta análise refere-se ao fato de uma parte dos participantes residirem no alojamento. Segundo Rosito (2008), residir em alojamento pode restringir a mobilidade desses jovens, mantendo-os em um ambiente mais estressante. O menor escore médio no domínio "meio ambiente" pode constituir importante indicador dos desafios relacionados ao viver longe dos vínculos afetivos de referência em situação de alojamento com colegas que podem estar disputando a mesma posição. No entanto, a constatação de sintomas de ansiedade classificados como mínimo pode indicar que apesar dos estressores do ambiente do esporte, o mesmo não se apresenta como uma ameaça importante a sua integridade física esocial. É importante ressaltar também que a presença da equipe de psicologia do esporte e de serviço social na equipe esportiva pode contribuir para atenuar o desconforto e sofrimento psicológico associada à carreira de atleta de alto rendimento.
Ampliando a compreensão dos aspectos psicológicos, é interessante observar que do grupo investigado apenas três participantes apresentaram sintomas de estresse considerados negativos. Apesar dos estudos apontarem o estresse e a ansiedade como prejudiciais ao esporte, a maioria aborda a ansiedade pré-competitiva (Lundqvist et al., 2011). Adicionalmente, é importante destacar que foram localizados apenas dois estudos no Brasil que avaliaram a ansiedade não específica ao momento pré-competitivo em atletas de futebol (Román e Savoia, 2003; Rosito, 2008). Enquanto o estudo de Román e Savoia (2003) indicou níveis elevados de ansiedade, o de Rosito (2008) não indicou diferença dos níveis de ansiedade quando comparou com atletas da categoria de base e estudantes do ensino médio. No entanto, destacou que morar em alojamento esteve associado a níveis mais elevados de ansiedade. Tais constatações evidenciam a relevância de ampliar o entendimento da ansiedade em momentos não competitivos entre atletas de futebol. Cumpre ressaltar que não foi localizado estudo que discutisse a relação entre qualidade de vida, estresse e ansiedade entre jogadores de futebol.
A capacidade de gerenciar estressores é confirmada nas habilidades de coping, especialmente, nas que se referiam as estratégias de "desempenho sob pressão" e "confiança e motivação" (escore máximo 9). Segundo Coimbra (2011), atletas que apresentaram escores elevados nos referidos domínios gostam quando são colocados em situações de pressão e que geralmente possuem bom desempenho; revelam-se mais confiantes no seu desempenho e permanecem motivados e positivos em relação ao próprio desempenho. Oliveira et al. (2016), entre outros achados, encontraram que atletas de futebol de campo profissionalizados quando comparados com não profissionalizados utilizavam mais estratégias relacionadas à confiança/motivação, rendimento sob pressão e formulação de objetivos. Tais achados apontam para a importância dos recursos de coping para enfrentamento das adversidades impostas pelo esporte. Secades et al. (2016) encontraram que atletas mais resilientes empregam com mais eficiência as estratégias de coping. Pode-se supor que atletas mais habilidosos para manejo dos estressores esportivo têm maior probabilidade de superar as adversidades que se deparam durante sua carreira esportiva com mais facilidade, bem como apresentar melhores indicadores de qualidade de vida.
A possibilidade de investigar a qualidade de vida, os níveis de estresse e ansiedade e as habilidades de coping ajuda ampliar a compreensão do atleta. Ao considerar variáveis que extrapolam as fronteiras do ambiente esportivo, pode-se contribuir para uma compreensão mais humanizada do atleta.
Considerações Finais
O presente estudo apontou que, apesar das altas exigências físicas e psicológicas, jogadores de futebol da categoria sub-20, vinculados a um clube de expressão no estado de São Paulo, apresentaram bons indicadores de qualidade de vida, sintomas reduzidos de estresse e ansiedade e boas habilidades de coping no esporte. Como principais limitações do estudo, destacam-se: o número reduzido da amostra e a ausência de grupo controle. No entanto, deve-se ressaltar que a investigação da qualidade de vida entre jogadores de futebol vinculados a clube de expressão no cenário do esporte nacional é restrita no Brasil. Nesta perspectiva, o desenvolvimento de estudos que venham colaborar para o desenvolvimento da área da psicologia do esporte deve ser considerado.
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Submetido: 25/11/2016
Aceito: 28/03/2017