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Contextos Clínicos

Print version ISSN 1983-3482

Contextos Clínic vol.11 no.2 São Leopoldo May/Aug. 2018

https://doi.org/10.4013/ctc.2018.112.05 

ARTIGOS

 

Terapia de casal em contextos de violência conjugal: revisão integrativa da literatura

 

Couple therapy in contexts of intimate partner violence: integrative literature review

 

 

Josiane Razera; Icaro Bonamigo Gaspodini; Eduarda Lima de Oliveira; Letícia Ferraz Neis; Denise Falcke

Universidade do Vale do Rio dos Sinos. Av. Unisinos, 950, Cristo Rei, 93020-190, São Leopoldo, RS, Brasil. josianerazera@yahoo.com.br, icaroicaro@gmail.com, dulimaoliv@gmail.com, leticiaferrazneis@gmail.com, dfalcke@unisinos.br

 

 


RESUMO

A violência conjugal é um fenômeno que tem sido significativamente estudado, contudo, poucas publicações abordam as possibilidades de terapia de casal nesse contexto. Neste artigo, propõe-se uma revisão integrativa das publicações sobre o tema, entre os anos de 2011 a 2016, por meio das bases de dados ISI Web of Science, PsycARTICLES, PsycINFO, Lilacs e Medline. As buscas foram realizadas com os descritores "intimate partner violence" AND "couple therapy". Foram analisados 16 artigos na íntegra, em que predominaram publicações nos Estados Unidos, no ano de 2014, e o principal delineamento metodológico foi a revisão teórica. Não foi constatada homogeneidade dos objetivos, visto que avaliaram desde a efetividade de terapia de casal em situações de violência conjugal, as variáveis associadas ao contexto de violência nos relacionamentos e na terapia e até as contribuições da construção teórica sobre a temática. Evidenciou-se que diferentes tipos de demandas estão associados às manifestações da violência na conjugalidade, o que limita o uso de intervenções similares para todos os casos. Ainda, existem divergências acerca do tratamento em conjunto ou separadamente, o que indica a necessidade de aprofundamento teórico como sustentação para a prática.

Palavras-chave: casamento, violência conjugal, terapia de casal, intervenção.


ABSTRACT

Conjugal violence is a scarcely studied phenomenon, however, a few publications tackle the possibilities for couple therapy in this context. This article is an integrative literature review on publications about the theme from 2011 to 2016, through the following databases: ISI Web of Science, PsycARTICLES, PsycINFO, Lilacs, and Medline. Sixteen articles were fully analyzed. Studies were predominantly published in The United States, in 2014, and designed as literature reviews. Objectives were not homogeneous, varying from assessments on the effectiveness of couple therapy in conjugal violence and investigations on variables associated to the context of violence in intimate relationships and therapy to contributions of theoretical constructions about the theme. Results evidenced that different demands are associated to manifestations of violence in conjugality, which limits the usage of similar interventions for all cases. Divergences are still ongoing about individual or conjoint treatments, which indicates the need for theoretical developments to sustain the practice.

Keywords: marriage, conjugal violence, couple therapy, intervention.


 

 

Introdução

A violência conjugal se apresenta como um fenômeno multideterminado, que vem exigindo esforços de diversas áreas do conhecimento para sua prevenção e tratamento. Inserida no escopo da violência doméstica, que caracteriza toda a agressão que ocorre no ambiente do lar, a violência entre os membros do casal pode ocasionar danos à saúde física e mental dos envolvidos, ultrapassando este subsistema e atingindo também outros membros da família que, em muitos momentos, a testemunham (Rosa e Falcke, 2014).

A partir dos movimentos feministas, que alertaram sobre a gravidade da violência sofrida pelas mulheres no interior dos lares, a nomenclatura de violência conjugal passou a ser questionada por se entender a violência entre parceiros íntimos como tipicamente uma violência de gênero ou cujo vetor da agressão tem a mulher como alvo (Santos e Izumino, 2005). Todavia, considerando que o casamento perpassa pela relação entre dois indivíduos coautores da conjugalidade, especialmente para pesquisadores de abordagem sistêmica, volta-se a utilizar a expressão violência conjugal, a qual considera todo o tipo de agressão expressa no âmbito de um relacionamento de casais que coabitam (Colossi et al., 2015). Na mesma linha, em inglês utiliza-se a expressão intimate partner violence para caracterizar os tipos de violência nos relacionamentos íntimos. Considerando que o objetivo dessa revisão de literatura é explorar estudos sobre intervenções clínicas com casais em situações de violência, optou-se por utilizar a expressão violência conjugal.

Ao explorar as características da agressão entre casais, observa-se que há diversos tipos de violência e suas características variam nessa população. Alguns tipos foram propostos pela Lei Maria da Penha (Brasil, 2006) como: violência física, psicológica, sexual, moral e patrimonial. Tem-se observado que nos estudos predomina o interesse pela investigação das três principais tipologias, as quais mais acometem os casais, que são: violência física, que caracteriza-se como ação voluntária que provoca danos ou lesões físicas; violência psicológica, manifestada por exemplo em xingamentos, humilhações e desvalorizações; violência sexual, que se refere a qualquer ato sexual perpetrado sem o consentimento de alguma das partes.

Ainda que haja produção considerável sobre o fenômeno da violência conjugal (Oliveira e Gomes, 2011; Rosa e Falcke, 2014), ainda são menores os estudos sobre as possibilidades de intervenções clínicas nesse contexto. Comumente, observam-se ações com as mulheres vítimas ou com os agressores e, em menor escala, as intervenções sistêmicas com a díade, mesmo já havendo comprovação de que elas podem ser efetivas para esses casos (Carr, 2014). A partir do século XX, estudos científicos na área de terapia de casal e família foram desenvolvidos com a finalidade de avaliar as intervenções terapêuticas existentes, pois já não bastavam intervenções apenas pautadas no bom senso. As ações precisavam ser efetivas para as soluções de conflitos conjugais (Féres-Carneiro e Diniz Neto, 2010).

Ao redor do mundo, a violência conjugal está sendo significativamente pesquisada e, cada vez mais, busca-se investigar as intervenções psicoterapêuticas e preventivas, em suas diversas modalidades, para o tratamento dessa problemática. As intervenções estudadas até o momento são preponderantemente direcionadas ao atendimento de vítimas e reabilitação dos perpetradores (Carbajosa et al., 2013; Connors et al., 2013). Isso ocorre, possivelmente, porque pesquisas sobre violência conjugal voltam seu olhar para a diferença entre os gêneros como um dos principais fatores desencadeadores da violência.

Nessa perspectiva de gênero, considera-se que as diferenças existentes entre masculino e feminino representam um reflexo de desigualdade social, à luz de que a mulher, em muitas situações da vida, ocupa lugares secundários ou subalternos e o homem posições de poder (Andrade e Fonseca, 2008). Na mesma direção, Vieira et al. (2008) contribuem acerca do tema gênero e violência, explanando que se trata de uma realidade que vai além da significação de atitudes atribuídas ao sexo masculino e feminino, atingindo outros fatores que resultam em uma condição que torna a mulher a mais atingida pela violência doméstica.

Com base na diferenciação de gêneros, a forma de intervenção para os casos apresentados costuma oferecer apoio à vítima e punição ou recuperação ao agressor (Brasil, 2006). No Brasil, com as disposições da Lei Federal nº 11.340/2006, conhecida como Lei Maria da Penha, foi criada uma rede de serviços de atenção à mulher em situação de violência, que inclui centros de atendimento multidisciplinares, casas-abrigo, delegacias especializadas, serviços de saúde e centros de educação e reabilitação para os agressores (Brasil, 2006). Verifica-se que uma compreensão da violência conjugal como violência de gênero remete a formas de intervenção clínica específicas para homens e mulheres e em menor escala para o casal.

Em contraponto a isso, Oliveira e Gomes (2011) destacam que as situações de violência que chegam aos centros de saúde, delegacias e serviços de assistência social são heterogêneas e demandam diferentes ferramentas de intervenção. Eles defendem o estabelecimento do maior número possível de alternativas interventivas, para possibilitar uma atenção especial à singularidade de cada caso, ao invés da busca pela melhor intervenção de maneira global.

Olhar para a violência como uma ação ou omissão que pode ocorrer de diversas formas e por diferentes motivos, permite aos pesquisadores e profissionais desenvolver práticas de intervenção flexíveis e específicas para cada caso, através de uma avaliação especializada. Porto e Bucher-Maluschke (2012) sugerem, em seus estudos sobre violência contra mulheres, que a culpabilização seja evitada, mas a corresponsabilização seja analisada em cada contexto. Ainda que se assuma a realidade da subordinação na qual as mulheres se encontram submetidas de diferentes formas, é possível ter uma visão mais ampla do fenômeno, entendendo-o como dinâmico e relacional, o qual nem sempre se refere a um agressor e a uma vítima (Falcke et al., 2009). Além disso, as principais intervenções propostas até o momento, grupos de apoio às vítimas e/ou grupo de atendimento aos agressores, têm se mostrado insuficientes para uma diminuição significativa dos índices de violência, ao mesmo tempo em que se observa que, mesmo convivendo com situações de violência, muitos casais permanecem juntos por um longo período de tempo.

Atentos a essa questão, na literatura internacional são encontrados estudos que apresentam experiências clínicas com cônjuges em situação de violência. Stith et al. (2012) pontuam que a ocorrência de violência entre parceiros que procuram terapia de casal tem se tornado frequente, mas há discussões se este tipo de intervenção seria eficaz. Entre as preocupações relativas à condução de um processo terapêutico com casais violentos, está o receio de que os episódios de agressão se tornem mais frequentes (DeBoer et al., 2012). A prática é defendida para situações em que os níveis de violência são baixos ou moderados, ressaltando que, nessa população, é importante haver abertura para outros aspectos do relacionamento além da agressão (Simpson et al., 2008; Stith et al., 2004).

Por ser uma temática controversa, o referencial teórico sobre intervenções clínicas com casais com funcionamento violento ainda não alcançou abrangência substancial. O que se destaca na literatura são as várias pesquisas interventivas de caráter individual com maior enfoque no acolhimento às vítimas, em diferentes perspectivas teóricas ou intervenções com homens agressores (Carbajosa et al., 2013; Connors et al., 2013), sob uma perspectiva preponderantemente cognitivo-comportamental. Não foram localizados na literatura nacional estudos sobre o mapeamento de intervenções com casais em situação de violência. Por esse motivo, no presente artigo, propõe-se uma revisão integrativa das publicações sobre o tema, entre os anos 2011 a 2016, visando mapear os países de realização dos estudos, a distribuição de publicações no período investigado, os delineamentos metodológicos e instrumentos utilizados, os objetivos dos estudos e os principais resultados obtidos nas intervenções propostas.

 

Método

Para a execução desta revisão integrativa da literatura (Mendes et al., 2008), foram realizadas buscas por artigos indexados em cinco bases de dados: ISI Web of Science, PsycARTICLES, PsycINFO, Lilacs e Medline. Com o objetivo de localizar artigos que investigassem intervenções com casais heterossexuais que coabitam e vivenciam violência conjugal, as buscas foram realizadas com os descritores e operador booleano indicados a seguir: "intimate partner violence" AND " couple therapy". A escolha desses descritores se deve ao fato de que artigos científicos apresentam palavras-chave em inglês, ainda que os textos tenham sido escritos em outras línguas. Além disso, o descritor "intimate partner violence" é o termo mais utilizado na literatura internacional para se referir à violência conjugal.

Os critérios de inclusão foram: artigos disponíveis na internet, completos, publicados entre janeiro de 2011 a maio de 2016, que tratassem sobre intervenções clínicas com casais que vivenciam violência conjugal, independentemente do idioma. Foram excluídos livros, resenhas, teses, dissertações e trabalhos de conclusão de curso. Em seguida, realizou-se uma varredura dos artigos repetidos entre as bases de dados. Visando maior fidedignidade dos dados, a busca foi realizada por dois avaliadores independentes, especialistas na temática avaliada. Em caso de discordância, um terceiro revisor seria consultado (Zoltowski et al., 2014), contudo, isso não foi necessário. Ao todo, foram encontrados 32 artigos, sendo nove repetidos entre as bases. Além disso, dos 23 artigos restantes, cinco resumos foram considerados inelegíveis por apresentarem anos diferentes dos propostos a serem investigados. Após a leitura dos textos na íntegra, mais dois artigos foram excluídos por não apresentarem como objetivo as intervenções com casais em situações de violência, geralmente apresentado uma perspectiva de tratamento individual. Os artigos foram analisados por meio de leitura minuciosa, buscando as semelhanças e particularidades de cada estudo. Sendo assim, a presente revisão integrativa da literatura foi realizada com 16 artigos, conforme pode ser conferido no fluxograma apresentado na Figura 1.

 

 

Resultados e discussão

A partir da leitura dos artigos, verificou-se que a maior parte se originou nos Estados Unidos (10). A distribuição foi seguida por Espanha e Finlândia (2 estudos interpaíses), Chile (1), Canadá (1), Austrália (1) e Irlanda (1). Do total, 15 foram escritos em inglês e um em espanhol. O Brasil se mostra à parte da produção de conhecimento na área, sem investigações publicadas sobre terapia de casal em contexto de violência.

Houve predomínio de publicações no ano de 2014, com cinco artigos, seguidos dos anos de 2011 com quatro e 2012 com três, 2015 foram dois e em 2013 e 2016 apenas um artigo. Verifica-se que a distribuição não foi homogênea, mas apresenta declínio nos anos de 2015 e 2016, após o auge de publicações no ano de 2014.

No que se refere aos delineamentos metodológicos, sete artigos foram de revisão de literatura ou teóricos (Antunes-Alves e De Stefano, 2013; Brown e James, 2014; Carr, 2014; Cicila et al., 2014; Ibaceta, 2011; McCollum et al., 2011; Stith et al., 2012). Dos estudos empíricos quantitativos, cinco tinham delineamento explicativo (DeBoer et al., 2012; Froerer et al., 2012; Kahn et al., 2015; Rowe et al., 2011; Watkins et al., 2015) e um delineamento exploratório (Vall et al., 2015), sendo que, nesses estudos, todos os participantes eram casais heterossexuais. Considerando os estudos empíricos qualitativos, dois estudos tinham delineamento exploratório (Karakurt et al., 2013; Vall et al., 2014) e um foi etnográfico (Martinez et al., 2011). A análise dos delineamentos sinaliza para a preponderância de reflexões teóricas sobre a temática, o que pode ser um reflexo das controvérsias conceituais sobre a possibilidade de atendimento em conjunto de agressores e vítimas, mesmo quando se considera a possibilidade de intercâmbio nessas posições (Stith et al., 2012).

Dentre os estudos analisados, oito utilizaram algum tipo de instrumento para coleta de dados. A CTS2 (Conflict Tactics Scale), escala validada no Brasil por Moraes et al. (2002), foi a mais utilizada para a avaliação da violência conjugal, sendo citada em três deles. Essa escala possui 78 itens, avaliando a postura de cada um dos membros do casal por meio de cinco subescalas: violência física, agressão psicológica, coerção sexual, injúria, negociação. Constam, também, outros instrumentos como: Dyadic Adjustment Scale (DAS), Brief Symptom Inventory (BSI), Quality of Marriage Index (QMI), Taylor Competitive Reaction Time Test,Positive and Negative Affective Schedule - Expanded Form (PANAS), The Multi-Dimensional Measure of Emotional Abuse (MMEA), Adjustment Test (MAT), Dialogical Investigations of Happenings of Change (DIHC), além de vídeos e grupos focais.

Visando avaliar os objetivos dos estudos, os mesmos foram elucidados na Tabela 1. Nela, o descritor "intimate partner violence" encontra-se abreviado como IPV.

A avaliação da Tabela 1 permite constatar uma ampla variedade de objetivos dos estudos localizados, indo desde os que visam avaliar a efetividade da terapia de casal em situações de violência conjugal, passando pelos que analisam variáveis associadas ao contexto de violência nos relacionamentos e na terapia, até os que contribuem para a construção teórica sobre a temática. Além disso, partem de avaliação do próprio casal ou também da perspectiva de terapeutas.

Com relação aos principais resultados dos artigos, a revisão revelou que ainda não existe um consenso na literatura, tampouco entre os psicoterapeutas acerca do atendimento em conjunto, quando existem situações de violência conjugal. Resultados de alguns estudos apresentam uma visão positiva sobre a realização de terapia de casal para a violência conjugal, enquanto outros apontam questionamentos e controvérsias.

Evidenciando dados favoráveis à utilização de terapia com casais violentos, pesquisadores da área referem que a terapia de casal reduz a agressão entre parceiros e também aumenta a percepção de segurança na relação, ainda que essas mudanças não estejam necessariamente correlacionadas (Kahn et al., 2015). Aponta-se também que a terapia em conjunto pode ser direcionada tanto para que o perpetrador assuma a responsabilidade pela agressão quanto para auxiliar os parceiros a desenvolverem capacidades mútuas de resolução de conflitos (Antunes-Alves e De Stefano, 2013). Além disso, uma análise de discurso mostrou que tratamentos em conjunto, e não individuais, ajudam a construir um novo sentido compartilhado sobre a violência (Vall et al., 2015), apropriado também para analisar e entender com maior profundidade as questões associadas à violência na conjugalidade (Vall et al., 2014).

A compreensão da violência conjugal como um processo diádico foi avaliada no estudo realizado por Watkins et al. (2015). As análises do modelo de interdependência ator-parceiro demonstraram que emoções negativas (pré-discussão e reatividade) são preditoras da agressão por parte dos homens e a interação entre reatividade emocional e a diminuição de autocontrole são preditoras de agressão por parte das mulheres. A existência de psicopatologia foi entendida como um fator que não interfere, necessariamente, no resultado da terapia para violência conjugal (Rowe et al., 2011). A compreensão da violência como um fenômeno diádico remete a necessidade de um olhar amplo acerca do fenômeno.

Na mesma direção, estudos evidenciam a efetividade de intervenções sistêmicas, sejam elas de casal, individuais ou parte de programas multimodais, que incluem as duas formas (Carr, 2014). Intervenções sistêmicas estão associadas à redução da incidência de violência conjugal (Stith et al., 2012). Por fim, outras intervenções, através da internet, também foram consideradas uma forma promissora para disseminar tratamentos para a violência conjugal baseados em evidências, podendo ser utilizadas, antes, durante ou depois do tratamento face a face (Cicila et al., 2014).

Por outro lado, existem evidências, nos estudos analisados, que questionam a utilização de terapia de casal em situações de violência conjugal. Na investigação realizada por DeBoer et al. (2012), ainda que, dos 55 casais investigados, um terço das mulheres tenha relatado que ter recebido terapia de casal esteve associada a melhoras na satisfação com a relação, 75% de todos os participantes relataram que a violência conjugal continuou e não houve evidência de que a terapia estivesse associada com sua redução.

Foi também constatada certa resistência tanto dos terapeutas para a investigação dos casos de violência, como dos casais para relatarem tais situações mesmo estando em tratamento (McCollum, 2011). Um estudo mostrou que os terapeutas avaliaram a presença de violência conjugal em um a cada cinco casais em psicoterapia (20 de 99), mas a avaliação ocorreu apenas se os clientes efetivamente indicavam que violência física em seus relacionamentos era uma questão frequente (Froerer et al., 2012), geralmente a violência física é mais validada pelos indivíduos, muitas vezes subnotificando a presença de outros tipos de violência, como a psicológica. Os autores destacam que terapeutas têm dúvidas se devem tratar a violência como um indicador de maiores problemas sistêmicos ou como um problema em si mesmo. Por mais que se acredite que em caso de violência conjugal a terapia não deva ser conjunta, alguns terapeutas sugerem a possibilidade desse trabalho, ainda que sem uma convicção clara a respeito (Karakurt et al., 2013).

Por fim, Brown e James (2014) apontam algumas controvérsias apresentadas pela literatura científica, sugerindo questionamentos para reflexão dos profissionais e estudiosos da área, sendo eles: a cultura do patriarcado é a maior causa de violência doméstica? A terapia de família sistêmica esconde a responsabilidade do homem pela violência doméstica? A terapia transforma um crime em problema psicológico? Tanto homens quanto mulheres perpetram violência doméstica em igual medida? Qual o papel de um cônjuge para despertar uma atitude violenta no outro? Tais questionamentos assinalam que ainda não há um consenso da literatura sobre a dinâmica da violência conjugal e qual a melhor forma de intervir nesses casos.

O que pode se aproximar de um consenso são resultados que indicam a importância de avaliar com cautela quando a terapia de casal é ou não apropriada e como fazer a melhor forma de encaminhamento, assim como a importância de considerar que a indicação de terapia em conjunto deverá surgir após um processo rigoroso de avaliação (Ibaceta, 2011). Esse resultado destaca o que a literatura já tem evidenciado sobre a multiplicidade de expressões da violência conjugal e a necessidade de um olhar abrangente sobre o fenômeno (Colossi et al., 2015; Oliveira e Gomes, 2011).

 

Considerações Finais

Neste artigo, salientou-se a necessidade de ampliar a literatura acerca do conteúdo explorado, pois constatou-se escassez de estudos entre os anos de 2011 e 2016, destacando especialmente a ausência de investigações em contexto nacional. Foram localizadas poucas pesquisas investigativas que visassem à avaliação da terapia de casal como alternativa ao tratamento de situações de violência conjugal. Esse resultado foi considerado instigante, especialmente dado o fato de que a violência conjugal tem sido considerada um problema de saúde pública, merecendo grande investimento na avaliação das diferentes formas de intervenção relacionadas a essa questão.

Constatou-se que demandas individuais e não apenas conjugais se apresentam relacionadas às manifestações da violência na conjugalidade, o que limita o uso de intervenções similares para todos os casos. Nesse sentido, também mereceriam maior investimento as pesquisas sobre terapia de casal como forma de tratamento para as situações de violência na conjugalidade.

Os resultados apontam dissonância na literatura entre o tratamento conjunto ou separado de casais, sendo que alguns terapeutas consideram o tratamento eficaz, enquanto outros questionam ou não encontram evidências de sua aplicabilidade. Tais controvérsias possivelmente refletem a ausência de estudos de maior abrangência que pudessem trazer informações mais precisas sobre as evidências de validade dessa modalidade de atendimento para os casos de violência conjugal.

A principal limitação deste estudo está relacionada ao número de artigos localizados, evidenciando lacuna na avaliação do fenômeno, principalmente no contexto nacional. Isso pode ter ocorrido em decorrência das terminologias utilizadas, visto que os estudos sobre violência conjugal não possuem homogeneidade nas terminologias. Desafios para futuras pesquisas encontram-se na realização de mais estudos com delineamento experimental que visem a avaliação da efetividade da terapia de casal nas situações de violência conjugal, inclusive em comparação com outras modalidades de tratamento.

 

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Submetido: 30/09/2016
Aceito: 02/06/2017

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