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Contextos Clínicos

versão impressa ISSN 1983-3482

Contextos Clínic vol.12 no.3 São Leopoldo set./dez. 2019

https://doi.org/10.4013/ctc.2019.123.13 

ARTIGOS

 

Vivências de homens em situação de rua no sul do Brasil

 

Experiences of homeless men in southern Brazil

 

 

Tomás Collodel Magalhães Reis; Adriano Valério dos Santos Azevêdo

Universidade Tuiuti do Paraná, Mestrado em Psicologia. Rua Sydnei Antônio Rangel Santos, 238. Santo Inácio 45204010 - Curitiba, PR – Brasil. tomg@gmail.com, adrianoazevedopsi@yahoo.com

 

 


RESUMO

O presente estudo objetivou compreender as vivências de homens em situação de rua no sul do Brasil. Participaram da pesquisa 12 homens, de uma capital do sul do Brasil, que responderam um roteiro de entrevista semiestruturado e questionário sociodemográfico numa instituição de apoio a pessoas em situação de rua. A utilização da análise temática permitiu a construção das seguintes categorias: 1. Trajetória de vida e a inserção no mundo das ruas, 2. Sentidos e significados referentes a pessoa em situação de rua, 3. Mudanças de vida, 4. O olhar da sociedade diante das pessoas em situação de rua, e 5. Relações com familiares e amigos. A trajetória de vida das pessoas em situação de rua é marcada pelo uso de álcool, drogas e conflitos familiares, o que repercute na discriminação e na percepção de humilhação e exclusão social. Isto provoca mudanças na vida referentes à falta de emprego, de moradia e o distanciamento das pessoas da família e de amigos. Os resultados podem subsidiar a construção de programas de atenção ao cuidado integral de pessoas em situação de rua, buscando resgatar os vínculos familiares e o desenvolvimento de projetos de vida para que possam gerar emancipação e o sentido de cidadania.

Palavras-chave: Pessoas em situação de rua; Pobreza; Vulnerabilidade social.


ABSTRACT

The present study aimed to understand the experiences of men in street situations in the south of Brazil. Twelve men, from a supportive institution to homeless people in a town city in the south of Brazil, participated in the survey, who answered a semi-structured interview and a sociodemographic questionnaire. The thematic analysis allowed the construction of the following categories: 1. Life path and the insertion in the world of the streets, 2. Senses and meanings referring to the person in a street situation , 3. Changes in life, 4. The society's view of street people, and 5. Relations with family and friends. The life trajectory of street people is marked by the use of alcohol, drugs and family conflicts, which has repercussions on discrimination and the perception of humiliation and social exclusion. This causes changes in life related to the lack of employment, housing, and the detachment of people from family and friends. The results make it possible to construct care programs for the integral care of street people, seeking to rescue family ties and the development of life projects so that they can generate emancipation and a sense of citizenship.

Keywords: Homeless Pearson; Poverty; Social vulnerability.


 

 

Introdução

As pessoas que não possuem moradia regular e que apresentam vínculos fragilizados ou rompidos na esfera familiar representam um grupo denominado de pessoas em situação de rua (Brasil, 2009a), constituído predominantemente por pessoas do gênero masculino (Brasil, 2008). O Instituto de Pesquisa Econômica analisou dados provenientes do Censo do Sistema Único da Assistência Social (Censo SUAS) e estimou que, no ano de 2015, existiam 101.584 pessoas em situação de rua (Natalino, 2016). Especificamente, a Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (FIPE, 2015) apresentou dados desta população no município de São Paulo/Brasil, pois, no ano 2000, foram identificadas 8.706 pessoas nas ruas e, em 2015, este número alcançou 15.905. No contexto americano, verificou-se que as pessoas em situação de rua são constituídas por pais jovens, negros jovens, pessoas sem escolaridade ou que não concluíram o ensino médio e por pessoas lésbicas, gays, bissexuais e transgêneros (Morton et al., 2018). Os resultados destas pesquisas permitem evidenciar o crescimento desta população, o que repercute em demandas a serem atendidas por meio de leis, políticas públicas e ações comunitárias para fins de minimizar a exclusão social e os estigmas atribuídos pela sociedade.

O termo exclusão social é utilizado por várias áreas do conhecimento e refere-se a uma concepção de desigualdade proveniente de dificuldades de adaptação do indivíduo, o que leva este a não se sentir incluído (Sawaia, 2014). Para esta autora, o fato é que a exclusão social nos remete a uma ambiguidade conceitual em razão da falta de precisão conceitual e a análise desse fenômeno relaciona a exclusão aos aspectos subjetivos, coletivos, econômicos, culturais e políticos, os quais apresentam interações constantes. Desta forma, este fenômeno é analisado por meio de uma visão dialética - o processo de inclusão/exclusão social - o qual integra o sujeito nos contextos sociais e as repercussões da sua inserção em diferentes esferas - individual, coletiva, política. Assim, a complexidade que envolve a exclusão social permite a realização de diferentes formas de análise, ao considerar o sujeito e os diferentes contextos.

Na concepção de Giddens (2012), a exclusão social é entendida de maneira relativizada, inicialmente refere-se a uma pessoa que, por alguma razão, foi colocada de lado, ou seja, que não foi incluída. Segundo tal autor, mesmo diante de algumas situações (na recusa de acesso a crédito bancário, ou na dificuldade de reinserção no mercado de trabalho em decorrência de idade), a exclusão pode ser também uma escolha da própria pessoa frente a alguns aspectos da sociedade atual, por exemplo, quando alguém vive em situação de rua para fins de obter liberdade. Nesta análise, são integrados elementos da modernidade, os quais geram o processo de inclusão ou exclusão social e, assim, investigar a relação do homem na sociedade moderna representa um aspecto central para contextualização.

A exclusão social representa um processo sócio-histórico complexo e multifacetado que integra todas as esferas da vida, e a sensação de inclusão que ocorre na sociedade capitalista é analisada por meio de inter-relações com a exclusão vivenciada nas relações sociais (Sawaia, 2014). Nessa perspectiva, a inclusão é algo construído socialmente, mas quando o indivíduo não consegue acesso de maneira igualitária àquilo que deseja ocorre a exclusão. É possível compreender a dialética inclusão e exclusão social, o que permite analisar as pessoas em situação de rua.

Na perspectiva de Castel (2013), o termo exclusão surgiu gradativamente para explicar os diversos tipos de misérias no mundo, como, por exemplo, as pessoas que ficam sem emprego por um longo período, àquelas que não possuem moradia ou que moram em periferias. Segundo tal autor, geralmente a pessoa não nasce excluída, isso ocorre após uma ou sucessivas perdas que refletem numa degradação da posição em que a mesma estava anteriormente. Por meio da análise destes fatores, considerados desencadeadores da exclusão, é possível compreender as realidades de pessoas que vivem em situação de vulnerabilidade social.

O termo vulnerabilidade social indica situações nas quais os indivíduos não possuem acesso aos direitos oferecidos pelo estado, mercado e sociedade, tais como, bem-estar, moradia, trabalho, renda, saúde, educação, serviços públicos, vínculos afetivos e acesso à informação (Brasil, 2009a). A ausência de moradia regular, os vínculos familiares fragilizados e a pobreza extrema representam aspectos vivenciados pelas pessoas em situação de rua, os quais constituem a vulnerabilidade social em virtude dos riscos de violência física e sexual e exposição ao uso de álcool e drogas. Além disso, existe a dificuldade de acesso aos serviços de saúde (Grangeiro et al., 2012) e a vulnerabilidade diante de doenças e agravamentos (Hino, Santos, e Rosas, 2018).

Compreender o espaço da rua como um território complexo significa contextualizar a estrutura social e as pessoas inseridas neste contexto (Hallais e Barros, 2015). Para analisar de que forma a pessoa em situação de rua enfrenta o processo de inclusão/exclusão social, é necessário identificar as suas vivências referentes à maneira pela qual as experiências são percebidas e sentidas.

Na produção científica, é possível identificar vários estudos sobre crianças e adolescentes em situação de rua (Morais et al., 2017; Paludo e Koller, 2008; Santana et al., 2005; Santana, et al., 2018), os quais apresentaram as vulnerabilidades sociais e as relações com os contextos familiares. Alguns estudos analisaram as vivências de mulheres em situação de rua (Biscotto et al., 2016; Costa et al., 2015; Rosa e Brêtas, 2015; Roso e Santos, 2017; Santos, 2014). Os resultados indicaram que as experiências vivenciadas nas ruas incluem o enfrentamento diário de adversidades e de riscos referentes à violência física e ao uso de drogas.

As pesquisas realizadas com os homens em situação de rua focalizaram as histórias de vida no formato de estudos de caso (Alcântara et al., 2015; Flores et al., 2015; Matias, 2013; Nobre e Barreira, 2018; Rodrigues et al., 2018), especificamente sobre o cotidiano por meio de etnografia (Nobre e Barreira, 2018) e as repercussões da situação de rua na construção das identidades (Alcântara et al., 2015; Flores et al., 2015; Rodrigues et al., 2018). Nestes estudos, o uso de álcool e drogas e as rupturas familiares representaram aspectos atribuídos à situação de rua.

É necessário ampliar os estudos de caso para diferentes regiões do território brasileiro, a fim de identificar de que maneira os homens em situação de rua vivenciam suas experiências, o que possibilita contribuir com possibilidades de ações a serem realizadas no contexto social e político para o enfrentamento das demandas. O presente estudo objetivou compreender as vivências de homens em situação de rua no sul do Brasil.

 

Método

Delineamento

Trata-se de uma pesquisa qualitativa inserida em um projeto maior em parceria com uma instituição de apoio às pessoas em situação de rua. Portanto, este estudo é proveniente de dissertação de mestrado e utilizou-se o termo vivência para se referir às experiências vividas e descritas pelos homens em situação de rua.

Participantes

Foi utilizada uma amostra intencional por conveniência de 12 indivíduos do sexo masculino, selecionados de acordo com os seguintes critérios de inclusão: ausência de quadro de transtorno mental ou características de abuso de álcool ou outra substância que possa alterar a cognição no momento da pesquisa; e que estavam em situação de rua na capital de um estado do sul do Brasil, sendo atendidos por um Centro de Atendimento à População em Situação de Rua (CentroPop). A Tabela 1 apresenta os dados sociodemográficos e destaca-se a utilização de nomes fictícios para preservar o sigilo e a identidade dos participantes.

Verificou-se que o tempo em que se encontra na rua, especificamente na região pesquisada, apresentou variações. Em relação à escolaridade, três pessoas com o Ensino Médio Completo, cinco tinham o Ensino Fundamental Incompleto, duas pessoas o Ensino Superior Incompleto, uma com Ensino Fundamental Completo e uma não alfabetizada.

No que se refere ao estado civil dos participantes, sete são solteiros, dois divorciados, dois separados e um casado. Nenhum dos entrevistados realizava trabalho formal ou informal, no entanto, nove possuíam o cadastro único para benefícios socioassistenciais, e destes, oito recebiam benefício de transferência de renda chamado Bolsa Família. Quando questionados a respeito da realização de cursos profissionalizantes, apenas cinco relataram ter realizado algum tipo de curso. Dos doze participantes, somente três são naturais da região pesquisada.

Instrumentos

Utilizou-se um roteiro de entrevista semiestruturado com o enfoque biográfico na história de vida para investigar aspectos referentes à vivência da pessoa em situação de rua. Este roteiro explorou pontos referentes à trajetória de vida do indivíduo, antes e depois de ingressar no mundo das ruas; as mudanças ocorridas em sua vida; os significados atribuídos a esta experiência; a percepção acerca do olhar da sociedade referente à pessoa em situação de rua; e sobre sua relação com seus familiares e amigos. Utilizou-se um questionário sociodemográfico para identificar gênero, idade, escolaridade, renda, estado civil, cidade de origem, tempo de trajetória na condição de pessoa em situação de rua, cadastro nos programas socioassistenciais do Governo Federal e inclusão no Programa Bolsa Família.

Procedimentos

Os 12 participantes foram selecionados mediante critérios de inclusão/exclusão e convidados para a participação na pesquisa. As entrevistas foram realizadas individualmente na própria instituição, em uma sala reservada, e o tempo dedicado para a entrevista foi em média de sessenta minutos. Inicialmente, apresentou-se o roteiro da entrevista para explorar a vivência da pessoa na condição de situação de rua, o que ocorreu por meio da gravação dos áudios. Após familiarização, os pesquisadores apresentaram o questionário sociodemográfico e assinalaram as respostas relatadas pelos participantes.

Este projeto iniciou somente após autorização da Diretoria de Planejamento da Fundação de Ação Social da região e sua aprovação pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos, registrado com o número CAAE 66040017.6.0000.8040. Os participantes foram convidados e aqueles que aceitaram participar, de forma voluntária, assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, de acordo com a Resolução nº510 de 07 de abril de 2016 de Pesquisa em Ciências Humanas e Sociais.

Análise de dados

Realizou-se a leitura integral dos relatos e, neste processo, foram identificados os elementos centrais ou palavras-chave, o que possibilitou iniciar a codificação, de maneira que a organização e interpretação dos dados permitiu a construção de categorias temáticas (Jovchelovitch e Bauer, 2008). No segundo momento, foram selecionados trechos segundo informações coletadas dos relatos para exemplificar as categorias e elementos temáticos. Foram utilizados nomes fictícios para preservar a identidade dos entrevistados.

 

Resultados

A Tabela 2 apresenta as categorias temáticas e os elementos centrais, tais aspectos foram contextualizados por meio dos relatos e das interpretações. Os elementos simbolizam as singularidades das experiências.

Trajetória de vida e inserção no mundo das ruas

As pessoas em situação de rua que participaram desta pesquisa relataram as trajetórias de vida nos últimos cinco anos, as quais são marcadas pela utilização de álcool, drogas, conflitos familiares, desemprego, falta de moradia e depressão. O uso abusivo de álcool e outras drogas foi relatado por nove participantes, por exemplo:

"(...) conheci as drogas quando acabaram todas as coisas que eu tinha então me desesperei e comecei a beber demais e usar drogas, não usava tanto a droga, mas bebia muito e isso fazia com que eu perdesse a cabeça e acabava brigando dentro de casa, brigava também com os vizinhos, então eu achei melhor, para não fazer vergonha para os meus amigos e para a minha família, sair de casa (...)" (Agenor).

"(...) comecei a pegar vinte, trinta reais em pedra e, se antes eu fazia uma vez por semana, logo depois comecei a fazer todos os dias da semana, eu já estava tomando wiskão direto e o dinheiro foi se acabando, eu fui moendo coisas, troquei um carro gol 2009 por um quilo e meio de crack (...)"(Roberto).

"Desta última vez que eu vim para cá (...) eu recebi dinheiro de um acerto do hospital que eu estava trabalhando (...) e não vi que estava com a compulsão deste vicio da cocaína, eu tinha recebido quarenta e três mil e no fim eu vi que eu andei, andei, andei e que estava me perdendo, pois eu gastei estes quarenta e três mil em menos de dois meses usando, mas, nessa altura, eu também já não estava mais aguentando comigo" (Evandro).

Três participantes apresentaram relatos referentes à depressão, conflito familiar e perda de moradia:

"Olha eu nunca fiquei muito tempo, eu nunca tive exatamente muito tempo em situação de rua, eu sempre fico alternando. Tudo começou porque eu morei muitos anos em um lugar, eu com a minha mãe e com o meu irmão e de repente eu tive que sair desta casa, pois ela foi vendida, (...) então eu acredito que ali eu perdi um pouco de referência sabe? Enfim eu acabei tendo problemas, eu não consegui trabalhar, eu acho que tive um principio de depressão" (Fábio).

"(...) É que eu perdi o serviço e não tinha como pagar o aluguel, então acabei entregando a casa para o dono, ele já era idoso então pensei que ele precisaria da casa para alugar para outra pessoa até porque não era justo eu ficar sem pagar. Então deixei tudo lá, as minhas coisas ficaram todas lá, televisão, videocassete, cama, guarda roupa, geladeira, fogão, tudo lá. Bicicleta de alumínio (...)" (Valter).

"É que o que eu tinha eu perdi, né? A minha casa eu perdi e por conta disso eu me aborreci, pois eu estava trabalhando, mas não tinha mais casa, então eu fui e pedi a conta na fazenda onde eu trabalhava e peguei e saí fora (...)" (Vilmar).

É possível perceber que existem aspectos específicos nas trajetórias de vida das pessoas em situação de rua, assim é necessário relativizar estas experiências para compreender a inserção das mesmas nas ruas. Estes resultados sugerem que as dificuldades socioeconômicas, os momentos de estresse, insegurança e frustração desencadeiam a condição de pessoa em situação de rua, sejam eles associados ao abuso de álcool e outras drogas ou não. A dificuldade de enfrentar alguns acontecimentos que surgem ao longo da vida, e que invariavelmente não são controlados, representou o ponto inicial para a inserção nas ruas. No exemplo a seguir, o participante relata dificuldades no trabalho, o que provocou o aumento do uso de álcool e drogas e posterior ingresso ao mundo das ruas:

"Ah, toda vida lá eu fui comerciante, eu tinha comércio, eu tive capital, cheguei a ter três carros na garagem, caminhão, carreta. Eu tinha de tudo e ai eu fui perdendo as coisas (...) Eu perdi várias coisas, tive que fazer acerto, vender as coisas para acertar as contas com funcionário, sabe? Então foi complicado para mim" (Agenor).

Outros participantes indicaram que o conflito familiar foi um fator que influenciou o ingresso nas ruas:

"Eu morava na minha casa que eu construí em um terreno que ainda estava no nome da minha mãe. Eu comecei a construí-la em 2007 ou 2006 (...) há cinco anos atrás eu já estava morando naquela casa com a minha vida estruturada e minha mãe começou a ter problemas, começou a agravar uma série de problemas. Foram uma série de coisas que foram acontecendo e minha vida entrou em parafuso. (...) Eu passei a ser morador de rua quando perdi a casa, e passei a procurar sustento emocional na bagunça, na putaria, na droga, na bebida, na estrada(...)" (Roberto).

"(...) Não sei se não foram os meus irmãos que fizeram sacanagem, acho que eles tinham ciúmes, pois a minha casa era a antiga casa da minha mãe, né? Mas eles tinham a casa deles, todos eles tinham, mas eles queriam aquela casa. Mas a minha mãe deixou a casa no meu nome, pois o resto dos meus irmãos já tinha casa. E teve um dia que eu saí e quando eu voltei a casa estava pegando fogo(...) Depois disso eu não queria mais nada daquele lugar" (Vilmar).

Sentidos e significados referentes à pessoa em situação de rua

Refletir sobre o sentido e significado que a pessoa atribui a sua experiência ao vivenciar a situação de rua remete a todas as situações experienciadas neste contexto, considerando que cada sujeito é único e suas vivências são singulares. Entre os doze participantes da pesquisa, sete se sentem insatisfeitos diante da condição atual em situação de rua, conforme os relatos abaixo:

"Eu me sinto muito mal, pra baixo. De dia nem tanto quando estou aqui no Pop, mas quando é noite e eu tenho que ir ao Vagão (guarda pertences) pegar as minhas cobertas para dormir é triste e muito difícil, uma situação constrangedora na verdade (...) você é humilhado pelas pessoas que tem dinheiro, elas passam perto de você com medo pensando que você vai roubar, entendeu?" (Sérgio).

"É terrível, não ter dinheiro, não ter onde morar. Comer ainda come aqui e come no albergue e é horrível, né?" (André).

"Quando você não tem condições de repente ter algo no momento que você precisa, tipo algo como ir ao banheiro, ter que se locomover até uma rodoviária, achar um lugar para você fazer a suas necessidades, quando você não tem mais direito de tomar banho, eu ainda tenho aqui (Centro Pop), sei lá, eu acho que é um pouco indigno. As pessoas te olham com ar de dó" (Evandro).

Destas sete pessoas que expressaram suas experiências como ruins, uma relatou sua vivência como pessoa em situação de rua de outro ângulo. Esta pessoa possuía conflitos com sua mãe e ao ingressar no mundo das ruas distanciou-se deste problema:

"Morar na rua é péssimo, você não tem uma casa, você não tem privacidade, você não tem nada. Não tem nem o que dizer. Mas assim, por incrível que pareça, psicologicamente, né? Eu comigo mesmo, eu me sinto mais em paz. Por incrível que pareça, mais do que eu estava com a minha mãe. Então, tem esses dois lados. Mas é obvio que ninguém quer morar na rua" (Fábio).

Já outro participante acredita que a pessoa em situação de rua está tão imersa no mundo das drogas que não consegue ao menos se questionar sobre como realmente se sente. Em sua indagação, destacou que somente nos poucos momentos de lucidez é que a pessoa percebe as dificuldades vivenciadas:

"Eu vou falar para você, a pessoa chega neste ponto por não estar vendo o que está acontecendo em volta dele, porque todo morador de rua se você for perguntar a história dele você vai ver que ele tem uma história bonita lá trás, sabe? (...) É uma coisa ruim que acompanha a pessoa, ele não sente que está diferente dos outros, para ele está tudo normal, quando ele acorda da bebida e quer se levantar é difícil por que ele está muito caído, geralmente ele está sujo, ele não tem onde tomar um banho, onde colocar um calçado (...)" (Agenor).

O participante Clóvis, usuário de crack, destacou que a rua também proporciona tudo que um usuário de drogas possa querer:

"(...) Você andar ali na sua não é ruim, não é bom se acostumar, pois volta e meia eu fico naquela ansiedade de não estar trabalhando só isso, mas pela questão de estar na rua eu não vou dizer que é ruim, porque não é, se não eu estarei mentindo. Como você escuta de muitos, não é ruim, pois muitos viciam naquilo ali porque na rua tem tudo, tudo o que você quiser tem, até droga tem, você nem precisa ir atrás de dinheiro que a droga vem até você (...)" (Clóvis).

A significação do que é viver nas ruas mostrou o sentido da falta de pertencimento na sociedade. A pessoa em situação de rua vivencia a questão da desigualdade social e da exclusão social:

"(...) Muitas vezes você se sente como indigente de estar morando na rua né, cara? Você não é reconhecido por ninguém, porque se você não trabalha, que valor você tem? (...)" (Clóvis).

"(...) Eu acho que ninguém gostaria de morar na rua. Tem que arrumar um serviço, alugar uma casinha, ter um endereço, entendeu? A pessoa nem endereço têm. Como você quer arrumar alguma coisa se você não tem endereço? (...)" (Valter).

"(...)se o cara da Igreja não trouxer marmita eu vou me ferrar" (...)é uma quebra da vaidade, né? Você tem que aprender a quebrar a vaidade (...)" (Roberto).

Mudanças de vida

As mudanças de vida decorrentes da situação de rua repercutem na dependência de outras pessoas e instituições. Os vínculos com a família estão fragilizados ou rompidos e a rua representa moradia transitória. Oito participantes relataram que obtiveram mudanças que geraram impacto em suas vidas, por exemplo:

"(...) Ué, para quem tem um capital, uma casa, geralmente as pessoas lhe procuram para bater um bom papo, um assunto. E na rua? A pessoa só te procura para tomar um gole com você, para te oferecer um gole, a não ser as instituições de caridade, o pessoal que passa a noite para te oferecer um alimento, trazendo uma coberta, um mantimento, alguma coisa, então muda tudo (...)" (Agenor).

"(...) Muda tudo né? Desde acordar de manhã e ter que tomar meu café mas eu tenho que ter meu dinheiro né? Se não tiver, já é uma mudança né?(...)". (Clóvis).

"(...) Ah, muda tudo né? Três meses atrás eu estava trabalhando na casa de um magnata em um condomínio fechado, você entendeu? Exercendo a profissão que eu sempre exerci e, de repente, do nada a minha coluna vai e pifa, e agora a noite eu vou ter que me sujeitar ter que sair da pensão lá (...)" (Evandro).

Verifica-se a exclusão social pelo fato de que os participantes se queixam da falta de autonomia e dependência, o que leva a necessidade de ajuda de instituições de caridade ou da Assistência Social para a sobrevivência. A falta de dinheiro e trabalho também são fatores que geram desconforto para alguns deles, pois são obrigados a se adequarem às regras e aos horários de instituições para adquirir alimentação, dormir e assim satisfazer as necessidades básicas.

O olhar da sociedade diante das pessoas em situação de rua

Existe uma ambivalência na visão das pessoas em situação de rua referente aos olhares da sociedade. Para elas, algumas pessoas compreendem, são empáticas e tentam ajudar de alguma forma, já outras são preconceituosas.

"(...) Por que a sociedade em si são aqueles que discriminam a gente, que não olha para a gente, que chuta e xinga, esses são os que a gente às vezes vemos como sociedade, mas a sociedade de verdade para mim são aquelas pessoas humanas. No meu modo de pensar, é muito mais fácil você ajudar aquela pessoa que está em situação de rua, você ajudar o seu próximo lá, do que você ver um seu lá, certo? (...)" (Agenor).

"(...) Alguns entendem, outros não. Alguns acham que a gente é vagabundo, morador de rua é um lixo, eu já ouvi eles falando isso ai, já ouvi falando isso na rua (...)." (Vilmar).

"(...) Eu não posso generalizar e dizer que todo mundo vai te marginalizar só pelo fato que você está na rua. Existem muitas pessoas de coração bom que de repente te ajudam, sabe? Eu tenho a mania de, quando eu não tenho dinheiro, eu vou e na gíria do popular eu peço dinheiro sim! (...)" (Evandro).

O enfrentamento da discriminação representa um desafio vivenciado no cotidiano, pois existe um imaginário da sociedade brasileira referente à marginalização. Além de serem pessoas em situação de rua, elas representam papéis sociais, por exemplo, pais de família, cônjuges. Gostariam de ser vistos como seres humanos e reconhecidos como tal, mas o que vivenciam na prática é uma realidade marcada pela discriminação em virtude dos estereótipos sociais.

Relações com familiares e amigos

Os participantes da pesquisa relataram que possuem pouco ou nenhum contato com seus familiares e amigos. Nove participantes não eram naturais da capital e não tinham familiares na região. Os nascidos na capital preferem manter distanciamento dos familiares sob a justificativa de que já provocaram sofrimento ou pela vergonha de pedir algum tipo de ajuda.

"Faz uns cinco meses que eu não falo com ninguém da minha família, pra mais. E eu só vou fazer contato quando eu começar a trabalhar, daí eu volto a conversar novamente, se não eu vou preocupá-los mais ainda, então eu prefiro não comentar." (Clóvis).

"Eu não tenho relação com os meus familiares e amigos hoje. Até por estar em uma cidade diferente né? Quando eu estava em São Paulo e eu ia para o albergue, algumas vezes eu passava na casa da minha mãe, que eu não podia morar, mas eu podia ir lá, visitá-la e ir vê-la. Olha, com os meus familiares eu não tenho uma relação muito boa, devido as drogas" (Sérgio).

Um dos desafios para uma pessoa em situação de rua é retomar os vínculos familiares e expor, perante à família, a razão de ter ficado naquela condição. É comum, infelizmente, que a pessoa prefira não querer explicar para a família os motivos de sua permanência nas ruas pelo fato de que possuem histórico de conflitos familiares. Com relação aos amigos, a discriminação vivenciada é presente nos relatos, assim como o comportamento de evitar certos constrangimentos:

"Meus amigos de infância que me viam ali, porque a gente sempre morou no mesmo bairro, na mesma comunidade ali. É aquela coisa, as pessoas meio que se afastam de você, né? É meio estranho de dizer, mas infelizmente é nítido, é uma constatação que eu tive que as pessoas realmente se afastam." (Fábio).

"(...) os amigos de antes do uso de drogas eu evitei contato e ainda evito, eles são meus amigos pelo Facebook e por telefone, mas pessoalmente eu evito, não que eles não me convidem, mas é que eles não sabem da minha atual condição, na intenção de me preservar e preservar eles também." (Luciano).

 

Discussão

Em relação à trajetória de vida e ao início da inserção no mundo das ruas, foram identificados aspectos referentes ao uso de álcool e drogas, conflito familiar, desemprego, depressão e falta de moradia. As causas que levam as pessoas à situação de rua foram divididas em estruturais e biográficas (Flores et al., 2015). Para os autores, as questões estruturais estão ligadas ao contexto econômico que o país enfrenta, à estrutura do mercado de trabalho e às legislações e políticas de proteção social nacionais criadas. Já as questões biográficas estão relacionadas à história de vida de cada indivíduo, às dificuldades familiares, laborais e de saúde, assim como ao uso abusivo de álcool e outras drogas. Tal constatação apresenta consonância, pois, nos relatos dos participantes, verificou-se que os aspectos estruturais e biográficos encontram-se inter-relacionados. Na produção científica, o uso de drogas e os conflitos familiares foram identificados nos relatos dos participantes das pesquisas (Alcântara et al., 2015; Flores et al. 2015, Matias, 2013; Rodrigues et al., 2018; Nobre e Barreira, 2018). Neste sentido, se faz necessário compreender os aspectos estruturais e biográficos mediante a análise das situações vivenciadas pelos homens em situação de rua, por exemplo, a análise de aspectos da situação familiar antes e depois da inserção nas ruas, o início do contato com álcool e drogas e os aspectos mantenedores, além das estratégias utilizadas para o enfrentamento do momento atual. O conjunto desta análise permite apresentar inferências para o desenvolvimento de projetos de apoio psicológico e social, e para fomentar ações governamentais de inclusão social.

O Ministério de Desenvolvimento Social identificou os motivos que levaram as pessoas em situação de rua a permanecerem naquelas condições: alcoolismo e/ou drogas, desemprego e conflitos familiares (Brasil, 2009b). Em relação ao alcoolismo, existe um julgamento e olhar negativo da sociedade para as pessoas em situação de rua que utilizam substâncias psicoativas (Moura-Júnior e Ximenes, 2016). Neste sentido, é necessário compreender a singularidade de cada indivíduo, pois assim será possível contextualizar as situações e aspectos da história de vida que foram preditores para o uso de álcool e drogas. Além disso, o consumo de álcool e drogas também é utilizado pelas mulheres em situação de rua, o que não diferencia da população masculina, mas numa análise que considera o aspecto gênero, as mulheres apresentam maior vulnerabilidade para a vivência de violência (Rosa e Brêtas, 2015; Roso e Santos, 2017).

A trajetória de vida das pessoas em situação de rua é representada por processos de desvinculações referentes aos contextos de trabalho, família e sociedade (Alcântara et al., 2015; Nobre e Pereira, 2018; Matias, 2013; Rodrigues et al., 2018). Segundo tais autores, as questões econômicas influenciam nestes processos, contudo existem outras fragilidades, tais como: afetivas, habitacional, discriminativa ou relacionadas à violência, que repercutem na ruptura dos vínculos interpessoais e comunitários. Estas desvinculações se mostraram presentes nos relatos dos participantes da presente pesquisa referentes à fragilização de vínculos familiares e sociais e à percepção de exclusão pelo fato de não ter moradia. Dificuldades para o estabelecimento de relações e o rompimento de vínculos familiares foram aspectos identificados numa pesquisa, pois as pessoas em situação de rua evitam o contato com familiares para que estes não visualizem a realidade social da pessoa que mora na rua (Cunha et al., 2017). A fragilização e o rompimento de vínculos familiares também são decorrentes do uso abusivo de álcool e drogas (Arruda et al., 2015). Em síntese, quando o uso de álcool provoca conflitos entre os membros da família, a pessoa procura as ruas e assim ocorre o agravamento da situação.

Em relação aos sentidos e significados referentes ao morar nas ruas, alguns pontos foram destacados: o preconceito e a falta de recursos financeiros, o que ocasiona sentimento de tristeza e a percepção de humilhação e exclusão social. Na pesquisa de Alcântara et al. (2015), os homens em situação de rua se percebiam na condição de miseráveis, excluídos e invisíveis perante a sociedade. Em outro estudo, Nobre e Barreira (2018) identificaram as ambiguidades nas narrativas referentes as cordialidades e os desafetos, as parcerias e as hostilidades, as caridades e as discriminações. É possível inferir que os sentidos e significados integram visões negativas que se configuram em processos de exclusão acerca de sua existência na sociedade, o que potencializa a sensação de abandono e de rupturas ao longo da vida.

Bachiller (2013) buscou compreender os significados de moradia para as pessoas que estavam em situação de rua em Madrid/Espanha. A moradia foi relacionada ao ambiente familiar antes de sua trajetória no mundo das ruas e o fato de recordar disso gerou sensação de vazio e saudade. Isto mostra a falta de pertencimento à moradia nas ruas, pois os mesmos percebem que moradia inclui vinculação familiar. Na presente pesquisa, os participantes relataram suas experiências com as famílias e isto possibilitou recordar memórias afetivas, relacionando-as com o momento atual. Assim, existe o desejo e a esperança de restabelecer os vínculos.

Em relação às mudanças de vida decorrentes da condição de situação de rua, a dependência dos outros, a vergonha e a perda do lar possibilitaram desenvolver reflexões sobre a situação atual. Segundo Hallais e Barros (2015), a transformação da rua em espaço de moradia representa o significado social e potencial da exclusão, algo que, infelizmente, tem se naturalizado na sociedade brasileira. Tais autores destacam que, atualmente, as mídias têm distorcido a realidade das pessoas em situação de rua, associando diretamente às cracolândias, atribuindo a esta população uma visibilidade negativa, o que negligencia as reais condições de vulnerabilidade social. Por consequência, na condição de rua, o indivíduo começa a refletir sobre as suas vivências e mudanças que refletem diretamente na falta de iniciativa para elaborar projetos de vida.

É também ao vivenciar as mudanças na vida relacionadas à situação de rua que o indivíduo percebe a perda de autonomia e consequente dependência de instituições ou outras pessoas. Ao experienciar a ausência de trabalho e moradia, os participantes deste estudo problematizaram a falta de atividade ou ocupação. Flores et al. (2015) apresentaram que as pessoas em situação de rua valorizam o ato de trabalhar pelo fato de que propicia reconhecimento social, mantém longe do uso de substâncias e possibilita a reconciliação dos vínculos familiares. Estes autores destacaram a importância dos centros de apoio oferecerem atividades a serem realizadas pelas pessoas em situação de rua, para que isto viabilize a organização de uma rotina diária e a satisfação das necessidades básicas. Felizmente, verificou-se, nesta pesquisa, que o apoio social proveniente do CentroPop e de outras instituições possibilita enfrentar os desafios vivenciados no cotidiano.

Com relação ao olhar da sociedade diante das pessoas em situação de rua, esta pesquisa identificou as vivências de discriminação, o que simboliza a exclusão social por considerar que não se percebem respeitados pela sociedade mediante o estigma atribuído pelo outro. Ou seja, aquele que não conhece a história de vida da pessoa em situação de rua apresenta julgamentos negativos, mas por outro lado, existem pessoas que disponibilizam apoio. As distintas formas de violências e humilhações são experienciadas pelas pessoas em situação de rua, o que repercute na opressão social (Moura-Júnior et al., 2013), de tal maneira que a dependência química e a falta de apoio social repercutem na saúde integral da pessoa em situação de rua (Watson et al., 2016). Assim, é necessário compreender as experiências vivenciadas nas ruas para desenvolver ações intersetoriais, buscando o reconhecimento destes indivíduos nos espaços sociais.

A respeito das relações com familiares e amigos, foram destacados os aspectos da inexistência de contatos com familiares e poucos amigos e/ou colegas. A Política Nacional de Inclusão para Pessoas em Situação de Rua (Brasil, 2009a) destaca que a existência de conflitos familiares seria uma das razões para a permanência das pessoas em situação de rua. Estudos qualitativos destacaram que os homens em situação de rua apresentavam histórico de traumas na infância e negligência (Woodhall-Melnik et al., 2018) e violência familiar (Flores et al., 2015). Assim, é necessário considerar a história de vida no contexto familiar e a dinâmica relacional para compreender aspectos das relações familiares que foram preditores para o início da inserção nas ruas, pelo fato de que estudos indicaram que os conflitos familiares representaram os motivos para a permanência dos homens em situação de rua (Flores et al., 2015; Matias, 2013; Nobre e Barreira, 2018; Rodrigues et al., 2018), especificamente conflitos familiares relacionados ao uso de drogas (Nobre e Barreira, 2018). Assim, a rua se configura num espaço de lutas e lutos, de enfrentamentos de vulnerabilidade social, de construção de novas identidades e vínculos sociais. A pessoa em situação de rua irá buscar apoio nos centros especializados e desenvolverá estratégias alternativas para conseguir alimentação, um lugar para dormir e se proteger da violência urbana. Por outro lado, quando se perceber fragilizada, não terá o apoio da família. Assim, buscará figuras substitutivas ou vivenciará a solidão, aspectos que repercutem em alterações emocionais.

O presente estudo apresenta consonância com outras pesquisas (Barata et al., 2015; Cunha et al., 2017; Kunz et al., 2014), pelo fato de que as investigações indicaram a ausência de relações familiares das pessoas em situação de rua. Violência familiar e uso de drogas representam os fatores que contribuem para o surgimento de conflitos familiares, e ao longo do tempo, ocorre a ruptura das relações. Isto representa o principal desafio para a reinserção no ambiente familiar, pois o resgate dos vínculos é o objetivo central dos atendimentos oferecidos pelos equipamentos públicos da assistência social, mas é necessária a articulação por meio de ações comunitárias e intersetoriais para promover a reinserção familiar e social. Naqueles casos em que a reinserção familiar não será efetivada em virtude de sucessivos conflitos, é necessária uma ação conjunta para que a pessoa em situação de rua construa um projeto de vida, inicie a inserção no mercado de trabalho e desenvolva a emancipação.

 

Considerações finais

Nesta pesquisa, foi possível compreender as vivências de homens em situação de rua, assim, se faz necessária a criação de estratégias que possibilitem a reaproximação aos seus núcleos sociais e familiares para promover o resgate da autonomia. Os resultados possibilitam auxiliar os profissionais que atuam nas políticas sociais, proporcionando o acesso a um material para o desenvolvimento de práticas humanizadoras. A amostra foi constituída por homens, assim recomenda-se que outras pesquisas investiguem a vivência de famílias em situação de rua. No que se refere às limitações desta pesquisa, é possível destacar as especificidades do contexto, pois o ambiente institucional do centro de apoio para pessoas em situação de rua pode representar um espaço gerador de resistências para o participante relatar aspectos de sua vida. Desta forma, é necessária a preparação do ambiente e do pesquisador para que a produção de dados ocorra de maneira empática com acolhimento e fluidez.

Recomenda-se que os resultados desta pesquisa auxiliem a empatia, o respeito e o cumprimento das orientações das políticas públicas por parte dos profissionais que atuam nos equipamentos públicos. Por outro lado, é possível sugerir o desenvolvimento de ações comunitárias, por exemplo, grupos de promoção da saúde para pessoas em situação de rua, coordenados por uma equipe multiprofissional, numa perspectiva interdisciplinar; programas de formação técnica para inserção no mercado de trabalho; e intervenções em grupo nos centros de referência da assistência social, o que possibilita realizar um trabalho integrado, para fins de promover inserção social e cidadania.

 

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Recebido em: 10.10.2018
Aceito em: 23.05.2019

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