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Contextos Clínicos
versão impressa ISSN 1983-3482
Contextos Clínic vol.14 no.1 São Leopoldo jan./abr. 2021
ARTIGOS
Relação entre ansiedade social infantil e o uso de controle coercitivo por pais e/ou cuidadores
Relationship between child social anxiety and the use of coercive control by parents and/or caregivers
Maria Adelaide Reis; Ilana Landim
Centro Universitário Christus
RESUMO
Os modelos de parentalidade podem contribuir para a reprodução de padrões comportamentais adaptativos ou desadaptativos pelas crianças. Podem estar incluídas nesta última categoria condutas do tipo internalizante, as quais envolvem o transtorno de ansiedade social infantil. Este estudo pautou-se no embasamento teórico analítico-comportamental e objetivou identificar possíveis relações entre o uso do controle coercitivo por pais e/ou cuidadores e a ansiedade social na infância. Participaram da amostra 52 pais e/ou cuidadores de crianças com idades entre 8 e 12 anos (M=9,3; DP=1,7) sendo 53,8% (n=28) crianças do sexo feminino e 46,2% (n=24) do sexo masculino e seus respectivos responsáveis (M=38; DP=5,9). Foi solicitado aos responsáveis que respondessem no Google Forms um questionário sociodemográfico, a Escala Multidimensional de Ansiedade para crianças (MASC) e a Escala de Práticas Parentais (EPP). Os dados foram tabulados e analisados por meio de análises descritivas e correlacionais. Embora a maior parte dos respondentes não relatasse nenhum diagnóstico de ansiedade, afirmaram que seus comportamentos ansiosos influenciavam nas condutas dos filhos. Observou-se que crianças inseridas em contextos familiares que precarizam o apoio emocional, o incentivo à autonomia e a supervisão de comportamento e enfatizam o uso do controle coercitivo, tendem a manifestar maiores níveis de ansiedade social.
Palavras-chave: estilos parentais; controle coercitivo; ansiedade social infantil.
ABSTRACT
Parenting models can contribute to a reproduction of adaptive or maladaptive behavioral patterns by children. They may be included in this last category internalizing behaviors, which involve child social anxiety disorder. This study was based on the analytical-behavioral theoretical basis and aimed to identify possible relationships between the use of coercive control by parents and/or caregivers and social anxiety in childhood. Fifty-two parents and/or caregivers of children aged between 8 and 12 (M=9.3; SD=1.7) participated in the sample, 53.8% (n=28) were female children and 46.2% (n=24) were male and their respective guardians (M=38; SD=5.9). Guardians were asked to answer the survey available in Google Forms a sociodemographic questionnaire, the Multidimensional Anxiety Scale for Children (MASC) and the Parental Practices Scale (EPP). The data were tabulated and analyzed using descriptive and correlational analyses. Although most respondents did not have any diagnosis of anxiety, they reported anxious behaviors influencing the behavior of their children. It was observed that children inserted in family contexts that precarize the emotional support, the incentive to autonomy and the supervision of behavior and emphasize the use of coercive control, tend to manifest higher levels of social anxiety.
Keywords: parental styles; coercive control; childhood social anxiety.
Introdução
Habilidades e expertises aceitáveis e/ou desejadas são esperadas culturalmente, quer seja do ponto de vista individual, quer seja ocupacional, uma vez que são frutos de exigências sociais e são vistas como fundamentais para o crescimento social e emocional de crianças (Gavasso, Fernandes, & Andrade, 2016). Tornam-se importantes para a adaptação de crianças no meio em que estão inseridas, no sentido de que as conduzem a desenvolver competência social, levando-as a compreender adequadamente o meio. Além disso, possibilitam uma decodificação saudável de comportamentos aprovados e eficazes para o indivíduo e o seu diálogo com o ambiente (Falcão & Bolsoni-Silva, 2016).
Nesse mesmo período em que a criança é incitada a desenvolver habilidades, pode envolver-se em ambientes marcados por disciplina coercitiva, discutida pela análise do comportamento, teoria de base do presente estudo. A fim de educá-la como sujeito regido de bons modos e futuro cidadão seguidor de regras, comporta-se de maneira rígida para atender às expectativas sociais (Sidman, 2009). Essas relações são permeadas pelo ato de punir ou ameaçar a criança, seja por meio físico ou verbal, devido à emissão ou à reprodução de comportamentos indesejáveis e não valorizados no seu ambiente familiar e social (Santos & Leite, 2013).
Entende-se, nesse sentido, que o controle coercitivo ou punitivo pode ser realizado por figuras parentais. Isso acontece porque a família atua como ambiente direto para que a criança se comporte, liberando consequências específicas após a emissão de determinadas respostas (Sidman, 2009). Práticas educativas parentais podem ser vistas como a "união de condutas as quais são estabelecidas por temáticas particulares a cada indivíduo, seja pai e/ou cuidador, e que tem por intuito sanar a manifestação de possíveis comportamentos percebidos como impróprios ou encorajar a frequência de comportamentos aceitáveis" (Böing & Crepaldi, 2016).
As discussões sobre práticas parentais e o manejo do controle coercitivo envolvem pais vistos como autoritários, revelando, por um lado, padrões restritivos com relação ao estabelecimento de vínculo afetivo e, por outro, níveis excessivos de domínio e privações (Cardoso & Veríssimo, 2013). Para essas autoras, ainda, os pais podem utilizar-se de manipulação psicológica rigorosa, estimulando menos a autonomia da criança e diminuindo chances de trocas dialógicas e de afeto entre crianças e adultos.
As práticas parentais podem influenciar o desenvolvimento de indivíduos, na medida em que crianças, sob o efeito do uso de determinados estilos parentais, inclinam-se a apresentar padrões limitados com relação à percepção de si mesmo, além de manifestarem condutas cujo estilo se apresenta apreensivo, incerto, desafiador/violento (Cardoso & Veríssimo, 2013). Podem se revelar socialmente retraídas, com dificuldade no manejo emocional, demonstrando comportamentos pautados na externalização e marginalidade e menores níveis de competências sociais (Cardoso & Veríssimo, 2013; Patias, Siqueira & Dias, 2012). Além disso, há também a prevalência no período infantil do que se denomina como ansiedade social infantil (Martins, Almeida & Viana, 2014; Santos & Pires, 2016).
A ansiedade social infantil pode ser manifestada por meio da exibição de comportamentos referentes a temores intensivos e recorrentes com relação a um ou mais eventos sociais ou de funcionamento (Muller, Trentini, Zanini, & Lopes, 2015). Além disso, as crianças receiam ser e/ou estar sendo observadas por outras pessoas, apresentando a sensação de estarem passíveis a humilhações e ridicularizações em determinados ambientes sociais. Em virtude dessas crianças assumirem comumente uma posição a qual lhes exige estar sempre e repetidamente atenta, Muller et al. (2015) também apontam que características envolvendo rigidez e apreensão, além de impasses, quando se trata de comunicação verbal coesa, fazem-se presentes e prejudicam o andamento social delas.
A literatura aponta prejuízos fundamentais influenciados pela ansiedade social no âmbito escolar e relacional da criança e, quando adolescentes, ocupacional (Martins, Almeida, & Viana, 2014; Santos & Pires, 2016). Crianças que denotam níveis acentuados de sintomatologia ansiosa podem ter contato social reduzido, levando-as a se sentirem desoladas e menosprezadas. Os impactos podem se prolongar até a adolescência (Muller et al., 2015).
Entende-se que a ansiedade social pode induzir o sujeito, em situações específicas que requerem o manejo de determinadas habilidades, a manifestar temor quanto a se comunicar e/ou se mostrar em meio público ou, até mesmo, vir a exprimir pavores relacionados a variados eventos/contextos sociais (Santos & Pires, 2016). Ainda de acordo com tais autores, a presença de sintomas ansiosos sociais pode ser um indicativo de possíveis interferências nas dimensões sociais, afetivas e, futuramente, laborais.
Considerando isso, este estudo tem como objetivo identificar possíveis relações entre o uso do controle coercitivo por pais e/ou cuidadores e a ansiedade social na infância. Mais especificamente, ele objetiva (1) avaliar os níveis de ansiedade social infantil, na percepção dos pais e/ou cuidadores, e as práticas parentais que esses utilizam, (2) observar quais tipos de práticas parentais estão relacionadas à ansiedade social infantil e (3) identificar as relações entre práticas parentais que utilizam controle coercitivo, ansiedade social infantil e gênero.
Método
Participantes
Participaram do presente estudo 52 pais e/ou cuidadores de 28 crianças do sexo feminino (53,8%) e 24 do sexo masculino (46,2%), com idades entre oito e 12 anos (M=9,3; DP=1,7). Os principais critérios de inclusão da amostra foram: 1) os filhos dos participantes estarem matriculados e/ou frequentarem a escola, 2) incluídos na faixa etária entre oito e 12 anos e 3) os pais responderem aos instrumentos dispostos na pesquisa.
Instrumentos
Questionário sociodemográfico: objetiva verificar fatores sociais, familiares, econômicos, biológicos, entre outros, os quais possam estar associados à manifestação da ansiedade social nas crianças.
Escala de Práticas Parentais - EPP (Lamborn et al., 1991; adaptado por Costa, Teixeira e Gomes, 2000): originalmente, esse instrumento objetiva avaliar as respostas dos adolescentes com relação às práticas parentais utilizadas por seus pais e/ou cuidadores. No entanto, para a utilização da escala no presente estudo, foi necessário que as autoras da pesquisa a adaptassem para o público-alvo participante: pais e/ou cuidadores. Apresenta, em seu estudo de adaptação e validação para o contexto brasileiro, nível satisfatório de confiabilidade e concordância referente a α = 0,80 de coeficiente de Alpha de Cronbach. É composta por seis dimensões: apoio emocional, controle punitivo, incentivo à autonomia, supervisão de comportamento, intrusividade e cobrança de responsabilidade. O escore global é calculado a partir da pontuação de cada resposta, a qual varia entre 0 - Nunca é verdade; 1 - Somente às vezes é verdade; 2 - Na maior parte das vezes é verdade; e 3 - Frequentemente é verdade. A análise de consistência interna deste instrumento para a amostra da pesquisa revelou nível de confiabilidade com alfa variando entre α = 0,65 a 0,90.
Escala Multidimensional de Ansiedade para Crianças - MASC (March et al., 1997; adaptado por Nunes, 2004 e Vianna, 2008): objetiva avaliar os fenômenos sintomatológicos ansiosos no público infantil e adolescente. Esse instrumento foi respondido pelos pais e/ou cuidadores participantes do estudo, com o intuito de avaliar o comportamento dos filhos. É composta por 39 itens dispostos em uma escala do tipo
Likert que varia de 0 a 3, em que as opções de respostas variam de 0 - Nunca é verdade; 1 - Somente às vezes é verdade; 2 - Na maior parte das vezes é verdade; e 3 - Frequentemente é verdade. A análise de consistência interna deste instrumento para a amostra da pesquisa revelou nível de confiabilidade tanto para a população geral com alfa referente a α = 0,83 quanto para a população clínica α = 0,87.
Procedimentos
Esta pesquisa está pautada nos requisitos apontados pela Resolução n. 510/2016 (CNS, 2016) e foi aprovada pela Comissão de Ética em Pesquisa do Centro Universitário Christus (UNICHRISTUS) (CAAE 30550320.8.0000.5049). A coleta foi realizada on-line, por meio do aplicativo Google Formulário, divulgada em redes sociais (Facebook, Instagram) e direcionada aos pais e/ou cuidadores de crianças. O período de coleta contemplou os meses de maio a julho de 2020. Ao acessar o questionário, os pais e/ou cuidadores participantes do estudo respondiam ao Termo de Compromisso Livre e Esclarecido (TCLE), seguido pelo questionário sociodemográfico e as escalas MASC e EPP.
Os dados foram tabulados por meio do software estatístico SPSS (Statistical Package for the Social Sciences). Em seguida, foi avaliada a ocorrência de relações entre estilos educativos parentais e níveis de ansiedade social na infância por meio de análises descritivas (média, desvio-padrão, frequência e percentual) e correlacionais entre as escalas MASC e EPP. A análise de correlação entre as escalas MASC e EPP foi realizada por meio do coeficiente de correlação de Spearman.
Resultados
Caracterização da amostra
A Tabela 1 revelou uma amostra não probabilística de 52 participantes, sendo esses pais e/ou cuidadores. A maioria dos participantes correspondeu ao sexo feminino (78,4%, n=40), com nível de escolaridade referente à pós-graduação completa (45,1%, n=23) e, declarando como principal responsável por responder à pesquisa, a mãe (78,4%, n=40). A maioria dos participantes possui estado civil casada (88,2%, n=45) e carga horária ocupacional maior ou igual a oito horas por dia (47,1%, n=24).
Ansiedade social infantil e estilos parentais
Com base nos achados do estudo, tem-se que 62,7% (n=32) dos pais e/ou cuidadores afirmaram não possuir diagnóstico de ansiedade e 25,5% (n=13) não possuir nenhum diagnóstico. Além disso, apenas 3,9% (n=2) revelaram possuir diagnóstico de ansiedade.
Ao se tratar da prevalência de ansiedade social nas crianças, a pesquisa obteve como escore médio da escala MASC o valor referente a 56,7. Os dados do estudo de Vianna (2008) apontaram como ponto de corte para essa escala o valor concernente à 56. Nesse sentido, 50,9% (n=28) dos pais e/ou cuidadores atribuíram pontuações acima do ponto de corte do instrumento para seus filhos, representando níveis indicativos de ansiedade social infantil.
Buscou-se também avaliar o modelo de educação parental que os pais e/ou cuidadores participantes obtiveram em sua infância com base na análise autocrítica dos mesmos sobre tais modelos. Os resultados apontaram que 60,8% (n=31) tiveram um 'estilo participativo', seguido por 17,6% (n=9) 'estilo autoritário', 17,6% (n=9) 'estilo negligente' e, por fim, uma pontuação de 3,9% (n=2) para o 'estilo permissivo'.
A partir das informações apresentadas anteriormente, a Tabela 2 revela as práticas parentais mais utilizadas pelos pais e/ou cuidadores da amostra, assim como explicita os fatores com maiores escores médios. A avaliação dessas práticas foi realizada por meio dos seguintes fatores: controle punitivo; supervisão do comportamento; cobrança de responsabilidade; intrusividade; apoio emocional e estímulo à autonomia. Os resultados demonstraram que os maiores índices de práticas parentais estão relacionados ao incentivo à autonomia. Entretanto, isso pode ser posto em discussão na medida em que os índices percentuais de pais e/ou cuidadores de ambos os sexos apontaram também para elevados níveis de controle punitivo.
A Tabela 3 apresenta os resultados das correlações entre as escalas MASC e EPP. A força da correlação discutida foi classificada como: fraca (valores de r entre 0,10 e 0,29), moderada (valores de r entre 0,30 e 0,49) e forte (valores de r entre 0,50 e 1) (Cohen, 1988). Tal parâmetro será utilizado nas análises apresentadas.
Os resultados apontaram para uma correlação significativa e negativa moderada entre manifestação de sintomas físicos ansiosos e as categorias apoio emocional e em relação ao incentivo à autonomia e supervisão de comportamento. Isso permite observar que crianças com sintomatologia ansiosa podem estar relacionadas ao baixo nível de apoio emocional, ausência de incentivo à autonomia e supervisão de comportamento oferecido pela família.
Quanto à ansiedade manifestada por pais e/ou cuidadores, os dados indicaram dificuldades envolvendo falar em público ou pedir algo a alguém ('bastante' [5,9%, n=3] e 'extremamente' [5,9%, n=3]). Os pais/cuidadores também afirmaram que seus comportamentos apresentavam ('bastante' [52,9%, n=27] e 'extremamente' [9,8%, n=5]) influência nos padrões comportamentais ansiosos dos filhos. Logo, aponta-se para uma relação moderada significativa e negativa entre a ansiedade sentida e manifestada pelos pais e/ou cuidadores em situações sociais e a manifestação dessas mesmas condutas ansiosas por parte dos filhos (r= 0,397; p<0,001).
Em relação à categoria evitamento do perigo, houve uma correlação fraca negativamente significativa com a dimensão controle punitivo. Isso indica que, na visão dos pais e/ou cuidadores, quando as crianças são submetidas a um alto controle punitivo, podem ter menos chances de evitar o perigo e vice-versa.
Apresentou-se uma correlação fraca positiva e significativa entre a categoria ansiedade social e a dimensão intrusividade. Os dados apontam que as crianças cujos pais/cuidadores apresentam elevados níveis de controle e intromissão podem vir a manifestar ansiedade social com maior frequência.
Com base na categoria evitamento de perigo em relação à ansiedade social, apresentou-se uma correlação forte positivamente significativa entre ansiedade social e crianças do sexo feminino (r=0,508; p<0,001). Isso implica a observação de que, na visão dos pais, as meninas podem manifestar, de maneira mais frequente e acentuada, comportamentos de evitação diante de situações aversivas em comparação aos meninos.
Discussão
Sintomas de ansiedade social e práticas parentais
Em relação aos resultados observados na categoria sintomas físicos e sua relação com apoio emocional, incentivo à autonomia e supervisão de comportamento, os dados da literatura e deste estudo apontaram que ambientes familiares acolhedores e alicerçados na promoção de apoio emocional podem diminuir níveis de ansiedade social. Tais famílias buscam suprir as reais necessidades básicas das crianças, ajudando as crianças a se moldarem emocionalmente às situações novas (Leusin, Petrucci, & Borsa, 2018).
Estudo realizado por Teixeira e Alvarenga (2016) atentou para a necessidade de levar em consideração a função de um apoio adequado como possível agente protetivo contra a gênese do transtorno de ansiedade social. Um apoio adequado diz respeito à união de condutas parentais com a finalidade de melhorar a regulação emocional dos infantes de forma condizente com a faixa etária da criança e seu ambiente.
Os achados da presente amostra se articulam com este estudo na medida em que as práticas utilizadas por pais e/ou cuidadores no meio familiar revelam estar interligadas com a gênese de sintomatologias ansiosas. Diante disso, percebe-se que os vínculos estabelecidos no ambiente familiar vêm sendo identificados como cruciais para um crescimento saudável do infante sob o progresso infantil (Cardoso & Veríssimo, 2013). Compreende-se, portanto, que, além dos aspectos particulares a cada indivíduo, tem-se que os vínculos estabelecidos no meio familiar podem operar crucialmente como agentes protetivos ou de risco para o crescimento saudável ou não da criança (Leusin, Petrucci, & Borsa, 2018).
Em conformidade a tais achados, o estudo realizado por Leusin, Petrucci e Borsa (2018) revelou que a categoria apoio, especificamente relacionada ao contexto familiar, apresentou correlação elevada com o fator de queixas somáticas e dificuldade de atenção.
Desse modo, os resultados do presente estudo podem ter aproximações, ao suscitar a importância do papel parental relacionado ao apoio emocional das crianças.
A presença de uma correlação entre sintomas físicos ansiosos (e.g., taquicardia, sudorese, tremores, entre outros) e dimensão de práticas parentais permite inferir que, quanto menor suporte emocional a criança recebe, pode ser maior a probabilidade de ela apresentar comprometimentos em nível escolar, social e, futuramente, laboral. Isso pode ser justificado na medida em que o aumento da ansiedade social interfere no desenvolvimento de novos vínculos e repertórios habilidosos, influenciando que a criança possa apresentar dificuldades relacionais (Martins, Almeida, & Viana, 2014).
Com base na categoria supervisão de comportamento, os resultados apontaram para uma ausência de monitoramento, o que indica que as crianças podem vir a manifestar sintomas físicos ansiosos por não terem conhecimento dos efeitos de suas ações. Nesse sentido, esta pesquisa consente com os dados da literatura ao indicar que a redução dos níveis de domínio sobre os comportamentos infantis não oferece um direcionamento satisfatório para a aquisição de repertórios ancorados na regulação de suas condutas (Ramos, 2015).
Observou-se que a maior parte dos respondentes relatou haver associações entre seus comportamentos, sejam ansiosos ou não, com os de seus filhos. Com base nisso, a literatura aponta para a necessidade de se atentar à função de pais e/ou cuidadores na modelação comportamental dos filhos (Freitas, 2019).
Modelação diz respeito à aprendizagem observacional a qual acontece por imitação de parâmetros comportamentais fornecidos por figuras de convívio das crianças (e.g., pais, cuidadores, avós, tios, entre outros). As crianças observam os indivíduos comportando-se e recebendo consequências específicas (reforço, punição, entre outros) e procuram imitar seus comportamentos em prol de receber consequências semelhantes (Sabbag, 2017).
No caso da ansiedade social, uma pesquisa experimental realizada por Burstein e Ginsburg (2010), com crianças cuja faixa etária se assemelha a da presente amostra (entre oito e 12 anos) e sem a presença de diagnóstico de ansiedade, revelou que figuras parentais treinadas para demonstrar condutas e percepções ansiosas a respeito da atividade solicitada na pesquisa (teste ortográfico) a ser realizada por seus filhos contribuíram para que as crianças exibissem também sintomas ansiogênicos. Logo, à medida que essas crianças percebiam os comportamentos ansiogênicos dos pais (observação, julgamento, entre outros), pareciam reproduzir comportamentos semelhantes em face da atividade escolar (Costa, 2018).
Desse modo, infere-se que a reprodução similar de determinados comportamentos observados se apresenta como crucial para o desenvolvimento do sujeito, visto que o processo de aprendizagem observacional pode impulsionar a aquisição de novos repertórios comportamentais os quais possam vir a serem utilizados em diversas situações (Miranda, 2013). Além disso, a autora ainda aponta que a união de várias contingências possibilita ao infante adquirir padrões comportamentais imitatórios, generalizando para outras eventualidades.
Observa-se, então, que o procedimento da modelação se apresenta como agente favorável para a conquista de habilidades emocionais autorregulatórias a qual se inicia desde períodos anteriores do desenvolvimento (Freitas, 2019). No caso deste estudo, levanta-se a possibilidade de que os comportamentos de ansiedade social possam ter sido modelados, observando pais e/ou cuidadores comportando-se de maneira ansiosa.
Embora tais achados não se aproximem aos resultados da presente amostra, uma vez que 62,7% (n=32) dos respondentes relataram não apresentar quaisquer diagnósticos de ansiedade, percebe-se que as crianças demonstraram presença de níveis de ansiedade médio e altos quando expostas a situações sociais (30,2%, n=32). Nesse sentido, a ansiedade parental não deve ser considerada o único fator para a manifestação de uma sintomatologia ansiosa.
A literatura aponta, ainda, que genitores que apresentam ansiedade tendem a revelar modelos com ausência de transmissão de segurança e com maiores níveis de restritividade e proteção exacerbada com relação a seus filhos (Rita, 2018). Em concordância com os dados da literatura, os resultados do presente estudo indicaram que o baixo incentivo à autonomia e a supervisão de comportamento podem indicar um maior nível de dependência da criança.
Além disso, quanto menos houver supervisão do comportamento da criança por parte dos pais e/ou cuidadores, auxiliando-a no manejo das situações, menor pode vir a ser a capacidade de resolução de seus problemas. Reforça-se a ideia de incapacidade, ausência de segurança e de proteção para enfrentar eventos desafiadores (Costa, 2018).
Evitamento do perigo, uso de controle coercitivo e ansiedade social infantil
Os resultados do presente estudo revelam que, na visão dos cuidadores, quando as crianças são submetidas a um alto controle punitivo, podem ter menos chances de evitar o perigo e vice-versa. Os dados da literatura revelam que pais e/ou cuidadores, quando na ausência de apoio emocional (e maior controle punitivo) e no excesso de cuidado para com seus filhos, podem restringir a capacidade de autonomia e, portanto, o enfrentamento do perigo da criança (Costa, 2018).
O controle coercitivo, no caso empregado por pais e/ou cuidadores, apresenta como componente principal a coerção, compreendendo o ato de punir ou ameaçar punir o indivíduo, seja por meio físico e/ou verbal, devido à emissão ou à reprodução de comportamentos indesejáveis e não valorizados pelo ambiente familiar, escolar ou social (Sidman, 2009). Na linguagem do senso comum, coagir alguém a executar algo significa intimidá-lo a realizar aquilo que se mostra ao contrário de sua vontade genuína. Segundo a ótica analítico-comportamental, as condutas do sujeito, assim como suas consequências, são regidas por dois processos de controle: reforço e punição (Sidman, 2009).
O reforço positivo diz respeito ao fortalecimento das respostas oriundas das ações do indivíduo por meio da adição de um estímulo reforçador, enquanto o reforço negativo refere-se à remoção de um estímulo aversivo (Santos & Leite, 2013). A punição remete ao acréscimo de estimulação aversiva (punição positiva) e/ou a retirada de estimulação reforçadora (punição negativa). O reforçador negativo e a punição têm aproximação de estimulação aversiva, de maneira que, quando são utilizadas enquanto consequências de respostas, apontam para o uso de controle coercitivo (Martins, Neto, & Mayer, 2013).
Os dados do estudo inferem a presença de controle coercitivo quando a maior parte dos respondentes revelou investir em punição negativa, na medida em que 41,2% (n=21) apontaram aplicar castigo 'na maior parte das vezes', e 19,6% (n=10) relataram que 'frequentemente é verdade' o uso de castigo para com os filhos quando estes não agem conforme as expectativas dos pais. O castigo, na medida em que trata de uma retirada de estímulo reforçador, como brinquedo, lazer, eletrônicos, entre outros, é considerado uma punição negativa.
Identificou-se a presença de controle coercitivo no elevado padrão de cobranças e exigências dos pais e/ou cuidadores em relação a seus filhos, em que 33,3% (n=17) e 45,1% (n=23) desses pais e/ou cuidadores revelaram 'exigir que os filhos se saiam bem na escola'. Além disso, 49% (n=25) e 25,5% (n=13) revelaram exigir de seus filhos que 'correspondam às suas expectativas'. Os dados da literatura denunciam que ações parentais intimidadoras remetem à possível adição de estímulo aversivo (punição positiva) (Ramos, 2015).
Além disso, o caráter evitativo da criança com ansiedade social diante de eventos aversivos pode advir de estilos parentais pautados no autoritarismo, os quais se utilizam de práticas controladoras e coercitivas (e.g., intromissão, opressão e atitudes dominantes) (Ferreira, 2019). Quando as crianças se comportam a fim de evitar entrar em contato com estimulação aversiva, podem ter suas respostas mantidas por reforçamento negativo (retirada de estimulação aversiva), referindo-se ao emprego de controle aversivo.
Em consonância, a literatura aponta que o emprego de práticas punitivas se apresenta como evocativo de comportamentos de fuga e esquiva, uma vez que, ao ameaçar a criança, esta entende que algo de aversivo pode vir a ocorrer. Pode acarretar medo, inclusive, daquele que verbaliza a suposta punição (e.g., pais, tios, avós, entre outros) (Sidman, 2009).
Tais comportamentos de esquiva (evitamento) são característicos também de crianças com perfis inibidos e podem ser percebidos em repertórios comportamentais marcados pelo pavor em estabelecer qualquer tipo de contato com outras pessoas, além da exposição em eventos desconhecidos (Ramos, 2015). Assim, a autora identifica que condutas inibitórias são também preditoras para a manifestação de transtorno de ansiedade em crianças.
A interpretação dos resultados dessa amostra infere que, quanto maior o uso de controle coercitivo por pais e/ou cuidadores, menores podem ser as chances de enfrentamento da criança e maiores serão os níveis de ansiedade dela. E, quanto menor o uso de ações dominadoras, maiores são as oportunidades de autonomia e resolução de problemas diante de situações aversivas, resultando em administração de níveis de sintomas ansiosos.
Práticas parentais intrusivas e ansiedade social infantil
Conforme já discutido anteriormente, atribui-se às figuras de apoio à função direta e primordial sobre o crescimento adaptativo ou não da criança (Ramos, 2015). Os dados da presente amostra, com base na relação entre ansiedade social e intrusividade, apontaram que filhos de pais que exercem elevado controle podem vir a manifestar condutas ansiosas.
Isto se assemelha com os dados da literatura, como no estudo de Affrunti e Ginsburg (2012), o qual confirma que o uso de práticas parentais que se utilizam de controle psicológico ou comportamental associa-se positivamente à presença de comportamentos ansiosos (Ramos, 2015).
A categoria intrusividade denota aspectos que apontam para um excesso de proteção/controle parental. Pode ser definido como um elevado grau protetivo, que poderá advir de genitores de sexo masculino e feminino e que compromete a aquisição de habilidades sociais importantes para o desenvolvimento infantil (Pereira, Barros, & Beato, 2013). Os dados da literatura conversam com os achados desse estudo, ao afirmarem que o cuidado exacerbado, associado ao controle psicológico parental manifesta-se por comportamentos de dominação, intrusão e evitativos de condutas autônomas infantis.
Logo, infere-se, por meio dos resultados, que, quanto maior for o uso de práticas intrusivas/superprotetoras, pode ser maior a manifestação dos sintomas físicos ansiosos. A baixa possibilidade de exploração do meio no qual se encontram inseridas, devido ao caráter controlador das figuras parentais, pode implicar na redução de chances da criança construir estratégias adaptativas para o manejo frente a eventos inesperados (Brandão, 2019).
A literatura infere que a ansiedade social infantil se encontra interligada aos modelos de parentalidade que se utilizam de práticas manipuladoras e/ou que apresentam ausência de responsividade (Costa, 2018). A pesquisa realizada por Nunes, Faraco, Vieira e Rubin (2013), em consonância aos achados da presente pesquisa, identificou que a baixa gerência de condutas apresentadas pelas crianças se mostrou promotora de comportamentos ansiosos e depressivos. Isso porque o não engajamento dos pais nas ações de filhos transmitiu uma noção de rejeição para com eles (Nunes, Faraco, Vieira, Lisboa, & Rubin, 2016). Em contrapartida, a literatura aponta que responsáveis cujas crianças são estimuladas à autonomia, como a encarar possíveis eventualidades temidas, possuem filhos ativos e com menor probabilidade de manifestação futura ansiosa (Brandão, 2019). Tal dado pode justificar os índices médios de ansiedade social infantil da amostra que conta com cuidadores com bons níveis de estimulação à autonomia.
Ansiedade social infantil e gênero
Os resultados indicaram que os cuidadores de meninas avaliam maior propensão à esquiva de situações aversivas do que os cuidadores de meninos, ou seja, contextos/eventos que geram algum desconforto ou pavor intenso podem vir a ser evitados de forma mais frequente por elas. Pode existir, então, uma diminuição das possibilidades de enfrentamento e desencadeamento de maiores níveis de ansiedade nas meninas.
Estudos realizados por Bandelow e Michaelis (2015) e Maeng e Milad (2015) se assemelham aos achados da presente amostra em relação à prevalência de ansiedade social em meninas. Apontam-se que elas tendem a manifestar níveis maiores de sintomas ansiosos, indicando mais chances de apresentarem comportamentos fóbicos ou que se enquadrem na categoria de transtornos ansiosos em relação aos meninos (Costa, 2018; Ramos, 2015).
Ainda com base nos resultados da presente amostra, um estudo realizado com a população portuguesa e americana, utilizando-se a adaptação da escala Social Anxiety Scale for Children-Revised (SASC-R), apresentaram dados semelhantes com relação à distribuição do transtorno de ansiedade social. Foram apontados indicadores de que meninas manifestam ansiedade social mais exacerbadamente que meninos (Martins, Almeida, & Viana, 2014).
Com esses achados, surge o questionamento sobre o motivo pelo qual os sintomas físicos ansiosos são manifestados mais frequentemente por meninas quando comparada aos meninos. Os dados da literatura apontam para questões genéticas e questões de cunho social, referente à construção cultural da mulher na sociedade e na família (Ramos, 2015).
A literatura infere que tal distinção de gênero associada à prevalência de ansiedade social infantil encontra-se atrelada ao fato de que meninas podem ser mais estimuladas a assumir uma posição de submissão, em que demonstram sentimentos de temor, e a esquiva diante do desconhecido é mais admissível quando em relação aos meninos (Rita, 2018). Em contrapartida, é requerida dos meninos uma postura mais corajosa perante os eventos desconhecidos, embora estudos apontem para uma maior dificuldade de ajustamento emocional por parte dos meninos (Freitas, 2019).
Com base nos achados da amostra referentes à noção de gênero, a análise do comportamento considera o papel da cultura em diversas questões sociais, além de influenciar determinadas agências de controle do comportamento humano (e.g., família, mídia, educação, religião, entre outros). Assim, identifica-se que as construções sociais e familiares sobre o feminino e o masculino reverberam, até mesmo, nos resultados obtidos no presente estudo.
A família é também considerada uma agência de controle. Essa, por sua vez, refere-se à gerência de condições que são importantes para o processo comportamental dos sujeitos e, normalmente, são mais estruturadas que a própria comunidade na qual se encontra pertencente (Souza, 2018). Por ser uma instituição social, a mesma possui práticas culturais as quais gerenciam o seu próprio funcionamento através da aquisição e reprodução de regras estabelecidas no ambiente familiar (Fontana, 2019). Além disso, o meio familiar sofre interferências da cultura social e denomina-se por agência de controle na medida em que aponta para como os sujeitos devem se portar diante da sociedade, evitando coerções e/ou expulsões de outros contextos (Souza, 2018).
Essa interferência cultural no funcionamento familiar pode conduzir as crianças do sexo feminino a serem educadas de forma mais cautelosa e superprotetora pelas figuras parentais (Rita, 2018). As meninas podem demonstrar comportamentos mais voltados para a introversão, favorecendo a manifestação de condutas internalizantes, como a ansiedade social, devido a dificuldades no manejo de sentimentos e/ou eventos negativos (Freitas, 2019).
Considerações finais
O presente estudo teve como objetivo identificar possíveis relações entre o uso do controle coercitivo por pais e/ou cuidadores e a ansiedade social na infância. Tal perspectiva aponta para a influência de modelos parentais na aquisição e reprodução de comportamentos ansiosos das crianças, além de inferir que práticas parentais que se utilizam de maior controle punitivo tendem a implicar, negativamente, o desenvolvimento infantil (Teixeira & Alvarenga, 2016). No presente estudo, embora a maior parte dos responsáveis não tenha manifestado diagnóstico de ansiedade, observou-se que seus comportamentos ansiosos diante de situações sociais influenciam na emissão de comportamentos ansiosos por parte dos filhos.
Além disso, observou-se que crianças inseridas em contextos familiares que precarizam o apoio emocional e a supervisão de comportamento e enfatizam o uso do controle punitivo, tendem a manifestar maiores níveis de ansiedade social. Isso porque as práticas parentais podem estar marcadas por ausência de responsividade e elevados níveis de exigência envolvendo modelação, controle e o julgamento de ações realizadas pelos filhos, contribuindo para maiores níveis de evitação social das crianças (Böing & Crepaldi, 2016). Chama a atenção, ainda, a relação entre ansiedade social em meninas, a qual pode estar vinculada à educação mais controladora e inflexível a que meninas são submetidas.
Os principais limites deste estudo dizem respeito, inicialmente, ao fato de que o instrumento utilizado para avaliar as práticas parentais (EPP) é voltado para o público adolescente, tendo sido adaptado pelas autoras para adultos (pais e/ou cuidadores). Não foram encontradas diferenças estaticamente significativas entre dados que envolvessem escolaridade e situação conjugal dos pais. Hipotetiza-se que isso possa ter relação com o fato de as crianças serem de escolas particulares e a maior parte dos pais e/ou cuidadores da amostra serem casados. Além disso, as correlações encontradas neste estudo foram, em sua maioria, fracas e moderadas, o que infere que não há relações fortes entre as variáveis, tampouco os resultados deste estudo possam vir a ser generalizados para a população.
Além disso, observou-se dificuldades quanto à delimitação da faixa etária infantil, assim como ausência de participação mais ampla de pais e/ou cuidadores. Verificou-se, ainda, que muitos estudos discutem a ansiedade social infantil por meio de mães, visto que grande parte das pesquisas, inclusive esta, foi respondida em maior percentual por cuidadoras mulheres.
Ressalta-se, ainda, a necessidade de atribuir ênfase à ansiedade social na infância, uma vez que muitos dos artigos selecionados identificam o transtorno de ansiedade social na adolescência. Sugere-se que estudos futuros busquem atentar não apenas para a infância, mas que realcem as implicações que o uso de práticas parentais punitivas revela sob o desenvolvimento da criança, propondo intervenções aos responsáveis que possibilitem ampliação e melhoria do uso saudável de práticas educativas parentais.
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Submetido em: 14.10.2020
Aceito em: 19.05.2021