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Gerais : Revista Interinstitucional de Psicologia

On-line version ISSN 1983-8220

Gerais, Rev. Interinst. Psicol. vol.11 no.1 Belo Horizonte Jan./Jun. 2018

https://doi.org/10.36298/gerais2019110111 

ARTIGOS

 

Grupos de trabalhadores segurados do INSS com doenças lombares: um apoio psicológico necessário

 

Group of INSS insured workers with back pain: a necessary psychological support

 

 

Maria do Carmo Baracho de AlencarI; Maria Izabel Calil StamatoII

IUniversidade Federal de São Paulo, São Paulo, Brasil. E-mail: alencar@unifesp.br
IIUniversidade Católica de Santos, Santos, Brasil. E-mail: coord.psico@unisantos.br

 

 


RESUMO

O presente trabalho é fruto de uma experiência de intervenção em estágio curricular de Psicologia da Universidade Católica de Santos (Unisantos), na cidade de Santos-SP. O estágio abrangeu, entre outras atividades, o atendimento em grupo de trabalhadores segurados do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) que se encontravam em Reabilitação Profissional na Baixada Santista. Este artigo pretendeu fortalecer a importância das ações interdisciplinares e da Psicologia nos processos de Reabilitação Profissional e nos Programas de Readaptação durante o período de retorno ao trabalho.

Palavras-chave: Trabalhadores lesionados. Dor lombar. Psicologia. Reabilitação. Saúde do trabalhador.


ABSTRACT

The present work is the result of an intervention experience in the Psychology curriculum of the Catholic University of Santos (Unisantos), in the city of Santos, Brazil. The internship included, among other activities, the group care of insured workers of the National Institute of Social Security (INSS) who were in Professional Rehabilitation in the Santos region. This article intends to emphasize the importance of interdisciplinary actions and Psychology in processes of Professional Rehabilitation and Rehabilitation Programs during the period of return to work.

Keywords: Injuried workers. Low back pain. Psychology. Rehabilitation. Occupational health.


 

 

Introdução

O trabalho é fundamental para a subjetividade humana. A partir de um olhar clínico, trabalhar não é somente produzir, é transformar-se a si mesmo, sendo uma ocasião oferecida à subjetividade para se testar, e até mesmo se realizar (Dejours, 2004). Nesse contexto, o trabalho é considerado uma forma central de inscrição social, proporcionando modos de inscrição nas relações sociais e garantindo um lugar legitimado socialmente: o de trabalhador formal, capaz de participar das configurações propostas pela ordem capitalista (Ramos, Tittoni & Nardi, 2008). O mundo do trabalho tem sofrido diversas mudanças nos últimos anos, e os trabalhadores se veem obrigados a se adequar às transformações e mudanças, com consequentes riscos à sua saúde física e psíquica. A classe trabalhadora inserida no contexto capitalista de organização do trabalho sofre as consequências das transformações no mundo do trabalho, que se refletem na precarização das condições e relações de trabalho, na perda de direitos sociais, no agravamento de problemas de saúde, na ampliação da vulnerabilidade social e do desemprego e no aumento da exclusão social (Rodrigues & Bellini, 2010).

Uma das maiores causas de afastamento do trabalho são as doenças ocupacionais, e entre elas estão as doenças da coluna lombar, cujo principal sintoma é a dor (lombalgia). A dor lombar afeta adultos em fase produtiva e frequentemente compromete a capacidade para o trabalho, envolvendo complexos fatores individuais, psicossociais e relacionados à organização do trabalho (Junior et al., 2010). Gerando grande sofrimento físico e psíquico, essas doenças causam em geral um impacto significativo sobre a população trabalhadora (Martinez et al., 2013). Segundo Silva, Fassa e Valle (2004), a procura por tratamento das dores lombares aumenta a cada dia, ocasionando aumento no custo com os cuidados relacionados à saúde e gerando ônus para os cofres públicos e privados.

Uma vez adoecidos, os sujeitos acabam vivenciando a situação de afastamento do trabalho, que ocorre quando a pessoa é considerada incapacitada para trabalhar, seja por motivos relacionados a acidentes, seja por doenças de caráter físico ou psíquico (Cavalheiro & Tolfo, 2011). O trabalhador doente e afastado do trabalho pode vivenciar intensamente a culpa, o fracasso e a exclusão; sendo a culpa e o fracasso relacionados ao fato de não ter dado conta de atender às demandas do trabalho porque adoeceu; e a exclusão decorrente do afastamento do trabalho, que o coloca em uma situação marginal, que não corresponde ao lugar que pretendia ocupar ou ao papel que esperava desempenhar.

O sofrimento dessa experiência de afastamento do trabalho é intensificado pelo risco do desemprego e pelas dificuldades colocadas pela "via-crúcis" institucional legal que definirá a situação do trabalhador afastado em busca de seus direitos (Ramos et al., 2008). Uma vez afastados do trabalho são constantemente questionados nas perícias médicas, como se quisessem estar na situação em que estão, o que agrava o sentimento de impotência e contribui para o desenvolvimento de quadros de depressão (Ramos et al., 2010). Esse contexto provoca um sofrimento que vai além do psíquico, o sofrimento ético-político, que, segundo Sawaia (2013), retrata a dor de ser tratado como inferior, subalterno, sem valor, em decorrência dos reflexos da organização social na dinâmica da intersubjetividade com o outro.

As dores vão se tornando crônicas e trazem repercussões para a vida dos sujeitos, levando-os a se sentir incapacitados e impotentes, e gerando sintomas depressivos que podem interferir nos modos de lidar com a dor, fortalecendo o sentimento de incapacidade (Salvetti et al., 2012). Os sintomas crônicos também afetam a realização de atividades da vida diária e as atividades sociais (Alencar & Terada, 2012), e como são invisíveis provocam desânimo e afastamento social (Ramos et al., 2010). A dor provoca ainda a sensação de medo e insegurança para qualquer tarefa e requer adaptações até para vestir a roupa e calçar o sapato, além de proporcionar alterações na forma de caminhar (Polizetti & Leite, 2010). Sendo assim, a reabilitação de trabalhadores é um dos maiores desafios contemporâneos para o campo da saúde pública no Brasil (Lima et al., 2010). A reabilitação de trabalhadores adoecidos por doenças da coluna lombar e que se encontram parcialmente incapacitados é um processo complexo e que depende da interação e integração de várias dimensões: pessoal (do trabalhador), familiar, do SUS, do INSS e da empresa.

Alguns trabalhadores são encaminhados para o Programa de Reabilitação Profissional do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), que tem o objetivo de proporcionar meios de reeducação ou readaptação profissional para o retorno ao mercado de trabalho dos segurados incapacitados por doença ou acidente. Os segurados são encaminhados para os orientadores profissionais, atualmente denominados profissionais de referência (psicólogos, terapeutas ocupacionais, fisioterapeutas, assistentes sociais), que avaliam diversos aspectos como escolaridade, faixa etária, perdas funcionais, aptidões, habilidades, motivação para o retorno, entre outras. O médico perito do INSS também é responsável por definir a elegibilidade do segurado ao Programa, existindo a possibilidade de o segurado ser inelegível por não reunir condições biopsicossociais satisfatórias. Prioritariamente investe-se no retorno do trabalhador à empresa de origem, muitas vezes com a mudança de cargo, mas, na prática, a legislação em vigor não oferece nenhuma garantia de emprego para os indivíduos que buscam reinserção no mercado de trabalho (Farias, 2013).

Esse programa apresenta como funções básicas a avaliação do potencial laborativo e a definição da real capacidade de retorno ao trabalho dos segurados afastados por problemas de saúde, além da orientação e acompanhamento da programação profissional resumidos na condução do reabilitando à escolha de uma nova função/atividade a ser exercida no mercado de trabalho (Abreu & Ribeiro, 2010). Quando os segurados são encaminhados ao Programa, eles têm duas possibilidades, uma é ser reinserido em uma nova atividade de trabalho na empresa de vínculo, e a outra é ser encaminhado para cursos de qualificação profissional, custeados pelo INSS. O modelo atual do Programa de Reabilitação Profissional tem sido alvo de críticas de vários estudos pela falta de atendimento às necessidades de saúde dos trabalhadores (Maeno & Vilela, 2010; Neves & Nunes, 2010; Maeno, Takahashi & Lima, 2009). Uma das críticas relaciona-se ao modelo de avaliação de incapacidade adotado, dentro da tradicional concepção biomédica, entendida como reducionista. (Sardá, Kupeck & Cruz, 2009).

Os processos de retorno ao trabalho também são complexos. Para um retorno eficaz, é necessário que as instituições compreendam seus funcionários reabilitados ou em processo de reabilitação, respeitando suas dores e limitações, e que sejam prestativas em relação às mudanças necessárias para melhor reinseri-los, seja na mesma função anterior ao afastamento, seja em uma nova função (Wainwright et al., 2013). Nesse sentido, há necessidade de se refletir sobre as efetivas garantias de emprego e de reinserção no mercado de trabalho, pois o retorno ao trabalho é influenciado pela ineficiência dos sistemas e políticas preventivas, assistenciais e previdenciárias, pela falta de apoio e ausência de Programas de Retorno ao Trabalho (Saldanha et al., 2013).

Uma das estratégias de intervenção e de apoio ao Programa de Reabilitação Profissional é a realização de grupos com os trabalhadores adoecidos. Para Silva (2002), as atividades em grupo podem ser facilitadoras de reflexão e da tomada de consciência de emoções e sentimentos, promovendo a mudança de atitudes e comportamentos, construídos a partir de representações sociais, sentidos e significados internalizados. Para a autora, os grupos possibilitam a ressignificação de experiências sociais e o respeito a si mesmo e ao outro.

O presente artigo é um relato de experiência de intervenção que teve como objetivo geral promover uma reflexão sobre os atendimentos individuais e em grupo de trabalhadores em situação de afastamento do trabalho acometidos por doenças da coluna lombar e que se encontravam em Reabilitação Profissional e as necessidades do apoio psicológico. A intervenção foi realizada no Estágio Curricular de Psicologia Institucional e Comunitária do Curso de Psicologia da Universidade Católica de Santos, realizado em 2014 na Clínica Escola de Psicologia.

 

Os Procedimentos para a Intervenção

A intervenção ocorreu a partir de uma parceria entre o INSS/Programa de Reabilitação Profissional da Baixada Santista e o Curso de Psicologia. O Projeto de Atendimento realizado no Estágio envolveu indivíduos do gênero masculino, acometidos por doenças da coluna lombar, com protusões e/ou hérnias discais lombares e sintomas de dor lombar e lombociatalgia (dor irradiada), e que se encontravam em situação de afastamento do trabalho e em espera para o processo de Reabilitação Profissional. Os sujeitos foram encaminhados pela Responsável Técnica da Reabilitação Profissional da Gerência de Santos do INSS para a Clínica Escola do Curso de Psicologia e os horários foram previamente combinados e agendados. Todos os sujeitos concordaram voluntariamente em participar do trabalho.

A intervenção consistiu em encontros grupais semanais de apoio psicológico, focados em temáticas de interesse dos participantes, no período de fevereiro a novembro de 2014. A escolha do atendimento em grupo baseou-se em referenciais teóricos da Psicologia Social, assim como estudos e experiências de trabalho em grupos. De acordo com Klein e Guedes (2008), a intervenção grupal promove a saúde, na medida em que cria um espaço de compartilhamento de reflexões, sentimentos e informações e de apoio psicológico e social, constituindo-se como uma estratégia de intervenção primária, por atingir níveis de atuação psicoterapêutico, psicopedagógico e psicoprofilático.

Antes dos encontros grupais, foram realizados atendimentos individuais com os reabilitandos encaminhados, com duração média de 55 (cinquenta e cinco) minutos, visando favorecer o estabelecimento do vínculo terapêutico, o levantamento de dados pessoais sobre histórias de vida e de trabalho, sobre o processo de adoecimento que levou ao afastamento laboral e as vivências da reabilitação. Nesses atendimentos iniciais foram explicitados os objetivos do Projeto e os sujeitos foram convidados a participar voluntariamente dos encontros em grupo, sendo previstos oito encontros para cada grupo, de, no máximo, quatro sujeitos. Esse número foi estabelecido para facilitar a participação, o envolvimento e a escuta de todos. Os encontros grupais tiveram duração média de 1h30min e ocorreram em local adequado à preservação do sigilo (sala privada), sendo as falas dos participantes registradas manualmente (papel e caneta), com o consentimento dos participantes.

No primeiro encontro de apresentação geral da proposta e dos sujeitos, foram levantados temas de interesse, os quais, associados às necessidades definidas pelas vivências e experiências anteriores da estagiária, e discutidos com a supervisora, nortearam a organização dos demais encontros como estimuladores de debates e discussões. Com base nesse levantamento, os temas programados para os atendimentos grupais foram: restrições; medo; INSS; capacidade × incapacidade; retorno ao trabalho; sonhos/desejos; encerramento e avaliação das contribuições dos encontros para os participantes. Posteriormente, procedeu-se à análise reflexiva dos depoimentos obtidos.

 

A Experiência da Intervenção

Participaram dos grupos, durante o ano de 2014, sete segurados do gênero masculino, com idades e profissões variadas, em faixa etária considerada produtiva, todos casados e com filhos. Entre as profissões: auxiliar de serviços gerais (2), cortador de tecidos (1), borracheiro (1), fiscal de serviços (1), gerente de reposição (1) e motorista (1). Em relação à escolaridade, apenas quatro concluíram o ensino médio, sendo os demais com escolaridade fundamental completa e média incompleta. A maioria estava em situação de afastamento do trabalho vinculado ao INSS em período superior a dois anos. Em suas histórias de vida de trabalho, relataram exigências físicas, ritmo acelerado de trabalho, transporte manual de cargas pesadas e equipes subdimensionadas, gerando desgaste. Apenas dois sujeitos não haviam realizado procedimentos cirúrgicos em tratamentos relacionados à doença lombar.

Os atendimentos individuais iniciais foram importantes para a aproximação e o estabelecimento de vínculo terapêutico com os sujeitos para obter informações sobre suas histórias pessoais e de trabalho, os conflitos internos diante da situação de afastamento, as necessidades e as dificuldades vivenciadas no processo. Foram realizados entre três e quatro atendimentos individuais antes da formação dos grupos. Não ocorreram desistências entre as entrevistas e a formação dos grupos. Os participantes foram divididos em dois grupos fechados, formados por quatro sujeitos no primeiro semestre e três no segundo semestre de 2014.

Todos os atendidos inicialmente questionaram o motivo do encaminhamento para a Psicologia, pois não se achavam loucos e/ou não tinham doenças mentais. Isso é evidenciado no relato: "[...] eu não sou louco... porque me encaminharam para cá?". Essa situação expõe o estigma que ainda cerca a doença mental e os atendimentos psicológicos. Segundo Moreira e Melo (2008), há uma imagem pejorativa da doença mental na base do tradicional estigma associado à loucura. Foi necessário explicar várias vezes que o objetivo da proposta era auxiliar a superação de conflitos comumente vivenciados na situação de adoecimento e afastamento do trabalho. Os atendimentos iniciais evidenciaram questões psíquicas e psicossociais e favoreceram a compreensão sobre a necessidade de atendimento psicológico.

Aprofundando a importância da experiência, serão analisados alguns aspectos revelados nas discussões dos grupos. No tema restrições, os participantes apontaram que a situação de afastamento do trabalho foi traumática, em função da vivência de sintomas dolorosos no trabalho, da invisibilidade da doença, do descaso e da indiferença referente aos sintomas demonstrados por colegas e supervisores, por meio de deboches e acusações de estarem fazendo "corpo mole", o que dificultou a expressão verbal dos sintomas dolorosos nos estágios iniciais. A acusação de "simulação" também é descrita em outro estudo e aponta a questão da necessidade de aprender a conviver com a dor (Ramos et al., 2008). Relataram também rotinas de trabalho intensas, com exigências físicas e nem sempre com equipamentos adequados. Situações de sofrimento foram relatadas, como o "travamento" da coluna (estado de impossibilidade momentânea de movimentar-se), durante a execução de algumas tarefas com exigências físicas, desencadeadoras de fortes dores. Mesmo sendo levados ao hospital para tratamento medicamentoso nesses momentos, logo eram encaminhados para casa ou retornavam ao trabalho no mesmo dia. Algumas dessas situações ocorreram mais de uma vez, atingindo os limites físicos e psíquicos dos seus corpos e levando ao agravamento dos quadros clínicos e à incapacidade de continuar a trabalhar. Como se além de uma dor física existisse uma dor psíquica, de algo que "não se pode suportar" mais, impondo ao corpo a necessidade de parar e levando ao sentimento de impotência e fracasso. A dor é de quem sente e muitas vezes pode gerar dúvidas. A invisibilidade de uma doença que não apresenta sinais externos é também a invisibilidade de quem não pode trabalhar mais (Ramos et al., 2010).

O medo da demissão, de incapacidade permanente, de ser substituído e não ter mais valor para a empresa mostrou-se presente em muitos depoimentos e acabou deixando "marcas" na vida dos sujeitos, gerando insegurança no processo de readaptação e de possível retorno ao trabalho. A condição de "ter que fazer" o trabalho, mesmo com dores, remeteu a reflexões sobre a necessidade de estar sempre saudável e apto ao trabalho para garantir o emprego e, consequentemente, para a sobrevivência, bem como sobre o uso da negação como estratégia de defesa psíquica, pois aparentemente não expressavam consciência de que pudesse ocorrer sério agravamento de sua situação clínica. As discussões focaram espontaneamente o que lhes provocou as restrições, e o sentimento de culpa surgiu pela falta de providências pessoais para minimizar os problemas, expondo ainda a necessidade de auxílio profissional para ressignificação dos fatos ocorridos. Cabe aqui destacar que esse sentimento de culpa pode ser associado à ideologia predominante na sociedade de culpabilização do indivíduo por questões sociais e coletivas. Ideologia essa que atribui ao trabalhador responsabilidade por seu próprio adoecimento, quando este é um processo decorrente das exigências e condições do trabalho, e nega que a situação a ser modificada está no trabalho e não nos indivíduos (Dejours, 1992). O grupo favoreceu a troca de experiências e vivências e promoveu as interações sociais entre os sujeitos.

Os participantes da pesquisa relataram ainda dificuldades de executar tarefas simples do cotidiano, como carregar o filho no colo, trocar o botijão de gás, carregar as compras de supermercado, entre outras. E o medo de agravamento da situação, pois em caso de melhora dos sintomas, qualquer descuido ocasionava seu ressurgimento, o que gerou também preocupações e ansiedades em relação ao prognóstico da doença e a capacidade × incapacidade para o trabalho, um dos temas debatidos. Em relação a esse tema, a incapacidade relacionada à dor lombar crônica é multifatorial e complexa. Pessoas que sofrem de dor lombar crônica tendem a se sentir incapazes de realizar suas atividades de vida diária e frequentemente alimentam a forte crença de que toda e qualquer atividade funcional poderá piorar o quadro de dor ou causar algum prejuízo ou limitação física (Fracaro et al., 2013). Há também uma tendência ao isolamento social e à participação em atividades de lazer (Salvetti et al., 2012; Alencar & Terada, 2015). Essa tendência se mostrou associada a vários motivos e não apenas ao medo do ressurgimento da dor, mas também ao de encontrarem amigos ou conhecidos, em função de significados e representações a eles atribuídos. Espera-se de um doente que ele fique em casa e busque tratamento, por isso sair e se divertir poderia colocar em dúvida a gravidade da doença pelas representações sociais da nossa sociedade atual, corroborando o estudo de Alencar & Terada (2015). Para Polizetti & Leite (2010), o doente teria um papel definido, implicando em isenções das responsabilidades sociais e impossibilidade do cuidado de si. Sendo assim, como poderia divertir-se? Foi enfatizado nos grupos a necessidade de se retomar algumas atividades sociais e de lazer prazerosas em prol da saúde e do "bem-estar". A partir do momento em que o sujeito compartilha com os outros, no grupo, sua condição, sentimentos e dificuldades, tende a se sentir mais aliviado, por perceber que não é o único nessa situação, e abrir seu olhar para outras possibilidades. A dor pode permanecer um período sem retornar, sendo fundamental a percepção de seus corpos em movimentos e em situações que possam desencadeá-las, para se evitar os agravos.

As discussões sobre o tema medo centralizaram-se nas perícias do INSS, envolvendo a peregrinação atrás de consultas médicas em busca de diagnóstico clínico, tratamentos e exames e comprovação da doença. Ao trabalhador é dado o ônus de estar sempre precisando reafirmar a sua condição de doente para legitimar a manutenção do seu benefício (Neves & Nunes, 2010). No processo de afastamento dos sujeitos do trabalho, o momento de perícia é considerado sempre tenso, provocando insegurança e medo. Foram relatadas pelos participantes longas esperas no SUS para atendimentos médicos, tratamentos de fisioterapia, realização de exames necessários, desencadeadoras de preocupações e ansiedades. Precisam dos exames para levar aos médicos peritos e comprovar a doença e a necessidade de cuidados e tratamentos, e a dependência de vagas para a fisioterapia, ou as longas listas de espera para exames, forçam, algumas vezes, a busca de atendimento particular, comprometendo as despesas familiares já fragilizadas. Relataram também a carência de atendimentos, em serviços públicos e privados, para atender às demandas psicossociais envolvidas no adoecimento e não percebidas pelo modelo de atendimento centrado no enfoque biomédico. Os trabalhadores sabem que a decisão final de estar apto ou não ao trabalho cabe ao médico perito do INSS e ao orientador profissional, sendo necessária maior reflexão sobre a importância da interdisciplinaridade na definição e análise dessa incapacidade, haja vista a complexidade envolvida e visando uma ampliação na análise e condição individual.

Por outro lado, histórias ouvidas de sujeitos que retornaram ao trabalho adoecidos e com laudos médicos e exames clínicos que comprovavam sua condição de doente aumentaram a tensão e raiva, provocando a necessidade, nem sempre possível, de dialogar com alguém sobre essas questões e dificuldades, frequentemente incompreendidas. Às vezes pensavam no pior, no medo do ressurgimento das dores, da demissão, esquecendo-se de que novas oportunidades poderiam surgir, pois realizar atividades laborais fisicamente viáveis pode ajudar a resgatar a autoestima e reduzir a percepção de incapacidade (Salvetti et al., 2012).

Quanto ao retorno ao trabalho, relataram ainda descaso e pouca preocupação das empresas (gestores), sentindo-se facilmente substituíveis e descartáveis, o que provocava angústia e sofrimento. Essa situação remeteu não apenas a um sofrimento psíquico, mas principalmente a um sofrimento ético-político, demandando ações mais eficazes de políticas públicas voltadas à garantia dos direitos dos trabalhadores. Se as possibilidades de demissão são grandes, é fácil compreender a busca da aposentadoria por invalidez como alternativa, sendo preciso que todas as partes assumam a reabilitação profissional como direito legal do cidadão, e não uma concessão caridosa da empresa ou INSS (Maeno & Vilela, 2010). Dividir esses sentimentos conflituosos com outros na mesma condição ou em condição similar, foi importante, especialmente por promover uma rede de suporte entre eles.

Outro sentimento revelado, gerador de sofrimento, foi a incapacidade de contribuir financeiramente para o sustento de suas casas, uma vez que antes do adoecimento e do afastamento todos eram os principais provedores da família. As restrições de esforços físicos, de execução de atividades laborais e cotidianas interferem também em outros papéis sociais, além de laborais. Diante disso, necessitam de apoio e compreensão familiar para aceitar e superar as restrições físicas agora existentes, o que nem sempre é fácil ou possível. Ser capaz de construir um novo EU e visualizar novas possibilidades é fundamental, porém não é uma tarefa simples para os sujeitos, e necessitam de intervenções psicológicas.

Outro tema discutido foi sonhos/desejos, visando promover reflexões sobre novas possibilidades. Todos relataram o desejo relacionado à segurança e estabilidade econômica para garantir as necessidades fundamentais da família: moradia, alimentação, vestuário. Esse desejo foi associado ao retorno ao trabalho, apesar das restrições físicas existentes. Ao longo dos atendimentos, buscaram visualizar e pensar sobre novos modos de sobrevivência viáveis, independentemente das decisões do INSS. A possibilidade de fazer cursos de capacitação oferecidos pelo INSS, em caso de ausência de vaga para o retorno em outra função/atividade na empresa, devido às restrições, pareceu aliviar um pouco algumas tensões, apesar de, muitas vezes, questionarem as qualidades desses cursos e o que poderia acontecer ao término destes. A questão da requalificação profissional, trabalhada com parceiros do INSS, como Sesi e Senai, mostra a necessidade de ampliação das parcerias existentes e a criação de novas parcerias.

Com o decorrer dos encontros, os sujeitos passaram a se perceber de diferentes modos, conscientizando-se de não estarem tão incapacitados como inicialmente pensavam e acreditavam. Isso ampliou o olhar sobre novas possibilidades de trabalho. Discutiu-se muito também nos dois grupos a falta de apoio das empresas nos processos de readaptação dos sujeitos com doenças da coluna lombar, como mostra o questionamento: "[...] por que algumas empresas não tentam readaptar?". Essa realidade apontou a necessidade de melhores incentivos públicos às empresas para favorecer o processo de reinserção no trabalho. Em estudo realizado por Cestari & Carlott (2012), os trabalhadores perceberam que as empresas dificultam o retorno, e que não há preocupação em fazer reajustes no trabalho realizado anteriormente, nem preocupação em definir um novo posto para recolocação.

No encerramento dos grupos, todos os sujeitos enfatizaram a importância dos atendimentos e se sentiram gratos por terem participado. Os encontros ampliaram as possibilidades de enfrentamento das dificuldades e as percepções sobre potencialidades, apesar do medo ainda presente da indesejada demissão. Alguns relatos registrados confirmam isso: "[...] o medo ainda existe, mas consigo lidar melhor com ele..."; e "[...] me ajudou muito hoje consigo lidar melhor com a situação". A maneira pela qual acontece o retorno ao trabalho para o indivíduo pode representar uma chance de recomeçar uma vida produtiva, com satisfação, prazer e redução dos agravos, ou então novos adoecimentos, piora nos sintomas, comprometendo não somente as relações de trabalho, mas também a autoestima (Silva & Baptista, 2013).

 

Considerações Finais

Este artigo pretendeu estimular reflexões sobre a atuação do psicólogo nessa área e fortalecer a importância das ações interdisciplinares e da Psicologia nos processos de Reabilitação Profissional e nos Programas de Readaptação no retorno ao trabalho. Trouxe ainda análises qualitativas sobre a política de atenção à recolocação profissional de trabalhadores adoecidos e sobre o lugar e a contribuição da Psicologia nessa política. Estudos futuros devem aprofundar as questões acerca do sofrimento vivenciado e as necessidades dos sujeitos com doenças lombares.

 

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Recebido em 1º/02/2017
Aprovado em 27/06/2017

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