Desde a década de 1970, o Brasil vem experimentando um rápido crescimento da parcela idosa de sua população. O número de pessoas com 60 anos ou mais passou de 3 milhões em 1960, para 7 milhões em 1975 e para 14 milhões em 2002 (Veras & Oliveira, 2018). Os últimos censos do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostraram que esse crescimento está ocorrendo de modo ainda mais acelerado recentemente. O número de idosos no país alcançou a marca de 25,4 milhões em 2012 e ultrapassou os 30 milhões em 2017 (Paradella, 2018). Esse envelhecimento populacional representa um triunfo para o país, na medida em que populações envelhecidas são frutos de avanços importantes como crescimento econômico, estilos de vida mais saudáveis e progressos na ciência, tecnologia e medicina (Papalia & Feldman, 2013). Por outro lado, o envelhecimento populacional traz consigo desafios individuais e sociopolíticos, uma vez que novas ações fazem-se necessárias para a promoção de um envelhecimento bem-sucedido. Entre os desafios mais urgentes está a preocupação com o tipo de moradia dos idosos.
A maioria das pessoas prefere envelhecer em casa, mantendo-se próxima a amigos e familiares e preservando a liberdade e a privacidade (Papalia & Feldman, 2013). Contudo, isso nem sempre é possível tendo em vista eventuais complicadores, como dificuldades econômicas, solidão, conflitos familiares, comprometimento da saúde e/ou da independência funcional e carência de um cuidador domiciliar (Fagundes et al., 2017). Nesse contexto, a Instituição de Longa Permanência para Idosos (ILPI) mostra-se uma importante alternativa às pessoas idosas que precisam, por algum motivo, deixar sua residência original.
As ILPIs, nomeadas de asilos no passado, são estabelecimentos de caráter residencial que visam ao domicílio coletivo de pessoas idosas, em condições de liberdade, dignidade e cidadania (Fagundes et al., 2017). Além da moradia, elas também costumam suprir outras necessidades como alimentação, vestuário, cuidados básicos e serviços médicos, embora não sejam instituições voltadas para a clínica ou a terapêutica (Camarano & Barbosa, 2016). Devido, principalmente, aos vestígios históricos, essas instituições ainda são popularmente associadas a aspectos negativos como negligência, pobreza, abandono, exclusão social e queda na qualidade de vida (Dias, Carvalho & Araújo, 2013; Fagundes et al., 2017). Na realidade, todavia, o idoso institucionalizado pode apresentar elevado nível de bem-estar nesse ambiente (Camarano & Barbosa, 2016; Dias et al., 2013).
O bem-estar subjetivo pode ser definido como a maneira que uma pessoa avalia sua própria vida (dimensão cognitiva, ou seja, satisfação com a vida) e como ela se sente (dimensão emocional, ou seja, afetos positivos e negativos) (Layous & Zanon, 2014). A satisfação com a vida tem sido destacada como um importante indicador do envelhecimento bem-sucedido, uma vez que reflete as crenças do idoso sobre a sua qualidade de vida (Steptoe, Deaton & Stone, 2014). Dessa forma, é importante ter uma melhor compreensão dos fatores que contribuem para que o idoso avalie sua vida mais positivamente. Entre eles, a literatura tem assinalado o poder de predição dos estados afetivos - a dimensão emocional do bem-estar (Busseri, 2015; Extremera & Rey, 2016). De modo geral, as pessoas tendem a basear-se na frequência dos afetos positivos e negativos experimentados para julgar quão satisfeitas estão com suas vidas (Extremera & Rey, 2016; Kuppens, Realo & Diener, 2008).
Em um estudo desenvolvido por Kuppens et al. (2008) com 8.557 pessoas adultas de 46 países, os resultados das correlações lineares indicaram relação entre satisfação com a vida e afetos positivos (r = 0,43; p < 0,001), entre satisfação com a vida e afetos negativos (r = -0,28; p < 0,001) e entre afetos positivos e negativos (r = -0,20; p < 0,001). Análises de regressão múltipla reafirmaram que os níveis de afetos positivos e negativos estiveram associados à satisfação com a vida, sendo a associação positiva com afetos positivos (β = 0,31, p < 0,001) e negativa com afetos negativos (β = -0,18, p < 0,001). Em outras palavras, a experiência de estados emocionais agradáveis tende a aumentar o grau de satisfação com a vida, enquanto a experiência de estados emocionais desagradáveis tende a diminuir.
Os resultados encontrados na literatura sugerem ainda que, muitas das vezes, os estados afetivos exercem papel mediador da influência de outras variáveis sobre a satisfação com a vida, entre elas o apoio social (Busseri, 2015; Extremera & Rey, 2016). O apoio social é estudado, hegemonicamente, como o aspecto funcional dos relacionamentos interpessoais, isto é, ele é compreendido como qualquer tipo de troca interpessoal que tenha por objetivo suprir as necessidades de outras pessoas e/ou grupos (Rocha, Oliveira & Mota, 2017). Siedlecki, Salthouse, Oishi e Jeswani (2014) apontam para diferentes tipos de apoio social, entre eles o provido, o recebido e o percebido. O apoio provido expressa a quantidade e/ou a qualidade do apoio que uma pessoa provê ou acredita estar disposta a prover a outras pessoas. O apoio recebido refere-se ao apoio que a pessoa recebe atualmente ou que tenha recebido em algum momento de sua vida. Já o apoio percebido é uma espécie de antecipação do apoio recebido, ou seja, é o apoio que uma pessoa acredita que estará à sua disposição, caso venha precisar.
Tu e Yang (2016) encontraram correlações significativas da satisfação com a vida com os afetos positivos (r = 0,18; p < 0,01), com os afetos negativos (r = -0,34; p < 0,01) e com o apoio social recebido (r = 0,16; p < 0,01), numa amostra de 335 idosos não institucionalizados de dez cidades chinesas. Os resultados das análises de regressão indicaram o apoio recebido como preditor da satisfação com a vida (β = 0,11, p < 0,05) e dos afetos positivos (β = 0,35, p < 0,001). Nesse sentido, quanto maior o nível de apoio recebido, maior o nível de satisfação com a vida e de afetos positivos.
Kong, Gong, Sajjad, Yang e Zhao (2019), ao estudarem uma amostra de 764 adultos chineses, encontraram correlações da medida de satisfação com a vida com as medidas de afetos positivos (r = 0,53; p < 0,001), afetos negativos (r = -0,29; p < 0,001) e apoio social percebido (r = 0,43; p < 0,001). O apoio percebido também apresentou associação com afetos positivos (r = 0,39; p < 0,001) e negativos (r = -0,28; p < 0,001). Um modelo de predição e mediação foi testado através de uma análise de caminhos. Entre as relações estabelecidas, verificou-se a associação do apoio social percebido com a satisfação com a vida de forma direta e também mediada pelos afetos positivos e negativos. Os indicadores revelaram um bom ajuste do modelo aos dados χ² = 193,6; df = 56; p < 0,001; RMSEA = 0,057; CFI = 0,97; TLI = 0,95; SRMR = 0,045.
Como se pode observar, o apoio social é uma importante variável associada à satisfação com a vida, seja de forma direta ou mediada pelos afetos, especialmente na longevidade, quando os idosos tendem a sofrer perdas de papéis sociais e demonstram maior propensão à vulnerabilidade e à fragilidade (Rocha et al., 2017). Entretanto, alguns estudos indicam que o comprometimento da independência funcional pode afetar os níveis de apoio autorrelatado e, também, os níveis de bem-estar medidos pelos níveis de satisfação com a vida e de afetos (Dutra & Silva, 2014; Lund, Nordlund, Nygård, Lexell & Bernspång, 2005). A independência funcional refere-se à habilidade do indivíduo em realizar as atividades da vida diária de forma independente, ou seja, sem precisar da ajuda de outras pessoas (Brito & Pavarini, 2012). Tais atividades podem ser divididas em duas categorias: Atividades Básicas da Vida Diária (ABVD) – relacionadas ao autocuidado – e Atividades Instrumentais da Vida Diária (AIVD) – relacionadas à manutenção da vida comunitária (Brito & Pavarini, 2012).
A independência funcional é atingida por praticamente todos os seres humanos ainda na infância/adolescência, contudo, alguns eventos podem comprometê-la e levar a pessoa a necessitar de cuidados providos por terceiros em determinado grau. Na velhice existem diversos fatores de risco para a manutenção da independência funcional, como o déficit cognitivo, a depressão, as quedas, as doenças crônicas, o pouco nível de atividade física, a nutrição, o declínio ou a perda da visão, a idade avançada, entre outros (Stuck et al., 1999). O comprometimento da independência pode afetar a participação social do idoso, levando-o ao isolamento e diminuindo as trocas sociais (Brito & Pavarini, 2012; Chao, 2014; Lund et al., 2005), reduzindo assim seu nível de bem-estar (Chao, 2014; Benka et al., 2014).
Unsar, Dindar e Kurt (2015), ao pesquisarem uma amostra composta por 912 idosos não institucionalizados do noroeste da Turquia, encontraram correlação positiva entre a independência funcional em relação às ABVD e o nível de apoio social percebido (r = 0,16; p < 0,001). Embora a magnitude da correlação seja baixa, esse resultado sugere a direção da relação entre as variáveis, na qual idosos mais independentes têm uma maior percepção do apoio social, enquanto aqueles mais dependentes em relação ao autocuidado relataram menor nível de apoio percebido.
No Brasil, em uma amostra de 1.786 idosos não institucionalizados de dez distritos da zona metropolitana de Belo Horizonte (MG), os resultados dos testes do qui-quadrado de Pearson indicaram haver uma diferença significativa (p = 0,027) entre a proporção de idosos com alguma dependência funcional que coabitam com os filhos (11,1%) e aqueles que não coabitam (6,7%), sugerindo que idosos que precisam de ajuda para execução das ABVD têm maior probabilidade de residir com os filhos (Giacomin, Peixoto, Uchoa & Lima-Costa, 2008). Além disso, a partir dos resultados das análises de regressões logísticas, foi possível observar uma associação negativa e independente entre incapacidade grave e encontro com amigos. As estimativas de odds ratios e dos respectivos intervalos de 95% foram de 0,31 (0,16 - 0,60) para idosos totalmente dependentes que encontraram entre 1 e 5 amigos nos últimos 30 dias e de 0,13 (0,06-0,26) para aqueles que encontraram mais de 5.
Dutra e Silva (2014) investigaram a relação entre a funcionalidade, o apoio social e a dimensão emocional do bem-estar (afetos positivos e negativos) em 39 idosos não institucionalizados, residentes do município de Uberaba (MG). Duas medidas foram utilizadas para acessar o apoio social: a quantidade de pessoas que coabitavam com o idoso e o apoio social recebido autorrelatado. Os resultados indicaram que a independência funcional correlacionou-se positivamente com o apoio recebido (r = 0,36; p = 0,025), sugerindo que quanto mais independente era o idoso na execução de suas atividades diárias, mais ele percebia suas necessidades supridas por outras pessoas. Em contrapartida, quanto mais dependente, menos apoio era relatado. O número de pessoas coabitantes não apresentou correlação significativa com a funcionalidade do idoso, mas se correlacionou com afetos positivos (r = 0,55; p < 0,001) e com afetos negativos (r = 0,55; p < 0,001), indicando que quanto mais pessoas residem com o idoso, maior a experiência de afetos positivos e negativos.
Como é possível observar, as relações entre as variáveis independência funcional, apoio social, afetos e satisfação com a vida teve investigações relatadas na literatura científica, inclusive em amostras de idosos brasileiros não institucionalizados. Contudo, pouco se sabe a respeito da natureza dessas relações em idosos brasileiros institucionalizados, dados extremamente importantes para a garantia de um envelhecimento ativo dessa população.
Desse modo, o presente estudo visa testar, por meio de uma análise de caminhos, um modelo de predição das variáveis independência funcional, tipos de apoio social (recebido, provido e percebido) e afetos positivos e negativos sobre a satisfação com a vida de idosos institucionalizados. Com base na literatura, espera-se encontrar as seguintes relações de predição: a) da independência funcional sobre os tipos de apoio social, sendo a associação positiva (Dutra & Silva, 2014; Giacomin et al., 2008; Unsar, et al. 2015); b) dos tipos de apoio social sobre o nível de afetos, sendo a associação positiva com os afetos positivos e negativa com os afetos negativos (Kong et al., 2019; Tu & Yang, 2016); c) dos afetos positivos com os afetos negativos, sendo a associação negativa (Kupens et al., 2008); d) dos afetos sobre a satisfação com a vida, sendo a associação positiva com os afetos positivos e negativa com os afetos negativos (Busseri, 2015; Kong et al., 2019; Kupens et al., 2008; Tu & Yang, 2016); e) dos tipos de apoio social sobre a satisfação com a vida, sendo a associação positiva (Kong et al., 2019; Tu & Yang, 2016).
Método
Participantes
Foram abordados 40 idosos residentes em quatro diferentes ILPIs de caráter filantrópico no município do Rio de Janeiro. As instituições foram escolhidas por conveniência, de acordo com a facilidade de acesso e com a autorização por parte das mesmas para realização da pesquisa. Os critérios de inclusão adotados no recrutamento dos participantes foram: ter 60 anos ou mais, residir há no mínimo um mês em ILPI e aceitar responder voluntariamente aos instrumentos utilizados. Foram excluídos da pesquisa os idosos que apresentaram comprometimento cognitivo, condição que dificultaria ou impossibilitaria a aplicação dos instrumentos e poderia afetar os resultados do estudo.
Após aplicação dos critérios de inclusão e exclusão, 34 idosos participaram da pesquisa, sendo 20 deles do sexo feminino (58,8%). A faixa etária variou entre 61 e 90 anos (M = 76,24; DP = 8,77). A média do tempo de institucionalização foi de 5,1 anos (DP = 6,11). Em relação ao estado civil, 14 participantes declararam-se viúvos (41,2%), 11 divorciados (32,4%), 8 solteiros (23,5%) e 1 desquitado (2,9%). No tocante à escolaridade, 5 participantes declararam possuir ensino primário incompleto (14,7%), 12 o primário completo ou o ginasial incompleto (35,3%), 3 o ginasial completo ou o colegial incompleto (8,8%), 9 o colegial completo ou o ensino superior incompleto (26,5%) e 3 declararam ter concluído o ensino superior (8,8%). Houve ainda 2 participantes que declararam ter tido apenas educação informal (5,9%).
Instrumentos
Mini-Exame do Estado Mental – MEEM. Este é um instrumento neuropsicológico de rastreio cognitivo, composto por uma bateria simples de 20 testes que totalizam 30 pontos (Brucki, 2016). Seus itens correspondem a perguntas abertas e a tarefas que avaliam as funções cognitivas de orientação temporal e espacial (e.g., “Em qual cidade estamos?” e “Em que dia estamos?”), de atenção e cálculo (e.g., soletrar a palavra “mundo” de trás para frente), de memória imediata e evocação (e.g., repetir três palavras ditas há pouco pelo entrevistador), de linguagem e de produção visual (e.g., mostrar um relógio e uma caneta e pedir ao entrevistado para nomeá-los). Cada resposta correta confere um ponto ao entrevistado. Além de ser facilmente compreendido pelos respondentes e rápido em sua aplicação (entre cinco e oito minutos), sua vantagem é permitir separar os indivíduos com comprometimento cognitivo através de pontos de corte de acordo com o nível de escolaridade (Brucki, 2016). A versão brasileira do instrumento apresentou sensibilidade e especificidade de 80,8% e 65,3%, respectivamente (Lourenço e Veras, 2006), alfa de Cronbach de 0,71 e coeficiente de correlação intraclasse de 0,80 (Lourenço, Veras & Ribeiro, 2008).
Escala de satisfação com a vida para idosos. Foi elaborada por Cardoso e Ferreira (2009) a partir da adaptação de dois instrumentos internacionais. A escala avalia o grau de satisfação da vida do idoso através de 12 sentenças relacionadas aos estados de humor e a atitudes de satisfação ou insatisfação com a própria vida na velhice. Por exemplo, “À medida que avalio a minha vida, sinto-me totalmente satisfeito/a” e “As coisas vão se tornando piores à medida que envelheço”. O respondente deve marcar seu grau de concordância para cada sentença em escala Likert de cinco pontos de 1 (discordo totalmente) a 5 (concordo totalmente). Os escores dos itens 1, 2, 3, 5, 7, 8 e 10 devem ser invertidos, uma vez que representam atitudes de insatisfação com a vida. A escala é corrigida no sentido da satisfação e, assim, quanto maior o escore, maior a satisfação com a própria vida. Os escores podem variar de 12 (pontuação mínima) a 60 (pontuação máxima). A consistência interna do instrumento no estudo de adaptação foi satisfatória, apresentando coeficiente alfa de 0,76 (Cardoso & Ferreira, 2009).
Positive Affect and Negative Affect Scales (PANAS). Adaptada transculturalmente para a população idosa brasileira por Cardoso e Ferreira (2009), a escala mensura a experiência de afetos positivos e negativos através de 16 itens – sete para afetos positivos e nove para negativos. Por exemplo, “Sinto-me seguro/a” e “Sinto-me angustiado/a”. Para cada item, o respondente deve indicar o grau em que tem experimentado cada estado afetivo ultimamente numa escala tipo Likert de 1 (Nem um pouco) a 5 (Extremamente). Os afetos positivos e negativos são corrigidos separadamente e quanto maior o resultado em cada um, maior o grau daquela característica. Na escala de afetos positivos, os escores podem variar entre 7 e 35 pontos, enquanto na escala de afetos negativos, entre 9 e 45 pontos. A consistência interna dos itens no estudo de adaptação foi satisfatória, apresentando coeficiente alfa de 0,70 para os afetos positivos e 0,79 para os afetos negativos (Cardoso & Ferreira, 2009).
Escala de Apoio Social do Medical Outcomes Study. Adaptada transculturalmente por Griep, Chor, Faerstein, Werneck e Lopes (2005), a escala é composta por 19 itens que avaliam a frequência do apoio social percebido, isto é, o apoio que a pessoa acredita estar disponível caso venha precisar. Por exemplo: “Se você precisar, com que frequência conta com alguém que lhe dê um abraço?”. A resposta para cada item é indicada numa escala tipo Likert de cinco pontos (Nunca a Sempre). Não há itens reversos. Os escores no instrumento podem variar entre 19 e 95 pontos. A consistência interna dos itens do instrumento mostrou-se altamente satisfatória no estudo de adaptação, apresentando valores de alfa superiores a 0,83 (Griep et al., 2005).
Escala de Apoio Social Recebido. Dez itens foram elaborados pelo primeiro autor para o presente estudo, a fim de avaliar o apoio social recebido. Entre eles, “Tenho recebido tantos abraços quanto preciso” e “Tenho recebido apoio em questões financeiras, como divisão de despesas, dinheiro dado ou emprestado”. Parte dos itens foi elaborada com base nos fundamentos conceituais do construto (Rocha et al., 2017; Siedlecki et al., 2014) e outra parte foi adaptada da Escala de Suporte Social para Pessoas Vivendo com HIV/Aids (Seidl & Tróccoli, 2006). Os participantes devem indicar o grau de concordância com cada item numa escala Likert de 1 (Discordo totalmente) a 5 (Concordo totalmente). Os escores podem variar entre 10 e 50 pontos. Não há itens reversos.
Escala de Apoio Social Provido. Oito itens foram elaborados pelo primeiro autor para o presente estudo, a fim de avaliar o apoio social provido. Por exemplo, “Com que frequência você busca confortar alguém que está sofrendo?” e “Com que frequência você demonstra amor e afeto pelas pessoas a sua volta?”. Os itens foram elaborados com base nos fundamentos conceituais do construto (Rocha et al., 2017; Siedlecki et al., 2014). Os participantes devem indicar a frequência com que desempenham os comportamentos indicados em cada item numa escala tipo Likert de 1 (Nunca) a 5 (Sempre). Os escores podem variar entre 8 e 40 pontos. Não há itens reversos.
Escala de Independência em Atividades da Vida Diária (EIAVD). Adaptada transculturalmente para o Brasil por Lino, Pereira, Camacho, Ribeiro Filho e Buksman (2008), é um instrumento de avaliação funcional utilizado para avaliar o grau de dependência ou independência do idoso em relação a seis atividades básicas de vida diária (ABVD): tomar banho, vestir-se, ir ao banheiro, transferência, continência e alimentação. A escala é composta por seis itens – um para cada atividade –, nos quais o idoso é identificado como independente (I) ou dependente (D), de acordo com sua capacidade em realizar aquela atividade sem a ajuda de outras pessoas. Um ponto é atribuído para cada atividade (i.e., item), na qual o idoso é avaliado como independente. Em contrapartida, nenhum ponto é atribuído quando o idoso é avaliado como dependente naquela atividade. Portanto, os escores no instrumento podem variar de zero (i.e., idoso totalmente dependente) a seis (i.e., idoso totalmente independente). A consistência interna dos itens do instrumento mostrou-se altamente satisfatória no estudo de adaptação, apresentando valores de alfa superiores a 0,80 (Lino et al., 2008). O instrumento pode ser preenchido através de observação direta da realização da atividade, do relato do participante ou do relato secundário de alguém que acompanhe a rotina do participante.
Procedimentos
A presente pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Além da prévia autorização das instituições envolvidas, cada idoso assinou, por sua vez, o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), que informava os objetivos da pesquisa e as regras de preservação do anonimato. A coleta de dados foi realizada pelo primeiro autor, sendo tomados os devidos cuidados para que todas as aplicações fossem padronizadas.
Inicialmente, eram apresentados aos potenciais participantes os objetivos da pesquisa e o TCLE. Após consentimento do idoso sobre sua participação, era aplicado o instrumento MEEM para realização da triagem e da exclusão dos sujeitos cuja capacidade cognitiva estivesse comprometida. O MEEM foi utilizado, adotando os pontos de corte estabelecidos de acordo com a escolaridade do sujeito (Brucki, 2016).
Em seguida, levantou-se o perfil dos sujeitos envolvidos na pesquisa, no que se refere aos dados pessoais, a saber, sexo, escolaridade, estado civil e tempo de residência na ILPI. Os instrumentos que avaliam a satisfação com a vida, os afetos e os tipos de apoio social foram aplicados em seguida no formato de entrevista individual presencialmente, a fim de alcançar inclusive os idosos com alguma deficiência visual, física ou motora que impossibilitasse ou dificultasse o autopreenchimento. A realização das entrevistas acontecia no espaço físico da ILPI. Por último, o levantamento do grau de dependência ou independência do idoso em relação às ABVD dava-se junto a um profissional da instituição que acompanhasse a rotina do idoso. A duração média para preenchimento dos instrumentos com os idosos foi de 60 minutos e de 15 minutos com os informantes secundários.
Análise dos dados
Os dados foram codificados e processados utilizando-se procedimentos dos softwares IBM SPSS versão 20.0 e R versão 3.3.2. Foram empregadas estratégias de análise de dados de natureza quantitativa, tendo em vista a natureza métrica dos instrumentos utilizados. Inicialmente, foram realizadas análises descritivas das variáveis estudadas, como frequência, medidas de tendência central (mediana, média e desvio padrão) e intervalos de confiança. Em seguida, calculou-se a consistência interna dos instrumentos através do coeficiente alfa de Cronbach, com exceção da Escala de Independência em Atividades da Vida Diária, por tratar-se de um instrumento com itens dicotômicos. Nesse caso, foi calculada a KR-20. Posteriormente, analisou-se a distribuição dos dados levantados. Recorreu-se, em princípio, às técnicas gráficas para auxiliar na compreensão da distribuição dos dados (histogramas de frequências e de diagramas de caixa e bigodes). Também foram utilizados o teste de Shapiro-Wilk, os valores da assimetria e os produtos da equação assimetria/erro-padrão da assimetria (ver Kim, 2012; 2013; Tabachnick & Fidell, 2007).
Analisou-se ainda a diferença entre condições (sexo e funcionalidade). Tendo em vista o número reduzido de participantes, optou-se pela utilização do teste estatístico de Mann-Whitney. A parte seguinte da avaliação de dados consistiu em análises bivariadas com o objetivo de oferecer subsídios para o modelo multivariado, a partir da representação gráfica e dos coeficientes de correlação de Spearman, considerando a assimetria de duas variáveis.
Por fim, a análise de caminhos (path analysis) foi utilizada para estabelecer uma visão mais ampla dos relacionamentos. Segundo Hair, Anderson, Babin e Black (2010), diferentemente da análise de correlações, a análise de caminhos permite estabelecer a direção dos relacionamentos entre as variáveis, enquanto oferece uma vantagem sobre regressões simples e múltiplas em permitir que alguns desses relacionamentos possam competir entre si, enquanto são investigados e detectados. Adicionalmente, a análise de caminhos também oferece índices de ajuste do modelo, no sentido de aproximação da matriz do modelo proposto comparada à variância observada na amostra (Brown, 2015). A questão da path analysis é discutida de forma extensiva por Hayduk, Cummings, Boadu, Pazderka-Robinson & Boulianne (2007), que expõem evidências de modelos sensíveis mesmo com amostras com N = 72.
Resultados
Estatística descritiva
As estatísticas descritivas e os coeficientes de consistência interna das medidas utilizadas são apresentados na Tabela 1. Como pode ser observado, todas as medidas apresentaram boa consistência interna na amostra estudada, inclusive aquelas elaboradas pelos autores com base nos fundamentos conceituais do construto para acessar o apoio recebido e o apoio provido.
Tabela 1. Análise descritiva das variáveis investigadas
Variáveis | Mediana | Média | DP | IC95% | Consistência interna | |
---|---|---|---|---|---|---|
Limite Inferior | Limite Superior | |||||
Satisfação com a vida | 40 | 37,82 | 11,11 | 33,95 | 41,70 | 0,89 |
Afetos positivos | 22 | 20,82 | 7,06 | 18,36 | 23,29 | 0,87 |
Afetos negativos | 15 | 16,94 | 7,72 | 14,25 | 19,64 | 0,88 |
AS Percebido | 68 | 65,55 | 14,15 | 60,61 | 70,49 | 0,87 |
AS Recebido | 36,50 | 35,71 | 7,09 | 33,23 | 38,18 | 0,77 |
AS Provido | 36,50 | 34,26 | 9,16 | 31,07 | 37,46 | 0,83 |
Independência funcional | 6 | 5,47 | 1,16 | 5,07 | 5,88 | 0,80 |
Nota. IC95% = Intervalo de Confiança de 95% para Média. AS = Apoio Social.
No que se refere à independência funcional, 25 participantes foram identificados como totalmente independentes em relação às ABVD (73,5%), enquanto 9 como parcialmente dependentes (26,5%), sendo 5 dependentes em apenas uma função (14,7%), 2 dependentes em duas funções (5,9%), 1 dependente em quatro funções (2,9%) e 1 dependente em cinco funções (2,9%). As atividades de vida diária que mais apresentaram idosos dependentes foram tomar banho (n = 5), vestir-se (n = 4) e continência (n = 4), seguidas por transferência (n = 3) e uso do vaso sanitário (n = 2). Todos os sujeitos da amostra eram totalmente independentes para se alimentar, ou seja, todos os idosos participantes se alimentavam sozinhos ou recebiam ajuda apenas para cortar carne ou passar manteiga no pão. Não foram identificados idosos totalmente dependentes.
Através das técnicas gráficas aplicadas foi possível verificar que duas variáveis afastavam-se consideravelmente da distribuição normal: afetos negativos (assimetria positiva) e independência funcional (assimetria negativa). Considerando os resultados do teste de Shapiro-Wilk, dos valores da assimetria e dos produtos da equação assimetria/ erro-padrão da assimetria, confirmou-se que apenas os instrumentos que avaliaram os afetos negativos e a independência funcional não obtiveram uma distribuição normal de seus dados. Todas as demais variáveis envolvidas atenderam aos critérios de normalidade adotados.
Análise de diferença entre condições
Como é de praxe na literatura psicogerontológica, verificou-se a existência de diferenças entre os sexos quanto às variáveis psicossociais investigadas. Embora houvesse diferenças entre os sexos em relação à mediana das variáveis investigadas, o valor de probabilidade associado foi muito superior a 0,05 em todas as comparações, mostrando ser possível que as diferenças tenham ocorrido por erro amostral. Desse modo, considerou-se a inexistência de diferenças estatisticamente significativas entre os grupos (homem x mulher).
Em seguida, os participantes foram divididos em dois grupos, levando em consideração o nível de independência funcional ([n = 9] dependentes x independentes [n = 25]). Foi, então, verificada a diferença quanto às variáveis psicossociais investigadas através do teste estatístico de Mann-Whitney. Os resultados indicaram que houve diferença significativa apenas para as variáveis do apoio social. O nível de apoio social percebido foi menor no grupo de idosos dependentes (mediana = 57) do que no grupo de idosos independentes (mediana = 71). O U de Mann-Whitney foi 55,5 (z = -2,22), com um valor de probabilidade associada de 0,02. Além disso, os idosos dependentes relataram menor nível de apoio provido (mediana = 27) do que os idosos independentes (mediana = 38), sendo o U de Mann-Whitney de 61 (z = -2,01), com um valor de probabilidade associada de 0,04. Os idosos dependentes também relataram receber menos apoio (mediana = 29) do que os idosos independentes (mediana = 37), sendo o U de Mann-Whitney de 63,5 (z = -1,91), com um valor de probabilidade associada de 0,055.
Correlações Bivariadas
A partir da representação gráfica dos dados bivariados na forma de diagramas de dispersão, foi possível verificar relações lineares entre parte das variáveis investigadas. Não foram identificadas relações curvilíneas. Assim, prosseguiu-se a avaliação das relações entre as variáveis com o cálculo dos coeficientes de correlação de Spearman. Na Tabela 2 estão listados os coeficientes de correlação encontrados entre as variáveis investigadas, assim como o respectivo nível de significância.
Tabela 2. Correlações de Spearman - coeficientes de correlação e nível de significância
1 | 2 | 3 | 4 | 5 | 6 | 7 | |
---|---|---|---|---|---|---|---|
1. Satisfação com a vida | - | ||||||
2. Afetos positivos | 0,68** | - | |||||
3. Afetos negativos | -0,57** | -0,50** | - | ||||
4. Ind. Funcional | 0,24 | 0,30 | -0,19 | - | |||
5. AS Percebido | 0,29 | 0,52** | -0,12 | 0,36* | - | ||
6. AS Recebido | 0,38* | 0,52** | -0,15 | 0,35* | 0,73** | - | |
7. AS Provido | 0,42* | 0,53** | -0,16 | 0,32 | 0,66** | 0,50** | - |
Nota. AS = Apoio Social. *p < .05; **p < .01
Como pode ser observado, as análises bivariadas realizadas apontaram as seguintes correlações estatisticamente significativas: positiva e fraca entre a independência funcional e os tipos de apoio social (percebido e recebido); positivas e moderada a forte dos tipos de apoio social entre si (percebido, recebido e provido); positivas e moderadas entre todos os tipos de apoio social e duas variáveis do bem-estar (satisfação com a vida e afetos positivos); e moderada das variáveis do bem-estar entre si (satisfação com a vida e afetos positivos correlacionam-se positivamente entre si e negativamente com os afetos negativos).
Modelo Multivariado
Pela matriz de correlação foram definidos os percursos do ajuste exploratório do modelo multivariado. O mapa conceitual do modelo final obtido pode ser observado na Figura 1. Vale ressaltar que não foram detectadas outras contribuições utilizando a análise de caminhos, sendo necessária uma estratégia stepwise de sentido caracterizada como backwards, pela retirada de variáveis não significativas do modelo, compreendendo a satisfação com a vida como a variável dependente. Vale ressaltar ainda que o estimador utilizado foi de Maximum Likelihood Robust (MLR), especialmente em função do tamanho restrito da amostra.

Nota. IF = Independência funcional. AS = Apoio social. AP = Afetos positivos. NA = Afetos negativos. SV = Satisfação com a vida.
Figura 1. Mapa conceitual
O modelo multivariado, sem considerar grupos ou outros fatores, atingiu um ajuste para um X²(df = 19) = 14,22 (p = 0,771), RMSEA < 0,01 (p = 0,834), CFI = 1,00, TLI = 1,06. Todas as cargas de regressão foram significativas, assim como as associações especificadas no modelo. Os índices estão disponíveis na Tabela 3.
Tabela 3. Índices do modelo multivariável global
Variáveis | Estimativas | E.P. | p-valor |
---|---|---|---|
Satisfação com a vida | |||
em Afetos Positivos | 0,54 | 0,13 | 0,000 |
em Afetos Negativos | -0,32 | 0,10 | 0,002 |
Afetos Positivos | |||
em AS Percebido | 0,46 | 0,12 | 0,000 |
AS Percebido | |||
em AS Provido | 0,45 | 0,11 | 0,000 |
em AS Recebido | 0,52 | 0,10 | 0,000 |
AS Recebido | |||
em Independência Funcional | 0,31 | 0,12 | 0,011 |
Independência Funcional | |||
em idade | -0,40 | 0,11 | 0,000 |
Afetos Positivos <=> Afetos Negativos | -0,44 | 0,10 | 0,000 |
AS Recebido <=>AS Provido | 0,45 | 0,11 | 0,000 |
Indireto de IF para SV | 0,04 | 0,05 | 0,054 |
Indireto de AS Recebido para SV | 0,13 | 0,05 | 0,010 |
Indireto de AS Provido para SV | 0,25 | 0,09 | 0,004 |
Indireto de Idade para AS Recebido | -0,12 | 0,07 | 0,096 |
Nota. E.P. = Erro Padrão. AS = Apoio Social. IF = Independência funcional. SV = Satisfação com a vida.
Além dos efeitos diretos, também foram testados efeitos indiretos, ou de mediação, nos quais foi verificado que a independência funcional apresenta um efeito pequeno indireto desde que mediada pelo percurso de variáveis apresentado no modelo (b = 0,04, E.P. = 0,05, p = 0,054). Também foram verificados efeitos indiretos de magnitude pequena de Apoio Recebido e de Apoio Provido para Satisfação com a Vida (b = 0,13, E.P. = 0,05, p = 0,01; e b = 0,25, E.P. = 0,09, p = 0,004, respectivamente).
Discussão
O presente estudo teve por objetivo testar um modelo de predição das variáveis independência funcional, tipos de apoio social (recebido, provido e percebido) e afetos positivos e negativos sobre a satisfação com a vida de idosos institucionalizados. Avaliou-se o nível de independência em relação às ABVD, uma vez que são estas as atividades de autocuidado que se referem à capacidade de o idoso responder por si no espaço de seu domicílio. As hipóteses do estudo foram parcialmente corroboradas.
Esperava-se encontrar uma associação positiva entre a independência funcional e os tipos de apoio social (hipótese a). Como esperado, a independência funcional esteve associada positivamente ao apoio social recebido, contudo, não mostrou associação significativa com o apoio provido e percebido. Desse modo, idosos mais independentes tenderam a relatar receber mais apoio. Em contrapartida, quanto mais dependente o idoso, menos apoio ele relatava receber. Outros estudos, envolvendo idosos não institucionalizados, encontraram relação semelhante entre essas duas variáveis (Dutra & Silva, 2014; Giacomin et al., 2008). Uma possível explicação para esse fenômeno é que o déficit funcional restringe a participação social do idoso, condição importante para o recebimento de ajuda (Giacomin et al., 2008). Esse é um dado preocupante, tendo em vista que, no momento em que o idoso mais demanda por cuidados, ele não se sente suficientemente apoiado. Outra possível explicação é que cuidadores de idosos mais dependentes sintam-se mais sobrecarregados e que isso afete o nível ou a qualidade de apoio provido por eles aos idosos (Pereira e Carvalho, 2012).
É necessário registrar, entretanto, que as medidas de apoio recebido utilizadas na maioria dos estudos (inclusive neste) são subjetivas, representando o reconhecimento pelo próprio sujeito do apoio que recebe. Ou seja, baixos níveis de apoio social autorrelatados não indicam necessariamente que o idoso esteja recebendo menos apoio. Variáveis intrínsecas ao indivíduo podem levá-lo a não se sentir apoiado, mesmo que receba apoio (Saarason, 2013). Além disso, o instrumento utilizado avalia o apoio recebido de modo geral, sem especificar a fonte do apoio em questão. Isto é, diante de cada item das escalas, o idoso indicava o quanto considerava estar recebendo apoio, sem apontar o responsável por esse provimento. Dessa maneira, é possível que o idoso receba suporte dos profissionais da instituição na qual se encontra e, mesmo assim, relate baixo nível de apoio, caso considere que as pessoas mais significativas de sua vida não estão acessíveis ou não prestam a ajuda que ele espera. Esse cenário no qual o receptor não reconhece o apoio recebido é denominado pela literatura como apoio invisível (Ditzen & Heinrichs, 2014). Porém, não é possível realizar tais afirmações a partir da metodologia aqui adotada. Novas pesquisas são necessárias nesse sentido.
Outro resultado esperado era a associação entre os tipos de apoio social e os afetos, sendo a associação positiva com os afetos positivos e negativa com os afetos negativos (hipótese b). Como foi possível observar, essa hipótese foi parcialmente corroborada, uma vez que apenas o apoio social percebido esteve associado positivamente à frequência de afetos positivos, no sentido de quanto mais o idoso confiava que obteria apoio ao precisar, mais afetos positivos ele relatou experimentar. Ou seja, diante de uma maior sensação de segurança gerada pela crença de estar socialmente amparado, o idoso institucionalizado experimentou mais emoções e sentimentos agradáveis como interesse, inspiração, animação e determinação, ratificando os resultados encontrados por Kong et al. (2019). Contrariando nossas expectativas, os afetos negativos não apresentaram associação significativa com os tipos de apoio social. Isso sugere que a experiência de afetos negativos entre os idosos institucionalizados possivelmente é predita por outra variável não incluída no estudo. Outros estudos futuros podem incluir demais variáveis, a fim de investigar os preditores dos afetos negativos em idosos institucionalizados, como sintomas depressivos (Harralson & Lawton, 1999), autopercepção da saúde (Lima, Santos, Almeida, & Martins, 2018), autocontrole (Tu & Yang, 2015) e inteligência emocional (Kong et al., 2019).
Conforme conjecturado, a experiência afetiva positiva esteve associada negativamente com a experiência afetiva negativa (hipótese c). Desse modo, quanto mais afetos positivos o idoso experimentava, menos afetos negativos eram relatados, e vice-versa. Outra hipótese levantada foi a predição dos afetos sobre a satisfação com a vida, sendo a associação positiva com afetos positivos e negativa com afetos negativos (hipótese d). Como foi observado, os afetos positivos previram positivamente a satisfação com a vida, enquanto a experiência de afetos negativos previu inversamente. Outros autores já tinham apontado o poder de previsão dos afetos sobre a satisfação com a vida, alguns, inclusive, encontraram uma relação de mediação dos afetos na relação de outras variáveis com a satisfação com a vida (Busseri, 2015; Extremera & Rey, 2016; Kong et al., 2019; Kuppens et al., 2008). A dinâmica das dimensões do bem-estar e a natureza distinta das associações com outras variáveis corroboram a importância da distinção dos componentes cognitivo e afetivo no acesso e na interpretação desse construto (Layous & Zanon, 2014).
Por fim, esperava-se que os tipos de apoio social estivessem associados positivamente à satisfação com a vida (hipótese e), o que se confirmou na análise dos efeitos indiretos na análise de caminhos. Além disso, a independência funcional também mostrou-se indiretamente associada à satisfação com a vida, de forma positiva. Assim, idosos mais independentes e que relataram mais apoio tenderam a relatar maior satisfação com a vida, enquanto idosos mais dependentes e que relatam menos apoio mostraram-se menos satisfeitos. Conforme sugerido por outros estudos, o idoso institucionalizado pode mostrar-se satisfeito com sua vida, sobretudo se houver integração social e manutenção da independência funcional (Camarano & Barbosa, 2016; Dias et al., 2013).
Inesperadamente, foi verificada uma relação bidirecional entre o apoio recebido e o apoio provido. Isto é, quanto mais o idoso provê ajuda, mais ele recebe ajuda de outras pessoas. Esse resultado está de acordo com a literatura científica que destaca a importância de comportamentos interpessoais efetivos por parte do idoso na construção de sua rede de apoio (Carneiro & Falcone, 2016). Assim, fica identificado que o idoso não recebe ajuda de modo passivo, antes, é corresponsável por esse recebimento.
Outro resultado inesperado foi o papel mediador que apoio percebido exerceu para a predição dos apoios recebido e provido sobre os afetos positivos, indicando que os tipos de apoio social não são fatores de mesma ordem da variável apoio social. Outros estudos com maior número de participantes se fazem necessários para alcançar uma melhor compreensão da dinâmica interna no apoio social em idosos institucionalizados.
Considerações Finais
Os resultados encontrados pelo presente estudo sugerem haver uma relação positiva entre a independência funcional e o apoio social recebido, bem como entre os tipos de apoio e as variáveis afetos positivos e satisfação com a vida. De modo geral, os resultados deste trabalho indicam que quanto maior o nível de independência funcional, maior o grau de apoio social, e quanto maior o nível de apoio, maior o bem-estar (mais experiência de afetos positivos e mais satisfação com a vida).
Vale ressaltar a predição positiva do apoio social provido pelo idoso sobre seu bem-estar. Em geral, presume-se que os idosos precisam de apoio para satisfazer suas necessidades. Isto é, o idoso é visto de forma passiva como aquele que demanda por cuidados. Os resultados, no entanto, apontaram que os idosos não apenas podem ser fontes de apoio, como também experimentam benefícios ao ajudar outras pessoas. Esses resultados caminham no sentido de promover uma mudança de perspectiva ao olhar para os mais velhos como sujeitos que podem ser ativos, dando e recebendo recursos para a promoção do seu bem-estar.
Entretanto, devido às especificidades da população idosa institucionalizada, o tamanho da amostra foi pequeno e necessita de replicações. A generalização dos resultados dependerá da corroboração dos mesmos em outras amostras. Outra limitação foi o delineamento transversal, por representar a realidade em um único momento no tempo. Nesse sentido, propõe-se que pesquisas futuras possam ser realizadas com o objetivo de aprofundar o estudo dessas relações com delineamentos longitudinais. Outra sugestão é de que variáveis sociodemográficas sejam controladas.
Apesar de suas limitações, este estudo pode contribuir para o conhecimento científico acerca da relação entre as variáveis estudadas, além de colaborar para o desenvolvimento de modelos de organização interna dos construtos psicológicos de apoio social e do bem-estar. Acredita-se também que os serviços voltados para a população idosa poderão ser melhor planejados e executados. Ao estabelecer a importância do apoio sobre o bem-estar, deve-se pensar em ações que ajudem a desenvolver a percepção de apoio nos idosos. É fundamental que as pessoas que fazem parte da vida dos idosos sejam incluídas nessas intervenções. Além disso, idosos que apresentam comprometimento em suas capacidades funcionais precisam receber uma atenção especial nessas ações, uma vez que se sentem menos apoiados do que aqueles independentes. Assim, eles poderão ser atendidos a partir de uma visão biopsicossocial e será possível desenvolver caminhos para a promoção de um envelhecimento bem-sucedido, levando o idoso institucionalizado a uma vida que realmente vale a pena.