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Gerais : Revista Interinstitucional de Psicologia

versão On-line ISSN 1983-8220

Gerais, Rev. Interinst. Psicol. vol.14 no.3 Belo Horizonte  2021  Epub 20-Jan-2025

https://doi.org/10.36298/gerais202114e17224 

Artigo

Coping do câncer infantil por cuidadores familiares

Coping in childhood cancer by family caregivers

Larissa Bessert Pagung1 
http://orcid.org/0000-0002-5106-6267

Kelly Ambrósio Silveira2 
http://orcid.org/0000-0002-2381-2322

Alessandra Brunoro Motta3 
http://orcid.org/0000-0003-1162-185X

1Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória, Brasil. E-mail: larissapagung@gmail.com

2Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória, Brasil. E-mail: kellysilveira.psicologia@gmail.com

3Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória, Brasil. E-mail: alessandrabmotta@yahoo.com.br


Resumo

Para lidar com a adversidade do câncer na infância, pais e/ou cuidadores de crianças precisam empregar estratégias de coping que protejam o ajustamento familiar e favoreçam o tratamento. Com o objetivo de analisar o coping nesses cuidadores e a sua relação com variáveis da doença e do tratamento, 60 cuidadores de crianças em tratamento em um hospital público infantil responderam aos instrumentos sobre: coping (Escala de Enfrentamento) e dados sociodemográficos e clínicos. Esses dados foram submetidos à análise estatística descritiva e inferencial. Verificou-se que macrocategorias de coping adaptativas obtiveram maior média, com destaque para resolução de problemas. Foram encontradas relações entre reações emocionais (tristeza, medo e raiva), necessidades psicológicas e macrocategorias de coping. O coping se diferenciou se diferenciou no tipo de câncer, no tempo e na modalidade de tratamento. Conclui-se que intervenções junto aos cuidadores de crianças com câncer, com foco no coping, devem considerar características da doença e do tratamento.

Palavras-chave coping; cuidadores familiares; câncer em crianças

Abstract

Coping strategies are required from parents and caregivers when dealing with childhood cancer, so family adjustment and support to treatment occur. To analyze coping in caregivers of children with cancer and their relationship with the disease’s variables and treatment, 60 caregivers of children undergoing treatment in a public Children’s Hospital answered instruments on coping (Coping Scale) and sociodemographic and clinical data. Data were submitted to descriptive, statistical and inferential analysis. Adaptive coping presented higher mean value, emphasizing problem solving. Relationships among emotional responses (sadness, fear and anger), and psychological needs and coping categories were found. Coping is differentiated in its type, time and modality of treatment. In conclusion, interventions with caregivers for childhood cancer, focusing on coping, must consider the disease’s characteristics and treatment.

Keywords Coping; Family caregivers; Childhood cancer

Os pais ou cuidadores de crianças com câncer possuem um papel estendido e de grande importância no tratamento do filho, visto que, além de acompanhar o processo doloroso – da descoberta do diagnóstico ao tratamento -, precisam lidar também com maiores responsabilidades nos cuidados parentais e administrar as necessidades da situação (Kohlsdorf, 2008). Estudos empíricos têm mostrado que o tratamento do câncer pediátrico impacta a rotina profissional e social dos pais ou cuidadores (Earle, Clarke, Eiser, & Sheppard, 2006) e aumenta a probabilidade de respostas de ansiedade (Kazak et al., 2004), depressão, culpabilização, sintomas somáticos (Young, Dixon-Woods, Findlay, & Heney, 2002), distúrbios do sono (Gedaly-Duff, Lee, Nail, Nicholson, & Johnson, 2006), sobrecarga física e emocional e perda da qualidade de vida (James et al., 2002). De acordo com a revisão de literatura de Kohlsdorf e Costa Júnior (2012), sobre o impacto psicossocial do tratamento do câncer infantil nos pais ou cuidadores, são observados impactos negativos relativos aos gastos financeiros, às mudanças de rotina e às alterações nos relacionamentos conjugais, concomitantes à ocorrência de transtornos comportamentais e emocionais, como depressão, ansiedade, sintomas de estresse pós-traumático, angústia e sofrimento psicológico. Além disso, identificaram-se fatores moderadores desses impactos, descritos em termos de suporte social, gênero e fornecimento de informações, os quais podem influenciar a vulnerabilidade dos pais ou cuidadores.

Os impactos do câncer infantil se traduzem em estressores capazes de colocar em risco o ajustamento da família durante e após o tratamento. Analisando estressores específicos do câncer para os pais, Rodriguez et al. (2012) verificaram que mães e pais relataram elevados índices, com destaque para o estressor relacionado aos papéis e ao funcionamento diário, além da comunicação e dos cuidados dirigidos à criança. Os autores destacam ainda a relação entre esses estressores e a falta de controlabilidade da situação, uma vez que os pais não se sentem capazes de cuidar do filho e se preocupam com a sua sobrevivência.

Na presença de estressores, a família precisa encontrar recursos para o enfrentamento/coping da doença da criança, de modo a minimizar os riscos psicossociais associados ao tratamento e promover resultados adaptativos. As respostas de adaptação frente ao estresse, ou as chamadas respostas de coping, englobam processos cognitivos, comportamentais e biológicos que são ativados com o objetivo de ajudar o indivíduo a evitar, escapar ou agir na fonte de estresse, com a finalidade de reduzir seus efeitos ou ajustá-los (Compas, 2006).

O coping, em uma perspectiva desenvolvimentista, surge na década de 1990, sendo definido como ação regulatória (Skinner & Zimmer-Gembeck, 2009). De acordo com Skinner e Wellborn (1994), o coping é compreendido como um processo transacional, em que os componentes da reação de estresse são evocados e coordenados em tempo real, para que as pessoas regulem comportamento, emoção e orientação motivacional em condições de estresse psicológico. Dentro dessa perspectiva do coping como ação regulatória, destaca-se a Teoria Motivacional do Coping (TMC) (Motivational Theory of Coping, MTC), proposta por Skinner e Welborn (1994).

A referida teoria não representa uma ruptura ao modelo predominante na área, ou seja, o modelo de Lazarus e Folkman, também referido como Modelo de Processamento de Stress e Coping (Lazarus & Folkman, 1984), mas uma ampliação (Ramos, Enumo, & Paula, 2015). A noção de regulação é consistente com modelos teóricos anteriores, porém, pela TMC o alvo da regulação é a ação, que inclui comportamento, emoção e atenção (Skinner, 1999). A ampliação proporcionada pela TMC também pode ser referida por sua perspectiva desenvolvimentista, uma vez que o modelo teórico permite considerar o coping ao longo do ciclo vital (Skinner, 1999). Nesse sentido, as competências disponíveis em diferentes níveis do desenvolvimento, alcançadas a partir da junção de processos genéticos, fisiológicos e sociais, têm papel decisivo no modo pelo qual o processo adaptativo pode ser satisfeito (Skinner & Zimmer-Gembeck, 2009).

A Teoria Motivacional do Coping (Motivational Theory of Coping, MTC) toma como base o modelo de necessidades psicológicas (Connell & Wellborn, 1991; Deci & Ryan, 1985), entendendo que eventos estressantes ameaçam ou causam danos a três dessas necessidades básicas: relacionamento, competência e autonomia. Segundo o modelo motivacional, essas necessidades psicológicas dirigem o comportamento do indivíduo, de modo que ele: (a) busque estar seguramente conectado com outras pessoas, sentindo-se capaz de amar e ser amado, o que atenderia sua necessidade psicológica básica de relacionamento; (b) seja efetivo em suas interações com o ambiente, obtendo resultados positivos, bem como evitando desfechos negativos, o que atenderia sua necessidade de competência; (c) busque estabelecer interações com o ambiente que lhe permitam determinar livremente o seu próprio curso de ação, atendendo sua necessidade de autonomia (Skinner & Welborn, 1994).

A perspectiva motivacional propõe, então, que quando as três necessidades psicológicas básicas – relacionamento, competência e autonomia – estão sendo satisfeitas, o indivíduo sente-se fortemente engajado, e a tendência é que ele utilize mais estratégias de coping adaptativas; porém, quando elas não estão sendo satisfeitas, pode ocorrer um afastamento da tarefa, podendo ser observada uma tendência ao uso de estratégias mal adaptativas. Quando engajado, o indivíduo se empenha para a realização de atividades que estejam acontecendo, o que não ocorre quando há o afastamento da tarefa (Skinner, 1992).

Em uma revisão teórica e metodológica da teoria, Skinner et al. (2003) identificaram categorias de coping de alta ordem4 distintas, as quais foram organizadas em relação à maneira como os eventos ambientais estressantes podem ameaçar ou desafiar as três necessidades psicológicas básicas. Com base nesta organização, são propostas seis macrocategorias de coping relacionadas à percepção do estressor como desafio, caracterizando um coping adaptativo, a saber: (a) Autoconfiança, que se refere à proteção de recursos sociais disponíveis, por meio de regulação da emoção e do comportamento, e à expressão emocional; (b) Resolução de Problemas, que se refere ao ajuste de ações, como o planejamento e a ação instrumental, para ser efetivo frente ao estressor; (c) Acomodação, que se refere à flexibilidade no ajuste das preferências do indivíduo às opções disponíveis, usando estratégias de distração, reestruturação cognitiva e aceitação; (d) Busca de Suporte, que se refere ao uso de recursos sociais disponíveis, por meio da busca de contato, conforto e suporte espiritual; (e) Busca de Informação, que se refere a buscar novas contingências, por meio de leitura, a perguntar aos outros e a observar; (f) Negociação, que se refere a encontrar novas opções, por meio da persuasão e estabelecimento de prioridades. As outras seis macrocategorias de coping estão relacionadas à percepção do estressor como ameaça, caracterizando um coping mal adapativo, a saber: (a) Submissão, em que o indivíduo desiste de suas preferências, por meio de ruminação e pensamento intrusivo; (b) Desamparo, quando o indivíduo encontra limites de ação no ambiente, empregando estratégias de confusão mental, exaustão e interferência cognitiva; (c) Fuga, quando há a fuga de ambiente não contingente, por meio de evitação comportamental e cognitiva, pensamento desejoso e negação; (d) Delegação, em que o indivíduo encontra limites de recursos, engajando-se em estratégias de busca de suporte mal adaptativo, reclamação e autoculpa; (e) Isolamento, que se refere ao isolamento de contexto não suportivo, por meio da evitação das pessoas e afastamento social; (f) Oposição, que envolve remover restrições, por meio de agressão e culpabilização dos outros.

Investigando o ajustamento psicológico de adolescentes e seus pais ao câncer, Trask, Paterson, Trask, Bares, Birt, e Maan (2003) identificaram o uso de estratégias de coping adaptativas (aquelas dirigidas à resolução do problema), em uma proporção maior do que estratégias de coping mal adaptativas (tipicamente caracterizadas por evitar o manejo direto do estressor). Além disso, os autores verificaram a associação entre distress e estratégias de coping mal adaptativas.

O coping do cuidador no contexto do câncer infantil também tem sido estudado em suas relações com variáveis socioeconômicas e de escolaridade (Gage-Bouchard, Devine, & Heckler, 2013). Enquanto a renda dos pais não se relacionou com o estilo de coping do cuidador, a escolaridade dos mesmos apresentou associação positiva com o uso da estratégia de planejamento e de estratégias de coping ativo, especialmente, considerando os pais das crianças. Entre as mães, suporte instrumental, coping ativo, coping religioso e suporte emocional foram as estratégias mais referidas no encontro com o estressor/câncer do filho.

Inúmeros estudos indicam o uso de diversas estratégias de coping em pais/familiares de crianças com câncer, dessa forma, são esperados resultados positivos no processo de coping do estressor (Houtzager et al., 2004; Norberg, Lindblad, & Boman, 2005; Trask et al., 2003). No que se refere ao funcionamento familiar, estudos são divergentes: enquanto alguns demonstram efeitos negativos sobre os pais (Norberg et al., 2005) e irmãos das crianças com câncer (Houtzager et al., 2004), o estudo de Trask et al. (2003) refere que o funcionamento comportamental e emocional entre os membros da família não é prejudicado de forma significativa.

Nesse ponto, propõe-se a investigação do processo de coping de cuidadores de crianças com câncer. Assim, essa pesquisa descreveu e analisou o coping nesses cuidadores, bem como verificou as relações entre as variáveis que compõem o coping (afeto negativo, necessidades psicológicas básicas e estratégias de enfrentamento) e características da doença e do tratamento.

Método

Participantes

A amostra foi composta por 60 cuidadores principais de crianças diagnosticadas com câncer, dos dois sexos, sendo a maioria mulheres (81,7%), casadas (66,6%), com idade entre 20 e 67 anos (Média = 36,5 anos). Em relação à escolaridade, a maior parte da amostra variou entre o Fundamental incompleto (21,7%) e o Ensino Médio completo (33,3%), com renda concentrada nas categorias até 1 salário mínimo (48,3%) e de 1 a 3 salários mínimos (33,3%). Esses cuidadores constituíram uma amostra de conveniência, considerando como critérios de inclusão: (a) ter um filho com câncer e/ou ser cuidador principal de uma criança com diagnóstico de câncer; (b) a criança deveria estar em tratamento (hospital-dia e/ou internação); (c) a criança deveria ter um tempo de diagnóstico mínimo de 1 mês. Foram excluídos os casos de pais cujos filhos se encontravam em situação crítica e/ou internados na Unidade de Terapia Intensiva. As crianças estavam em acompanhamento em um serviço de Onco-Hematologia de um hospital infantil público, do Sistema Único de Saúde (SUS).

Instrumentos

Para a caracterização da amostra foram obtidos dados sociodemográficos dos cuidadores (idade, sexo, escolaridade, estado civil, renda familiar) e das crianças (idade e sexo). Em relação às crianças, também foram obtidos dados clínicos (diagnóstico, tempo de tratamento e tipo de tratamento), de modo a caracterizar o contexto do estressor.

O coping foi medido por meio da Escala de Enfrentamento, baseada na Motivational Theory of Coping Scale-12 (Escala MTC-12), desenvolvida por Lees (2007) e traduzida e adaptada por Justo (2013), que permite a avaliação das 12 macrocategorias de coping propostas pela Teoria Motivacional do Coping (Skinner & Welborn, 1994, Zimmer-Gembeck, Skinner, Morris, & Thomas, 2012). A escala avalia o coping adaptativo, por meio das macrocategorias de coping: autoconfiança, busca de suporte, resolução de problemas, busca de informações, acomodação e negociação; e o coping mal adaptativo, por meio das macrocategorias de coping: delegação, isolamento, desamparo, fuga, submissão e oposição. A escala avalia, ainda, os demais componentes do coping, conforme proposto pela TMC, tais como: as reações emocionais de medo, raiva e tristeza; as percepções de ameaça às necessidades de competência, relacionamento e autonomia; e a orientação em relação ao estressor. O instrumento é composto por itens, cujas respostas são fornecidas em uma escala de cinco pontos do tipo Likert (1 = nem um pouco; 2 = um pouco; 3 = mais ou menos; 4 = muito; 5 = totalmente).

Para responder às questões da escala, os participantes devem considerar um estressor particular; no caso desta pesquisa, a situação de adoecimento e tratamento do filho com câncer. A adaptação da escala realizada por Justo (2013), em uma amostra de adolescentes brasileiros, verificou um bom índice de consistência interna para a subescala de coping adaptativo, com coeficiente alfa de Cronbach igual a 0,72; e índice satisfatório para a subescala de coping mal adaptativo (alfa de Cronbach = 0,65). No Brasil, os estudos sobre o coping em adultos, baseados no referencial teórico da Teoria Motivacional do Coping, ainda são recentes e utilizaram medidas especialmente elaboradas, como entrevistas (Cravinho & Cunha, 2014; Vicente, 2013) e escalas para contextos específicos (Cunha, Enumo, & Andrade, 2018; Guimarães, 2015), desenvolvidas a partir da MTC-12 (Lees, 2007).

Procedimento

A pesquisa iniciou-se após autorização do Comitê de Ética do Centro de Ciências Humanas e Naturais da Universidade Federal do Espírito Santo (Parecer 1.145.387), da Secretaria de Saúde do Estado do Espírito Santo e do Serviço de Onco-Hematologia do hospital. Após consulta diária à agenda de atendimento do ambulatório e da enfermaria, bem como ao prontuário médico da criança para verificar se ela atendia ao critério de inclusão de ter, no mínimo, um mês de tratamento, os cuidadores foram convidados a participar do estudo. Em seguida, realizou-se uma entrevista para a apresentação da pesquisa e assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), atendendo à resolução n.º 466 de 2012, do Conselho Nacional de Saúde, sobre as normas éticas para pesquisa com seres humanos. Somente após essa etapa, a coleta de dados foi iniciada, com a aplicação individual dos instrumentos, no ambulatório e na enfermaria, durante os meses de outubro a dezembro de 2015.

Processamento e análise dos dados

Para a análise dos dados obtidos a partir do instrumento Escala de Enfrentamento, foram consideradas as orientações normativas dos autores para posterior tratamento estatístico descritivo. A análise descritiva também foi aplicada aos dados sociodemográficos e clínicos. O teste de correlação de Spearman foi utilizado para verificar a associação entre as variáveis clínicas das crianças e o coping (reações emocionais, necessidades psicológicas e macrocategorias de coping). Em seguida, foi realizada uma comparação de médias de grupos independentes para dois níveis de variáveis, utilizando o Teste de Mann-Whitney, com o objetivo de verificar as diferenças significativas entre os resultados de diferentes grupos da amostra (anos de tratamento, quimioterapia). Por fim, foi realizada uma comparação de médias de grupos independentes para dois ou mais níveis de variáveis, por meio do Teste de Kruskal-Wallis, com o objetivo de identificar as diferenças significativas entre os resultados de diferentes grupos (diagnóstico) da amostra. O nível de significância utilizado neste estudo foi de 0,05.

Resultados

Em relação às variáveis demográficas e clínicas das crianças, verificou-se uma distribuição homogênea de meninos e meninas, com média de idade de 9 anos (DP = 5,28). Em relação ao tipo de câncer, verificou-se o predomínio de tumores sólidos (41,7%), seguidos de leucemias (38,3%) e linfomas (9%). Na ocasião da realização do estudo, a maior parte das crianças estava em tratamento quimioterápico (65%), com média de tempo de tratamento de 24,29 meses (DP = 35,4).

Os resultados referentes ao coping, medidos pela Escala de Enfrentamento, mostraram que a reação emocional mais referida pelos cuidadores foi medo (M = 3,51), seguido de tristeza (M = 3,1). Em relação à experiência do câncer, a maior parte dos cuidadores avaliou a mesma como um desafio (M = 4,68) e, também, como uma ameaça às suas necessidades psicológicas. Na análise da percepção de ameaça, verificou-se que as necessidades de relacionamento (M = 4,3) e de competência (M = 4,2) encontravam-se mais protegidas quando se considera a experiência do câncer na criança.

Tabela 1. Reações emocionais e percepção de ameaça de cuidadores de crianças e adolescentes com câncer (N = 60) 

Reação emocional diante do estressor Mínimo Máximo Média DP
Tristeza 1 5 3,13 1,62
Medo 1 5 3,51 1,58
Raiva 1 5 1,83 1,32
Ameaça às necessidades psicológicas Mínimo Máximo Média DP
Competência 1 5 4,23 1,03
Relacionamento 1 5 4,31 1,15
Autonomia 1 5 3,26 1,73

A análise das macrocategorias de coping permitiu verificar maiores médias em Resolução de Problemas (M = 4,75), Busca de Informações (M = 4,35) e Negociação (M = 4,1). As menos referidas foram Submissão (M = 1,1) e Delegação (M = 1,15).

Tabela 2. Macrocategorias de coping adaptativas e mal adaptativas de cuidadores de crianças e adolescentes com câncer (N = 60) 

Macrocategorias de coping Mínimo Máximo Média DP
Autoconfiança 1 5 2,23 1,66
Busca de suporte 1 5 3,85 1,43
Resolução de problemas 3 5 4,75 0,47
Busca de informações 1 5 4,35 1,13
Acomodação 1 5 2,93 1,67
Negociação 1 5 4,13 1,32
Total de Adaptativas 1 5 3,70 0,55
Delegação 1 5 1,15 0,60
Isolamento 1 5 2,36 1,68
Desamparo 1 5 2,71 1,62
Fuga 1 5 4,06 1,51
Submissão 1 5 1,1 0,47
Oposição 1 5 3,61 1,53
Total de Mal adaptativas 1 5 2,50 0,53

A análise de correlação, por meio do teste de Spearman, indicou correlação positiva entre as reações emocionais tristeza e medo (rho = 0,46; p = 0,00) e entre tristeza e a macrocategoria de coping desamparo (rho = 0,30; p = 0,017). Isso indica que quanto maior a tristeza reportada pelos cuidadores, maior o medo e maior o desamparo percebido frente à situação.

Em relação à percepção de competência, verificou-se correlação positiva com Resolução de problemas e Negociação (rho = 0,25; p = 0,047; rho = 0,30; p = 0,018, respectivamente), indicando que quanto mais se percebem competentes, mais tentativas de solucionar problemas ligados à situação ou negociá-los com parceiros. Por outro lado, houve correlação negativa entre a competência e o Desamparo (rho = -0,30; p = 0,017), de modo que quanto menos competentes se sentiam em relação ao problema, mais sentiam que não conseguiam fazer nada para resolver a situação.

Houve correlação positiva entre a percepção da doença do filho como um desafio e as macrocategorias de coping Resolução de problemas e Acomodação (rho = 0,31; p = 0,014; rho = 0,39; p = 0,002, respectivamente), indicando que a maior percepção de desafio frente à situação relacionou-se, de modo significativo, com a busca pela solução de problemas e com a aceitação da situação.

A reação emocional de raiva apresentou correlação negativa com a necessidade psicológica básica de relacionamento (rho = -0,31; p = 0,015). Além disso, quanto maior a raiva reportada, maior o Desamparo, caracterizado pela percepção de que não conseguiam fazer nada para lidar com o problema (rho = 0,29; p = 0,023).

A necessidade de relacionamento apresentou correlação positiva com a autonomia percebida para lidar com o problema (rho = 0,35; p = 0,005). A Busca de suporte e a Fuga também se correlacionaram positivamente com a necessidade psicológica de relacionamento, indicando que, quanto maior a percepção de ser acolhido, maior é a busca por suporte de parceiros sociais para lidar com o problema (rho = 0,32; p = 0,013) e maior o desejo de ficar longe do problema (rho = 0,36; p = 0,04). Por outro lado, houve correlação negativa entre a necessidade psicológica de relacionamento e a Autoconfiança (rho = -0,41; p = 0,001), indicando que, quanto maior a percepção de ser acolhido, menor a percepção dos cuidadores de que conseguem lidar por conta própria com a situação. Também houve correlação negativa entre a necessidade psicológica de relacionamento e a Submissão, caracterizada pela percepção de que não vale a pena tentar lidar com a situação (rho = -0,26; p = 0,045). A percepção de autonomia correlacionou-se positivamente com a Negociação para lidar com o problema (rho = 0,29; p = 0,024).

Tabela 3. Correlação entre os itens da Escala de Enfrentamento 

Variáveis 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15
1. Tristeza

0,46

***

0,3

*

2. Medo

0,46

***

3. Necessidade Psicológica de Competência

0,25

*

0,3

**

-0,3

**

4. Avaliação de desafio

0,31

**

0,39

**

5. Raiva

-0,31

**

0,29

*

6. Necessidade Psicológica de Relacionamento

-0,31

**

-0,41

***

0,35

**

0,32

**

0,36

*

-0,26

*

7. Autoconfiança

-0,41

***

8. Necessidade Psicológica de Autonomia

0,35

**

0,29

*

9. Busca de suporte

0,32

**

10. Resolução de problemas

0,25

*

0,31

**

0,29

*

11. Acomodação

0,39

**

0,39

**

12. Negociação

0,3

**

13. Desamparo

0,3

**

-0,3

**

0,29

*

14. Fuga

0,36

*

15. Submissão

-0,26

*

Nota. * valores significativos para p ≤0,05; ** valores significativos para p ≤0,01; *** valores significativos para p ≤0,001.

O teste de correlação de Spearman, para amostras não paramétricas, mostrou que houve uma correlação negativa entre o tempo de tratamento e a reação emocional de tristeza (rho = -0,332; p = 0,010) e uma correlação positiva entre o tempo de tratamento e a competência percebida e também com a orientação para longe do estressor (rho = 0,283; p = 0,028; rho = 0,259; p = 0,046, respectivamente). Os resultados se mostraram significativos, sugerindo que quanto maior o tempo de tratamento, menor a tristeza e maior a competência para lidar com o estressor e a vontade de estar longe dele.

Para os grupos de crianças com mais de um ano de tratamento e de crianças com menos de um ano de tratamento, houve diferença para o medo (U = 322,50; p = 0,045) e a orientação para longe do estressor (U = 294,00; p = 0,013). Analisando as médias de cada grupo, observou-se mais medo entre os cuidadores de crianças com menos de um ano de tratamento (M = 3,51; DP = 1,58). No entanto, os cuidadores de crianças com mais de um ano reportaram mais o desejo de se distanciar ou fugir da situação (M = 2,61; DP = 1,75).

Considerando os grupos de crianças que estavam fazendo quimioterapia e aquelas que não estavam fazendo, houve diferença para tristeza (U = 230,00; p = 0,004), percepção de competência (U = 254,50; p = 0,008) e Delegação (U = 344,00; p = 0,034). A partir de uma análise das médias, verificou-se mais tristeza (M = 3,13; DP = 1,03), mas também uma maior percepção de competência (M = 4,23; p =1,03) e o uso da Delegação (M = 1,15; 0,60), entre os cuidadores de crianças que estavam em quimioterapia.

Analisando o diagnóstico das crianças com câncer, divididas em leucemias, linfomas e tumores sólidos, houve diferença significativa para Resolução de problemas [χ²(2) = 7,29, p = 0,026], Negociação [χ²(2) = 8,46, p = 0,015], Delegação [χ²(2) = 7,92, p = 0,019], Oposição [χ²(2) = 6,66, p = 0,036] e estratégias adaptativas [χ²(2) = 7,77, p = 0,020]. A partir da análise dos ranks (teste de Kruskal-Wallis), verificou-se que os cuidadores de crianças com diagnóstico de tumores sólidos utilizam mais Resolução de problemas (35,31) e Negociação (36,50), enquanto cuidadores de crianças com diagnóstico de linfoma utilizam mais Delegação (36,90) e Oposição (42,00).

Discussão

Esta pesquisa analisou o coping em cuidadores de crianças com câncer, buscando compreender a relação entre seus componentes: reações emocionais (tristeza, medo e raiva), necessidades psicológicas básicas (relacionamento, competência e autonomia) e macrocategorias de coping adaptativas e mal adaptativas. Além disso, buscou-se verificar as relações entre o coping e as características da doença, como o tipo de câncer, e do tratamento, como o tempo e a modalidade.

Sobre as reações emocionais, verificou-se que medo e tristeza foram as mais referidas, corroborando estudos que mostram que a presença do câncer na criança faz emergir sentimentos de valência negativa em seus cuidadores, especialmente, em seus pais (Duarte, Zanini, & Nedel, 2012; Kohlsdorf & Costa Júnior, 2012). A despeito disso, foi possível verificar que, em geral, a maior parte dos cuidadores percebia a doença de sua criança como um desafio. Nessa mesma direção, verificou-se que, para a maioria dos cuidadores, as necessidades psicológicas básicas de relacionamento, competência e autonomia estavam protegidas, mesmo diante do estressor representado pelo câncer da criança.

Em termos teóricos, esses achados sugerem que os esforços de coping estão sendo empregados como forma de proteção às ameaças associadas ao estressor (Compas et al., 2001). Pela TMC, essa característica motivacional do processo de autorregulação se associa a um padrão de coping engajado (Justo, 2015), no qual são esperadas estratégias de coping adaptativas. De fato, verificaram-se médias superiores nas macrocategorias de coping de Resolução de problemas, Busca de informações e Negociação, todas referidas como adaptativas.

Estratégias de coping adaptativas também foram observadas no estudo de Norberg, Lindblad e Boman (2005), em que pais de crianças suecas com câncer referiram maior uso de estratégias ativas e menor uso de esquiva e de estratégias passivas. No estudo realizado por Trask et al. (2003), a avaliação do ajustamento psicológico de pais e de adolescentes ao câncer infantil indicou que tanto os pais, quanto os adolescentes, usavam mais estratégias adaptativas do que aquelas consideradas mal adaptativas. Além disso, a reação de distress obteve correlação positiva com o uso de estratégias não adaptativas.

Os achados das correlações entre as variáveis mostraram que a tristeza se correlacionou positivamente com o medo e o desamparo, indicando que quanto mais tristes os cuidadores se sentiam em relação à doença do filho, mais eles referiram desamparo e medo. Patterson, Holm e Gurney (2004) afirmam que, muitas vezes, a gravidade da doença do filho e a possibilidade de que ele sinta dor podem causar fortes reações emocionais nos cuidadores, como tristeza, medo, sensação de desamparo e, também, de perda de controle sobre a situação, afinal, não há certeza de que a criança irá sobreviver ou se recuperar. É esperado que reações emocionais de valência negativa estejam presentes (Maurice-Stam, Oort, Last, & Grootenhuis, 2008) e contribuam para desencadear um coping mal adaptativo, como o desamparo.

Na análise da relação entre a raiva e a necessidade de relacionamento, verifica-se o potencial efeito protetivo dos relacionamentos, uma vez que a raiva foi menor quando havia uma avaliação de satisfação da referida necessidade. Isso significa que a percepção de ter relacionamentos em que o afeto é correspondido favorece sentimentos de autoestima promotores de bem-estar e inibe respostas de afeto negativo como raiva, diante de contextos de estresse (Reis, Sheldon, Gable, Roscoe, & Ryan, 2000).

Ainda por meio da Escala de Enfrentamento, verificou-se que a maior parte dos cuidadores percebia a doença de sua criança como um desafio. Com base na TMC, a percepção de desafio associa-se ao emprego de estratégias das macrocategorias de coping adaptativas (Skinner et al., 2003). Análises de correlação permitiram confirmar tais pressupostos teóricos, como a associação verificada entre a percepção de desafio e Resolução de problemas, Acomodação (direção positiva) e Submissão (direção negativa). De modo mais específico, quando se analisam as necessidades psicológicas, os participantes desse estudo que referiram competência também referiram maior Resolução do problema e menor Desamparo, mostrando consonância com o modelo teórico. Com base na TMC, considera-se que os cuidadores têm conseguido coordenar suas ações instrumentais dirigidas à resolução do problema, como o ato de levar a criança ao hospital para o tratamento, com as contingências do ambiente, preservando sua necessidade de competência.

A necessidade de competência também se associou à macrocategoria Negociação. Pode-se considerar que, no planejamento de estratégias relacionadas ao tratamento da criança (Resolução do problema), os cuidadores precisam se engajar em comportamentos orientados para a definição de prioridades nos cuidados com a criança e comprometidos com os objetivos do tratamento (Negociação).

Quando se analisam as correlações obtidas entre a necessidade de relacionamento e os demais componentes do processo de coping, verifica-se uma associação com a necessidade de autonomia, Busca de suporte e Fuga. Os cuidadores demonstram que, por meio dos seus relacionamentos, conseguem coordenar a confiança e os recursos sociais disponíveis (Compas, 2009). Em relação à correlação entre a necessidade de relacionamento e a macrocategoria de coping Fuga, levanta-se a hipótese de que, mesmo que os pais se sintam acolhidos, parece haver momentos em que prevalece a vontade de estar longe de todo o contexto de adversidade, representado pela doença.

Para Skinner (2007), não é possível avaliar o coping dirigindo o olhar somente para a estratégia referida. Há que se considerar aspectos envolvidos no episódio de coping, como as características do estressor e a avaliação que o indivíduo faz dele. Ao responderem sobre como lidam com a doença do filho, é possível que os cuidadores elejam fatores diferenciados do estressor, como: diagnóstico de recidiva da doença; necessidade de cirurgia e outros procedimentos invasivos e contínuos; impedimento de realização de quimioterapia diante de condições hematológicas desfavoráveis; prolongamento da hospitalização, acentuando as dificuldades psicossociais pelo impacto em atividades do cotidiano, entre outros. Além disso, considera-se que essas características do estressor, na maior parte das vezes, não estão sob o controle direto do cuidador. Ainda que se sintam confiantes e encontrem no ambiente fontes de suporte social, é possível que as contingências desse ambiente se mostrem tão desfavoráveis, que eles não sustentam, por toda a experiência do câncer da criança, ações dirigidas à resolução do problema, e se engajam em comportamentos que refletem a vontade de se afastar do estressor o mais rápido possível.

As associações negativas entre a necessidade de relacionamento e as macrocategorias Submissão e Autoconfiança permitem entender que quando a necessidade de relacionamento do cuidador está satisfeita, ou seja, quando ele possui relacionamentos próximos e sente-se seguro em relação a estes, também se engajará menos em comportamentos perseverativos, característicos da macrocategoria Submissão. Seria como se os relacionamentos amortecessem a tristeza e a culpa decorrentes do foco nos aspectos negativos da situação. Era esperada uma correlação positiva entre a Autoconfiança e a necessidade de relacionamento, mas para os cuidadores de crianças com câncer que participaram deste estudo isso não se confirmou. Mesmo com relacionamentos seguros e protegidos, o contexto do câncer pode se mostrar tão adverso, que pode ser difícil o engajamento em estratégias de coping relacionadas à Autoconfiança. Talvez seja essa a razão para a busca do suporte social ao longo do tratamento da criança, sendo comuns relatos que referem a importância da participação em grupos de apoio (Hensler, Katz, Wiener, Berkow, & Madan-Swain, 2013), da relação com a equipe de saúde (Kilicarslan-Toruner & Akgun-Citak, 2013), do suporte de familiares e amigos (Nascimento, Rocha, Hayes, & Lima, 2005) e, também, da espiritualidade como fonte de suporte social (Delgado-Guay et al., 2013).

Tratando-se das relações com variáveis da doença e do tratamento, verificou-se que os cuidadores daquelas diagnosticadas com tumor sólido referiram maior uso de Resolução de problemas, Negociação e estratégias adaptativas. O tipo de câncer compõe, diferencialmente, o estressor foco dessa investigação, a saber: ter um filho com a doença. Isso porque diferentes tipos de câncer apresentam formas diferenciadas de tratamento e, também, prognósticos distintos (Andrea, 2008). Não se trata de atribuir previamente uma qualidade de mais ou menos estressor a um tipo, mas de considerar a possibilidade de avaliações cognitivas diferenciadas em função, por exemplo, dos desdobramentos do tratamento de um tumor que pode ser removido por meio de uma cirurgia e de um tumor que exige sessões de quimioterapia ao longo de meses de tratamento. Esse parece ter sido o caso deste estudo, em que se levanta a hipótese de que o tipo de tratamento comumente empregado para tratar tumores sólidos, seja a cirurgia sozinha ou combinada com outros procedimentos (quimioterapia e radioterapia), possa ter contribuído para a percepção do estressor como um desafio. Ao referirem que se engajam em estratégias de resolução de problemas, demonstram confiança na possibilidade de reparação do dano – tumor da criança, por meio da cirurgia.

Além da resolução de problemas, verificou-se correlação com a Negociação. Nesse ponto, outra característica do tratamento do tumor sólido se coloca em destaque: a possibilidade de amputação do membro afetado (Rocha & Antunes, 2012). A literatura refere o quanto a perda de um membro impacta no ajustamento psicológico da criança e, também, da família. São relatos que aludem para os distúrbios de autoimagem corporal, como a percepção distorcida e negativa da aparência física (Fitzpatrick, 1999), sintomas depressivos, como tristeza, pesar, isolamento social e dificuldades para dormir (Wald & Alvaro, 2004), além do sentimento de mutilação referido por muitos pacientes (Parkes, 1998). Desse modo, é esperado que a notícia da necessidade de amputação represente medo e resistência quanto à aceitação desse tipo de tratamento. Pode emergir daí uma ambivalência de sentimentos em relação a aceitar ou não a amputação. Com base na TMC, observa-se a necessidade de estabelecer prioridades (preservar o membro doente ou preservar a vida da criança) e tomar decisões em conjunto à equipe médica, o que caracteriza a macrocategoria de coping Negociação, referida pelos cuidadores em associação com o tipo de câncer.

Já as associações observadas entre os linfomas e Delegação e Oposição parecem informar que para os cuidadores de crianças com câncer, esse diagnóstico representa ameaça às necessidades de relacionamento e autonomia. De alguma maneira, a avaliação do estressor ter um filho com câncer (linfoma) representa maior ameaça. Apesar de estar entre os tipos de diagnóstico de câncer mais frequentes, poucos estudos examinam características psicossociais exclusivas desse tipo, o que limita a discussão desses achados com aqueles da literatura.

Tratando-se da variável do tratamento quimioterápico, o estudo verificou que os cuidadores de crianças que não estavam sendo submetidas à quimioterapia na ocasião da pesquisa referiram maior percepção de competência e maior emprego de Delegação. Esperava-se que a ausência da quimioterapia pudesse refletir uma percepção de desafio, associando-se a um coping adaptativo. Assim, apesar de se perceberem mais competentes, referiram o emprego de Delegação. Essa macrocategoria de coping inclui comportamentos e estratégias indicativas de dependência, provavelmente, da rede de suporte social, familiar e, também, da equipe de saúde, uma vez que o fim da quimioterapia não implica no cessar da rotina de visitas regulares à unidade hospitalar, nem tampouco na cura definitiva. Nesse caso, a percepção de competência por ter concluído um ciclo do tratamento pode estar acompanhada de cansaço e, diante da necessidade de continuar o processo de tratamento e acompanhamento, os cuidadores poderiam preferir que outra pessoa lide com a situação em seu lugar.

De fato, a quimioterapia é acompanhada de efeitos colaterais diversos, que variam dependendo do tipo e da quantidade de droga utilizada. E, mesmo com o uso de medicação contra efeitos colaterais, inúmeras reações podem ser observadas, como cefaleia, vômitos, náuseas, diarreia, sangramento gengival, perda de peso, alopecia (perda do cabelo) e anemia (Bonassa, 1992). Tais efeitos contribuem para que os cuidadores e pacientes, mesmo reconhecendo a importância do tratamento quimioterápico, ainda manifestem emoções negativas associadas à quimioterapia, como no caso deste estudo, em que cuidadores de crianças que ainda estavam em quimioterapia referiram mais tristeza. Esse dado é consonante com a literatura, que refere a sobrecarga e o desgaste emocional como características do sofrimento psicológico de pais de crianças com diagnóstico de câncer que realizam tratamentos específicos, como a quimioterapia (Moreira & Angelo, 2008).

O tempo de tratamento também se associou com componentes do coping, como a reação emocional de tristeza e de medo, a necessidade de competência e a orientação para longe do estressor. Estudos como o de Diener (2000) contribuem para a compreensão dessa associação entre o coping e o tempo de tratamento. Segundo o autor, na medida em que as pessoas vão se adaptando a uma situação, observa-se um decréscimo nas emoções desagradáveis e um aumento nas agradáveis, em um processo influenciado por diversos aspectos, incluindo aqueles subjetivos e individuais, do contexto sócio-histórico, como também as exigências e as demandas do ambiente. Além disso, com o passar do tempo, a competência percebida pelo cuidador e, também, o seu desejo de estar longe do estressor – a doença do filho – podem ser considerados processos adaptativos, pois ao longo do tempo os mesmos se tornam efetivos, favorecendo o desejo de cura e da finalização do tratamento.

De modo geral, os achados do estudo sugerem que pais e/ou cuidadores de crianças com câncer apresentam um processo de coping adaptativo e as correlações encontradas entre os seus componentes representam uma contribuição para a área da avaliação do coping, a partir da TMC. Apesar do coping predominantemente adaptativo, foram observadas macrocategorias mal adaptativas, o que destaca a característica processual do coping. Isso significa que o estressor pode adquirir características distintas ao longo do tempo, bem como pode ser percebido de forma distinta pelo indivíduo, a depender de suas experiências ao longo de vários episódios de coping. Desse modo, avaliações sistemáticas do coping, ao longo do tratamento, devem ser realizadas, de modo a dirigir a intervenção apropriada. Como mostrou o estudo, tais intervenções devem considerar aspectos relacionados ao tipo de câncer, bem como ao tratamento.

4Ao longo do texto, as famílias de coping ou categorias de coping de alta ordem descritas por Skinner et al. (2003) foram referidas como macrocategorias de coping.

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Recebido: 03 de Dezembro de 2018; Aceito: 23 de Abril de 2019

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