A Aliança Terapêutica (AT) é um fator do relacionamento terapêutico que atualmente é geralmente definido a partir de três dimensões (Flückiger, Wampold & Horvath, 2018), propostas originalmente por Bordin (1979): a) o vínculo terapêutico, que incluiu sentimentos de segurança e apego entre a dupla; b) acordo implícito ou explícito entre paciente e terapeuta sobre os objetivos terapêuticos; e c) acordo implícito ou explícito sobre as tarefas terapêuticas. É, portanto, um constructo diádico, e sua qualidade depende tanto das características do paciente (Flückiger, Wampold & Horvath, 2018), como do terapeuta (Ackerman & Hilsenroth, 2003).
Ao longo das últimas décadas, a AT tornou-se um dos constructos mais populares na pesquisa em psicoterapia, tendo em vista as evidências empíricas sobre sua associação com os resultados terapêuticos positivos em diferentes psicoterapias e modalidades clínicas (Del Re, Flückiger, Horvath, Symonds & Wampold, 2012; Horvath, Del Re, Flückiger & Symonds, 2011; Lingiardi, Colli, Gentile & Tanzilli, 2011). Como a qualidade do relacionamento exerce um efeito importante na mudança em psicoterapia, o desenvolvimento e a manutenção da AT são fundamentais para que a terapia atinja seus objetivos (Horvath et al., 2011).
A AT foi tradicionalmente estudada no contexto da fase inicial da terapia, já que um dos principais objetivos desta etapa seria o de promover uma atmosfera terapêutica sólida que permitisse o exame dos conflitos emocionais do paciente (Hilsenroth, Cromer & Ackerman, 2011). De fato, os estudos indicam que uma boa AT inicial é preditor modesto, mas consistente, de adesão e sucesso do tratamento (Flückiger, Wampold & Horvath 2018; Horvath et al., 2011).
A perspectiva atual em pesquisa sobre a AT enfatiza que a postura colaborativa é um sinal positivo de aliança para o paciente e terapeuta (Nienhuis et al., 2018; Zilcha-Mano, 2017b, 2017a), que a AT é dinâmica e não estática, e que a identificação, por parte do terapeuta, das oscilações na qualidade da aliança, pode ser uma medida de mudança em psicoterapia (Boritz, Barnhart, Eubanks & McMain 2018).
Nesse contexto, pesquisadores da chamada segunda geração de pesquisa da aliança buscam esclarecer os fatores que levam ao seu desenvolvimento, bem como os processos envolvidos nas suas rupturas e reparações (Eubanks, Muran & Safran, 2015; Safran & Muran, 1996, 2000; Safran, Muran & Eubanks, 2011). O pressuposto básico destes pesquisadores é que a AT é um processo que varia em intensidade ao longo do tratamento e, inclusive, ao longo de uma sessão (Safran et al., 2011). Assim, a atual tendência é estudar as variações da AT em relação ao progresso e resultado de tratamento, e não somente ao efeito da AT inicial sobre os resultados (Safran & Muran, 2006).
A consideração da AT como fator dinâmico da relação que impacta o processo da psicoterapia aponta para a necessidade de ajudar os terapeutas a formar melhores alianças. Os terapeutas podem apresentar dificuldade em identificar o padrão de funcionamento interpessoal do paciente e não ocupar-se desse aspecto ao longo do tratamento. As falhas em reconhecer tensões na aliança podem representar uma oportunidade perdida de usar essa ruptura como material potencialmente útil em terapia (Safran & Muran, 2000).
Para compreender como a AT pode ser enfraquecida, autores como Safran e Muran e colaboradores (Eubanks et al., 2015; Safran, et al., 2011; Safran, Muran & Proskurov, 2009; Safran & Muran, 2006; Safran & Muran, 2000) desenvolveram uma linha de estudos sobre as rupturas da AT. Para esses autores, as rupturas são inevitáveis e ocorrem em diferentes graus em todas as psicoterapias, podendo, em alguns casos, obstruir o processo terapêutico (Eubanks et al., 2015).
As rupturas são caracterizadas como uma deterioração na AT manifestada pela falta de colaboração paciente-terapeuta em tarefas ou objetivos ou por uma tensão no vínculo emocional e dificuldade em negociar aspectos da relação terapêutica (Eubanks et al., 2015; Safran & Muran, 2006; Safran et al., 2011). É importante destacar que embora o termo passe a impressão de rompimento definitivo da AT, as rupturas podem ser variações sutis do vínculo colaborativo e, muitas vezes, passam despercebidas pela dupla. Todavia, o terapeuta necessita identificar essas manifestações e intervir para que não culminem, futuramente, no abandono da psicoterapia (Safran et al., 2011).
A evolução dos marcadores das rupturas e das estratégias de reparação da AT tem como base uma série de pesquisas teóricas e empíricas que buscaram sistematizar e categorizar estes acontecimentos em relação ao processo de mudança psicoterapêutica. Em um dos seus primeiros trabalhos, Safran, Crocker, McMain e Murray (1990) descreveram uma lista preliminar com sete potenciais marcadores de rupturas (expressão direta de sentimentos negativos, comunicação indireta de sentimentos negativos e hostilidade, desacordos sobre tarefas e objetivos, complacência, manobras de evitação, operações para aumento da autoestima e não responsividade às intervenções) e desenvolveram um modelo inicial de reparação de tais marcadores que incluía a atenção sistemática do terapeuta às rupturas, a identificação dos seus próprios sentimentos, a aceitação da sua responsabilidade na relação com o paciente, a compreensão empática da experiência do paciente e manter papel de observador participante. Os autores destacaram a necessidade de pesquisa para compreensão dos subtipos de rupturas e reparações, bem como estudos empíricos de confiabilidade do modelo. Em um estudo posterior, foi testado empiricamente um modelo de processo de mudança de reparação das rupturas. Este modelo constitui um aprimoramento do modelo preliminar, realizado ao longo dos estudos do grupo de pesquisa no decorrer dos anos (Safran & Muran, 1996).
Na sequência, por meio de outros estudos, a operacionalização dos conceitos e a categorização das rupturas da AT e das estratégias de reparação foram sendo sistematizadas (Safran & Muran, 2000; Safran & Muran, 2006; Safran et al., 2009). Em 2011, Safran e colaboradores realizam uma metanálise que revisou estudos sobre as rupturas e reparações da AT. Foram extraídos nove artigos que destacaram a relevância dos processos de reparo da ruptura na aliança para o resultado terapêutico (Safran et al., 2011).
No entanto, foi somente em 2015 que, tendo como base os diversos estudos desenvolvidos até então, Eubanks e colaboradores (2015) desenvolveram o manual do sistema para avaliação das rupturas e resoluções, o Rupture Resolution Rating System (3RS), no qual apresentam uma definição clara sobre o conceito de rupturas, definem e fornecem indicadores clínicos das suas subcategorias e das estratégias de reparação. Além disso, o sistema permite a mensuração do grau de impacto das rupturas e o grau de resolutividade das reparações.
Assim, no âmbito internacional, existe uma base empírica robusta e ampla sobre os processos de ruptura e reparação da AT, destacando as contribuições clínicas e de pesquisa desta linha de investigação (Boritz et al., 2018; Gersh et al., 2017; Larsson, Falkenström, Andersson & Holmqvist, 2016; Locati, Rossi & Parolin, 2017; Ribeiro, Coutinho, Sousa & Machado, 2011; Safran et al., 2011). Há também um crescente corpo de evidências, indicando que as reparações das rupturas estão associadas positivamente a um bom desfecho da psicoterapia, enquanto que dificuldades em resolver as rupturas podem predizer o abandono (Safran et al., 2011).
Contudo, no Brasil, uma revisão nas principais bases de dados de periódicos nacionais em Psicologia, por meio do portal Index-Psi, identificou somente dois estudos teóricos que abordam linhas de pesquisa sobre AT, entre elas a da investigação das rupturas (Oliveira & Benetti, 2015; Pieta & Gomes, 2017). Até o presente momento, portanto, não existem no país estudos empíricos que busquem explorar, mapear, compreender e identificar como acontecem as rupturas e as resoluções da AT. Tampouco há publicações sobre métodos ou sistemas de avaliação destes fenômenos.
O manual 3RS foi recentemente traduzido pela equipe do Laboratório de Estudos em Psicoterapia e Psicopatologia (LAEPSI), da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS), e está sendo utilizado em estudos sobre processo da AT em psicoterapia psicanalítica. Este artigo visa descrever como funciona este sistema e discutir as implicações da sua aplicação na pesquisa e na prática clínica. Para ilustrar os marcadores do 3RS são utilizadas vinhetas de um caso clínico. O caso é de uma psicoterapia psicanalítica de um paciente com diagnóstico de transtorno de personalidade borderline. A codificação com o 3RS ocorreu no contexto de um estudo ainda não publicado que explora o papel das rupturas no abandono do tratamento. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade de origem do projeto.
O Processo de Avaliação das Rupturas e Estratégias de Reparações da AT por meio do 3RS
O 3RS (Eubanks et al., 2015) é um manual de observação que busca identificar as rupturas na AT, por meio de observadores externos, obtendo assim uma classificação do tipo de ruptura e de reparação em uma sessão de psicoterapia. O sistema apresenta alta confiabilidade, apresentando um coeficiente de 0,85 para rupturas de evitação, 0,92 para rupturas de confrontação e 0,95 para estratégias de resolução (Eubanks, Lubitz, Muran & Safran, 2018a)
Ao assistir à sessão de psicoterapia, os avaliadores devem estar atentos aos indicadores de diminuição da colaboração entre paciente e terapeuta, discordâncias dos objetivos e de tarefas do tratamento. Para identificar as rupturas, recomenda-se utilizar a gravação das sessões, como ferramenta de captação da comunicação verbal e não verbal (Eubanks et al., 2015).
A quantificação das rupturas e resoluções da AT pode ser feita de três formas: a) medida global da sessão; b) codificações por turno de fala; c) codificação em segmentos de cinco minutos. Esta última forma é a mais indicada, tendo em vista que não é nem muito ampla que não consiga captar mudanças na sessão (como na avaliação global), nem muito segmentada a ponto de não conseguir captar o contexto da ruptura ou resolução (como na codificação por turno de fala) (Eubanks et al., 2015).
Os indicadores de ruptura da AT podem ser visualizados na Tabela 1. Estes refletem a diminuição da colaboração entre paciente e terapeuta.
Tabela 1 Indicadores, Tipos e Subcategorias de Rupturas da AT
Indicadores de Rupturas da AT |
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Paciente e terapeuta não estão trabalhando em conjunto de forma colaborativa e produtiva. Eles não estão "na mesma página"; Há tensão, desentendimento ou dificuldade entre o paciente e o terapeuta; Paciente e terapeuta estão desalinhados ou mal ajustados; Paciente e terapeuta parecem distantes um do outro; Paciente e terapeuta estão trabalhando em objetivos opostos; Paciente e terapeuta estão agindo de forma amigável, mas você sente tensão ou desacordo sob a superfície, de modo que esse comportamento amigável parece ser uma pseudo-aliança; Paciente e terapeuta parecem estar presos em um ciclo vicioso ou determinado; Você se sente muito entediado enquanto assiste a uma sessão. Isso pode ser um sinal de que uma ruptura de evitação está ocorrendo e o paciente está evitando falar de sentimentos e preocupações genuínas. |
Tipos de rupturas e suas subcategorias | |
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Evitação | Confrontação |
Negação | Queixas/preocupações sobre o terapeuta |
Resposta Mínima | Paciente rejeita a intervenção do terapeuta |
Comunicação Abstrata | Queixas/preocupações sobre as atividades da terapia |
Narrativa de evitação e/ou Mudança de tópico | Queixas/preocupações sobre os parâmetros da terapia |
Deferência e apaziguamento | Queixas/preocupações sobre o progresso da terapia |
Conteúdo/afeto cindido | Paciente defende-se contra o terapeuta |
Autocrítica e/ou desesperança | Esforços para controlar/pressionar o terapeuta |
Nota: tipificação conforme o Manual do 3RS (Eubanks et al., 2015)
Após identificação da ocorrência do marcador da ruptura da AT, decide-se o tipo de ruptura encontrado: se o paciente se afasta do trabalho terapêutico ou do terapeuta (ruptura de evitação) ou se move contra o terapeuta ou o trabalho terapêutico (ruptura de confrontação).
A evitação ou o distanciamento acontece quando o paciente apresenta comportamentos de evitação e afastamento diante do conflito ou uma dificuldade na relação terapêutica. Esse tipo de ruptura é classificado em: 1) Negação (paciente evita o terapeuta e/ou o trabalho terapêutico negando um estado emocional que está manifestadamente evidente); 2) Resposta mínima (paciente evita o terapeuta fazendo silêncio ou respondendo de forma mínima às perguntas que se destinam a iniciar ou continuar uma discussão); 3) Comunicação abstrata (o paciente evita o trabalho terapêutico usando linguagem vaga ou abstrata); 4) Narrativa de evitação e/ou mudança de tópico (paciente conta história e/ou muda o tópico de uma forma que funciona para evitar o trabalho de terapia); 5) Deferência e apaziguamento (paciente evita o terapeuta e/ou trabalho terapêutico por ser excessivamente complacente e se submete ao terapeuta); e 6) Conteúdo/afeto cindido (paciente evita o terapeuta e/ou trabalho terapêutico exibindo um afeto que não corresponde ao conteúdo de sua narrativa); 7) Autocrítica e/ou desesperança (paciente evita o terapeuta e/ou trabalho terapêutico ao se tornar absorvido por um processo depressivo de autocrítica e/ou desesperança que parece excluir o terapeuta da relação) (Eubanks et al., 2015).
Na vinheta a seguir, pode-se identificar a ocorrência de uma ruptura de evitação.
Terapeuta: e tu chegas a falar isso pra ela? da dependência?
Paciente: eu tento falar, mas ela já se defende com briga, né? (Terapeuta: uhum), o jeito dela se defender é brigar, né? (Terapeuta: uhum) e chorar também, né? e aí bah, aí eu acabo, eu volto com o meu defeito que eu não gosto, eu não suporto muito ver [ela] chorando assim, eu já bah! eu já fico assim meio aborrecido assim ... também sei lá né, porque se ´pá´ ela sabe disso, né?, por isso ela usa essa artimanha também, né?, pra não falar muito sobre isso, né? (Terapeuta: uhum...) porque por exemplo ela- ela foi lá pra X [cidade] e eu acho que os amigos dela são tudo meio ´prá frentex` assim e deixaram, botaram na cabeça dela que ela é ela é muito bonita, ela não sabia que ela era bonita / ‘ai eu sou feia’ ela falava isso e agora ela se convenceu que ela é bonita, e ela realmente ela é uma guria bonita, né...
A ruptura de evitação encontrada nesse trecho é chamada mudança de tópico; o paciente muda de um assunto pesado para um assunto leve como forma de evitar o trabalho terapêutico (Eubanks et al., 2015). A terapeuta busca explorar os conflitos de relacionamento afetivo do paciente com sua ex-namorada, focando nos sentimentos de dependência que ele possui em relação a ela. Para o paciente, tal assunto evoca emoções intensas e sentimentos de abandono. Então, muda de assunto: começa a falar sobre a viagem que a sua ex-namorada realizou e sobre os problemas dela com a própria autoimagem.
Enquanto a ruptura de evitação pode ser sutil e de difícil identificação, a ruptura do tipo de confrontação é geralmente mais evidente, uma vez que o paciente demonstra verbalmente sua insatisfação com a psicoterapia e com a pessoa do terapeuta. Nesse tipo de situação, o terapeuta deve evitar defender-se diante das agressões verbais e propor o exercício da reflexão sobre o que está acontecendo com o processo terapêutico (Eubanks et al., 2015; Safran et al., 2011).
As rupturas de confrontação apresentam subtipos que podem ser classificados em: 1) Queixas/preocupações sobre o terapeuta (paciente expressa sentimentos negativos sobre o terapeuta); 2) Paciente rejeita a intervenção do terapeuta (paciente rejeita ou dispensa a intervenção do terapeuta); 3) Queixas/preocupações sobre as atividades da terapia (paciente expressa insatisfação, desconforto ou desacordo com tarefas específicas da terapia, como tema de casa ou tarefas durante a sessão); 4) Queixas/preocupações sobre os parâmetros da terapia (paciente expressa preocupações ou reclamações sobre os parâmetros do tratamento, como horário da terapia, número e frequência de sessões); 5) Queixas/preocupações sobre o progresso na terapia (paciente expressa reclamações, preocupações ou dúvidas sobre o progresso); 6) O paciente defende-se contra o terapeuta (paciente defende seus pensamentos, sentimentos ou comportamentos contra o que ele percebe ser uma crítica ou julgamento do terapeuta); 7) Esforços para controlar/pressionar o terapeuta (paciente coloca a responsabilidade sobre o terapeuta para corrigir seus problemas rapidamente) (Eubanks et al., 2015).
A ocorrência da ruptura de confrontação pode ser exemplificada em uma sessão em que a terapeuta busca explorar os sentimentos do paciente diante de uma ameaça feita a ele pelo atual namorado da sua ex-namorada:
Terapeuta: porque sim tu gostas muito da Fulana [ex-namorada], vocês ficaram dez anos juntos, quanto que essa relação está te atrapalhando? (Paciente: aham) na tua vida?; E agora ainda vem essa ameaça...
Paciente: não, a ponto disso né, eu achei descarado isso, achei descarado isso, o que esse cara[atual namorado da sua ex], fez mas no fundo, lá no fundo, eu sei que no fundo isso não é culpa dele também, por causa que ele é um cara novo, ele é um piá sabe e, me ameaçar dessa forma foi uma coisa que com certeza ele fez de cabeça quente, ... daqui a pouco eu não sei até que momento eu poderia fazer uma B.O [registro na polícia] em relação a isso tá_ligado, [gíria]eu não vou fazer porque é uma bobagem isso, os policiais vão rir da minha cara tipo “ih, tá com medo?” sabe, mas, sabe, foi uma ameaça real! sabe, e ‘bah, eu sei onde tu’ ele só errou no ‘eu sei onde tu moras e onde tu trabalhas’ isso ele errou, se ele falasse “eu vou te dar porrada, te cuida” eu “ah” mas o que realmente me abalou assim ;
Terapeuta: e realmente te deixou com medo
Paciente: cara, não é medo por causa que eu não tenho medo dele, eu sei que ele não é capaz de nada sabe ... eu acho que foi tilt [gíria que significa: ficou atrapalhado] dele tá_ligado? [gíria] eu nem vou responder ele assim, deu vontade de falar assim ‘cara, me desculpa assim mas tu não sabes o que está falando, sabe, tipo, errou’ deu vontade de falar assim ‘errou feio’ só isso ‘errou feio’ para ele.”
Aqui se observa a ruptura de confrontação na qual o paciente rejeita a intervenção da terapeuta. A terapeuta clarifica para o paciente que ele sentiu medo diante da ameaça feita pelo atual namorado da sua ex, e o nega (“cara, não é medo por causa que eu não tenho medo dele, eu sei que ele não é capaz de nada sabe”). No entanto, diz que a ameaça da agressão física o abalou.
É importante notar que nem toda discordância entre paciente e terapeuta pode ser considerada uma ruptura. Muitas vezes, é importante para o paciente discordar da terapeuta, tendo em vista possuir uma perspectiva diferente, que pode ser alvo de exploração na sessão. Porém, quando a discordância é impeditiva do trabalho terapêutico, por exemplo, quando não estiver acompanhada por disposição para examinar a natureza desta divergência, constitui uma ruptura (Eubanks et al., 2015).
As rupturas de evitação e confrontação podem aparecer juntas num mesmo segmento de sessão. Para ilustrar esse processo, apresenta-se a seguir uma vinheta em que o paciente ao mesmo tempo evita o trabalho terapêutico e rejeita a intervenção da terapeuta. O segmento trata da exploração de sentimentos do paciente associados ao término do namoro.
Terapeuta: é, porque eu te perguntei isso, porque fica tudo muito misturado, né? (Paciente: é, exatamente) acontece que ainda existe um sentimento entre vocês...
Paciente: sim, não com certeza, e aí é que está né. Só que não, não, não, a gente não tem escolha até janeiro em relação a isso, então o que eu posso fazer é aceitar a situação e conviver o melhor possível né, então...
Nesse segmento é possível identificar uma ruptura de evitação, na qual o paciente é deferente e apaziguador, ou seja, concorda superficialmente com sua terapeuta. No entanto, na sequência da sua fala, o paciente rejeita a intervenção realizada pela terapeuta, atribuindo a impossibilidade de mudanças acontecerem entre ele e sua ex-namorada até janeiro do ano seguinte. Nesse segmento, as rupturas de evitação e confrontação aparecem juntas.
Na sequência, o juiz avalia o grau de impacto de cada marcador de ruptura e a resolutividade das estratégias de reparação das rupturas. Essa classificação é feita pela escala de significância e é dada numa escala de 5 pontos (desde 1 marcador sem impacto na AT até 5 marcadores com alto impacto a AT).
Essa escala permite a avaliação do grau de impacto e ressalta a importância do olhar atento para os impactos que cada marcador de ruptura causa na AT. Conforme Safran et al., (2011) durante uma sessão de psicoterapia, o paciente pode apresentar diversas rupturas de evitação com menor impacto na AT. E apresentar poucas rupturas de confrontação com alta significância na AT, por exemplo. Portanto, o juiz deve levar em conta a medida global das rupturas da AT, sua frequência, mas deve se atentar para o impacto que cada ruptura causou na sessão.
O juiz, depois de avaliar cada marcador, pontua a significância global da sessão. Comparam-se as frequências e a intensidade das rupturas de evitação e de confrontação e reflete-se sobre o senso geral da sessão. Se a sessão foi marcada mais pela evitação do que pelo confronto em termos de significância para a aliança, então, a codificação de evitação geral deve ser maior do que a codificação geral de confrontação.
O juiz, após identificar uma ruptura da AT, deve ficar atento e observar como essa ruptura é reparada ou não. As resoluções das rupturas da AT possibilitam que a dupla terapêutica renove ou fortaleça seu vínculo emocional e retome o andamento do processo. As rupturas podem acontecer no início da sessão de psicoterapia, e serem reparadas ao final dela, outras podem ser reparadas em sessões posteriores. Para avaliar o grau de resolutividade das reparações da AT, o juiz deve utilizar a escala de significância presente no manual 3RS (Eubanks et al., 2015). Foram sistematizadas dez estratégias de resolução, usualmente utilizadas para realizar a reparação das rupturas da AT (Eubanks et al., 2015). Estas estão descritas na Tabela 2.
Tabela 2 Estratégias de Resoluções das rupturas AT
Estratégias do terapeuta para resolver as rupturas: |
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Esclarecer um mal-entendido; Mudar tarefas ou objetivos; Ilustrar as tarefas ou fornecer uma justificativa para o tratamento; Convidar o paciente a discutir pensamentos ou sentimentos com relação ao terapeuta ou a algum aspecto da terapia; Reconhecer sua contribuição para uma ruptura; Revelar sua experiência interna da interação entre paciente e terapeuta; Ligar a ruptura a padrões interpessoais entre o paciente e o terapeuta; Ligar a ruptura a padrões interpessoais nas outras relações do paciente; Validar a postura defensiva do paciente; Responder a uma ruptura redirecionando ou reorientando o paciente. |
Nota: tabela adaptada do Manual do 3RS, de Eubanks et al. (2015)
Diante de rupturas de confrontação, o terapeuta pode adotar uma postura empática na qual tenta sobreviver ao comportamento agressivo do cliente sem reagir com contra hostilidade, com isso, ajudando o paciente a passar de um estudo mental de irritação e agressividade para uma postura de abertura para explorar emoções primárias e necessidades não expressas. Ou seja, a consideração empática do terapeuta ajuda o paciente a examinar os processos internos que o impedem de experimentar e expressar suas emoções plenamente. Assim, o paciente poderá aceitar e expressar sentimentos vulneráveis e necessidades subjacentes (Eubanks et al., 2015).
Na vinheta a seguir, a terapeuta trabalha para resolver rupturas expressas nos diversos atrasos que o paciente vem apresentando nas sessões iniciais.
Terapeuta: com certeza tu estás buscando uma ajuda para tentar mudar tudo isso, todas essas tuas propostas né (P: sim), e como é que está para ti vir até aqui? (P: está;), né, nessas três sessões tu tens chegado tarde.... Como é que tu tens sentido, assim, quando tu vens?
Nessa sessão, o paciente falava dos problemas relacionais que o levaram à terapia e sua dificuldade em resolvê-los. A partir desta intervenção, a dupla dedicou-se a examinar diferentes entraves que o próprio paciente estava produzindo para obstruir o processo de mudança. Neste tipo de reparação, conforme o manual do 3RS (Eubanks et al., 2015), o terapeuta convida o paciente a discutir pensamentos ou sentimentos relacionados à terapia.
A exploração e a resolução de uma ruptura da aliança terapêutica fornecem uma importante experiência emocional corretiva para o paciente. Isso significa que a vivência, na relação terapêutica, de um problema relacional (ruptura) seguido de sua exploração e resolução, demonstra para o paciente uma nova forma de se relacionar, sendo assim terapêutica. Dessa forma, a experiência de trabalhar para resolver uma ruptura pode facilitar a integração do self do paciente, a sua capacidade de regulação emocional e a identificação das relações interpessoais como potencialmente disponíveis emocionalmente (Eubanks et al., 2015; Safran et al., 2011; Safran et al., 1990).
O último tópico de avaliação refere-se à contribuição do terapeuta para a ocorrência de rupturas. Nesse item, avalia-se o quanto o terapeuta causou ou exacerbou rupturas na sessão. As rupturas são um fenômeno relacional, e, portanto, os terapeutas podem contribuir para o processo de rupturas da AT. O foco deste item é a extensão em que o terapeuta está desempenhando um papel “maior que a média” ao iniciar ou exacerbar a ruptura. O terapeuta pode estar envolvido nos comportamentos interpessoais negativos do paciente, como a crítica, ou pode parecer passivo e ignorar os marcadores de ruptura proeminentes (Eubanks et al., 2015).
No trecho a seguir encontra-se uma vinheta retirada de uma sessão na qual a dupla estava discutindo o relacionamento amoroso do paciente.
Paciente: sabe; e aí eu não sei o que eu sinto, eu não sei explicar o que eu sinto, sinto falta daquela relação que a gente tinha sabe, um amor, um respeito entre um e outro, mas agora eu imagino, tá então, agora eu imagino, faz de conta que o Fulano [atual namorado da ex] que ela olha pra mim e fala ‘bah eu nunca mais quero saber do Fulano [atual namorado da ex] tal’ será que seria a mesma coisa? E provavelmente não seria a mesma coisa.
Terapeuta: ela continua na casa que era de vocês?
Paciente: não ela está no apê novo dela, o apê de antes está vazio já é só entregar a chave agora, inclusive falta limpar um...
O paciente fala sobre seus sentimentos em relação à sua ex-namorada. No entanto, em suas intervenções, a terapeuta faz perguntas sobre a realidade objetiva, como “ela continua na casa que era de vocês?” e “E ela levou todos os gatos junto?”. A introdução desses assuntos parece cortar a exploração dos sentimentos que havia sido proposta e estava sendo realizada pelo paciente.
pouquinho lá e a gente vai limpar não ela vai limpar na quarta-feira vai me entregar a chave e eu vou, e aí deu.
Terapeuta: e ela levou todos os gatos junto?
Paciente: levou todos os dela e os meus estão lá e preciso só eu tenho que dar um jeito nos meus já doei um (Terapeuta: são quantos?) quatro eu pensei dois eu vou doar e dois eu vou ficar para mim porque daí dois gatos é tranquilo, né?
Contribuições do 3RS para a Pesquisa e Prática Clínica em Psicoterapia
A integração entre a pesquisa e prática clínica é um desafio para os psicoterapeutas de forma geral. Conforme Dattilio, Edwards e Fishman (2010), historicamente, a valorização das experiências pessoais parece excluir o valor dos estudos empíricos dentro do campo de pesquisa em psicoterapia, e vice-versa. De um lado, os psicólogos clínicos, profundamente ambivalentes quanto à relevância dos estudos empíricos, possuem dificuldade em compreender a linguagem científica e acreditam que o conhecimento produzido na área acadêmica, além de ser distante da prática clínica, é tendencioso e se nutre apenas da teoria e das supervisões. Por outro, os pesquisadores, rodeados de estudos de efetividade e eficácia, protocolos de atendimento e diretrizes de manejo técnico oriundo de pesquisas, não estabelecem um diálogo de troca de conhecimento com os terapeutas, e as suas pesquisas podem acabar engavetadas na academia, sem aplicabilidade clínica.
Krause (2011) se pergunta por que os clínicos acessam pouco os estudos empíricos e Serralta et al., (2011) afirmam que a pesquisa em psicoterapia tem seu sentido na medida em que contribui para o desenvolvimento da prática clínica. Neste sentido, destaca-se que o sistema 3RS possui aplicabilidade e valor não apenas para a pesquisa, mas também para a prática da psicoterapia.
O sistema apresenta uma sistematização que permite a realização de estudos empíricos com boa confiabilidade sobre a dinâmica da AT em uma sessão de psicoterapia (Boritz et al., 2018; Eubanks, Muran & Safran, 2014; Eubanks, Sinai, Israel Muran, & Safran, 2018b; Gülüm, Soygüt & Safran, 2018; Safran et al., 2011). E ainda, como os problemas na aliança são comuns, mas reconhecer e resolver rupturas na AT pode ser desafiador, desconfortável e intimidante para os terapeutas (Safran et al., 2009), resultados dos estudos com o 3RS possuem significância clínica. Além disso, o manual do 3RS tem sido utilizado, com sucesso, para fundamentar treinamentos para os clínicos melhorar a identificação das rupturas e as formas de repará-las (Eubanks et al., 2015). A importância das habilidades dos terapeutas para resolver ou reparar as rupturas de alianças é ressaltada por evidências de que a resolução das rupturas da aliança está associada a uma melhor retenção no tratamento (Muran et al., 2009).
O estudo das rupturas e resoluções da AT com o 3RS contribui para o desenvolvimento científico no campo de pesquisa em psicoterapia, pois avança na compreensão e no estudo sobre a AT para além de um fenômeno inicial e compreende a natureza dinâmica e oscilatória dentro do processo terapêutico, e de uma sessão de psicoterapia (Safran et al., 2011). Neste sentido, os estudos internacionais usualmente têm utilizado o sistema 3RS para a avaliação dinâmica da AT em tratamentos envolvendo diferentes psicopatologias e abordagens teóricas. Muran et al. (2009) avaliaram a relação entre as rupturas da AT do início do tratamento e sua resolução, em 128 pacientes que foram sorteados aleatoriamente para participar de diferentes psicoterapias, Terapia Cognitiva Comportamental, Terapia Relacional Breve e Psicoterapia Psicodinâmica Breve, para pacientes com transtorno de personalidade. O estudo demonstrou que a intensidade da ruptura, relatada conjuntamente por pacientes e terapeutas, foi associada a resultados desfavoráveis nas medidas de funcionamento interpessoal e a incapacidade de resolver essas rupturas foi preditiva de abandono.
Ribeiro et al. (2011) exploraram a relação entre as rupturas da AT e as expressões verbais de necessidades de um paciente com Transtorno do Pânico e Agorafobia em Terapia Cognitiva e Comportamental com desfecho negativo. A análise de séries temporais evidenciou que o aumento de rupturas numa sessão influenciou o aumento de expressões verbais de necessidades do paciente após quatro sessões, especialmente no contexto de rupturas de confrontação e expressão de necessidades relacionadas, de forma direta, com a terapia. Foi constatado também que o aumento de expressões verbais de necessidades numa sessão apresentou associação com a diminuição das rupturas após três e quatro sessões.
A metanálise feita por Safran et al., (2011) incluiu nove estudos e constatou um efeito de tamanho mediano (r=0.24, z =3.06, 95% CI [0.09, 0.39], p= 0.002), indicando que a presença de episódios de reparação de ruptura foi positivamente relacionada a um bom resultado no tratamento, e que indivíduos com transtornos de personalidade têm maior intensidade de ruptura no início da terapia do que aqueles sem distúrbios de personalidade. Outra metanálise feita por Eubanks et al. (2018b) também constatou uma relação mediana entre as resoluções das rupturas e o resultado positivo do tratamento (r=0.29, z=2,94, 95% CI [0,10, 0,47], p=0,003). Os autores destacaram a necessidade do desenvolvimento de treinamentos para os terapeutas identificar as rupturas, já que os terapeutas que reparam as rupturas relatam melhor resultado no tratamento e que, quanto maior o percentual de pacientes com transtornos de personalidade, menor a correlação entre o treinamento em resolução de ruptura e o desfecho do paciente.
Pesquisadores como Gersh et al. (2017) realizaram um estudo qualitativo com 44 pacientes jovens com TPB, visando explorar os processos de ruptura e reparação da AT. Encontraram que as rupturas ocorreram em 53% das sessões e com o passar do tratamento tenderam a aumentar, sendo as de confronto mais frequentes. As rupturas que ocorreram no início do tratamento foram associadas com piores resultados, enquanto uma maior resolução do tratamento tardio foi associada a melhores resultados, caracterizadas, também, como oportunidades de crescimento terapêutico.
Como já mencionado, além de contribuir para o estudo de processos e processos-resultados em psicoterapia, o sistema 3RS favorece o desenvolvimento técnico de psicoterapeutas, pois pode auxiliá-los a reconhecer, tolerar e negociar rupturas da AT e realizar as reparações (Eubanks et al., 2015). Os terapeutas que realizaram o treinamento com o 3RS mostram-se mais sensíveis à ocorrência de rupturas na aliança e capazes de detectá-las em situações onde elas podem ter escapado anteriormente à observação. Isso tem sido particularmente útil no treinamento de terapeutas iniciantes, no qual permite o desenvolvimento de uma escuta clínica aguçada para as rupturas da AT e suas reparações (Safran et al., 2009).
Na clínica, o treinamento com base no sistema 3RS envolve o desenvolvimento de três habilidades principais. A primeira delas refere-se à autoconsciência: o terapeuta deve estar atento às suas experiências internas e como uma bússola, ser capaz de entender suas interações e compará-las com as dos pacientes. A segunda é a regulação emocional, que é a habilidade do terapeuta em gerenciar suas próprias emoções negativas e tolerar o sofrimento. E, por fim, a sensibilidade interpessoal, que implica na empatia diante das experiências dos pacientes e na consciência do processo interpessoal que envolve a dupla paciente-terapeuta (Muran, Safran & Eubanks, 2010).
Portanto, pesquisadores podem utilizar o sistema 3RS como método de avaliação dinâmica da AT e os clínicos como forma de identificação das rupturas como padrão de funcionamento relacional do paciente. A avaliação empírica das rupturas gera resultados quantitativos (número de rupturas e estratégias de reparação e grau de impacto de ambas) que permitem a integração entre os conhecimentos tradicionais em psicoterapia com evidências científicas, possibilitando que as intervenções estejam embasadas pela ciência (pesquisa) e pela clínica (Eubanks, Muran & Safran, 2010). Além disso, o sistema possibilita que os terapeutas estudem e treinem a avaliação de rupturas e de estratégias de reparação, por meio de marcadores bem definidos e com base em observações sistematizadas provenientes de estudos realizados com diferentes abordagens de psicoterapias e pacientes com distintos diagnósticos.
O estudo realizado por Eubanks et al. (2014) sistematizou um treinamento focado na Aliança (TFA) que busca desenvolver a habilidade dos terapeutas de reconhecer, tolerar e negociar as rupturas da aliança, aumentando a sua autoconsciência, a regulação e a sensibilidade interpessoal. Por meio do uso da análise de vídeo dos momentos de ruptura, role-plays conscientes e mindfulness, se encoraja os clínicos a desenvolver curiosidade aberta, aceitação sem julgamento da sua própria experiência e da experiência de seus pacientes. O programa produziu evidências que sugerem que a TFA ajuda os psicoterapeutas iniciantes a tratar pacientes desafiadores e/ou difíceis de forma eficaz.
A consciência dos terapeutas sobre as rupturas na aliança pode determinar se as rupturas serão benéficas ou obstrutivas para o processo de terapia. Um estudo feito por Chen, Atzil-Slonim, Bar-Kalifa, Hasson-Ohayon e Refaeli (2018) avaliou as associações entre o reconhecimento dos terapeutas das rupturas da AT e as alterações nas avaliações dos pacientes sobre a aliança e os sintomas, usando dados de séries temporais em uma configuração de tratamento naturalista. Participaram do estudo 84 pacientes com diagnóstico de transtorno afetivo (44,6%), transtorno de ansiedade (27,7%), transtorno obsessivo-compulsivo (4%) ou outros diagnósticos (4%), submetidos à psicodinâmica de curto prazo, com duração média de 22,7 sessões, atendidos por 56 terapeutas, que responderam às medidas de aliança após cada sessão, e os pacientes avaliaram as medidas de sintomas no início de cada sessão. A pesquisa mostra que quando os terapeutas reconhecem uma ruptura nas sessões anteriores, os níveis de funcionamento do paciente não são afetados na sessão subsequente, porém quando os terapeutas não identificam as rupturas, o nível de funcionamento dos pacientes é significativamente menor. O estudo evidencia que a identificação das rupturas pelos terapeutas aboliu o efeito negativo das rupturas nas avaliações dos sintomas dos pacientes na sessão seguinte. Portanto, destaca-se a importância do reconhecimento dos terapeutas da deterioração da aliança para que ocorra um processo de reparo que pode levar a um melhor relacionamento e resultado.
Conclusão
A AT é um fator comum do relacionamento fundamental para a adesão, manutenção e progresso do tratamento. Portanto, o monitoramento e o trabalho terapêutico ativo para manter e/ou reestabelecer a AT são essenciais para que uma psicoterapia atinja seus objetivos. O presente artigo destaca a influência que a AT pode exercer durante a psicoterapia e apresenta um sistema de avaliação das rupturas e resoluções da AT, o 3RS, que, além de possuir aplicabilidade para o estudo empírico do processo de psicoterapias de qualquer orientação teórica, possui aplicabilidade clínica.
A pesquisa em psicoterapia não precisa ser dura, objetiva, controlada e distante da prática. Estudos de processo, naturalísticos, sistemáticos e realizados com sistemas observacionais da interação terapêutica extraem o que há de melhor na tradição clínica e da ciência empírica. O 3RS é uma das ferramentas para este tipo de estudo. Seu potencial para o ensino de técnicas psicoterapêuticas também não deve ser negligenciado. Acredita-se que a sua introdução no Brasil possibilite avanços de estudo de processos terapêuticos e também no treinamento técnico de jovens terapeutas de qualquer orientação teórica.