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Gerais : Revista Interinstitucional de Psicologia

On-line version ISSN 1983-8220

Gerais, Rev. Interinst. Psicol. vol.15 no.2 Belo Horizonte  2022  Epub Jan 20, 2025

https://doi.org/10.36298/gerais202215e18054 

Artigo

Grupos de apoio à adoção: espaços para compartilhar as preocupações que envolvem o processo adotivo

Adoption support groups: spaces to share the concerns that surround the adoptive process

Fabiana Müller Schmitt1 
http://orcid.org/0000-0002-7902-9759

Gabriela Clerici Christofari2 
http://orcid.org/0000-0001-6076-027X

Dorian Mônica Arpini3 
http://orcid.org/0000-0002-1667-5112

1Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), Santa Maria, Brasil. E-mail: fabianaschmitt@gmail.com

2Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), Santa Maria, Brasil. E-mail: gabrielacchristofari@gmail.com

3Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), Santa Maria, Brasil. E-mail: monica.arpini@gmail.com


Resumo

Esta pesquisa buscou compreender as preocupações que permeiam a parentalidade adotiva, bem como o papel dos grupos de apoio à adoção na elaboração destas. Fizeram parte deste estudo oito integrantes de um grupo de apoio à adoção. A pesquisa teve caráter qualitativo e foi realizada por meio de entrevistas semiestruturadas. Os resultados apontam que diversas são as preocupações e os sentimentos mobilizados nos candidatos à adoção, entre os quais: a impossibilidade de ter filhos biológicos e o grande tempo de espera pela concretização do processo adotivo. Ainda foi mencionado o momento de preenchimento do perfil da criança/adolescente que se deseja adotar e o receio sobre como se dará o exercício da parentalidade. A partir disso, observou-se que os grupos parecem se constituir para os participantes como um espaço que oferece suporte a tais apreensões, em que pretendentes e pais adotivos podem compartilhar experiências, propiciando um espaço para pensar sobre as preocupações.

Palavras-chave Adoção; Grupos de Apoio à Adoção; Relações familiares

Abstract

This research sought to understand the concerns that permeate adoptive parenting, and the role of adoption support groups in their elaboration. Eight members of an adoption support group participated in this study. The research was qualitative and was performed by using semi-directed interviews. The results indicate that the candidates for adoption have several concerns and feelings, among them: the impossibility of having biological children and the great waiting time for the adoption process. Also, the moment of filling the profile of the child/adolescent that one wishes to adopt and the fear about how parenting will go were mentioned. From this, we observed that the groups seem to constitute for the participants a space that supports such apprehensions, where pretenders and adoptive parents can share experiences, providing a space for thinking about those worries.

Keywords Adoption; Adoption Support Groups; Family Relationships

Apesar de a adoção ser uma prática antiga, ainda hoje é socialmente permeada por diversas fantasias, mitos e preconceitos. Além disso, conforme diferentes autores, podem-se observar diversas angústias inerentes ao processo adotivo e às legislações que a embasam (Cardoso & Baiocchi, 2014; Fonseca, Marre, Uziel & Vianna, 2012; Gilberti, 1984; Valério & Lyra, 2014; Weber, 2014). Entre os aspectos geradores de preocupações nos pretendentes à adoção, conforme Gondim et al. (2008), estão a excessiva burocracia e a lentidão que caracterizam o processo de adoção, o medo de não ser bom pai ou mãe, o receio da reação de outras pessoas, ou seja, do preconceito, entre outros. Ladvocat (2008) afirma que o período de espera é particularmente difícil para os postulantes, os quais se questionam por que, apesar de existirem várias crianças “abandonadas” no Brasil, o processo de adoção é deveras demorado. Conforme Costa e Kemmelmeier (2013) e Schettini, Amazonas e Dias (2006), o período de espera é vivido pelos pretendentes como um momento de tensão e preocupações, mas também de esperanças e expectativas. A partir disso, conforme as autoras já citadas, bem como Levy, Diuana e Pinho (2009), é importante que, durante este tempo de espera, ofereça-se apoio para as angústias próprias do período e que haja uma primeira aproximação dos postulantes com as temáticas relacionadas à adoção.

Além disso, muitas famílias adotivas passaram pela constatação da impossibilidade de gerar um filho biológico. Tal questão, se não for bem trabalhada, pode trazer marcas na constituição do vínculo com o filho adotivo (Oliveira, Souto & Silva Júnior, 2017). Sentimentos como menos-valia, raiva, culpa, vergonha e injustiça são frequentes quando a infertilidade é constatada.

Nesse contexto, em pesquisa com mães adotivas e biológicas, Reppold e Hutz (2003) constataram que as mães adotivas indicam ter recebido menor apoio social em relação às mães biológicas. A promoção de redes de apoio às famílias adotivas seria uma maneira de possibilitar contingências continências para uma melhor saúde emocional das crianças e adolescentes que forem adotados, bem como uma melhor adaptação das famílias adotivas, tendo em vista que o apoio recebido aumenta o bem-estar e a autoconfiança dos pais. Segundo Levy, Diuana e Pinho (2009), ao mesmo tempo em que as crianças e adolescentes precisam de um suporte acolhedor que os ajude a elaborar suas perdas e abandonos, os pais adotivos também necessitam de apoio e continência aos seus medos e inseguranças, temática que coloca em cena a questão do superior interesse da criança (Fonseca, Marre, Uziel & Vianna, 2012).

Por todas as questões consideradas, é importante que os adotantes contem com um espaço de escuta anterior à efetivação da adoção, tal como os Grupos de Apoio à Adoção, para que possam trabalhar suas motivações conscientes e inconscientes para a adoção. Dessa forma, podem-se abordar os fatores que poderiam trazer vulnerabilidades ao processo adotivo (Schetinni, Amazonas & Dias, 2006, Arpini & Narciso, 2018). Ainda, Levy, Diuana e Pinho (2009) afirmam que o grupo pode ser efetivo na promoção de saúde a famílias formadas pela via adotiva, pois auxilia na elaboração de fantasias e temores associados a esta forma de parentalidade. Nele, podem-se trabalhar aspectos que envolvem desde o processo de habilitação à adoção, até o momento de concretização desta, com a chegada do novo membro familiar, e as interações iniciais com este. Assim, o grupo é uma rede de apoio durante todo o processo adotivo, que acolhe as preocupações e os sentimentos de seus participantes e ajuda a ressignificá-las.

O processo grupal, nesse contexto, segundo Santos (2004), propicia a reconstrução de significados e uma consequente mudança referente à visão que se tem acerca da adoção. Dessa forma, o grupo auxilia na produção de sentidos, alivia angústias, possibilita a ressignificação, bem como pode ativar processos de mudança, pois no grupo os participantes estão em constante reflexão, o que leva à ação e à (re)construção de realidades.

Neste sentido, Silva e Arpini (2012) consideram que espaços de acolhimento, reflexão e preparação para pais adotivos são fundamentais e podem minimizar as preocupações relacionadas ao processo de adoção. A preparação dos candidatos pode salientar a dimensão da responsabilidade e implicações da decisão de constituir-se uma família. Também, podem-se trabalhar as diversas fantasias presentes no imaginário social sobre a adoção, bem como uma mudança na cultura adotiva, como, por exemplo, a mudança de perfil da criança desejada. Assim, esses espaços disponibilizados para os adotantes podem sensibilizar os candidatos acerca do que realmente significa a adoção, tornando o processo menos desgastante. Tendo em vista esses aspectos, o objetivo deste artigo é refletir acerca das preocupações e dos sentimentos que permeiam o processo adotivo na visão de integrantes de um Grupo de Apoio à Adoção, bem como de que forma este pode contribuir para pensar sobre tais questões.

Método

Este estudo consiste em uma pesquisa de caráter qualitativo exploratório. Segundo Flick (2009), por meio da perspectiva qualitativa, a subjetividade dos participantes emerge e torna-se parte do processo de pesquisa, sendo relevante no estudo das relações sociais. O foco principal da pesquisa qualitativa é a exploração de um conjunto de representações sociais e opiniões sobre o tema que se pretende investigar (Gomes, 2012; Minayo, 2014).

Em relação ao grupo de apoio à adoção em que foi realizada esta pesquisa, salienta-se que o mesmo foi fundado em 20 de janeiro de 2015 e funcionava por meio da discussão de temáticas relacionadas à adoção. O grupo é coordenado pelo presidente eleito pelo grupo, sendo este um pai ou mãe, que já tenha concretizado o processo de adoção, ou uma pessoa que aguarda na fila para adotar. No período em que a pesquisa foi realizada, a presidente era uma mãe que já havia finalizado o processo adotivo. O número de participantes era de aproximadamente 15 pessoas a cada encontro, sendo que alguns integrantes compareciam a todos os encontros, já outros tinham frequência irregular aos encontros do grupo. A frequência das reuniões era de uma vez ao mês. Não havia vínculo direto do grupo com o Judiciário, porém, eventualmente, existia a realização de parceria com o mesmo para o desenvolvimento de algum projeto específico.

Participantes

Integraram este estudo oito participantes de um Grupo de Apoio à Adoção, que como critério de inclusão, já tivessem participado de pelo menos três reuniões do grupo, sendo que se deu prioridade aos participantes que estavam há mais tempo vinculados. Partiu-se do pressuposto de que esses participantes tivessem discutido temáticas relacionadas à filiação adotiva e às preocupações e aos sentimentos relacionados a esse processo. Por questões de sigilo e anonimato, os entrevistados serão nomeados como “Participante” e numerados de 1 a 8, de acordo com a ordem de realização das entrevistas. Na tabela a seguir encontram-se demais informações referentes a cada participante.

Tabela 1 Características dos participantes 

Participante Sexo Idade Escolaridade Contexto familiar Número de reuniões frequentadas
Participante 1 Fem 35 Sup. Completo Marido 7 reuniões
Participante 2 Fem 40 Sup. Completo Marido e filha Desde a fundação
Participante 3 Masc 41 Sup. Incompleto Esposa 3 reuniões
Participante 4 Fem 41 Pósgraduação Marido e filha Desde a fundação
Participante 5 Fem 43 Sup. Completo Marido e enteado Desde a fundação
Participante 6 Fem 38 2ºgrau Completo Marido 6 reuniões
Participante 7 Fem 47 Pósgraduação Marido e filhos Desde a fundação
Participante 8 Fem 31 Sup. Completo Marido 4 reuniões

*Os participantes 2, 4 e 7 tornaram-se pais pela via adotiva.

Fonte: Elaborada pelas pesquisadoras.

Em relação às características dos participantes, considera-se importante destacar que, como se pode observar, a maioria dos pretendentes à adoção é formada por pessoas casadas, acima dos 40 anos, e possui ensino médio ou superior. Tal dado converge com Silva, Cavalcante e Dell’Aglio (2016), que realizaram uma pesquisa extensiva acerca das características dos postulantes à adoção, a partir do Cadastro Nacional de Adoção (CNA), e obtiveram os mesmos resultados, bem como com Mariano e Rossetti-Ferreira (2008), que realizaram uma pesquisa sobre o perfil das famílias adotantes. Além disso, em sua maioria, os integrantes deste estudo são mulheres.

Instrumento

Tendo em vista o caráter qualitativo do estudo, foram utilizadas entrevistas individuais, já que estas fornecem uma compreensão das atitudes, crenças, valores e motivações dos comportamentos dos sujeitos em contextos específicos, pressupondo uma análise em profundidade dos dados, destinada a construir conhecimento (Gaskell, 2002; Minayo, 2014). As entrevistas tiveram caráter semiestruturado, com duração de aproximadamente meia hora. Para Minayo (2010), tal modalidade permite que o entrevistado tenha a possibilidade de discorrer sobre o tema em questão sem que necessite prender-se à pergunta inicial. Além disso, para o entrevistador, possibilita a elaboração de um roteiro no qual suas hipóteses e pressupostos sejam contemplados na conversa.

As entrevistas trataram sobre os seguintes eixos: motivos que levaram o participante a inserir-se e a permanecer no grupo de apoio à adoção; a existência de preocupações e sentimentos relacionados à filiação adotiva e quais seriam; temáticas trabalhadas no grupo e como ocorre a dinâmica de funcionamento do mesmo; e, por fim, contribuições do grupo para ampliar o entendimento do participante acerca de algum aspecto relacionado às percepções acerca da adoção.

Procedimentos

Antes da realização das entrevistas, foram esclarecidos os objetivos do estudo, exploradas as dúvidas dos participantes, bem como explicado sobre o compromisso, por parte do pesquisador, com a confidencialidade da identidade dos sujeitos. Os participantes receberam um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, que assinaram e, portanto, autorizaram a sua participação na pesquisa. As entrevistas foram realizadas nas dependências da instituição de ensino à qual a pesquisadora está vinculada, em sala adequada, conforme disponibilidade dos participantes.

Além disso, o estudo está respaldado nas Diretrizes e Normas Regulamentadoras de Pesquisa envolvendo Seres Humanos (Resolução 510/2016 do Conselho Nacional de Saúde), sendo aprovada a sua realização pelo Comitê de Ética de uma Universidade Pública de Ensino Superior sob o número SUPRIMIDO.

Procedimento de Análise dos Dados

As oito entrevistas foram, inicialmente, transcritas, visando a sua análise. Os dados foram analisados por meio da Análise de Conteúdo proposta por Bardin (1979). Segundo Minayo (2010), a Análise de Conteúdo é uma técnica que possibilita tornar replicáveis e válidos dados de um determinado contexto. O procedimento adotado para análise consistiu, num primeiro momento, da leitura cuidadosa e detalhada de cada entrevista individualmente, pelas autoras, e, posteriormente, do conjunto das entrevistas, momento no qual as categorias de análise foram definidas. A partir disso, relacionou-se a literatura acerca da temática tratada e os dados das entrevistas (Gomes, 2012).

As categorias temáticas que emergiram, a partir da análise, foram: 1. “‘Quando eu falei que a gente ia adotar, eu tive uma recepção, assim, terrível’: incertezas vivenciadas no processo de filiação adotiva”, que versa sobre as preocupações e os sentimentos acerca do processo adotivo; 2. “‘O perfil é a situação mais ingrata do processo’: perfil x tempo de espera para adoção”, que aponta para os sentimentos associados ao processo de escolha de perfil, bem como analisa sua relação com o tempo de espera para adoção.

Resultados e Discussão

1. "Quando eu falei que a gente ia adotar, eu tive uma recepção, assim, terrível": incertezas vivenciadas no processo de filiação adotiva.

O projeto de filiação adotiva pode ser assustador, tendo em vista que é considerado demorado e difícil. Além disso, os pretendentes obtêm informações de que há a possibilidade de não serem habilitados, de que a fila de requerentes é enorme e de que a maioria das crianças aptas à adoção são mais velhas, possuem irmãos e estão na instituição de acolhimento institucional por diversas situações difíceis de vida (Ladvocat, 2008).

A impossibilidade de se ter filhos biológicos apareceu como motivo para escolha da parentalidade pela via adotiva por todos os participantes desta pesquisa, com exceção de um casal, para o qual a gestação em idade avançada seria considerada de risco. Tal dado sobre a infertilidade como principal motivo para adoção também foi encontrado em pesquisa de Mariano e Rossetti-Ferreira (2008), bem como no estudo de Oliveira, Souto e Silva Júnior (2017). Conforme a literatura, quando a razão da adoção é a infertilidade, é necessário que haja primeiramente uma elaboração dos pretendentes à adoção pelo luto de não poderem ser pais biológicos. Só então é que poderão de fato construir uma maternidade e paternidade enquanto pais adotivos (Campos, 2012; Ladvocat, 2008; Schettini, Amazonas & Dias, 2006; Scorsolini-Comin, Amato & Santos, 2006; Sequeira & Stella, 2014; Silva, Arpini & Polli, 2010).

Neste sentido, Pontes, Cabrera, Ferreira e Vaisberg (2008) contribuem com importantes reflexões a respeito do preconceito presente no imaginário coletivo em relação à filiação adotiva, que pode levar à negação, por parte dos pais, da história pregressa do filho adotado. Tal postura apareceria, também, como consequência da não elaboração da situação de infertilidade, por meio de um comportamento de caráter defensivo, e traria consigo nefastas repercussões ao desenvolvimento da criança, pois refletiria em si uma exclusão e discriminação às suas origens. A fala a seguir demonstra esta questão da vivência da infertilidade e de como esse aspecto é relevante e central para o contexto da possibilidade de filiação adotiva.

Eu tentei já duas vezes engravidar e tive dois abortos, aí também esperei um... Acho que até foi bom, o ano passado assim, porque eu deixei passar bem essa fase da perda né, esperei passar toda a tristeza, o luto ali, pra gente firmar [a decisão de adotar]. E um dia eu pensei assim, se eu gosto, quero muito ser mãe, e se não dá numa via, a gente vai pela outra né. (P8)

Em relação ao que foi exposto pela participante (P8), conforme Reppold e Hutz (2003), a adoção, na maioria dos casos, está relacionada, para além da impossibilidade de se ter filhos biológicos, com o desejo dos postulantes de exercerem a parentalidade, serem cuidadores e transmitirem tradições familiares, ou seja, pelo desejo de ter uma família, independentemente de sua forma de constituição. Assim, embora seja importante uma elaboração da infertilidade, é relevante ponderar que a adoção se constitui para muitos pais na real possibilidade de construir laços de parentalidade, conforme aponta a seguinte fala:

O meu marido por problemas... Ele que não pode ter filhos biológicos, aí só que isso pra nós nunca foi um empecilho, pra gente não, não nos tornarmos pais assim, sabe? Quando ele me falou dessa impossibilidade dele, na mesma época eu disse pra ele que, então a gente vai, a gente vai ter filho, a gente vai adotar. (P1)

As falas dos participantes parecem evidenciar que a adoção, por vezes, já estaria presente como uma possibilidade de constituição de filiação. Nesse sentido, parece ser importante destacar, também, que a escolha da maternidade/paternidade por meio da via adotiva não significa necessariamente que ela trará consigo um grande sofrimento subjacente. Considerando os cuidados em relação às possibilidades de elaboração anteriormente sinalizadas, a adoção se coloca como um caminho de acesso à experiência de serem pai e mãe, sendo outra possibilidade de constituição de família (Schettini, Amazonas, & Dias, 2006; Marre & Román, 2012).

Nesse ínterim, outro aspecto que se pode evidenciar, a partir das falas dos participantes, que parece estar atravessado na experiência de filiação adotiva, é o preconceito com relação a essa modalidade de filiação. Assim, para além do luto que muitos casais precisam elaborar, relacionado à infertilidade, identifica-se ainda a necessidade de superar o preconceito social com relação à adoção. Segundo Sequeira e Stella (2014), o preparo dos pretendentes à adoção envolve discussões acerca de aspectos educativos, culturais, psicossociais e jurídicos, e a reflexão sobre os preconceitos que ainda permeiam o imaginário social (Giberti, 1984; Fonseca, Marre, Uziel & Vianna, 2012). Esta questão do preconceito social aparece de forma bastante expressiva, como se pode observar pela seguinte fala:

É o temor que a gente tem, é o preconceito, que infelizmente ainda está muito enraizado, sabe? A nossa cultura, a nossa sociedade, aquela coisa assim “ah, ele é assim porque ele é adotivo” “ah, ele é assado porque ele é adotivo”, sabe? Então isso ainda é um medo muito forte na gente. (P1)

Dias, Silva e Fonseca (2008) e Weber (2014) apontam para a existência de preconceito social acerca da adoção. Também, Reppold e Hutz (2003) constataram, em pesquisa com mães adotivas, que 70% delas já haviam experienciado discriminações em função de seus filhos serem adotados. Desta forma, percebe-se que a preocupação dos participantes infelizmente é pertinente e que o social ainda precisa desconstruir e rever a visão que tem acerca da parentalidade adotiva. Além disso, Costa e Kemmelmeier (2013) enfatizam que embora as leis brasileiras tenham tido avanços na questão da adoção, a sociedade precisa rever seus preconceitos e lançar um olhar mais cuidadoso, detalhado e reflexivo sobre esta questão. A partir disso, os entrevistados destacam a importância do GAA (Grupo de Apoio à Adoção) enquanto promotor de reflexão e revisão acerca de tais preconceitos, tanto dos próprios participantes, quanto da sociedade em geral.

Pode-se evidenciar que o grupo dirige-se tanto aos aspectos mais individuais que marcam as histórias de cada família que procura a adoção, quanto aos aspectos sociais, numa dimensão mais ampla. Poderia se inferir que existe uma preocupação maior, que ultrapassa cada participante e que diz respeito a como a sociedade lida com o tema e o tabu associado à adoção, algo que só será modificado quando se puder falar sobre a questão, desconstruindo o imaginário que se construiu acerca dessa temática.

Ai principalmente a importância social é de divulgação né, desmistificação da adoção como é um tabu, uma questão... Uma diferença né. Acho que principalmente o grupo tem esse papel de desmistificar, de tornar a palavra adoção não uma palavra diferente, é só uma outra forma de ser pai e mãe. Mas ser pai e mãe igual a todo pai e mãe que existe né. (P7)

Como formas de superar os preconceitos advindos do convívio social, conforme Levy, Diuana e Pinho (2009), estariam: conhecer a história e a origem do filho adotivo e integrá-la à nova família, entender seu sofrimento e comportamentos, bem como admirar sua singularidade, seus progressos e sua capacidade de adaptação. Entende-se que todos esses aspectos apontados pelos autores fazem parte do processo de filiação adotiva e podem ser trabalhados nos grupos de apoio à adoção. Esses aspectos também têm sido apontados como relevantes na experiência de Portugal, que tem evidenciado uma preocupação com todo processo de filiação adotiva e o acompanhamento dos pais após a adoção por meio de grupos (Arpini & Narciso, 2018).

Outro aspecto que se fez presente nas falas dos participantes refere-se aos temores dos pretendentes à adoção com relação a uma possível dificuldade de aceitação por parte da família extensa - que incluiria tios, avós e primos, por exemplo (Costa e Campos, 2003). Tal aspecto aparece na seguinte fala:

Porque ainda as pessoas são muito preconceituosas quanto a isso, muito mesmo assim. Em casa quando a gente foi... Quando eu falei que a gente ia adotar, eu tive uma recepção, assim, terrível sabe, me falaram coisas que eu fiquei pensando assim, meu Deus, essas pessoas perdem a oportunidade de ficarem caladas. (P8)

As questões presentes na fala do participante estariam indicando que ainda tem sido muito difícil aceitar a adoção, reconhecer essa modalidade de filiação, que, embora legalmente legitimada na legislação, ainda parece carecer do reconhecimento social. Nesse sentido, é relevante atentar para a importância do que trazem os participantes, considerando que eles estão imersos nesse contexto, e suas experiências traduzem uma realidade muito próxima do tema e que se apresenta permeada pelo preconceito. Dessa forma, associado aos aspectos anteriormente abordados com relação à infertilidade como a principal razão de busca pela parentalidade adotiva, pode-se compreender a dificuldade que atravessa a vivência desses pais. Pois, além do luto, terão que enfrentar esse tabu que circunda de incertezas a parentalidade adotiva e que parece estar ainda fortemente presente na sociedade.

No escopo das incertezas e fragilidades a que estaria imersa a temática da adoção, outro aspecto que tem sido apontado em estudos como o de Sequeira e Stella (2014) é a preocupação que pode estar presente referente ao medo dos aspectos hereditários da criança adotiva, que apareceria na fantasia dos candidatos como a premissa de que a transmissão intergeracional de possíveis aspectos negativos dos genes da família de origem, tais como criminalidade, uso de álcool e drogas, seria constituinte da personalidade da criança. Em relação a esta questão, embora os participantes tenham referido identificar estes aspectos por parte da sociedade ou de outros membros da família, eles próprios não mencionaram preocupações neste sentido, aspecto que pode ser pensado como decorrente da participação no GAA e da abordagem dessas questões que envolvem a parentalidade adotiva.

Nas falas dos participantes, pode-se identificar uma supremacia do contexto, ou seja, dos aspectos ambientais, relacionais, sobre os aspectos hereditários. Tal constatação pode estar relacionada ao fato apontado anteriormente de os participantes serem integrantes de um grupo de apoio à adoção, tendo em vista que o grupo, ao abordar essas questões, permitiria a ressignificação e elaboração, por meio da discussão de vivências e concepções acerca da adoção (Costa & Kemmelmeier, 2013). Desse modo, os participantes P4 e P7 apontam:

É muito mais do teu processo de educação do que origem biológica (...) nada mais é, eles são reflexos das nossas situações, dos nossos acertos, dos nossos erros, vão refletir isso. (P4)

Eu acho que a questão da personalidade, ela se forma pelo ambiente, pelo né... tem diversos fatores é o ambiente, os amigos né, as companhias que tu convive na sociedade e o que que tu vai querer pra tua vida né, são escolhas, às vezes a gente faz escolhas erradas né, mas isso não é por tu ser adotivo ou tu ser biológico que tu vai fazer uma escolha errada, porque “ah, eu vim lá né, meu sangue tá ruim” (risos), como muita gente diz né (...) Não é genético, é ambiente. (P7)

Outro fator apontado pelos participantes como mobilizador de apreensões refere-se ao momento “quando a criança chegar”, se a parentalidade será exercida de forma plena, sobretudo em casos de adoções de perfil mais ampliado, que corresponde ao contexto da maioria dos participantes deste estudo:

Ah, eu acho que as angústias são principalmente relacionadas a se tu vai conseguir ser mãe né também, se tu vai conseguir cuidar a criança, se tu vai conseguir educar. (P7)

Tal aspecto é relevante, na medida em que, quanto mais ampliado o perfil, mais tempo teria tido esta criança ou adolescente fora do contexto familiar proporcionado pela adoção. Isto implica num trabalho de elaboração e integração da história vivida pela criança na família que agora a recebe. Seguramente, este é um trabalho que mobiliza e que por isso mesmo necessita de uma preparação, no sentido de melhor acolher e inserir esta realidade histórica no contexto atual (Arpini & Narciso, 2018).

É importante destacar tais preocupações, na medida em que toda criança adotada precisa elaborar uma vivência de ruptura de vínculo, que será facilitada se os pais estiverem preparados para auxiliar nesse trabalho. Contudo, adoções tardias podem ter esse processo mais acirrado, seja porque as rupturas podem ter sido vivenciadas mais de uma vez, seja porque o tempo foi mais longo ou mesmo porque houve vivências traumáticas (negligências, violências) que marcaram a história dessa criança (Arpini & Narciso, 2018). Esses aspectos têm sido abordados por autores que têm se dedicado ao tema, como Ljzendoom e Juffer (2006) e Palácios e Brodzinsky (2010), os quais alertam sobre as consequências adversas e o impacto da vida institucional.

Segundo os autores, quanto menos tempo a criança permanecer na instituição, menos efeitos podem decorrer e melhores seriam as possibilidades de seu desenvolvimento. Nessa mesma direção, Grotevant e McDermott (2014) afirmam que a idade da adoção é um elemento importante, uma vez que quanto mais cedo esta ocorrer, menos efeitos poderão ser evidenciados. Nesse sentido é de suma importância considerar a experiência anterior à adoção, para que possíveis vivências traumáticas possam ser acolhidas e elaboradas. A partir destes pontos destacados como geradores de tensão nos postulantes à adoção, passa-se, na categoria a seguir, a refletir sobre outro aspecto que foi apontado como relevante no processo adotivo, que é o perfil.

2.“O perfil é a situação mais ingrata do processo”: perfil x tempo de espera para adoção.

Muito se comenta, na mídia e na literatura, acerca do perfil escolhido pelos adotantes e sua relação com a demora nos processos de adoção no Brasil (Andrei, 2001; Mariano & Rossetti-Ferreira, 2008). Contudo, pouco se tem atentado sobre como ocorre este momento aos pretendentes e sobre a mudança que vem ocorrendo no perfil adotivo dos mesmos. A partir disso, os participantes trouxeram informações relevantes acerca do preenchimento e da definição do perfil, bem como vários sentimentos e incômodos foram manifestados em relação a este momento e a forma como ele está estruturado. A seguir, uma tabela com os perfis escolhidos pelos pretendentes e o consequente tempo que estão esperando pela adoção.

Tabela 2 Perfil informado pelos participantes 

Participante Perfil Tempo de Espera
Participante 1 0 a 5 anos; sem restrição de sexo/cor; doenças tratáveis 5 anos*
Participante 22

0 a 5 anos; sem restrição de sexo/cor

0 a 4 anos; sem restrição de sexo/cor; HIV

4 anos1

1 ano e 9 meses

Participante 3 2 a 7 anos; sem restrição de sexo/cor Em processo de habilitação
Participante 4 0 a 3 anos; sem restrição de sexo/cor; HIV; Down; grupo de irmãos 4 anos¹
Participante 5 0 a 6 anos; sem restrição de sexo/cor; grupo de irmãos 4 anos*
Participante 6 0 a 6 meses; menina 6 meses
Participante 7 0 a 4 anos e 3 meses; sem restrição de sexo/cor; grupo de irmãos 5 anos¹
Participante 8 0 a 7 anos; sem restrição de sexo/cor Em processo de habilitação

Fonte: Elaborada pelas pesquisadoras

*Logo após a finalização do estudo, os Participantes 1 e 5 concretizaram seus processos de adoção.

1A adoção já se concretizou e o tempo de espera está finalizado.

2O Participante 2 concretizou um processo de adoção e aguarda há 1 ano e 9 meses uma segunda adoção.

Ressalta-se que a seleção dos participantes para esse estudo se deu considerando como critério o tempo de inserção no grupo, independentemente do perfil escolhido pelos mesmos. Nota-se que, diferente do que alguns autores apontam que o perfil da maioria dos pretendentes à adoção seria de bebês, meninas, brancas e saudáveis (Andrei, 2001; Mariano & Rossetti-Ferreira, 2008), os participantes desta pesquisa apresentam um perfil um pouco mais ampliado. Apesar disso, o tempo de espera é bastante prolongado. Neste sentido, os dados confirmam as afirmações de Ladvocat (2008), de que, com o Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA (1990) e o trabalho dos grupos de apoio à adoção, o perfil adotivo vem se modificando, passando a serem mais frequentes adoções tardias, inter-raciais e de grupos de irmãos. Além disso, os dados convergem com Silva, Cavalcante e Dell’Aglio (2016), que ao realizarem uma pesquisa no Cadastro Nacional de Adoção em relação ao perfil escolhido pelos postulantes, encontraram que a maioria não possuía preferência quanto à cor e ao sexo da criança ou adolescente que desejavam adotar. Também, as autoras verificaram que a grande maioria dos pretendentes aceitava crianças de até no máximo 7 anos, dado também encontrado nesta pesquisa.

Contudo, ainda que estejam sendo reconhecidas alterações com relação ao perfil indicado pelos pretendentes, cabe destacar que este tema é ainda revestido de muitos sentimentos. Os participantes referiram que o momento de escolha de perfil parece ser um fator delicado para os pretendentes à adoção: “Muito difícil (...) preencher lá no Fórum é desumano, tu preencher no balcão, leva pra casa e não tem ajuda de ninguém” (P4).

A fala anteriormente descrita parece indicar que esse momento seria vivenciado pelos participantes com um sentimento de solidão. Algo tão mobilizador, que pela forma como ocorre pode estar sendo vivido como um momento de desamparo. A falta de auxílio, de alguém com preparo que acompanhe o processo, parece gerar o sentimento de que o filho estaria sendo tratado como um objeto de comércio.

Foi a pior parte, nós fomos no fórum, aí lá nos deram a ficha, sabe e assim, essa hora assim, tu pensa que tu... tu reza muito sabe, porque tu pensa assim que tu, meu Deus, se fosse meu filho biológico eu não vou poder escolher (...) e porque ali tu vai escolher? A criança não é uma mercadoria (...) nada tem garantias na vida, então porque que lá tu vai querer escolher um filho perfeito, lindo, maravilhoso? (P1)

Neste sentido, considerando a relevância do que foi expresso pelos participantes, seria importante que houvesse um maior cuidado com relação ao momento no qual os pretendentes preenchem o formulário indicando o perfil. Poderia haver um suporte por parte do Judiciário, disponibilizando um profissional que estivesse presente neste momento e pudesse acolher as angústias e esclarecer possíveis dúvidas, o que reduziria, pelo menos em parte, os sentimentos anteriormente descritos. Considerando que a parentalidade adotiva por si só já se encontra permeada por temores e incertezas, entende-se que se o Judiciário puder ser mais acolhedor poderá facilitar o trabalho psíquico que tal processo demanda.

Ainda em relação aos aspectos que envolvem o perfil, Costa e Campos (2003) referem que, muitas vezes, o perfil que os adotantes buscariam é o de uma criança sem problemas de saúde, recém-nascida e semelhante fisicamente aos pais. Por trás desta idealização da criança a ser adotada poderia estar a vontade de reproduzir ao máximo a situação biológica idealizada narcisicamente ou de mascarar temores com relação à origem genética e à história da criança. Por outro lado, ainda segundo os autores, ter-se-ia uma concepção, por parte das famílias adotivas, de que a semelhança física entre os pais e o filho adotivo protegeria a criança e os próprios pais de serem alvos de preconceitos.

A questão da escolha do perfil, “poxa, eu vou querer mais parecidinho comigo? Mais em tenra idade pra poder é... não viver tanto essa questão” “ah, é filho adotivo, não ficar tão gritante essa coisa”. (...) Por isso a necessidade do grupo de apoio, tu já tem que começar a te instruir de outras formas. (P4)

Ainda, dentro do que foi manifestado pela participante (P4), cabe destacar que os resultados desta pesquisa indicam que a maioria dos pretendentes possui um perfil mais ampliado, contrastando, em parte, com esta concepção apresentada pelos autores. Outro aspecto a ser destacado na fala é a importância dos grupos de apoio à adoção como um espaço no qual isso pode ser trabalhado, acolhendo as percepções e aspirações dos pretendentes, o que pode, a partir de um processo reflexivo, ampliar as concepções acerca da parentalidade adotiva.

Além disso, quanto à preferência por recém-nascidos, Huber e Siqueira (2010) destacam que isto pode indicar a vontade de que a história da criança comece a partir da adoção e de que a criança possa ser “moldada” conforme os valores e as expectativas das famílias adotantes. Por outro lado, segundo as autoras, também associado à preferência por bebês, pode estar o desejo de vivenciar cada etapa do desenvolvimento da criança. Tal aspecto aparece na seguinte fala:

Não sei se de repente a gente não tem filho também, que tu não quer perder nada (...) Porque de repente tem gente que tem filho, aí pode querer criança um pouquinho maior ou de repente de diferente idade. Acho que por isso a gente optou bebê. (P6)

A partir disso, conforme ressalta Campos (2012), é necessário que haja o fortalecimento de uma cultura da adoção que valorize as adoções tardias, bem como de crianças com problemas de saúde e também de grupos de irmãos. Contudo, é preciso atentar para este processo, evitando que o longo tempo de espera faça com que os candidatos aceitem uma criança que esteja fora do perfil pretendido, somente para dar fim à ansiedade de espera, e isso gere futuras frustrações (Weber, 2004).

As questões apontadas são extremamente relevantes para pensar no perfil definido pelos pais e sua possível alteração. Considerando o exposto anteriormente, em relação à necessidade de que os pais se sintam preparados e fortalecidos para vivenciar a parentalidade adotiva, e sobre as peculiaridades e temores com relação a esse exercício parental, a alteração do perfil não deve ser uma decisão tomada com base apenas na expectativa da redução do tempo de espera. Entre as consequências que podem advir desta brusca alteração de perfil, pode-se identificar até mesmo possíveis “devoluções”.

Assim, destaca-se que, embora seja extremamente importante o desenvolvimento de uma nova cultura de adotiva, é necessário que os candidatos reflitam com seriedade acerca do que realmente estão preparados para assumir, como forma de realizarem uma adoção consciente. Neste sentido, Cardoso e Baiocchi (2014) apontam para a importância da preparação dos pretendentes para adoção, sobretudo em adoções tardias, pois do contrário pode haver novas perdas para a criança ou o adolescente.

Ainda com relação ao tempo de espera para adoção, conforme Weber (2014), frequentemente há uma mistura de dor gerada pela impossibilidade de ter filhos biológicos, com a dor de esperar, o que soa para os pretendentes como uma dupla punição. Segundo a autora, é compreensível esta angústia em relação ao tempo de espera e, justamente neste momento, o contato com outros pais adotivos deveria ser vivenciado, juntamente a uma preparação para adoção e a possibilidade de compartilhar esses sentimentos. Nesse sentido, participar de um grupo pode contribuir para manter o projeto de adoção, apesar do longo tempo de espera (Levy, Diuana & Pinho, 2009). O termo “angústia” apareceu de forma bastante significativa nas falas dos participantes frente à demora no processo adotivo:

Angústia de tu querer adotar, de tu querer teu perfil seja, que tu consiga a tua adoção logo. Aquela angústia de tu ser atendido logo, da questão de enfim, aquela questão do processo de adoção, que aconteça o mais rápido possível, que tu tá querendo e tá esperando. (P3)

Nesse sentido, Costa e Kemmelmeier (2013) destacam a importância de os futuros pais adotivos poderem compartilhar desejos e experiências em grupos de apoio à adoção, como forma de possibilitar mudanças e compartilhar suas vivências de espera pela adoção. Por outro lado, os participantes demonstram que o tempo também pode ser um aliado, de forma que se possa elaborar as barreiras que foram impostas e se preparar para maternidade/paternidade adotiva. Contudo, destaca-se que o tempo de espera, apesar de necessário e produtivo, é deveras exacerbado, e isto não só é algo que passa a ser negativo para os pretendentes, mas, sobretudo, para as crianças e adolescentes que aguardam por uma família. Conforme a fala a seguir: “Mas acho que a tristeza maior é de saber que tem muita criança sem família, e a gente querendo ser uma família e não consegue cruzar os caminhos” (P8).

Ressalta-se que se costuma atribuir a lentidão dos processos de adoção no Brasil quase que exclusivamente ao perfil escolhido pelos pretendentes. Contudo, é necessário que se possa ultrapassar essa explicação, e que se atente para diversos outros fatores que também contribuem diretamente para esta demora, tais como uma rede de proteção à infância e juventude deficitária, tentativas de reinserção familiar sem sucesso (Siqueira, Massignan & Dell'Aglio, 2011), a morosidade e exacerbada burocracia do Judiciário com relação aos processos de destituição do poder familiar e adoção, sobretudo na região Sul do Brasil (ABJ, 2014), estado onde o estudo foi realizado, entre outros.

Por fim, compreende-se que vários são os aspectos que provocam preocupações e temores na vivência da adoção. O que se pode observar, a partir dos relatos dos participantes deste estudo, é que os grupos de apoio à adoção têm cumprido um importante papel, no sentido de problematizar, refletir e conter estes sentimentos.

Considerações finais

O estudo permitiu identificar diversos fatores que se encontram presentes no processo de adoção, entre os quais a infertilidade - principal aspecto que motiva a adoção -, o medo do preconceito, inclusive pela família extensa, o longo tempo de espera pela concretização do processo adotivo, o momento de definição do perfil, entre outros.

Considerando todas as peculiaridades inerentes ao processo de filiação adotiva e todos os atravessamentos e sentimentos vivenciados pelos pais, um dos aspectos que este estudo parece contribuir diz respeito ao momento de definição e preenchimento do perfil. Os participantes deveriam ter um apoio, evitando que se sintam sozinhos, desamparados e num ambiente frio. Além disso, seria de suma importância dispor de um espaço acolhedor e acompanhado por um profissional da Psicologia, capacitado para trabalhar com a questão, com quem os pais pudessem dialogar, tirando dúvidas acerca da ficha, considerando que os sentimentos mobilizados por esse momento são tão relevantes no processo de filiação adotiva que não podem ser restritos a uma ficha cadastral. Contudo, entende-se que, na ausência de um profissional especializado, outras pessoas habilitadas na temática da adoção, como participantes de Grupos de Apoio à Adoção, poderiam auxiliar nesse momento tão importante, acolhendo os pais, minimizando o desgaste emocional que tal situação produz. Ressalta-se, também, a importância de um acompanhamento durante todo o processo adotivo, que pode ser vivenciado por meio da participação em grupos de apoio à adoção.

Ainda, ressalta-se a importância de que o sistema judiciário seja um ambiente acolhedor, tendo em vista que o processo de adoção, por vezes, pode ser desgastante e demorado. Destaca-se, também, a relevância das Varas da Infância e Juventude e seu papel no preparo dessas famílias, que deve ser cuidadoso e sensível, atentando para a agilidade, evitando longos anos de espera. Assim como, aponta-se o papel relevante das instituições de acolhimento, a quem cabe a delicada tarefa de preparar as crianças e os adolescentes que se encontram para adoção. Dentro do escopo da temática, é relevante considerar, ainda, o papel das políticas públicas e das mídias na atuação da temática da adoção, ampliando a abordagem do tema, e, com isso, contribuindo para reduzir os temores e tabus que tal filiação ainda carrega.

Por fim, ressalta-se que este estudo não pretendeu esgotar a discussão acerca de tão importante temática, bem como identifica-se a importância de novas pesquisas nesta área, tanto no que tange à adoção na perspectiva dos candidatos e pais adotivos, quanto aos grupos de apoio à adoção e sua dinâmica e importância social, aspecto que foi claramente destacado pelos participantes deste estudo.

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Recebido: 11 de Abril de 2019; Aceito: 09 de Fevereiro de 2020

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