De acordo com a Organização Mundial da Saúde, as doenças crônicas não transmissíveis são responsáveis por aproximadamente 71% das mortes no mundo e, no Brasil, estima-se que elas correspondam a 74% de todas as mortes (World Health Organization - WHO, 2018). O adoecimento crônico é considerado um estressor tanto dos processos de desenvolvimento individual como do sistema familiar, uma vez que há a exigência da mobilização de recursos, adaptação e reorganização, sentimentos de exaustão e ambivalência (Rolland, 1995). Diante dessas repercussões da doença crônica para o indivíduo adoecido e sua família, os cuidados paliativos são uma proposta de cuidado que objetivam a melhoria da qualidade de vida do paciente e seus familiares diante de uma doença ameaçadora à vida – sendo promovidos por uma equipe multidisciplinar que visa à identificação precoce da doença, prevenção e alívio do sofrimento, avaliação, controle e tratamento da dor e sintomas da ordem física, social, psicológica e espiritual (WHO, 2002). Assim, esses cuidados oferecem uma assistência que se desloca da medicina tradicional curativa e tecnicista para o cuidado integral (Gomes & Othero, 2016), oferecendo amplo cuidado ao paciente e à família, desde o recebimento do diagnóstico, início do seu tratamento, até a morte do paciente e o suporte ao luto dos familiares (Braz & Franco, 2017).
Na experiência de uma doença ameaçadora à vida, as redes sociais significativas e de suporte social do indivíduo podem favorecer o enfrentamento de situações de crise, por meio do compartilhamento e oferta de ajuda, assim como auxiliar na construção de significados no tocante às perdas, ao processo de cuidado e de morte. Em termos conceituais, a rede social significativa é entendida como as pessoas percebidas e nomeadas, pelo indivíduo, com base na sua experiência e qualidade do vínculo construído entre si (Sluzki, 1997). Os membros das redes sociais significativas são representados por aquelas pessoas importantes no universo relacional do indivíduo, tais como familiares, amigos, colegas de trabalho e/ou estudo, pessoas da comunidade, como vizinhos, instituições religiosas e/ou profissionais da saúde (Sluzki, 1997). Essas redes podem desempenhar funções como: apoio emocional, disponibilizando compreensão, senso de compartilhamento e empatia; ajuda material e de serviços, quando oferecem acesso a conhecimentos específicos, serviços de saúde ou ajuda física; companhia social, ao estarem próximos e disponíveis; guia cognitivo e de conselhos, ao disponibilizarem um modelo de papel a ser seguido e compartilharem informações pessoais ou sociais; regulação ou controle social, ao auxiliarem na resolução de conflitos, em situações que não correspondem à expectativa coletiva; e acesso a novos contatos, ao proporcionarem, para o indivíduo, aproximação a novas pessoas e vínculos (Sluzki, 1997).
Destaca-se que, na literatura, há uma diversidade de termos que se referem à “rede social”, “apoio social”, “suporte social”, de modo que são empregados, muitas vezes, de maneira indiscriminada, levando à generalização dos termos e consequente invisibilização das pessoas envolvidas nessas redes. Diante disso, neste trabalho, o suporte social é definido com base nas práticas de prestação de serviços que visam à prevenção e promoção da saúde, ofertado por ações desenvolvidas em instituições e organizações formais, sendo que os profissionais que as compõem podem vir a desempenhar funções tanto emocionais quanto materiais, que colaboram com a diminuição do estresse e aumento do bem-estar do sujeito (Ornelas, 2008). Indo ao encontro disso, Wottrich (2016) situa que as redes de suporte social se diferenciam das redes sociais significativas por serem institucionalizadas, com organização delimitada e que atendem a funções preestabelecidas ou metas institucionais. O termo “apoio social”, por sua vez, é considerado como uma função exercida pelos integrantes das redes sociais dos indivíduos (Gonçalves, Pawlowski, Bandeira, & Piccinini, 2011).
No conjunto das modalidades da rede de suporte social, contexto dos cuidados paliativos, observam-se os hospices, os quais se constituem em serviços de complexidade média, com espaço físico diferenciado, atividades de convivência para pacientes e familiares, maior flexibilidade e atuação contínua das equipes multiprofissionais (Maciel, 2012). Além dos hospices, as equipes e serviços especializados em cuidados paliativos também representam exemplos de suporte social. Os profissionais da saúde, que fazem parte da equipe que oferece suporte aos pacientes e familiares, podem auxiliar na vivência do adoecimento e morte, ao possibilitar a abertura de espaços de escuta e reconhecer o paciente como detentor de uma biografia, que tem desejos e valores, acolhendo e validando os sentimentos que emergem nesse processo (Braz & Franco, 2017).
No que tange à oferta de apoio pelas redes no contexto de cuidados paliativos, estabelece-se uma relação entre o apoio disponibilizado e a qualidade de vida do indivíduo (Azevedo, Pessalacia, Mata, Zoboli, & Pereira, 2017), uma vez que a qualidade de vida durante o processo de morte pode ser influenciada por fatores demográficos, características da doença, sofrimento psicológico, apoio social disponível, sentimento de ser um fardo para os demais, entre outros (Tang et al., 2014). Em pesquisa qualitativa, realizada com 12 pacientes de um programa de reabilitação paliativa, por meio de entrevistas semiestruturadas, Rutkowski et al. (2018) destacaram que o apoio emocional foi o mais mencionado pelos participantes do seu estudo, ofertado por membros da equipe, cônjuges, familiares, amigos, pares que estavam na mesma situação, pessoas da comunidade e do credo espiritual/religioso. Os profissionais foram considerados a fonte primária de informações, sendo reconhecidos como detentores de conhecimento e habilidades, o que favoreceu para os pacientes falarem a respeito da doença e da morte. Os cônjuges, familiares e amigos desempenharam a função de apoio instrumental (Rutkowski et al., 2018). Por outro lado, a pesquisa quantitativa de Tang et al. (2014), desenvolvida com pacientes com câncer em estado terminal, por meio de uma escala de qualidade de vida, indicou a diminuição do apoio das redes durante o processo de morte, o que encontra correspondência no que Sluzki (1997) propõe sobre as restrições das interações sociais durante o adoecimento.
Diante do avanço do adoecimento e à medida que o processo de morte vai ganhando contornos mais claros, os rituais de despedida passam a desempenhar papel fundamental para os familiares e pacientes, haja vista que estes demonstram desejo de falar sobre o que estão sentindo, seus anseios e inquietações (Kübler-Ross, 1981). Esses rituais podem ser expressos por meio da comunicação verbal, gestos e manifestações religiosas, preocupações em saber como os familiares ficarão depois de sua morte, entre diferentes manifestações que variam conforme a qualidade da relação entre os membros e o paciente (Lisbôa & Crepaldi, 2003). Isto é, indica-se a presença das redes sociais nos processos de fim de vida e imersos no contexto dos cuidados paliativos.
Reitera-se os indicativos de doenças crônicas e a morte relativa a elas em âmbito mundial, os estresses e ansiedades gerados para o paciente e para os familiares, bem como as potencialidades das redes sociais significativas e de suporte social. Diante disso, o objetivo da presente pesquisa foi realizar uma revisão integrativa de artigos empíricos sobre a repercussão das redes sociais significativas de pacientes em cuidados paliativos. A relevância deste estudo reside na possibilidade de visibilizar as redes construídas em torno de pacientes em cuidados paliativos, oferecendo parâmetros para a atuação profissional em saúde, além de evidenciar as lacunas na produção do conhecimento a esse respeito, a fim de subsidiar novos estudos sobre o tema.
2 Método
O presente estudo é uma revisão integrativa da literatura, a qual trata da sintetização e revisão de pesquisas que foram publicadas previamente sobre determinada temática. Há o intuito de produzir perspectivas sobre o tema proposto que fundamentam cientificamente e direcionam a prática em saúde (Souza, Silva, & Carvalho, 2010). Nesse sentido, a fim de responder à pergunta: “Quais as repercussões das redes sociais significativas de pacientes em cuidados paliativos?”, realizou-se a busca de artigos nacionais e internacionais nas bases de dados Web of Science, PsycINFO e Scopus, publicados entre janeiro de 2007 e março de 2018. Essas bases de dados foram consideradas conforme seu caráter multidisciplinar e de grande abrangência.
Os descritores empregados para encontrar os materiais foram os disponíveis na plataforma DeCS (Descritores em Ciência da Saúde), de acordo com sua correspondência em inglês: “cuidados paliativos”/“palliative care”, “suporte social”/“social support”, “redes sociais”/“social networks”, combinados por meio dos operadores booleanos OR e AND. Cabe mencionar que para obter maior alcance de materiais, foi utilizado o Virtual Private Network (VPN) da Universidade à qual as autoras do presente estudo estão vinculadas. Diferentes termos foram encontrados nas produções científicas sobre o tema, tais como “apoio/suporte social”, “redes sociais”, “redes de apoio”, os quais foram utilizados nos artigos selecionados como sinônimo do mesmo fenômeno. Ao considerar isso, neste trabalho, os diferentes termos foram analisados em seu contexto e de acordo com as definições utilizadas pelas autoras na introdução deste artigo.
A seleção dos materiais teve como guia os seguintes critérios de inclusão: a) ter o texto completo disponível; b) estar escrito nas línguas inglesa, espanhola ou portuguesa; c) ser artigo empírico; d) referir-se ao contexto dos cuidados paliativos; e) descrever as repercussões das redes sociais significativas relacionadas aos pacientes em cuidados paliativos. Após a aplicação dos filtros de cada base referente aos anos, tipo de documento e língua, foram encontrados no total 1.476 materiais, dos quais 87 artigos foram selecionados depois da leitura dos títulos e resumos. Seis deles foram excluídos por se encontrarem em mais de uma base de dados, restando 81 artigos. Em decorrência da leitura dos textos completos, 57 artigos foram excluídos, pois: a) os participantes eram os profissionais da saúde (6 artigos); b) os participantes eram os familiares ou os amigos (30 artigos); c) o contexto dos cuidados paliativos não estava definido de maneira clara, não sendo possível identificar se os pacientes estavam recebendo tais cuidados (10 artigos); e d) não estabelecia a repercussão das redes sociais em relação aos pacientes em cuidados paliativos (11 artigos). Diante disso, 24 artigos foram selecionados para compor esta revisão (23 internacionais e um nacional), cujos participantes eram os pacientes em cuidados paliativos e que expressavam a relação entre eles e suas redes sociais.
Além da pesquisadora principal, a seleção dos estudos contou com a participação de duas pesquisadoras que atuaram como juízas, devido sua experiência em pesquisas na área da saúde e redes sociais significativas, a fim de realizar melhor inclusão e/ou exclusão de artigos relacionados ao objetivo do trabalho. A organização e análise dos dados foram realizadas por meio do software Atlas.ti 7.5. e seguiram as etapas de codificação propostas pela Teoria Fundamentada nos Dados: aberta, axial e seletiva (Strauss & Corbin, 2008). Os dados foram refinados e integrados, de modo que foi estabelecida uma linha de condução que perpassa o fenômeno e inter-relaciona as categorias.
3 Resultados e discussão
Com vistas a contextualizar os 24 artigos que compõem o corpus de análise do presente artigo, em um primeiro momento descrevem-se as características das pesquisas selecionadas. Em termos metodológicos, 11 artigos eram de abordagem qualitativa, 10 de abordagem quantitativa e três de abordagem quantitativa-qualitativa. A distribuição dos países onde os estudos foram publicados variou entre a Austrália, com quatro publicações, seguida pela Inglaterra, Canadá, Estados Unidos e Uganda (n = 3), Suécia (n = 2) e com uma publicação cada (n = 1): Brasil, Quênia, Malawi, Espanha, Noruega, Etiópia, África do Sul, Índia e Alemanha. Um mesmo estudo (multicêntrico) foi desenvolvido na Uganda, Kenya e Malawi e outro na Uganda e África do Sul. No que tange aos anos em que os artigos foram publicados, é possível indicar uma distribuição similar entre os anos: 2007 (n = 1), 2008 (n=2), 2009 (n = 1), 2010 (n = 2), 2011 (n = 3), 2012 (n = 3), 2013 (n = 2), 2014 (n = 5), 2015 (n = 1), 2016 (n = 3), 2017 até março de 2018 (n = 1).
Quanto ao motivo pelo qual os pacientes estavam recebendo cuidados paliativos, cita-se: câncer (21 artigos), HIV/Aids (5), doença neuromotora (2), doença renal (2), doença cardíaca (2) e doença respiratória (2). Destes, cinco artigos foram realizados com participantes que tinham diferentes doenças e dois não deixaram claro se há outra doença além do câncer. Em relação a isso, ressalta-se que no cenário mundial as doenças cardiovasculares, seguidas pelo câncer e doenças respiratórias são as principais responsáveis pelo expressivo número de mortes por doenças crônicas não transmissíveis (WHO, 2018). Sublinha-se que dos cinco artigos cuja doença era HIV/Aids quatro foram desenvolvidos nos países da África. Nestes, destacam-se os cuidados desempenhados na comunidade, enquanto nos países desenvolvidos predominam estudos que visam identificar fatores clínicos, psicossociais e demográficos em contextos de instituições ou serviços de cuidados paliativos. Os resultados desses estudos evidenciaram as diferentes formas de organização das redes em torno dos cuidados paliativos, tendo uma relação direta tanto com os níveis de organização social como comunitária. Somado a isso, cabe refletir que a organização das redes também está relacionada ao tipo de doença, sendo esse um dado invisibilizado nos resultados dos artigos mencionados, visto que as redes não são o centro dos estudos. Ao encontro disso, observou-se que somente um estudo brasileiro, selecionado de acordo com os critérios estabelecidos para esta revisão, abordou a relação entre cuidados paliativos e redes sociais configuradas em torno dos pacientes, o que deixa em evidência uma lacuna na produção científica relacionada às temáticas envolvidas.
A seguir serão apresentados os resultados decorrentes da análise de dados. As duas grandes categorias e respectivas subcategorias emergentes foram: 4. Repercussão das redes sociais significativas no contexto de cuidados paliativos: 4.1 Dos familiares, 4.2 Dos amigos, 4.3 Da comunidade, 4.4 Dos profissionais de saúde; 5. Experiências do paciente em cuidados paliativos na relação com sua rede social significativa: 5.1 Percepções dos pacientes quanto à relação com as redes e 5.2 Sentimentos dos pacientes quanto às relações no fim de vida. Os elementos de análise, oriundos do processo de organização dos dados e que se constituem como desdobramentos que marcam as especificidades das categorias, que balizaram a discussão foram destacados por meio de aspas simples ao longo do texto.
4 Repercussão das redes sociais significativas no contexto de cuidados paliativos
Nesta categoria foram abordadas questões relativas aos membros das redes sociais significativas dos pacientes nos cuidados paliativos. Foram discutidos os resultados referentes ao apoio disponibilizado pelos membros das redes da família, dos amigos, da comunidade e de suporte dos profissionais da saúde. O destaque foi dado para as funções desempenhadas por esses membros, bem como a ausência de apoio relatada pelos participantes dos estudos.
4.1 Dos familiares
O ‘apoio dos familiares’ auxiliou no enfrentamento dos momentos difíceis (Motyka, Nies, Walker, & Schim, 2010), no recebimento do diagnóstico (Berterö, Vanhanen, & Appelin, 2008), no manejo dos acontecimentos inesperados (Duggleby et al., 2010), na viabilização para que os participantes pudessem viver sozinhos e independentes (O’Connor, 2014) e foi um fator que afetou positivamente a qualidade de vida dos pacientes (Motyka et al., 2010). Nesse contexto, a pesquisa de Milberg, Wåhlberg e Krevers (2014) apontou que o funcionamento do subsistema “Paciente e a família mais próxima” estava associado às características do paciente ou bem-estar geral dos familiares mais próximos, bem como Götze, Brähler, Gansera, Polze e Köhler (2014) referiram uma correlação existente entre a situação psicológica dos pacientes e seus cuidadores.
A família apareceu como componente central da rede social de 39 pessoas, da totalidade de 45 participantes no estudo de Koffman, Morgan, Edmonds, Speck e Higginson (2012). Os pacientes do referido estudo destacaram que seu companheiro e os filhos eram as pessoas mais importantes em suas vidas e relataram que os cuidados dos cônjuges assumiram destaque crescente à medida que sua fragilidade aumentava. Referiram-se a casos em que se beneficiaram da relação de intimidade com seus parceiros, como nas atividades diárias de, por exemplo, tomar banho e se vestir, e do conhecimento privilegiado deles em como fazer para que os pacientes se sentissem confortáveis, em interpretar os seus sinais de angústia/estresse e antecipar e reagir de acordo com cada necessidade (Koffman et al., 2012).
Além disso, os familiares desempenharam a função de ‘apoio emocional’, quando possibilitaram que os pacientes falassem sobre a situação que estavam vivenciando e compartilharam os sentimentos que surgiram nessa experiência. A ‘ajuda material e de serviços’ foi desenvolvida diante da prestação de apoio prático nas atividades domésticas (Berterö et al., 2008). Por outro lado, os pacientes relataram ter sentido ‘ausência de apoio’, ao sinalizarem a falta da presença física dos familiares, a percepção de terem recebido pouco ou nenhum apoio deles e a diminuição da interação à medida que se deu o processo de morrer, o que os fez sentir ausência de apoio familiar (Broom & Kirby, 2013). Para os participantes do estudo de Lewis, DiGiacomo, Currow e Davidson (2014), as condições gerais de cuidado foram descritas como reduzidas, em termos do número de membros da família disponíveis para fornecer apoio, e frágeis, em termos da qualidade dessas relações. Os pacientes que menos sentiram o suporte da família próxima demonstraram mais sentimentos de ansiedade, nervosismo e estresse, maior preocupação financeira, menor senso de segurança nos cuidados paliativos, no que se refere à interação do cuidado (Milberg et al., 2014), e foram identificados como requerendo atenção psicossocial adicional no tratamento de depressão (Goodwin et al., 2011).
Nesse sentido, as ‘relações familiares conflituosas’ ficaram evidentes nas entrevistas do estudo de Broom e Kirby (2013), as quais ilustraram que as relações entre a família e o paciente que está morrendo nem sempre são positivas. Houve exemplos de tensão e discórdia entre os participantes e seus familiares, em particular na percepção do apoio oferecido pelos membros da família. As pressões econômicas, o valor das relações intergeracionais e os conflitos de longo prazo foram discutidos como formadores de dinâmicas problemáticas (Broom & Kirby, 2013).
Tendo isso em vista, as diferenças em relação ao apoio percebido pelos pacientes e as relações familiares conflituosas vão ao encontro do que aponta Rolland (1995), ao situar o adoecimento crônico e a morte como eventos estressores do sistema familiar. Segundo o autor, as questões referentes à história transgeracional de doença, perda e crise influenciam o modo como paciente e família enfrentam e se adaptam ao período do adoecimento crônico. Ou seja, o significado da doença para a família, a comunicação familiar, a reorganização de papéis, a solução de problemas, a capacidade que a família tem de prestar cuidados em casa, o envolvimento afetivo, o apoio social e o uso de recursos disponíveis na comunidade são fatores que influenciam a vivência da doença crônica (Rolland, 1995). Nesse tocante, é possível pensar que o fato de alguns pacientes se sentirem apoiados pelos seus familiares e outros não remete às dinâmicas familiares prévias e o modo como os membros da família conseguem se organizar, incluindo, nesse processo, a presença das redes sociais configuradas em torno da família, somado à necessidade de adaptação às demandas do adoecimento. Assim, é preciso considerar o contexto em que esse processo se desenvolve e o modo como família e paciente se relacionam com esse processo, uma vez que as relações familiares configuradas diante da doença e da proximidade da morte podem influenciar a disponibilidade de apoio e, por sua vez, a experiência dos pacientes em cuidados paliativos.
4.2 Dos amigos
O ‘apoio dos amigos’ também foi apontado como importante para enfrentar os momentos de crise (Motyka et al., 2010), fornecer informações (Selman et al., 2009), como um dos motivos pelo qual os participantes viviam sozinhos sem um cuidador (O’Connor, 2014) e como um fator que afetou positivamente a qualidade de vida dos pacientes (Motyka et al., 2010). Por outro prisma, os participantes do estudo disseram que não contavam aos amigos as situações ruins e buscavam transparecer coragem (Berterö et al., 2008).
Os pacientes também relataram ter recebido apoio de pessoas com a mesma condição (Selman et al., 2009). Cabe destacar que as pessoas que estão vivenciando situações semelhantes também podem oferecer apoio emocional e encorajamento, o que permite o senso de compreensão e compartilhamento (Rutkowski et al., 2018). Diante disso, os pacientes encaminhados para os cuidados paliativos e que relataram ‘ausência de apoio’ ou pouco apoio dos amigos foram identificados como aqueles que precisaram de maior atenção psicossocial no tratamento da depressão (Goodwin et al., 2011). O movimento de afastamento por parte dos membros da rede das amizades pode estar sustentado tanto pela diminuição de interação por parte do paciente quanto pela redução do comportamento de reciprocidade, tal como aponta Sluzki (1997). O autor indica que, nos processos de doença, a pessoa adoecida tem menos oportunidade de corresponder às condutas de cuidado ofertadas a ela.
Nessa direção, observam-se limitações quanto ao compartilhamento de sentimentos, ou, ainda, o sentimento de ausência de apoio dos amigos. Mesmo não tendo sido possível identificar as funções que os amigos desempenharam para os pacientes, destaca-se a importância da participação destes, haja vista que o seu reconhecimento como uma rede disponibilizou apoio e potencializou a qualidade de vida dos pacientes, tal como se preza nos cuidados paliativos.
4.3 Da comunidade
Grupos e redes comunitários auxiliaram: nos cuidados pessoais; acesso e apoio ao tratamento; apoio à subsistência, prestação de cuidados paliativos às pessoas que vivem com o HIV em Uganda (Mburu et al., 2013), os quais remetem aos ‘recursos da comunidade’. Os voluntários ajudaram os pacientes a equilibrar opções relacionadas à moradia, finanças, decisões de tratamento, transporte e planejamento de cuidados. Os participantes descreveram os voluntários como confiáveis, atenciosos, bons ouvintes, gentis, não intrusivos e respeitosos, que os ajudaram a contextualizar suas experiências e representaram uma rede segura, em especial para os pacientes que não possuíam membros da família próximos (Pesut et al., 2018). Os programas de cuidados paliativos desenvolvidos na Uganda, Kenya e Malawi também destacaram os voluntários como fundamentais para a promoção desses cuidados, devido sua proximidade com a comunidade (Grant, Brown, Leng, Bettega, & Murray, 2011).
Além disso, os ‘vizinhos’ foram considerados importantes para que os pacientes pudessem morar sozinhos (O’Connor, 2014) e, nessa situação, para sustentar os cuidados e as necessidades sociais (Lewis et al., 2014), assim como fortalecer o senso de segurança, por exemplo: “se alguém estivesse em algum tipo de problema, os vizinhos estavam lá para ajudar” (Duggleby et al., 2010). Ainda, eles desempenharam apoio emocional e ajuda material e de serviços, sendo que esta foi desenvolvida por práticas como cortar a grama das casas dos pacientes e o preparo das refeições (Lewis et al., 2014). Diante disso, visualizam-se as potencialidades da comunidade, que nem sempre são percebidas, no desempenho de funções e que auxiliam o desenvolvimento dos cuidados paliativos, favorecendo o enfrentamento da doença por parte do paciente.
As pessoas do ‘credo espiritual ou religioso’ ofereceram apoio espiritual para 52,2% (n= 118) dos participantes do estudo de Zerfu et al. (2012) e desempenharam as funções de apoio emocional, companhia social, ajuda material e de serviços (Koffman et al., 2012). Diante disso, os membros dos grupos religiosos falaram sobre Deus com os pacientes, incentivaram a prática da oração, disponibilizaram companhia, ofereceram, por exemplo, auxílio para levar o paciente aos compromissos no hospital e prestaram assistência nas tarefas domésticas, como lavar a louça (Koffman et al., 2012). Além disso, proporcionaram informações sobre a doença e seu manejo (Selman et al., 2009) e os pastores falaram no culto sobre os cuidados paliativos, o que contribuiu para a aceitação da comunidade em relação às pessoas em fim de vida (Grant et al., 2011). Para os pacientes e familiares do estudo de Elliott, Gessert, Larson e Russ (2012), as práticas religiosas, tais como a oração, foram importantes na administração do dia a dia em diálise, para manter o relacionamento existente entre os membros (Elliott et al., 2012) e para a aceitação da situação que estavam vivenciando (Thompson et al., 2009). Nessa direção, a espiritualidade foi positivamente correlacionada com a resiliência (Fombuena et al., 2016) e com a qualidade de vida (Motyka et al., 2010).
As crenças espirituais, por sua vez, influenciaram nas decisões relativas à diálise e nas percepções dos pacientes a respeito da sua doença. Alguns pacientes expuseram que suas crenças religiosas ofereceram sentido às suas vidas durante a vivência da doença renal em estágio final (Elliott et al., 2012), o que contribuiu para a esperança e construção de significados diante das experiências de tratamento. Os pacientes que menos sentiram apoio da família demonstraram relação mais forte com uma crença religiosa ou existencial (Milberg et al., 2014). Por outro lado, as experiências nas comunidades da igreja nem sempre foram positivas, porque em certas situações o ministro da igreja rompeu com a confiança das pessoas, o que levou ao sofrimento espiritual destas (Elliott et al., 2012).
Entende-se que, sob uma perspectiva, as redes vinculadas à comunidade espiritual/religiosa proporcionam apoio e possibilidade de produzir sentido para a vivência do adoecimento. Sob outra perspectiva, há a possibilidade de frustração devido à incompatibilidade com aquilo que era esperado de líderes religiosos. Isso, por sua vez, pode trazer empecilhos para a elaboração desse momento. Ainda, observa-se o caráter de complementariedade que pode adquirir essa rede, devido ao fato de oferecem amparo face a ausência de outras pessoas significativas.
Ao encontro disso, observou-se que as crenças religiosas exerceram influência nos níveis de qualidade de vida dos pacientes em processo de morte, sendo que aqueles que tinham crenças religiosas alinhadas com a tradição chinesa (o estudo se desenvolveu neste país) indicaram níveis mais elevados de qualidade de vida em relação àqueles que não tinham nenhuma crença religiosa (Tang et al., 2014). Destaca-se que outros estudos, como o de Rutkowski et al. (2018), apontam para a importância que as crenças religiosas e/ou espirituais desempenham no enfrentamento dos momentos de crise, oferecendo suporte e esperança. Assim, depreende-se que as pessoas do credo religioso ou espiritual podem desempenhar as funções de companhia social, apoio emocional e ajuda material e de serviços, ao passo que a espiritualidade/religiosidade e fé podem oferecer conforto e recursos para o enfrentamento.
4.4 Dos profissionais da saúde
O ‘suporte social positivo’ foi percebido, na medida em que os profissionais da saúde representaram um dos fatores que possibilitaram aos pacientes viver sozinhos (O’Connor, 2014), auxiliaram a lidar com os momentos de dificuldades (Motyka et al., 2010), eram acessíveis para conversação e apoio - em especial, os enfermeiros –, o que influenciou a percepção do período de doença e tratamento (Berterö et al., 2008) e proporcionaram controle adequado dos sintomas, favorecendo a aceitação do prognóstico (Thompson et al., 2009).
A equipe de cuidados paliativos levou conhecimento especializado sobre a natureza e os efeitos das doenças nas comunidades locais, incentivando o acesso aos serviços e mudando as atitudes da comunidade em relação aos pacientes em fim de vida, o que permitiu que as famílias e a comunidade fornecessem cuidados mais adequados. Foi disponibilizado auxílio financeiro, ajuda material e de serviços, ao fornecer instruções aos familiares de como cuidar dos pacientes, bem como o alívio da dor destes (Grant et al., 2011). As Organizações não Governamentais, como grupos de apoio, facilitaram o acesso dos pacientes à informação sobre a doença e seu manejo (Selman et al., 2009).
Em relatos do estudo de Broom e Kirby (2013), a admissão no hospital foi um produto da dificuldade das famílias e pacientes para administrar sintomas complexos, dor e sofrimento no ambiente domiciliar. Assim, o hospice foi visto como uma solução ao sofrimento e à dificuldade da família de lidar com o processo de morte, tendo sido considerado um alívio para os familiares (Broom & Kirby, 2013). Cabe sinalizar que a incipiência de hospices no Brasil (Maciel, 2012) e a consequente lacuna na produção científica sobre esses locais no país inviabilizam a realização de uma análise comparativa dos cuidados desempenhados nos hospices nesse contexto sociocultural.
Destaca-se que nos cuidados paliativos os profissionais da saúde podem desempenhar um papel fundamental, ao considerar o paciente em uma dimensão integral, junto aos familiares, levando em consideração seus desejos, sua rede social, seus valores e história, oferecendo acolhimento, continência e consistência às necessidades de cuidado (Braz & Franco, 2017). Esse movimento pode proporcionar um ambiente facilitador para a aceitação do que estão vivenciando (Rutkowski et al., 2018).
Tendo isso em vista, experiências positivas de ‘comunicação com a equipe de saúde em cuidados paliativos’, como as comunicações abertas sobre o prognóstico, os cuidados e as opções de tratamento, ajudaram na aceitação da condição do paciente (Selman et al., 2009). O estudo de Duggleby et al. (2010) mencionou os fatores que auxiliaram os pacientes paliativos e suas famílias a se adaptarem às transições impostas pela doença: a comunicação oportuna com os profissionais de saúde, o fornecimento de informações essenciais e a presença de redes sociais familiares e comunitárias. Destaca-se que a comunicação de notícias difíceis deve ser feita a fim de transmitir informações de maneira aberta e cautelosa, ativa e centrada no vínculo, exercida por meio de um trabalho interdisciplinar. Além do controle e prevenção de sintomas, da comunicação, da assistência psicossocial e espiritual, é imprescindível a ativação das redes sociais dos pacientes e familiares (Gomes & Othero, 2016).
Nessa direção, Selman et al. (2009) apontaram que estar bem-informado sobre seu estado de saúde pôde contribuir com a habilidade de enfrentamento dos pacientes, ao passo que a falta de informação pareceu reduzir a capacidade de cuidar de si mesmo. Do mesmo estudo (Selman et al., 2009), três pacientes, da totalidade de 90, julgaram a linguagem usada pelos médicos difícil de ser compreendida e criticaram os profissionais por utilizarem uma abordagem paternalista para conceder informações. Assim, a comunicação com os profissionais dos hospitais demonstrou não fornecer todas as informações necessárias e ter sido realizada de maneira insensível (Selman et al., 2009).
Somado a isso, os participantes disseram não ter recebido apoio emocional dos profissionais e descreveram que se sentiram tratados de maneira rude e colocados em posição de objeto enquanto estavam no hospital (Selman et al., 2009), o que levou à percepção de um ‘suporte social inconsistente’. Apenas um quarto dos participantes (n = 58) da pesquisa de Zerfu et al. (2012) recebeu algum tipo de apoio material e os entrevistados disseram não estar recebendo os serviços de cuidados paliativos de que necessitavam, refletindo a limitação do acesso aos cuidados, bem como insuficiência relativa ao apoio psicossocial, atividades de assistência e suporte não adequados (Zerfu et al., 2012).
Ainda, o medo do abandono médico foi citado no estudo de Dong et al. (2016) e o hospice foi percebido como carente de intimidade nas interações e de reconhecimento da alteridade do outro no seu sofrimento (Broom & Kirby, 2013). Diante disso, concebe-se que, por um lado, há a confiança nos profissionais de saúde e a apreciação destes como uma rede e, por outro, a percepção de um suporte inconsistente, tendo em vista uma comunicação falha e a insuficiência dos recursos de atuação diante do cuidado. Reflete-se isso a partir do que tocam as dificuldades dos profissionais da saúde face ao processo de morrer, que podem repercutir em impasses na comunicação e com os pacientes, ao se sentirem pouco acolhidos em suas demandas. Nessa perspectiva, Braz e Franco (2017) concluem com sua pesquisa sobre os profissionais paliativistas e sua relação com a prevenção do luto complicado que a formação desses profissionais tem como foco o conhecimento técnico, abrangendo de modo insuficiente ou nulo os processos de morte. Entende-se que tal limitação na formação pode acarretar um efeito duplo: por um lado, afeta diretamente a saúde mental dos profissionais, visto que as temáticas da morte e da terminalidade atingem as histórias singulares; por outro, perpassa os processos de intervenção com os pacientes, familiares e as redes envolvidas.
Os resultados dos estudos desta categoria propõem que as redes sociais compostas pelos familiares, amigos, pessoas da comunidade, do credo religioso e profissionais da saúde desempenham um papel decisivo nas experiências dos pacientes em cuidados paliativos. Os familiares representaram fonte de apoio emocional e material, enquanto não foi possível identificar as funções que os amigos desempenharam. As pessoas da comunidade ganharam destaque ao identificar suas potencialidades como rede para a promoção dos cuidados. Os membros das igrejas oferecem apoio emocional, ajuda material e de serviços e companhia social, assim como a espiritualidade/religiosidade favoreceu o desenvolvimento de recursos para o enfrentamento do processo de adoecimento e fim de vida. O suporte dos profissionais da saúde é reconhecido como positivo, na medida em que estão disponíveis para a escuta e exercem uma comunicação cuidadosa e aberta. Sob outra perspectiva, sinaliza-se a ausência de apoio dos familiares, amigos, profissionais da saúde, percebida pelos participantes e experiências negativas relativas aos membros da igreja. Isso mostra que a rede pode influenciar tanto positiva quanto negativamente nos processos de saúde, e que a visibilização dos vínculos relacionais entre pacientes em cuidados paliativos e as pessoas da sua rede social significativa podem favorecer a identificação de funções e estabelecer melhor qualidade relacional e de cuidado no fim de vida.
5 Experiências do paciente em cuidados paliativos na relação com sua rede social significativa
A presente categoria buscou relatar as experiências dos pacientes em cuidados paliativos e os aspectos relacionais que a envolvem. Diante disso, foram explorados os sentimentos e percepções dos pacientes relativos às suas redes sociais, tais como apoio, isolamento, mudanças e preocupações concernentes aos entes queridos.
5.1 Percepções dos pacientes quanto à relação com as redes
O ‘apoio das redes sociais’ para os pacientes funcionou como um amortecedor de eventos estressantes, tais como o câncer em estágio terminal (Koffman et al., 2012; Rindgal, Rindgal, Jordhoy, & Kaasa, 2007) exerceu influência na aceitação do prognóstico (Duggleby et al., 2010; Goodwin et al., 2014), na adaptação às mudanças (Duggleby et al., 2010) e na qualidade de vida (Motyka et al., 2010). Pacientes com alto apoio social relataram melhor funcionamento emocional e reações menos graves de estresse (Rindgal et al., 2007). Isso indica que a articulação das redes sociais em torno dos pacientes em cuidados paliativos pode diminuir entraves para a vivência do adoecimento crônico, tal como o sentimento de estresse. Ainda, demonstra contribuir para uma melhor relação do paciente com sua condição.
Na pesquisa de Thompson et al. (2009), constatou-se que ter o apoio dos familiares e amigos ajudou os pacientes a alcançar um sentimento de paz, o que tornou o processo mais fácil. Em outras palavras, ter se sentido amado e apoiado desempenhou um papel importante na aceitação. Em contrapartida, aqueles participantes com a rede social menor tiveram mais dificuldade em aceitar, o que apontou para o fato de que as preocupações sociorrelacionais tendem a gerar dificuldade na aceitação (Thompson et al., 2009).
Ao encontro disso, Sluzki (1997) explana sobre o modo como a rede social afeta a saúde do indivíduo. Nesse contexto, considera: as relações sociais como facilitadoras da atribuição de sentido à vida; a presença de figuras familiares durante o tratamento como uma ferramenta que auxilia na redução dos níveis de estresse; a atuação dos membros da rede no monitoramento dos desvios de saúde; as redes que proporcionam atividades pessoais, as quais influenciam positivamente a qualidade de vida. Além disso, propõe que em situações de sobrecarga ou tensão de longa duração as redes de tamanho médio (8 a 12 pessoas) costumam ser mais efetivas, quando comparadas às redes de tamanho pequeno, uma vez que nestas pode haver o sentimento de sobrecarga ou de evitação, assim como quando comparadas às redes numerosas, as quais podem gerar uma suposição entre os membros, nem sempre verdadeira, de que alguém está resolvendo o problema (Sluzki, 1997).
O estudo de Goodwin et al. (2014) forneceu evidências da associação entre aceitação e positividade com o apoio de uma pessoa significativa, como familiares e amigos. De outro ângulo, Somasundaram e Devamani (2016) apontaram que o baixo apoio social percebido, em conjunto com as características clínicas relacionadas ao câncer, indicou estar relacionado com os níveis de desesperança nos pacientes de cuidados paliativos. Ainda, segundo Kolva, Rosenfeld, Pessin, Breitbart e Brescia (2011), o apoio das redes sociais obteve correlação negativa com a ansiedade em pacientes em fim de vida, enquanto para Sorato e Osório (2015) a busca por apoio social reduziu a sensação de desesperança e foi negativamente correlacionada com os indicadores de depressão. Coadunado com esses resultados, Azevedo et al. (2017) sustentam a relação entre o apoio disponibilizado pelas redes e qualidade de vida, uma vez que esta apresentou maiores níveis para aqueles pacientes com maior apoio social, enquanto aqueles que tinham presença de sintomas físicos sinalizaram menores níveis de apoio social e qualidade de vida.
Por outro lado, houve dificuldade de manter os laços sociais ao não ser mais possível realizar atividades antigas (O’Connor, 2014). Alguns pacientes descreveram a experiência de desconexão da comunidade, contato social limitado ou perda desse contato devido à doença e à incapacidade, em especial os pacientes que viviam sozinhos (Lewis et al., 2014). Isso levou a um sentimento de solidão e ‘isolamento social’ (Dong et al., 2016; Duggleby et al., 2010; O’Connor, 2014; Thompson et al., 2009). De acordo com Sluzki (1997), os indivíduos adoecidos podem se sentir isolados, pois a doença tem caráter aversivo, podendo levar a um movimento de afastamento das demais pessoas. Ao lado disso, as limitações que a doença impõe podem ocasionar a perda das oportunidades de trocas sociais, assim como a diminuição da ativação das redes por parte do indivíduo doente, o que, por sua vez, contribui para a redução do intercâmbio interpessoal (Sluzki, 1997).
Além disso, ocorreram mudanças significativas em relação aos papéis nos relacionamentos, o que aponta para as ‘mudanças relacionais’ durante o processo de cuidados paliativos. Por exemplo, em vez de exercer a função de cuidado ou de poder trabalhar para o sustento financeiro, houve um sentimento de dependência em relação aos outros, ao passo que alguns participantes sugeriram que as transições relativas à doença também foram benéficas, em termos de aproximar as relações com sua família (Duggleby et al., 2010). Nesse contexto, pode haver o sentimento de culpa, ao se considerar um fardo para a família (Broom & Kirby, 2013), ou sentimento de relutância em aceitar ajuda (Dong et al., 2016; O’Connor, 2014). Em concordância com esses resultados, Tang et al. (2014) discutem que, ao longo do processo de morte, pode haver o sentimento de ser uma carga para os demais, apontando para a redução nos níveis de qualidade de vida e das interações sociais com suas redes.
Os movimentos de isolamento social e mudanças relacionais podem ser pensados no sentido de que, durante o adoecimento crônico, algumas funções que faziam parte do senso de identidade do indivíduo deixam de ser desempenhadas ou são limitadas, o que afeta a função de “existir para alguém” ou “servir para alguma coisa”. Ademais, reitera-se que o fato de os indivíduos adoecidos não poderem oferecer comportamentos de cuidados às pessoas que cuidam deles diminui o comportamento de reciprocidade da relação (Sluzki, 1997). Dessa forma, o apoio oferecido pelas redes sociais pode auxiliar no enfrentamento do processo, até mesmo no que tange à aceitação do diagnóstico/prognóstico, o que reforça as proposições de que as redes podem contribuir para a construção de significados e no manejo de situações de crise. Ainda assim, as características do adoecimento podem levar a uma restrição nas interações sociais e, por sua vez, ao sentimento de isolamento.
5.2 Sentimentos dos pacientes quanto às relações no fim de vida
O medo do futuro, o sofrimento emocional e degradação física (Thompson et al., 2009) são exemplos de sentimentos que podem perpassar o processo de fim de vida. Além da lembrança constante da morte iminente, o sentimento de debilidade, exaustão e desamparo (Dong et al., 2016), os pacientes também experenciaram ‘preocupações no fim de vida’, como aquelas relativas ao futuro, a deixar familiares, amigos e animais de estimação, e participaram das angústias dos entes diante do seu definhamento (Thompson et al., 2009).
No estudo de Fombuena et al. (2016), 51% dos participantes (n = 55) citaram a família como preocupação principal e o sofrimento desta, quando perguntados sobre seus receios e aborrecimentos. Na pesquisa de Broom e Kirby (2013), todos os participantes expressaram considerável apreensão em relação à capacidade de seus familiares de lidar com seu processo de morte e, para os pacientes do estudo de Berterö et al. (2008), houve um sentimento de tristeza em deixar os entes queridos e pessoas próximas, mesmo que eles tenham relatado não ter medo de morrer. Nesse sentido, os informantes buscaram equilibrar o intuito de proteger seus familiares com suas próprias necessidades de apoio (Berterö et al., 2008).
Cabe destacar que, durante esse processo, muitos pacientes manifestam a necessidade de compartilhar suas angústias e preocupações, sinalizando uma tentativa de resolução das questões pendentes (Kübler-Ross, 1981). Por isso, visualiza-se a importância de dar voz ao paciente nos processos de fim de vida, auxiliando na sua comunicação em relação aos seus desejos, medos e fantasias (Braz & Franco, 2017), de modo a facilitar a aceitação (Rutkowski et al., 2018).
Nesse momento, os ‘rituais de despedida’ se destacaram como importante ferramenta no manejo dos processos de fim de vida, tanto para os pacientes quanto para os familiares. Os pacientes relataram que o período no hospice foi considerado como uma oportunidade para dizer adeus, para resolução de conflitos e questões pendentes (Broom & Kirby, 2013). Esse ritual também pode ser manifesto por comunicações verbais ou não verbais, por pedidos relativos ao pós-morte, pela necessidade de saber sobre como os familiares ficarão após o óbito e por estar acompanhado por eles (Lisbôa & Crepaldi, 2003). Com isso, sublinha-se que os sentimentos que perpassam a experiência do fim de vida são tanto de dimensão pessoal quanto relacional, e tais sentimentos apontam para a importância da escuta do paciente e da promoção de rituais de despedida.
Diante disso, é possível apreender desta categoria que as percepções dos pacientes relativas às suas redes perpassam a sensação de apoio, a influência destas na aceitação do prognóstico e a relação entre o apoio disponível e qualidade de vida. Nos processos de fim de vida, destaca-se a preocupação dos pacientes em relação às pessoas significativas, bem como a importância da escuta dos pacientes e a realização dos rituais de despedida. Em contrapartida, há o sentimento de isolamento social diante da redução dos contatos e interações com a rede e mudanças relacionais, os quais estão associados ao não desempenho de papéis que constituíam a identidade do indivíduo.
6 Considerações finais
Este artigo buscou realizar uma revisão integrativa que visou analisar a produção científica de artigos sobre a repercussão das redes sociais significativas de pacientes em cuidados paliativos. Por meio da revisão dos estudos já publicados acerca do tema, foram discutidos os resultados de 24 artigos, que auxiliaram na construção de outras perspectivas sobre a temática das redes sociais nos cuidados paliativos.
Os resultados evidenciaram que as redes sociais compostas pelos familiares, amigos, pessoas da comunidade e do credo religioso e profissionais da saúde desempenharam importantes funções nas experiências dos pacientes em cuidados paliativos. Dentre elas, destacam-se as funções de apoio emocional e material ofertado pelos familiares. Além destas, os membros das comunidades religiosas também proporcionaram companhia social e a espiritualidade/religiosidade favoreceu o enfrentamento do processo de adoecimento e fim de vida, enquanto as pessoas da comunidade atuaram na promoção dos cuidados. Os profissionais da saúde, por sua vez, auxiliaram, na medida em que estiveram disponíveis para a escuta e comunicação. As percepções dos pacientes sobre suas redes se relacionaram à sensação de apoio, aceitação do prognóstico e qualidade de vida, e também estavam permeadas por preocupação com as pessoas significativas no fim de vida e valorização os rituais de despedida. Por outro lado, reiteraram-se os sentimentos de ausência de apoio dos familiares, amigos, profissionais da saúde e experiências negativas relativas aos membros da igreja percebidas pelos participantes, bem como pelo sentimento de isolamento social, redução das interações com a rede e mudanças relacionais.
Esses aspectos fornecem subsídios para refletir a respeito das repercussões que as redes exercem na experiência de cuidados paliativos, as quais reverberam nos indivíduos envolvidos nessa experiência. Os resultados apresentados neste artigo permitem dar visibilidade para os cuidados paliativos promovidos nas comunidades, uma vez que há a necessidade de ampliar e fortalecer as redes de cuidado, diante do crescente aumento das doenças crônicas e o número ainda limitado de serviços estruturados nos países que possam dar conta de tal demanda. Novos estudos empíricos poderiam aprofundar tanto a repercussão da relação entre os pacientes em cuidados paliativos e suas redes sociais significativas, e as funções por elas desempenhadas, quanto as redes dos próprios familiares/cuidadores envolvidos no processo de adoecimento dos pacientes.
Cabe mencionar que nos artigos que compuseram esta revisão são usados termos como “apoio social” e “suporte social” para se referir ao apoio disponibilizado pelas redes, de modo que em muitos destes não foi possível identificar quais as funções os membros das redes exerceram para o paciente e de que modo essas atividades foram realizadas. Destaca-se a importância de, nesse contexto, conhecer as pessoas importantes no processo de adoecimento e proximidade da morte e as funções por elas desempenhadas, considerando-as como corresponsáveis pelos cuidados do paciente em cuidados paliativos. Além disso, tendo em vista que o conceito utilizado neste artigo sobre redes sociais prevê membros das redes de estudo ou trabalho, chama a atenção o fato de que nenhuma pessoa dessa rede ter sido identificada nos artigos. A hipótese lançada, que também é subsidiada pela literatura, é que as condições impostas pela doença, hospitalização e tratamento, restringem as atuações profissionais, provocando o afastamento dos indivíduos desse universo.
Sinalizam-se as limitações deste estudo, que se referem ao número das bases de dados consultadas e aos descritores indexados. Dessa forma, novas revisões de literatura podem incluir outras bases de dados, assim como diferentes descritores. Considerando os resultados deste artigo, sugere-se que outros estudos possam analisar as maneiras como as redes sociais se organizam de acordo com cada doença, à luz dos contextos socioculturais específicos. Ainda, propõe-se o desenvolvimento de pesquisas que considerem a cultura latino-americana e brasileira e evidenciem perspectivas a respeito das redes sociais nos cuidados paliativos nesse contexto, uma vez que apenas um artigo desenvolvido no cenário brasileiro foi selecionado, conforme os critérios estabelecidos. Com exceção deste, nenhum estudo oriundo dessa região foi incluído.
Entende-se que por meio desta revisão foi possível visibilizar as potencialidades das redes sociais e a maneira como as experiências entre os pacientes e as pessoas significativas estão inter-relacionadas, de modo que essas experiências devem ser consideradas como dinâmicas complexas nos cuidados paliativos que auxiliam no melhor entendimento das peculiaridades envolvidas no fenômeno em questão. Ao vislumbrar as experiências relacionais dos pacientes e as funções exercidas pelas pessoas significativas, é possível potencializar as redes de cuidados aos pacientes e proporcionar melhor qualidade de vida para estes, assim como oferecer aos familiares e demais pessoas envolvidas indicativos de atuação no cuidado e recursos que diminuam a sobrecarga e facilite a vivência desse processo. Assim, as perspectivas articuladas neste artigo podem oferecer subsídios teóricos, embasados em estudos científicos, que direcionem as atuações no cuidado em saúde.