O conceito de otimismo se insere no campo da psicologia positiva (PP), definida como o estudo científico de características positivas que promovem uma vida saudável (Nansook et al., 2016). A ideia da PP é identificar, por meio de pesquisas empíricas, as forças e virtudes individuais, interpessoais e sociais, como as emoções positivas, satisfação de vida, espiritualidade, otimismo, entre outros. Essas características são consideradas preditoras de saúde, sendo que o otimismo tem sido um dos construtos mais estudados (Nansook et al., 2016).
O estudo científico do otimismo emergiu a partir dos achados de Peterson e Seligman (1984), ao reformularem o modelo do desamparo aprendido e compreenderem o otimismo a partir de uma perspectiva explicativa. Seligman (1998) considera que ser otimista ou pessimista está relacionado com o estilo explicativo (explanatory style) do indivíduo. Otimistas seriam aqueles que atribuem explicações externas, temporárias e específicas para os eventos que lhe sucederam; e os pessimistas apresentam explicações internas, permanentes e globais.
Scheier e Carver (1985) popularizaram os estudos acerca do construto ao propor uma nova definição, o otimismo disposicional. O construto é considerado disposicional, ou seja, entendido como um traço de personalidade. Na perspectiva desses autores, as definições de otimismo e pessimismo são feitas baseadas nas expectativas sobre o futuro, as quais são permeadas pelo senso de convicção ou incerteza que o indivíduo tem em relação aos eventos futuros. Enquanto o otimista tende a perseverar em eventos de vida estressantes, o pessimista costuma hesitar nas mesmas situações (Carver, Scheier, & Segerstrom, 2010; Carver & Scheier, 2014).
Pesquisas empíricas têm demonstrado que o otimismo, comumente avaliado por meio de instrumentos de autorrelato, está relacionado à saúde e outras características positivas, como bem-estar subjetivo (Carver et al., 2010), autoestima (Bastianello, Pacico, & Hutz, 2014; Williams, Davis, Hancock, & Phipps, 2010) e emoções positivas (Carver & Scheier, 2014). O construto aparece negativamente relacionado ao estresse (Jobin, Wrosch, Scheier, 2014) e depressão (Wong & Lim, 2009).
A maioria dos estudos nacionais acerca do otimismo tem sido realizada com adultos (Santos & Wechsler, 2015). A respeito disso, é importante destacar que uma pesquisa longitudinal (Ey et al., 2005) para avaliar o otimismo em crianças e adolescentes sugeriu que o otimismo se desenvolve no início da infância, com poucas variações em seus níveis ao longo dos anos. Para esses autores, o otimismo deve ser entendido a partir de uma perspectiva desenvolvimental, por isso é importante ter instrumentos de avaliação desse construto para crianças.
Outro estudo (Lockhart, Chang, & Story, 2002) encontrou que as crianças entre cinco e seis anos apresentam níveis mais altos de otimismo, e os resultados indicam que o aumento da idade pode resultar na diminuição de traços positivos. É importante destacar que essas duas pesquisas utilizaram diferentes medidas para avaliar o otimismo em crianças. A escala utilizada no estudo de Ey et al. (2005) avalia o construto em crianças com idade acima de oito anos, enquanto o instrumento de Lockhart et al. (2002) foi elaborado para crianças entre cinco e 10 anos. Assim, instrumentos de mensuração desse construto são necessários para a identificação dessas características em crianças com idade abaixo de oito anos, o que contribuirá para o entendimento dessas questões e desenvolvimento de futuras intervenções.
Apesar de os pesquisadores contemporâneos definirem o otimismo como expectativas positivas em relação ao futuro, ainda não há consenso teórico sobre a conceitualização do construto. As discordâncias podem estar na sua operacionalização, o que levará à construção de diferentes instrumentos de avaliação, a depender da idade dos participantes (Carver et al., 2010).
Diante disso, esta revisão sistemática da literatura teve como objetivo identificar, na literatura internacional e nacional, os instrumentos disponíveis reportados em estudos empíricos para avaliação do otimismo na infância. Além disso, verificaram-se os modelos teóricos subjacentes aos instrumentos e o contexto de desenvolvimento dos estudos incluídos. A pergunta norteadora desta revisão foi a seguinte: Quais são os instrumentos de avaliação do otimismo na infância reportados em estudos empíricos publicados em artigos científicos?
Métodos
Estratégias de buscas das referências
Para a realização desta revisão, foram consultadas as seguintes bases de dados: PsycInfo, PubMed, Web of Science e Scopus, seguindo os procedimentos propostos pelo Preferred Reporting Items for Systematic Reviews and Meta-Analyses – PRISMA (Liberati et al., 2009). Nas três primeiras bases, as buscas eletrônicas foram realizadas utilizando os descritores “optimism”, “child*”, “scale” e “instrument”. Na Scopus, as buscas foram realizadas com os descritores mencionados, entretanto, acrescentou-se o descritor “psychological assessment”, com o objetivo de delimitar a busca. O uso dos operadores booleanos AND e OR foram adotados com o objetivo de compor uma string e viabilizar a localização de referências que apresentam os descritores conjuntamente. As buscas foram realizadas da seguinte forma: “optimism” AND “child” AND “scale” OR “instrument”.
Como o interesse desta revisão foi identificar, a partir dos estudos publicados, os instrumentos disponíveis na literatura para avaliação do otimismo, optou-se por não delimitar na busca o período de publicação. Para não haver o risco de excluir algum estudo por causa da data de publicação, foram incluídos todos os artigos publicados até abril de 2019, quando a busca foi realizada.
Critérios de elegibilidade
Os critérios de inclusão dos estudos foram: 1. Formato: artigos científicos empíricos. 2. Amostra: crianças até 12 anos. 3. Apresentar um instrumento de medida do otimismo na infância. O critério de exclusão foi: artigos não redigidos em inglês, português e espanhol – também foram excluídos estudos teóricos e revisões sistemáticas. Dissertações e teses também não foram consideradas.
Inicialmente, foram excluídos todos os artigos que não atenderam aos critérios de inclusão, com base na leitura do título ou resumo. Em seguida, os artigos duplicados entre as bases foram descartados. Os estudos selecionados foram recuperados e submetidos a uma nova seleção, feita depois da leitura do texto completo. Nessa etapa, foram excluídos os artigos que atenderam aos critérios de exclusão. O processo de busca, seleção e extração dos dados dos artigos foi realizado por dois pesquisadores independentes, e quando houve discordância, esta foi discutida com um terceiro juiz para decidirem sobre a inclusão ou não do estudo.
Extração, gerenciamento e análise de dados
Para extrair e gerenciar as informações das publicações encontradas, selecionar aquelas escolhidas e reportá-las, utilizou-se o software Mendeley. Nessa ferramenta, os artigos foram organizados por pastas, de acordo com a base de dados na qual foi localizado. Além disso, foi possível identificar e deletar os artigos duplicados entre as bases de dados por meio do Mendeley.
Baseando-se nos dados finais obtidos por meio da revisão, os artigos foram categorizados de acordo com o tema do estudo, instrumento de avaliação do otimismo, a base teórica subjacente ao instrumento utilizado, formato da escala, propriedades psicométricas, o ano de publicação, periódico, país do estudo e o tamanho da amostra. No caso de artigos que conduziram estudos com mais de um instrumento, foram analisados apenas os resultados daqueles específicos para avaliação do otimismo na infância.
Resultados
Inicialmente, as buscas eletrônicas retornaram 1.097 artigos, sendo excluídos 58 duplicados entre as bases. Dos 1.039 artigos restantes, excluíram-se 981 que não atenderam aos critérios de inclusão, baseado no título ou resumo. Os restantes, 58, foram selecionados e analisados integralmente. Entre os selecionados, 21 artigos não atenderam aos critérios de inclusão ou cumpriam os critérios de exclusão. Restaram, portanto, 37, os quais foram incluídos na análise principal deste estudo. O fluxograma do processo de inclusão dos estudos está apresentado na Figura 1.
O foco deste artigo é identificar os instrumentos utilizados com crianças, por isso a delimitação da amostra para essa população. Entretanto, alguns estudos encontrados utilizaram crianças e adolescentes em sua amostra e optou-se por incluí-los nesta revisão.
Entre os estudos incluídos, 89,19% são internacionais e foram publicados em inglês e espanhol. Os artigos foram publicados em 31 periódicos. O periódico Journal of Pediatric Psychology publicou cinco artigos; um periódico brasileiro, Psico-USF, publicou dois artigos; e os demais periódicos internacionais publicaram dois ou um artigo.
A respeito dos países onde os estudos foram realizados, destacaram-se os Estados Unidos, com 43,24% das publicações. Brasil e Espanha publicaram, cada um, a quantidade referente a 10,81% dos artigos incluídos. Com relação ao número de participantes, as amostras variaram entre 58 e 3.195 crianças e adolescentes saudáveis, diagnosticados com câncer, depressão ou ansiedade. No que se refere à faixa etária dos participantes, a idade variou de quatro a 18 anos. No que se refere ao ano das publicações analisadas, foram publicadas entre 1981 e 2019. Houve um pico de publicações em 2010, com cinco publicações, conforme detalhado na Figura 2.
Figura 2. Número de artigos publicados por ano
Fonte: Elaborada pelas autoras.
As características dos instrumentos encontrados (instrumento, modelo teórico, número de itens, formato de resposta, consistência interna, idade da amostra e referência original) estão apresentadas na Tabela 1.
Tabela 1 Instrumentos de avaliação do otimismo na infância
Instrumentos | Modelo teórico | Itens | Formato de resposta | Consistência interna | Idade da Amostra | Referência Original |
---|---|---|---|---|---|---|
1.Children’s Attributional Style Questionnaire (CASQ) | EE | 48 | Escolha forçada |
α1 = 0,73 α2 = 0,54 |
9 a 12 anos | Seligman et al. (1984) |
2. Children’s Attributional Style Interview (CASI) | EE | 48 | Entrevista | α = 0,78 a 0,83 | 5 a 10 anos | Conley, Haines, Hilt, & Matalsky (2001) |
3. Youth Life Orientation Test (YLOT) | OD | 12 | Likert | αT = 0,83 | 8 a 16 anos | Ey et al. (2005) |
4. Parent-rated Life Orientation Test (PLOT) | OD | 8 | Likert | αT = 0,81 | A partir de Lemola et al. (2010) 8 anos | |
5. Tarefas Preditoras de Otimismo em Crianças (Tapoc) | OD | 12 | Likert | αT = 0,79 | 4 a 8 anos | Bandeira, Giacomoni, & Hutz (2015) |
6. Life Orientation Test – Revised (LOT-R) | OD | 10 | Likert |
α1 = 0,60 α2 = 0,56 |
10 a 16 anos | Gaspar, Ribeiro, Matos, Leale, & Ferreira (2009a) |
7. Optimistic Predictions Task | OD | 20 | Likert |
αT = 0,79 (crianças) αT = 0,88 (pais) |
5 a 10 anos | Bamford & Lagattuta (2009) |
8. Children’s Optimistic and Pessimistic Expectations of Relationships Scale (COPER) | OD | 16 | Likert |
α1 = 0,90 α2 = 0,84 |
9 a 12 anos | McGregor, Zimmer-Gembeck, & Creed (2012) |
9. Generalized Expectancy for Success Scale (GESS) | NC | 30 | Escolha forçada |
α1 = 0,79 α2 = 0,65 |
9 a 13 anos | Fischer & Leitenberg (1986) |
10. Optimism-pessimism Test Instrument (OPTI) | NC | 20 | Escolha forçada | Split-Half 0,71 | A partir de 5 Stipek, Lamb, & Zigler (1981) anos | |
11. Comparative Optimism Questionnaire | OC | 11 | Questões abertas | αT = 0,67 | 8 a 9 | Albery & Messer (2005) |
Nota. α1 = Subescala Otimismo; α2 = Subescala Pessimismo; αT = Escala Total. EE: Estilo Explicativo; OD = Otimismo Disposicional; NC = Não Consta; OC = Otimismo Comparativo.
Fonte: Elaborada pelas autoras.
A seguir será apresentada uma breve descrição dos instrumentos mais usados para avaliação do otimismo nos artigos analisados. O Youth Life Orientation Test (YLOT), em suas diferentes versões, foi o instrumento mais utilizado e apareceu em 14 artigos; seguido pelo Children’s Attributional Style Questionnaire (CASQ), citado em nove estudos; o Revised Life Orientation Test (LOT-R) também foi citado em nove estudos; por último, o Parent-Rated Life Orientation Test (PLOT), em três. Os demais instrumentos encontrados apareceram em menor frequência.
Instrumentos de avaliação do otimismo Youth Life Orientation Test (YLOT)
O YLOT é um instrumento de autorrelato, composto por 12 itens, sendo seis otimistas e seis pessimistas. É uma versão infantil do Life Orientation Test – Revised 0150 LOT-R (Scheier et al., 1984), uma escala para avaliar otimismo em adultos, fundamentada na teoria do otimismo disposicional. O objetivo do YLOT é avaliar o otimismo de crianças e adolescentes de oito a 16 anos de idade. Para responder ao instrumento, o respondente deve ler os itens e escolher se discorda totalmente, discorda, concorda ou concorda totalmente com o item apresentado.
No estudo de construção da escala (Ey et al., 2005), os autores utilizaram o CASQ para buscar evidências de validade do YLOT. Como resultado, a subescala otimismo do YLOT não apareceu relacionada à escala de atribuições positivas do CASQ. Além disso, identificou-se que as crianças foram substancialmente mais consistentes em suas respostas no YLOT.
Bamford e Lagattuta (2012) realizaram uma adaptação para utilizar o instrumento em crianças com idade abaixo de oito anos. Essa adaptação do YLOT foi feita a partir da alteração dos itens para uma linguagem mais acessível e de fácil entendimento pelo público-alvo. A forma de resposta também foi modificada. Na escala para crianças menores de oito anos, as respostas foram apresentadas em formato gráfico por meio de quadrados pintados, sendo totalmente vazio para discordar totalmente do item, 1/3 cheio para discordar, ½ para concordar e um quadrado cheio para concordar totalmente. Os quadrados são apresentados em uma folha para a criança, que deve apontar a resposta escolhida. Outro estudo (Lagattuta, Sayfan, & Bamford, 2012) realizou uma adaptação do YLOT com itens modificados para os pais responderem sobre seus filhos. Os itens foram reescritos para a terceira pessoa (eg.: meu filho).
Um estudo (Williams et al., 2010) realizou uma análise fatorial confirmatória para comprovar a estrutura fatorial do YLOT a partir da comparação de duas amostras, uma com crianças e adolescentes saudáveis e outra diagnosticados com câncer. A estrutura bifatorial do instrumento foi confirmada. O otimismo e o pessimismo apareceram estar diferentemente relacionados aos aspectos de qualidade de vida das crianças. Assim, os construtos parecem ser parcialmente independentes. Diante disso, os autores sugerem investigá-los separadamente em relação às suas variáveis de critério.
A respeito do contexto dos estudos que têm utilizado o YLOT em sua relação de instrumentos, as pesquisas incluídas têm associado o otimismo de crianças com câncer à autoestima e felicidade (Okado, Howard, Tillery, Long, & Phipps, 2016; Phipps, Long, & Ogden, 2007). Outras pesquisas associaram o construto com outras variáveis e buscaram avaliar as relações entre otimismo, atividade física e comportamentos alimentares em meninas (Taylor et al., 2004), otimismo, felicidade e satisfação de vida em crianças (Veronese, Castioglioni, Tombolane, & Said, 2012). Outro estudo (Kim, Kwak, & Lee, 2016) avaliou a relação entre otimismo disposicional e estresse acadêmico em crianças.
O YLOT foi traduzido e adaptado para uso no Brasil. O estudo (Bandeira, Giacomoni, & Hutz, 2017a) contou com uma amostra de 550 crianças e adolescentes, com idades entre 8 e 17 anos. As análises evidenciaram a validade do instrumento e confirmaram a existência de dois fatores, otimismo e pessimismo, conforme o estudo original. A consistência interna geral da escala foi adequada (a=0,81), assim como das subescalas de otimismo (a=0,74) e pessimismo (a=0,73).
Para a realização de outro estudo (Bandeira, Giacomoni, & Hutz, 2015) com crianças brasileiras entre quatro e oito anos, os autores adaptaram o YLOT para uso com crianças menores de oito anos. A aplicação do instrumento foi individual e os itens foram lidos para as crianças. As respostas foram dadas por meio de uma escala do tipo Likert de quatro pontos, na qual as crianças apontavam o quadrado correspondente à resposta. O modelo de resposta foi semelhante ao elaborado por Bamford e Lagattuta (2012), anteriormente detalhado.
Children’s Attributional Style Questionnaire (CASQ)
O CASQ é um instrumento, composto por 48 questões, que tem como objetivo avaliar o otimismo de crianças americanas. Foi desenvolvido a partir da teoria do estilo explicativo. Cada questão do questionário apresenta situações hipotéticas e duas opções de possíveis explicações para a causa do evento. As 48 questões avaliam seis dimensões: eventos ruins permanentes, eventos bons permanentes, eventos bons difundidos, eventos ruins difundidos, eventos ruins pessoais e eventos bons pessoais. Quanto maior for o escore nas questões referentes aos eventos bons, mais otimista será a criança.
A primeira pesquisa (Kaslow, Tannenbaum, & Seligman, 1978), sobre o CASQ, não foi publicada e o instrumento era nomeado KASTAN. Outro estudo (Seligman et al., 1984) apresentou evidências de validade do instrumento. A consistência interna do CASQ nesse estudo foi modesta, com variações na confiabilidade da subescala para eventos bons e eventos ruins.
Já existe uma versão reduzida do CASQ, o Children’s Attributional Style Questionnaire – Revised (CASQ-R) composta por 24 itens, sendo 12 eventos negativos e 12 eventos positivos. O estudo de adaptação para a versão reduzida não foi publicado. Entretanto outro estudo (Thompson, Kaslow, Weiss, Nolen–Hoeksema, 1998) verificou suas propriedades psicométricas, apresentou o questionário completo e correlação com outros instrumentos. O CASQ-R é breve e considerado mais fácil de aplicar do que o CASQ, entretanto, apresentou baixa fidedignidade. Os autores sugerem utilizar o CASQ original, caso o pesquisador tenha tempo, pois este se demonstrou fidedigno. Caso contrário, o CASQ-R pode ser utilizado, pois é uma medida que fornece uma avaliação razoável.
O instrumento tem investigação de validade para uso no Brasil. O estudo de tradução e adaptação (Weber, Prado, Brandenburg & Viezzer, 2003b) foi realizado com 410 crianças, entre nove e 12 anos de idade. O instrumento apresentou baixa fidedignidade, com valores abaixo de 0,40.
A respeito dos estudos que têm utilizado o CASQ em sua relação de instrumentos, o contexto das pesquisas incluídas neste estudo tem sido em relação ao otimismo explicativo como fator protetor da depressão na infância e adolescência (Hernandéz & Carrillo, 2010; Seligman et al., 1984) e a relação de estilo parental e otimismo da criança (Weber, Brandenburg, & Viezzer, 2003a). Além disso, foram identificadas duas intervenções que utilizaram o instrumento para avaliar o nível de otimismo das crianças antes e depois da intervenção. Um programa de intervenção (Roberts et al., 2010) na prevenção de sintomas de ansiedade e depressão utilizou o CASQ-R; e outra intervenção (Sankaranarayanam, 2014) que objetivou reduzir pensamentos pessimistas e promover o estilo explicativo utilizou o CASQ.
Revised Life Orientation Test (LOT-R)
O LOT-R é um instrumento originalmente construído para avaliar o otimismo disposicional em adultos. Nos estudos encontrados nesta revisão, o instrumento foi adaptado para uso em crianças e adolescentes. O LOT-R é uma medida de 10 itens, sendo três de otimismo e três de pessimismo, e quatro distratores. Para responder, a criança ou adolescente deve indicar sua resposta em uma escala do tipo Likert de cinco pontos, que varia de discordo totalmente (1) a concordo totalmente (5). A adaptação do LOT-R para o Brasil (Bastianello et al., 2014) foi feita com base em uma amostra de adolescentes e adultos entre 17 e 36 anos. Esse estudo demonstrou boas evidências de validade do instrumento, a consistência interna foi satisfatória (α=0,80). A análise fatorial exploratória indicou que essa versão do instrumento é unifatorial. Até o momento da publicação deste artigo, não tivemos conhecimento de evidências de validade do instrumento em sua versão para o português brasileiro com amostra composta por crianças.
Parent-Rated Life Orientation Test (PLOT)
O PLOT é um instrumento que utiliza o relato dos pais para informar o nível do otimismo de seus filhos. Foi elaborado a partir do LOT e YLOT, ambos desenvolvidos a partir da teoria do otimismo disposicional. O PLOT é composto por oito itens, quatro otimistas e quatro pessimistas. Para responder ao instrumento, os pais devem indicar seu grau de concordância em cada um dos itens em uma escala do tipo Likert de quatro pontos, que varia de discordo fortemente (1) a concordo fortemente (4).
O estudo de construção e validação do PLOT (Lemola et al., 2010) demonstrou bons indicadores de validade de construto e convergente, e de fidedignidade do instrumento, e de suas subescalas. A análise fatorial confirmatória indicou que a escala é bidimensional. O otimismo foi correlacionado com medidas de autoestima, competência social, temperamento e problemas de comportamento. As associações foram moderadas e na direção esperada. Outro estudo (Lemola et al., 2011) utilizou o relato dos pais por meio do PLOT para avaliar o otimismo e a qualidade e quantidade de sono em crianças. O instrumentou apresentou boas evidências de validade.
O PLOT foi adaptado para uso no Brasil por Bandeira, Giacomoni e Hutz (2017b), apresentando bons indicadores de validade e fidedignidade. Os resultados desse estudo apontaram consistência interna satisfatória para as mães (α = 0,80) e para os pais (α = 0,77). Um estudo (Bandeira, Natividade, & Giacomoni, 2015) utilizou três medidas de avaliação do otimismo, incluindo o PLOT, para avaliar o otimismo entre pais e filhos. Os resultados indicam a possibilidade de utilizar esse instrumento para avaliar o otimismo de crianças menores.
Discussão e considerações finais
Esta revisão sistemática da literatura teve como objetivo identificar, na literatura internacional e nacional, os instrumentos disponíveis reportados em estudos empíricos para avaliação do otimismo na infância. Além disso, investigaram-se os modelos teóricos subjacentes aos instrumentos e o contexto de desenvolvimento dos estudos incluídos. Descreveram-se o instrumento, formato de cada escala/teste, propriedades psicométricas, o ano de publicação, o país do estudo e o tamanho da amostra.
Foi possível sistematizar uma série de informações referidas aos instrumentos utilizados para a avaliação do otimismo. Foram encontrados 11 instrumentos na literatura nacional e internacional que avaliam o otimismo de crianças. Os instrumentos mais reportados na literatura científica foram o YLOT, seguido pelo CASQ, o LOT-R e o PLOT. Entre estes, dois instrumentos, YLOT e LOT-R, avaliam o otimismo de adolescentes também (Ey et al., 2005; Gaspar et al., 2009a). A maioria dos estudos, tanto de construção e adaptação quanto de correlação, utilizou o YLOT para medir o otimismo em crianças e adolescentes. Esse instrumento foi construído a partir da teoria do otimismo disposicional, a qual postula que as definições de otimismo e pessimismo são feitas baseadas nas expectativas que as pessoas têm sobre o futuro. A utilização desse instrumento sugere uma opção da comunidade científica sobre o construto. Este estudo demonstrou que os instrumentos baseados na teoria do otimismo disposicional têm apresentado boas características psicométricas.
Quanto ao formato de resposta, seis instrumentos (Optimistic Predictions Task, COPER, LOT-R, TAPOC, YLOT e PLOT) utilizam escala do tipo Likert como formato de resposta e três (CASQ, GESS e OPTI) o tipo escolha forçada. Além destes, um instrumento, Comparative Optimism Questionnaire, foi elaborado no formato de questionário com questões abertas, e o CASI como entrevista. O formato tipo Likert, entre três e cinco pontos, presente em escalas para uso com crianças, tem sido utilizado com mais frequência, conforme apontado em Mellor e Moore (2014).
Em relação ao contexto das pesquisas, a maioria foi realizada em escolas e com crianças saudáveis, seguido de estudos com crianças e adolescentes diagnosticados com câncer. Esse achado indica que os pesquisadores têm demonstrado interesse em investigar a relação do otimismo com aspectos de saúde e outras características positivas.
Dois estudos (Fischer & Leitenberg, 1986; Stipek et al., 1981) não especificaram a teoria que embasou a construção dos instrumentos apresentados. Uma possível explicação para isso é que, até aquele momento, pouca literatura tinha sido publicada a respeito dos determinantes do otimismo, conforme apontado por Stipek et al. (1981). Entretanto, os autores definiram o otimismo-pessimismo como uma tendência generalizada de esperar resultados positivos e negativos no futuro. Essa definição vai ao encontro da teoria do otimismo disposicional, definida somente a partir de 1986 com os estudos de Michael Scheier e Charles Carver.
A respeito dos aspectos metodológicos, o delineamento transversal esteve presente na maioria dos estudos aqui apresentados, o que impossibilita avançar no entendimento do otimismo a partir de uma perspectiva desenvolvimental, tendo em vista a hipótese de que o otimismo se desenvolve no início da infância (Ey et al., 2005). Contudo, foi possível perceber um aumento do interesse por pesquisas com crianças abaixo de oito anos (Bamford & Lagattuta, 2009; Bandeira, Giacomoni, & Hutz, 2015).
Outro ponto a ser destacado é o período de publicação dos estudos. Os primeiros foram publicados a partir de 1981, entretanto, a maioria dos estudos foi publicada a partir de 2010, o que reflete a atualidade do tema. A respeito dos países de realização das pesquisas, a maioria aconteceu nos EUA. Apesar dos poucos estudos realizados no Brasil, os instrumentos utilizados apresentaram boas evidências de validade e fidedignidade, indicando o cuidado dos pesquisadores com esses aspectos. Foi encontrado um único instrumento válido para avaliar otimismo em crianças no país, a TAPOC (Bandeira, Giacomoni, & Hutz, 2015), no entanto, ainda não apresenta normas para a sua utilização.
Diante do apresentado, é evidente a necessidade de realização de estudos de adaptação ou de construção de instrumentos nacionais para essa finalidade. Esses instrumentos serão úteis tanto na área clínica quanto escolar para a avaliação do otimismo em crianças. Além disso, instrumentos são úteis para avaliação da aplicação de programas de prevenção de depressão em jovens (Seligman, Ernst, Gillham, Reivich, & Linkins, 2009).
Em relação às limitações deste estudo, destaca-se o fato de ter sido restrito a artigos científicos, visto que não foram incluídas dissertações e teses. De modo geral, este artigo possibilitou a identificação dos instrumentos de avaliação do otimismo na infância reportados na literatura e o entendimento do contexto em que tais estudos têm se inserido.
Não foi surpresa notar que a maioria das pesquisas foi realizada em países estrangeiros. O número relativamente baixo de pesquisas realizadas no Brasil e os poucos instrumentos validados e fidedignos para o nosso contexto revelam que a área de avaliação do otimismo na infância é incipiente e tem muito a se desenvolver no país. É importante destacar que esse achado não diz respeito apenas aos instrumentos de avaliação do otimismo com crianças. Um recente estudo de revisão (Santos & Wechsler, 2015) encontrou publicações científicas restritas em relação ao construto na população adulta. Em outro estudo de revisão sistemática (Pires, Nunes, & Nunes, 2015), os autores encontraram apenas três estudos que utilizaram instrumentos de avaliação para crianças baseados na psicologia positiva no Brasil. Diante disso, sugere-se que novas pesquisas com medidas de avaliação em psicologia positiva sejam realizadas no contexto nacional, tanto com foco na construção de instrumentos quanto na avaliação de intervenções positivas.