O envolvimento de adolescentes na prática de atos infracionais constitui um problema social preocupante no Brasil, evidenciado por pesquisas de opinião pública (Datafolha, 2015), pautas da mídia (Barros & Pereira, 2015) e estudos científicos (Moreira, Guerra, & Drawin, 2017; Bazon, Silva, & Ferrari, 2013). A magnitude do problema pode também ser verificada na análise de dados oficiais da Justiça, na qual havia mais de 200 mil adolescentes que praticaram ato infracional registrados no Cadastro Nacional de Adolescentes em Conflito com a Lei no ano de 2018 (Conselho Nacional de Justiça, 2018). Uma possível explicação é que na adolescência os comportamentos antissociais começam a se manifestar para a maior parte das pessoas (Moffitt, 2018). Estudos em diferentes contextos socioculturais constatam que a maioria dos adolescentes comete algum delito, geralmente de menor gravidade e dentro do que poderia se considerar típico para essa fase da vida. Contudo, há uma pequena parcela deles, aproximadamente 5% a 19%, que se envolve de forma persistente e comete quase a totalidade dos atos infracionais, incluindo os mais graves (Farrington, Piquero, & Jennings, 2013; Komatsu & Bazon, 2017; Le Blanc, 2003).
É importante destacar que a maior parte da produção científica sobre a conduta infracional juvenil corrobora uma perspectiva teórica em que o engajamento infracional – quando o padrão de conduta do indivíduo se volta cada vez mais à vida delituosa – se desenvolve como consequência da interação contínua entre características pessoais, background/ambiente adverso e contexto (Farrington & Ttofi, 2015). Esse referencial denomina-se Criminologia Desenvolvimental, abordagem que tem desenvolvido métodos para se identificar os principais fatores de risco e de proteção para a conduta infracional. Em relação aos adolescentes mais engajados, estudos indicam que se não participarem de intervenções bem-sucedidas, eles tendem a persistir na trajetória delituosa, por períodos prolongados, muitas vezes décadas, o que ocasiona grande prejuízo para a sociedade e os expõe continuamente a diversos riscos que a vida criminal proporciona (Farrington et al., 2013; Moffitt, 2018).
Nessa perspectiva, as políticas públicas e os programas de prevenção primária e secundária devem promover a redução de fatores de risco e o aumento de fatores de proteção, de modo a se evitar que os jovens se envolvam em atividades infracionais (Farrington, Ttofi, & Piquero, 2016). A ênfase no aspecto desenvolvimental se deve não apenas à noção de que a conduta infracional se desenvolve ao longo do acúmulo de experiências adversas (em oposição à proposição que defende que a conduta é fruto principalmente de características inatas), mas também à constatação de que tanto os fatores de risco quanto os fatores de proteção impactam de modo variável de acordo com a etapa desenvolvimental em que o indivíduo é exposto a eles (Komatsu, Costa, & Bazon, 2018).
Assim, as transformações desenvolvimentais, relacionais e sociais inerentes à adolescência representam, ao mesmo tempo, recurso e vulnerabilidade. Trata-se de um período em que a aprendizagem de habilidades ou desenvolvimento de aptidões e competências ocorre facilmente e de modo mais intenso (Komatsu et al., 2018). Assim, se por um lado as influências ambientais/sociais são frequentes e adequadas, o adolescente faz aquisições que lhe permitirá lidar de modo cada vez mais adequado com as complexas demandas psicossociais. Por outro lado, se as influências ambientais/sociais são escassas e/ou inadequadas, haverá defasagens/deficit que perpassarão seu desenvolvimento psicossocial, concorrendo para a emergência de inúmeros problemas de comportamento e, até mesmo, de saúde mental (Komatsu et al., 2018). Pesquisas indicam um conjunto de competências que podem ser desenvolvidas no adolescente que o protegeriam de uma série de desfechos adversos, entre eles o envolvimento em atividades desviantes (Glowacz & Born, 2015). Essas aquisições capacitam o indivíduo a responder de forma positiva às demandas sociais, mesmo sob situações adversas que geralmente favorecem o desenvolvimento da conduta infracional (Glowacz & Born, 2015).
Para além das influências sociais, existem evidências de que o envolvimento na prática de delitos associa-se também a um baixo repertório de habilidades sociais (Schaffer, Clark, & Jeglic, 2008). Habilidades sociais constituem-se comportamentos que permitem que uma pessoa seja avaliada como competente no desenvolvimento de alguma tarefa social (Del Prette & Del Prette, 2013). Alguns exemplos de classes de habilidades sociais são as habilidades de autocontrole e expressividade emocional (controlar o humor, tolerar frustrações, acalmar-se, expressar emoções positivas e negativas, entre outras), assertividade (expressão de desagrado, lidar com críticas, fazer e recusar pedidos etc.), civilidade (formas educadas de tratamento, gentilezas), empatia (demonstrar respeito às diferenças, expressar compreensão pelo sentimento ou experiência do outro), fazer amizades (fazer perguntas pessoais, elogiar, oferecer ajuda, iniciar e manter conversação etc.) e solução de problemas interpessoais (pensar antes de tomar decisões, identificar e avaliar possibilidades de solução, avaliar o processo de decisão, entre outras) (Del Prette & Del Prette, 2013).
O repertório de habilidades sociais, quando reduzido, associa-se a vários problemas comportamentais e de desenvolvimento em crianças e adolescentes, bem como a conduta infracional (Van der Laan, Blom, & Kleemans, 2009). Especificamente, os deficit de habilidades sociais têm sido relacionados à prática de delitos e ao maior risco de reincidência (Loeber et al., 2008; Van der Put et al., 2012), bem como à intensidade do engajamento infracional (Simonian et al., 1991). Um bom repertório de habilidades sociais pode contribuir para que os adolescentes não sejam facilmente influenciados à prática de delitos, por exemplo, especialmente quando estão inseridos em contextos familiares, de pares ou comunitários com influências e modelos criminais. Assim, o objetivo deste estudo foi sistematizar o conhecimento científico acerca da relação entre habilidades sociais e conduta infracional na adolescência.
Método
Tipo de estudo
Trata-se uma revisão integrativa da literatura – que apresenta uma padronização nos procedimentos de busca, seleção e análise de produções bibliográficas, de modo a se obter uma compreensão mais abrangente acerca de temas específicos (Mendes, Silveira, & Galvão, 2008) – realizada em cinco etapas, sendo elas: elaboração de uma questão norteadora da busca bibliográfica; definição de critérios de inclusão e exclusão dos estudos; extração dos dados; análise e avaliação dos estudos incluídos; extração dos dados e apresentação da revisão/síntese do conhecimento produzido e publicado (Lanzoni & Meirelles, 2011; Ganong, 1987).
Bases de dados consultadas e estratégias de busca
A busca bibliográfica foi realizada em três bases de dados internacionais – Web of Science, Psychological Information Database (PsycINFO) e Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde (LILACS) – e uma biblioteca eletrônica nacional – Scientific Electronic Library Online/Brasil (SciELO). A questão norteadora da busca, elaborada utilizando-se a estratégia PVO (Population/População, Variables/Variáveis e Outcomes/Resultados), conforme Fram, Marin e Barbosa (2014), foi: “Existem associações entre deficit nas habilidades sociais e conduta infracional na adolescência?”. Nas quatro bases de dados consultadas, foram realizados os seguintes cruzamentos de palavras-chave: “juvenile delinquency AND social skills”; “juvenile offenders AND social skills”. Na SciELO, as mesmas palavras-chave foram traduzidas para o português.
Critérios de inclusão/exclusão dos artigos
Foram incluídos estudos publicados no período de 2008 a 2020, com foco específico nos temas investigados (delinquência juvenil e habilidades sociais) e publicados nas línguas portuguesa, inglesa e espanhola. Produções em formato de teses, dissertações, livros, capítulos de livros, cartas ao editor e editoriais foram excluídas, assim como aquelas que não tinham foco no fenômeno da delinquência juvenil relacionada especificamente às habilidades sociais. Da mesma forma, não foram selecionados os artigos publicados em outras línguas que não fossem inglês, português e espanhol.
Procedimentos da revisão
A busca bibliográfica ocorreu no mês de novembro de 2020. Todos os títulos e resumos dos artigos levantados foram lidos e analisados, resultando na seleção daqueles que atendiam à questão de busca e aos critérios de inclusão previamente estabelecidos. Esse procedimento foi realizado de modo independente por dois investigadores, sendo as divergências na seleção dos estudos analisadas e discutidas por ambos, de modo a atingir consensos.
Os artigos selecionados foram lidos na íntegra, e as principais informações foram inseridas em uma tabela composta pelos itens: título, autores, ano de publicação, título do periódico, país de realização da pesquisa, instituição à qual os autores se vinculam, objetivos do estudo, método, resultados e conclusões – informações utilizadas para a elaboração de análises descritivas e críticas dos estudos inseridos nesta revisão.
A qualidade metodológica dos estudos selecionados foi avaliada por meio da escala de Downs e Black (1998). Trata-se de um instrumento composto por cinco dimensões: descrição do estudo (objetivo, desfecho, critérios de inclusão, fatores de confusão, variabilidade dos resultados, perda amostral e probabilidade estatística), validade externa (representatividade da amostra e adequação do local de coleta dos dados), validade interna (adequação da análise de dados, adesão dos participantes e acurácia nas medidas), viés de seleção (recrutamento de sujeitos, perdas amostrais e ajuste para fatores de confusão).
Para esta revisão, as questões referentes a intervenções (n = 12) não foram consideradas, somente aquelas que se aplicavam a estudos transversais e longitudinais, de modo que foram consideradas 15 questões, entre as 27 questões que compõem a escala. Para a obtenção dos resultados da escala, cada questão é pontuada com o valor de 1 ponto, se atende ao critério por ela analisado. Assim, a pontuação máxima que pôde ser obtida com o instrumento foi de 15 pontos, sendo que os resultados mais próximos a esse valor representam melhor qualidade do estudo.
Resultados
O fluxograma apresentado na Figura 1 indica que a busca nas bases de dados identificou 128 resultados, entre os quais 46 eram repetidos. Assim, 82 artigos foram analisados mediante a leitura dos títulos e resumos. Desse total, 62 foram excluídos por não atenderem aos critérios de inclusão e 13 foram excluídos após a leitura dos artigos na íntegra. Os sete artigos restantes compuseram o corpus de análise da revisão.
Identificou-se que os artigos foram publicados nos seguintes periódicos: Child Abuse & Neglect (n = 2), The European Journal of Psychology Applied to Legal Context (n = 1), Economics of Education Review (n = 1), Children & Society (n = 1), Journal of Research in Crime and Delinquency (n = 1) e Social Forces (n = 1). As áreas do conhecimento nas quais se inserem são: Criminologia (n = 1), Interdisciplinar (n = 3), Psicologia Jurídica (n = 1), Educação (n = 1) e Ciências Sociais (n = 1). Na Tabela 1 estão sintetizadas algumas características dos estudos selecionados.
Tabela 1. Características das publicações utilizadas para a revisão sistemática
Autoria (ano) | País | Amostra | Método | Instrumentos | QM |
---|---|---|---|---|---|
Mancino et al. (2016) | Estados Unidos | 1.354 | Longitudinal | Questionário, entrevista, testes e dados censitários | 11 |
Joyal et al. (2016) | Canadá | 351 | Longitudinal | Arquivos forenses | 11 |
Pullman et al. (2014) | Canadá | 158 | Transversal | Arquivos clínicos | 12 |
Contreras et al. (2011) | Espanha | 456 | Transversal | Arquivos e relatórios judiciais | 12 |
Smångs (2010) | Suécia | 580 | Longitudinal | Arquivos policiais | 12 |
Van der Geest et al. (2009) | Holanda | 274 | Longitudinal | Arquivos clínicos, testes e questionários | 12 |
Snow & Powell (2008) | Austrália | 100 | Transversal | Testes, entrevista, arquivos judiciais e questionários | 12 |
Nota: QM = Qualidade Metodológica, obtida pela Escala de Downs & Black (2008).
Fonte: Elaboração própria.
Como apresentado na Tabela 1, todos os estudos incluídos nesta revisão foram publicados em língua inglesa e nenhum foi realizado no Brasil ou na América Latina, embora se tenha realizado a busca bibliográfica em uma base de dados nacional e em uma latino-americana. A totalidade dos estudos engloba realidades socioculturais diferentes, abrangendo da América do Norte: Canadá (n = 2) e Estados Unidos (n = 1); Europa: Espanha (n = 1), Suécia (n = 1) e Holanda (n = 1); e Oceania: Austrália (n = 1).
Em relação às características metodológicas dos estudos (Tabela 1), o tamanho das amostras variou de 90 a 1.354 sujeitos. Nos estudos de delineamento transversal, a média de idade dos participantes foi de 15,35 anos. Nos estudos longitudinais, a média de idade dos participantes na primeira avaliação foi de 17,4 anos e o tempo médio de seguimento (follow up) de 8,5 anos. Pouco mais da metade dos estudos apresentou delineamento longitudinal (n = 4), sendo este o mais indicado para se avaliar consequências e relações de causalidade entre variáveis, possibilitando, assim, a identificação de diferentes modos de produção de problemáticas investigadas (Hinshaw, 1992).
No tocante às fontes de dados, os estudos incluídos não se limitaram a obter informações de autorrelato (testes, questionários e entrevistas), abrangendo também consulta a arquivos judiciais, escolares e relatórios. A esse respeito, a utilização de várias fontes de informação pode ampliar o alcance dos resultados dos estudos por considerar não somente a percepção dos sujeitos investigados, mas também de outras pessoas que tenham contato com eles, bem como as repercussões que os seus comportamentos exercem no meio social.
A Escala de Downs e Black (1998), utilizada para avaliação da qualidade metodológica dos estudos, indicou uma mediana de 12 pontos, com amplitude de 11-12 pontos, considerando-se a pontuação máxima de 15 pontos que poderia ser obtida pela escala. A fragilidade mais frequente, compartilhada pelos estudos relatados, foi que todas as amostras foram de conveniência, o que indica que os participantes não representavam toda a população, tanto os convidados quanto aqueles que efetivamente participaram das pesquisas (Tabela 1).
Na sequência serão sintetizados os principais resultados dos estudos analisados, subdivididos em duas categorias temáticas: a) deficit nas habilidades sociais e conduta infracional na adolescência; e b) habilidades sociais e reincidência infracional.
Deficit nas habilidades sociais e conduta infracional na adolescência
Associações entre deficit nas habilidades sociais e conduta infracional foram apontadas em seis dos sete estudos analisados. O estudo de Mancino, Navarro e Rivers (2016) objetivou estudar os determinantes da infração juvenil e, entre os resultados obtidos, as habilidades sociais e emocionais constituíram um forte determinante dessa infração, correspondendo a 30% de todas as variações mensuradas. No estudo, as habilidades sociais e emocionais relacionavam-se mais à disciplina e ao controle individuais do que atitudes em relação a outras pessoas.
A investigação de Joyal, Carpentier e Martin (2016), desenvolvida com adolescentes que cometeram delitos sexuais contra crianças, pares ou adultos, identificou associações significativas em se apresentar deficit de habilidades sociais dos adolescentes e abusar sexualmente de crianças (p < 0,001). Outro estudo desenvolvido com infratores sexuais comparou as habilidades sociais de dois grupos de adolescentes, sendo um grupo que cometeu somente delitos sexuais e outro grupo que cometeu outros delitos além dos sexuais. Os resultados indicaram que os adolescentes que cometeram outros delitos além dos sexuais apresentavam, significativamente (p < 0,05), maiores deficit nas habilidades sociais, em comparação com o grupo de adolescentes que cometeram somente delitos sexuais. Porém, quando comparados adolescentes infratores sexuais de início precoce e de início tardio, os resultados não foram significativos, resultado que pode ter sido influenciado pelo pequeno tamanho das amostras (Pullman, Leroux, Montayne, & Seto, 2014).
O objetivo do estudo de Van der Geest, Blokland e Bijleveld (2009) consistiu em analisar o desenvolvimento infracional dos 12 aos 32 anos de idade em 270 infratores do sexo masculino submetidos a tratamento residencial por comportamento problemático ou conduta infracional. O desenvolvimento infracional foi examinado com base em dados de condenação entre 12 e 32 anos, constituindo um seguimento médio de 13 anos após o cumprimento da medida. A análise de trajetória distinguiu cinco grupos de infratores graves, definidos por características de personalidade, comportamento e antecedentes. Embora a atividade infracional tenha diminuído para a maioria dos jovens, dois grupos, denominados “infratores crônicos de alta frequência” e “infratores tardios”, mostraram níveis elevados de delitos graves até os 30 anos. Infratores crônicos de alta frequência foram caracterizados principalmente por um ambiente social criminogênico. Já os que começaram tarde combinaram psicopatologia com comportamentos de risco e poucas habilidades sociais. A análise da natureza dos delitos praticados em cada trajetória revelou que aqueles com início tardio se tornaram cada vez mais violentos ao longo do tempo.
Snow e Powell (2008) se propuseram a verificar a hipótese de que as habilidades de linguagem oral e habilidades sociais de infratores juvenis do sexo masculino seriam significativamente mais pobres do que aquelas de um grupo de controle demograficamente semelhante, e que essas diferenças não poderiam ser explicadas com base nas diferenças de Quociente de Inteligência (QI). Como resultado, obtiveram que os jovens infratores apresentaram desempenho significativamente pior do que o grupo controle em todas as medidas de habilidade linguística e social (p < 0,05). Entretanto, não houve diferença entre os grupos no QI não verbal, ao comparar tal medida de inteligência.
O artigo de Smangs (2010) objetivou avaliar de modo empírico alguns pressupostos teóricos acerca das relações entre as habilidades sociais e as relações sociais de adolescentes infratores, buscando identificar o motivo para cometerem delitos ou as diferenças no comportamento infracional entre os adolescentes. Constatou-se que os adolescentes infratores eram dotados do mesmo tipo de habilidades sociais que os jovens não infratores em termos de desenvolvimento, negociação e manutenção de relações sociais significativas com os outros, sendo capazes de desenvolver e manter tais relações com as demais pessoas. Quanto ao motivo do cometimento de delitos, os resultados sugerem que eles podem se relacionar com a transitividade de ambientes interativos, ou seja, os jovens tendem a transitar em ambientes compartilhados por outros com conduta infracional. O artigo de Smangs, entre todos aqueles analisados nesta revisão, foi o único que não apresentou associações entre deficit nas habilidades sociais e conduta infracional na adolescência.
Habilidades sociais e reincidência infracional
Entre as publicações incluídas nesta revisão, apenas a produção de Contreras, Molina e Cano (2011) objetivou avaliar se o ambiente familiar, as variáveis pessoais dos jovens e as variáveis ligadas à execução da medida socioeducativa influenciavam na reincidência da conduta infracional. Em relação especificamente às habilidades sociais, os resultados indicaram que os adolescentes reincidentes, em comparação com os não reincidentes, apresentaram deficit em níveis significativos (p < 0,01).
Discussão
Os resultados dos estudos revisados, embora se tenha realizado um recorte para as habilidades sociais, destacam a complexidade e variedade de fatores que influenciam o desenvolvimento do engajamento infracional. Assim, para melhor compreender o modo como as habilidades sociais se relacionam com a conduta infracional, é importante considerá-las em um contexto maior, envolvendo condições econômicas, sociais e culturais que influenciam a forma como elas se desenvolvem e são reforçadas ao longo do desenvolvimento psicossocial. Nesse sentido, Dib, Bazon e Silva (2012), apontam que o desenvolvimento do engajamento infracional é influenciado por fatores de risco estáticos, que englobam as variáveis que dificilmente poderão ser alteradas; assim como existem os fatores de risco dinâmicos, os quais são flexíveis, podendo ser alterados por meio de intervenções ou espontaneamente. O primeiro grupo aborda questões referentes à estrutura familiar, relações sociais, demográficas e econômicas, sendo possível citar como exemplo a monoparentalidade, histórico de criminalidade na família, separações e baixo status socioeconômico da família. Já o segundo grupo envolve aspectos como deficit nas habilidades sociais, baixa coesão familiar, vínculos frágeis entre os membros da família, ausência de adultos presentes na casa, assim como de regras ou supervisão, presença de hostilidade e baixo amparo por parte dos pais.
Dessa forma, diante do enorme leque de fatores que influem sobre o engajamento infracional, faz-se necessária a investigação e consideração do conjunto das variáveis mencionadas, conquanto em nível pessoal os deficit nas habilidades sociais tenham sido apontados em quase todos os estudos revisados. As habilidades sociais podem tanto ser influenciadas quanto podem exercer influência sobre outros aspectos da vida das pessoas, por exemplo, a escolaridade, renda e comportamentos sociais. Em relação ao comportamento, elas exercem influência sobre diversas atividades de risco, como a participação em atividades contrárias à lei, bem como fumo e consumo de bebidas alcoólicas antes da idade permitida por lei (Mancino et al., 2016). É nesse conjunto de fatores que se influenciam mutuamente que as habilidades sociais se relacionam ao engajamento infracional, não sendo possível afirmar que elas isoladamente sejam suficientes para desencadearem esse processo.
Nessa perspectiva, alguns dos estudos revisados buscaram realizar um levantamento dos fatores que se relacionam com a prática de delitos na adolescência, entre eles a educação, as habilidades sociais e emocionais, o uso ou abuso de drogas e variáveis inerentes à idade do participante (Joyal et al., 2016; Mancino et al., 2016; Snow & Powell, 2008; Van der Geest et al., 2009). Também foram investigados fatores como lares disfuncionais, a principal figura educacional, maus-tratos, presença de modelos criminalizados na família ou comunidade, situação socioeconômica, entre outros (Pullman et al., 2014; Smangs, 2010). Outras variáveis individuais foram ainda mencionadas, como o locus de controle, que se refere à atribuição interna ou externa das consequências dos atos de um indivíduo, autocontrole, tolerância à frustração e habilidades sociais (Contreras et al., 2011).
Outro aspecto de destaque no conjunto de estudos revisados foi a comparação entre diversos grupos de adolescentes infratores no contexto de investigação acerca da relação entre habilidades sociais e a conduta infracional, por exemplo, adolescentes infratores que cometeram abuso sexual de crianças, de pares ou adultos; adolescentes infratores sexuais que cometeram abuso sexual extrafamiliar ou consanguíneos (incesto), com a subdivisão de grupos relacionados às características de suas vítimas, como vítimas crianças somente, vítimas pares ou adultos; e, ainda, uma subdivisão mista, com vítimas crianças, pares ou adultos (Joyal et al., 2016). Trata-se de um aspecto relevante por realizar a discriminação de diferentes perfis de adolescentes, mesmo que as infrações cometidas sejam de natureza semelhante.
Ademais, houve também a comparação entre grupo de adolescentes autores de ato infracional cujas infrações eram somente de cunho sexual com outro grupo de adolescentes infratores que apresentavam infrações sexuais e outras infrações diversificadas (Pullman et al., 2014). Foram comparados também adolescentes infratores reincidentes com aqueles não reincidentes (Contreras et al., 2011), adolescentes que cometeram infrações graves com aqueles que cometeram infrações menos graves, em que o primeiro grupo poderia ter suas infrações caracterizadas como violentas ou não, sendo consideradas violentas as infrações referentes a roubos, assaltos, tentativas e/ou homicídio e flagrante de violência sexual. Não seriam consideradas violentas violações a propriedades privadas, uso de drogas, porte ilegal de armas, entre outras. O segundo grupo, de adolescentes com cometimento de infrações comuns, referia-se a infrações como vandalismo, infrações de trânsito etc. (Van Der Geest et al., 2009).
Ao se considerarem as comparações realizadas, evidencia-se que os deficit nas habilidades sociais foram mais fortemente observados nos grupos percebidos como apresentando maior quantidade de infrações cometidas ou envolvimento infracional agravado. Por exemplo, no estudo de Joyal et al. (2016), o grupo de adolescentes infratores que cometeram outros delitos além dos sexuais apresentou maiores deficit em suas habilidades sociais, em comparação ao grupo de adolescentes infratores que praticaram somente delitos sexuais. De modo semelhante, adolescentes infratores sexuais cujas vítimas eram crianças apresentavam menos habilidades sociais quando comparados aos adolescentes cujas vítimas eram pares ou adultos (Joyal et al., 2016; Pullman et al., 2014).
Adolescentes infratores reincidentes também apresentaram maiores deficit nas habilidades sociais em relação aos de primeira infração (Contreras et al., 2011), assim como os adolescentes infratores quando comparados aos adolescentes não infratores (Snow & Powell, 2008). Entretanto, destaca-se o achado da produção de Van der Geest et al (2009), apontando que ambos os grupos comparados obtiveram resultados de deficit nas habilidades sociais de forma semelhante, classificando-as como inadequadas nos adolescentes pertencentes aos dois grupos.
Por fim, é importante destacar os resultados provenientes do estudo de Smangs (2010), uma vez que, das publicações selecionadas, foi a única que apresentou desfechos discordantes, pois todos os outros estudos apontam deficit nas habilidades sociais dos adolescentes, apresentando condutas delituosas, estejam esses desfechos sob comparação ou não. No entanto, no caso desta produção, os adolescentes desviantes demonstraram ter as mesmas habilidades sociais que os adolescentes comuns, apresentando-se como capazes de desenvolver e manter relacionamentos significativos com os demais, confirmando que suas habilidades sociais referentes ao desenvolvimento, negociação e manutenção de relações sociais permanecem resguardadas.
Posto que o achado de Smangs (2010) seja coerente e adequado – tendo em vista os objetivos e métodos de seu estudo, ratificado pelo nível de qualidade metodológica apontado na Tabela 1 – uma maior quantidade de produções avaliadas apontam o contrário, e estas também são asseguradas pelo seu nível de qualidade metodológica, o que nos induz a concluir que adolescentes autores de ato infracional, majoritariamente, apresentam deficit em suas habilidades sociais, não obstante, isso não se aplica como regra para todos, uma vez que diversos fatores podem influir para essa afirmativa.
Considerações finais
Os resultados dos estudos analisados indicaram, em sua maioria, associações estatisticamente significativas entre deficit nas habilidades sociais e conduta infracional. Também demonstraram a existência de associações entre déficit nas habilidades sociais e reincidência infracional. Todavia, o engajamento infracional é um processo complexo e multideterminado, na medida em que os deficit de habilidades sociais não são suficientes para, de modo isolado, explicarem o seu desenvolvimento ou manutenção ao longo do tempo, embora prejudiquem a socialização dos adolescentes e os deixem mais vulneráveis a serem influenciados socialmente por pessoas com conduta infracional ou antissocial.
Cumpre ressaltar que os dados resultantes da totalidade dos estudos são provenientes de amostras de conveniência, o que impossibilita a generalização dos resultados para toda a população de adolescentes em conflito com a lei dos locais investigados. Como forma de superar essa limitação, estudos futuros podem ser realizados com amostras maiores, mais representativas. Outra limitação é que os estudos analisados investigaram o fenômeno em realidades diversas, o que implica na existência de fatores específicos do contexto de cada nacionalidade, que podem atuar de modos distintos nas habilidades sociais dos adolescentes. Estudos futuros podem investigar as influências de diferenças culturais em relação às habilidades sociais e sua relação com a conduta infracional na adolescência.
Apesar das limitações nos estudos, foi observado consenso entre os artigos no que se refere à promoção das habilidades sociais dos adolescentes como fator de proteção, o que pode auxiliar para que eles desenvolvam condutas pró-sociais e possam resistir à pressão de pares antissociais, por exemplo, colaborando, possivelmente, para que não se envolvam em comportamentos contrários à lei.