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Gerais : Revista Interinstitucional de Psicologia

versão On-line ISSN 1983-8220

Gerais, Rev. Interinst. Psicol. vol.16 no.1 Belo Horizonte  2023  Epub 20-Jan-2025

https://doi.org/10.36298/gerais202316e19381 

Artigo

Comportamentos constituintes da atuação do psicólogo como acompanhante terapêutico1

Constituent Behaviors of Psychologists as Therapeutic Accompaniment

2Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, Brasil. E-mail: otaviobeltra@hotmail.com

3Universidade Estadual de Londrina, Londrina, Brasil. E-mail: nadiakienen@gmail.com


Resumo

Este estudo objetivou identificar comportamentos constituintes do Acompanhamento Terapêutico (AT) como um subcampo de atuação do psicólogo no Brasil, a partir de uma obra analítico-comportamental. Trata-se de uma pesquisa bibliográfica cujo procedimento foi constituído por quatro etapas que possibilitaram avaliar, derivar, corrigir e organizar classes de comportamentos a partir da análise da clareza, precisão e concisão das sentenças gramaticais apresentadas nos trechos da obra analisada. Foram identificados 1.160 comportamentos, sendo 1.002 relacionados à intervenção direta sobre processos comportamentais, 125 relacionados ao ensino e 33 relacionados ao desenvolvimento de conhecimento sobre AT. A atuação do AT em equipe (N=121), por meio do planejamento de intervenções (N=50), vínculo profissional (N=47) e avaliação funcional de demandas da equipe (N=24), foram comportamentos que se destacaram no exame realizado. Os resultados obtidos possibilitaram questionar definições tradicionalmente utilizadas para fazer referência ao AT, como considerá-lo subordinado a outro profissional e/ou definições que aproximam as funções do AT às que são realizadas majoritariamente por estagiários. Conclui-se que a atuação do AT é complexa, sendo sua função principal cooperar para o aumento da eficiência e eficácia de intervenções multiprofissionais em equipe.

Palavras-chave Análise do comportamento; Programação de condições para o desenvolvimento de comportamentos; Programação de ensino; Acompanhamento terapêutico; Atuação profissional do psicólogo

Abstract

This study aims to identify constituent behaviors of Therapeutic Accompaniment (TA) as a subfield of the psychologist’s practice in Brazil, according to a behavior-analytical study. This is a bibliographic research that consists of a four-step process, which enables researchers to evaluate, derive, correct, and organize the behavioral classes according to an analysis on the clarity, precision, and conciseness of the grammatical sentences present in the excerpts of the analyzed work. 1160 behaviors were identified: 1002 relates to direct intervention on behavioral processes, 125 relates to teaching, and 33 relates to development of knowledge on TA. The work of TA within a team (N = 121), by means of planning interventions (N = 50), professional bond (N = 47), and functional assessment of team demands (N = 24) were behaviors that stood out from the performed analyses. The results obtained allowed us to question definitions traditionally used to refer to TA, such as considering it subordinate to another professional and/or definitions that bring TA functions closer to those performed mainly by interns. We concluded that the TA’s work is complex, and its main function is to cooperate on increasing the efficiency and effectiveness of multidisciplinary team interventions.

Keywords Behavior Analysis; Conditions Programming to the Development of Behaviors; Teaching Programming; Therapeutic Accompaniment; Psychologist’s professional work

O Acompanhamento Terapêutico (AT) tem sido descrito como uma atuação profissional, com função terapêutica, que possibilita alternativas à internação de indivíduos (Acioli & Amarante, 2013; Reis, Pinto, & Oliveira, 2011; Zamignani, Kovac, & Vermes, 2007), sendo uma atuação que abrange funções sociais, como a inclusão (Fujihira, 2006; Sereno, 2006) e a garantia de direitos (Acioli & Amarante, 2013; Reis et al., 2011). O AT não é uma atuação privativa de uma profissão e não tem teoria, procedimentos e normas éticas próprios (Londero & Pacheco, 2006). Tais características possibilitaram uma grande variedade na produção científica com diferentes proposições teórico-conceituais (Hermann, 2008; Pitiá & Santos, 2006; Santos et al., 2015; Zamignani et al., 2007) e de atuação profissional no Brasil, em subcampos de atuação4 como os do psicólogo (Nogueira, 2009), do enfermeiro (Kirschbaum & Rosa, 2003; Simões & Kirschbaum, 2005) e do educador (Fujihira, 2006; Sereno, 2006).

Na Psicologia, embora a importância do AT seja reconhecida nos âmbitos profissional e científico, ainda há a necessidade de delimitação e sistematização do que constitui essa atuação profissional (Beltramello & Kienen, 2017; Londero & Pacheco, 2006; Simões & Kirschbaum, 2005). Isso porque o AT tem sido definido como um serviço em que (1 ) as ações do profissional acontecem em ambientes “naturais”, nos quais os comportamentos-problema do cliente ocorrem (Reis et al., 2011; Pitiá & Santos, 2006; Santos et al., 2015; Simões & Kirschbaum, 2005); (2 ) o profissional atua em “[...] uma espécie de estágio remunerado no qual acompanha de perto o trabalho de um terapeuta experiente que o supervisiona [...]” (Zamignani et al., 2007, p. 34) e (3 ) cuja “[...] função não compreende analisar o caso e decidir quais atividades e procedimentos utilizar na sua intervenção. Suas ações são, necessariamente, subordinadas às decisões anteriormente elaboradas pelo profissional ou equipe com o/a qual trabalha” (Zamignani & Wielenska, 1999, p. 160).

Tais características (contexto, subordinação e funções) são insuficientes para definir claramente a atuação do acompanhante terapêutico, pois se limitam a caracterizar técnicas e instrumentos de intervenção utilizados por esse profissional. Delimitar a atuação do psicólogo como acompanhante terapêutico implica definir mais do que procedimentos de trabalho; envolve definir o tipo de fenômeno com o qual esse profissional trabalha, as necessidades sociais que ele deve(ria) atender, bem como os comportamentos necessários a serem desenvolvidos para atender a essas necessidades (Bori, 1974; Kienen, 2008; Rebellato & Botomé, 1999). Um ponto de partida importante para caracterizar e definir mais claramente o “perfil profissional” do psicólogo como acompanhante terapêutico está em caracterizar as classes de comportamentos que constituem essa atuação profissional, o que, por sua vez, pode contribuir para a formação, para a atuação desses profissionais e para o desenvolvimento de novas possibilidades de atuação profissional (Kienen, 2008; Rebellato & Botomé, 1999).

Na Análise do Comportamento, a literatura sobre AT é contraditória no que se refere à definição dessa atuação e à caracterização dos comportamentos necessários para sua execução. Enquanto Zamignani e Wielenska (1999) defendem que não é função do acompanhante terapêutico analisar o caso atendido e/ou decidir quais atividades e procedimentos utilizar em intervenções, Zamignani et al. (2007) defendem que estratégias, como as de observação e registro, devem ser planejadas em conjunto pelo acompanhante terapêutico e o terapeuta clínico, o que necessariamente envolve analisar o caso e decidir quais procedimentos serão utilizados em intervenções. Outro exemplo de contradição está em definir o AT como uma técnica de intervenção (Balvedi, 2003), como uma atuação profissional responsável exclusivamente por executar intervenções diretas em processos comportamentais quando, muitas vezes, é necessário que o profissional capacite outros profissionais e/ou a família a realizarem intervenções no cliente (Zamignani et al., 2007). Essas contradições sinalizam confusão quanto à delimitação do campo de atuação profissional do acompanhante terapêutico e sobre as características utilizadas para essa delimitação, que estão predominantemente ligadas às oportunidades de trabalho já estabelecidas no mercado5 disponível para esse profissional.

Objetivando analisar criticamente as contribuições da Psicologia e da Análise do Comportamento para a definição do AT, Beltramello e Kienen (2017) destacaram que o AT tem sido definido por meio do uso de metáforas e que – apesar de contribuições históricas da Modificação de Comportamento, da Terapia Comportamental e da Análise Aplicada do Comportamento – analistas do comportamento têm definido essa atuação como um serviço necessariamente subordinado ao trabalho do psicólogo clínico. Os autores examinam ainda que há necessidade de melhor definição do que caracteriza a atuação do psicólogo por meio do AT, o que poderia ser feito a partir da identificação das classes de comportamentos que constituem o fazer desse profissional na sociedade. Como uma das possibilidades para realizar essa identificação, os autores propõem a utilização de uma tecnologia analítico-comportamental denominada Programação de Condições para o Desenvolvimento de Comportamentos (PCDC).6

Entre as possibilidades do uso de recursos e tecnologias desenvolvidas na PCDC está o procedimento de derivação de comportamentos a partir da literatura. Por meio desse procedimento, é possível identificar os componentes de profissões e funções sociais, que dizem respeito a comportamentos socialmente relevantes que podem se configurar como objetivos de ensino a serem propostos em programas de ensino desses comportamentos. Como exemplos, podem ser destacados estudos sobre as classes de comportamentos constituintes da atuação do psicólogo em diferentes subcampos e/ou modalidades de atuação, tais como a atuação do psicoterapeuta analítico-comportamental (Mattana, 2004) e a intervenção por meio de ensino (Kienen, 2008). Ou ainda, estudos que caracterizam classes gerais de comportamentos, tais como “comportamentos pré-requisitos do ‘estudar textos em contexto acadêmico’” (Kienen et al., 2017) ou a “atuação de pais sociais em instituições de acolhimento na modalidade casa lar” (Nascimento & Gusso, 2017).

Por meio de um procedimento desenvolvido para avaliar e derivar comportamentos de uma fonte de informações, a presente pesquisa teve como objetivo identificar classes de comportamentos constituintes do AT como um subcampo de atuação do psicólogo no Brasil a partir de uma obra analítico-comportamental. Trata-se de uma obra que, apesar de fornecer informações sobre a atuação do AT, ainda carece de mais operacionalização e decomposição dos comportamentos constituintes do perfil desse profissional, no sentido de identificar comportamentos pré-requisitos que compõem esse tipo de atuação. O procedimento proposto nesta pesquisa possibilitará, então, identificar, caracterizar, avaliar, operacionalizar e categorizar os comportamentos (e seus componentes) que estão referenciados na fonte de informação e identificar e derivar (novos) comportamentos e componentes de comportamentos que não foram diretamente nela referenciados. Os resultados obtidos podem contribuir para delimitar o AT como um subcampo de atuação de psicólogos no Brasil e as aprendizagens que compõem o repertório desses profissionais (e de futuros aprendizes), possibilitando aperfeiçoamentos da capacitação destes e a ampliação da visibilidade sobre o que delimita o AT.

Método

Trata-se de uma pesquisa bibliográfica cujo procedimento foi adaptado de métodos utilizados em investigações realizadas por diversos autores, como De Luca (2013), Kienen (2008) e Nascimento e Gusso (2017).

Fonte de informações

Foi selecionada a obra A clínica de portas abertas: Experiências e fundamentação do acompanhante terapêutico e da prática clínica em ambiente extraconsultório, de Zamignani et al. (2007), considerada a principal referência sobre AT na Análise do Comportamento. Além disso, tal obra possibilita a obtenção de dados sobre comportamentos ou componentes de comportamentos constituintes da intervenção profissional do AT. Os dados foram coletados a partir dos capítulos três (“O ambiente natural como fonte de dados para a avaliação inicial e a avaliação de resultados: suplantando o relato verbal”); cinco (“Variando para aprender e aprendendo a variar: variabilidade comportamental e modelagem na clínica”); sete (“Técnicas comportamentais: possibilidades e vantagens no atendimento em ambiente extraconsultório”); oito (“A relação terapêutica no atendimento clínico em ambiente extraconsultório”) e dez (“O trabalho com a equipe multidisciplinar”). Esses capítulos foram selecionados por apresentarem classes de comportamentos que podem ser generalizadas para quaisquer casos em que o AT se faz necessário.

Foram excluídos da análise capítulos que objetivaram: (1 ) apresentar classes de comportamentos específicas para atendimento de alguns casos (como o capítulo 14, denominado “Acompanhamento terapêutico e transtorno obsessivo-compulsivo: estudo de caso”); (2 ) discorrer sobre assuntos que não são diretamente relacionados às classes de comportamentos que podem ser generalizadas para as diversas atuações do acompanhante terapêutico (como o capítulo 4, “Respostas verbais de mando na terapia e comportamentos sociais análogos: uma tentativa de interpretação de respostas agressivas e autolesivas”); (3 ) ou apresentar classes de comportamentos e discutir aspectos do trabalho do psicólogo clínico que atua em gabinete (como o capítulo 2, “Quando o verbal é insuficiente: possibilidades e limites de atuação clínica dentro e fora do consultório).

Instrumentos

Foram utilizados três instrumentos: (1 ) Protocolo 1, usado para transcrever trechos da obra a partir dos quais foi possível identificar e derivar componentes de classes de comportamentos; (2 ) Protocolo 2, utilizado para identificar e propor possíveis nomes de classes de comportamentos constituintes do AT; e (3 ) Protocolo 3, que possibilitou avaliar e organizar as classes de comportamentos nomeadas.7

Procedimento

O procedimento foi realizado em quatro etapas.8 Na primeira etapa, foram selecionados trechos que faziam referência a um ou mais componentes de possíveis classes de comportamentos constituintes da atuação do acompanhante terapêutico. Comportamento, neste trabalho, foi definido como um complexo sistema de interações entre classes de estímulos antecedentes, classes de respostas e classes de estímulos consequentes (Botomé, 2013), descrito por meio de um verbo no infinitivo e um complemento – que se referem aos componentes desse comportamento (De Luca, 2013). Dessa forma, a partir dos trechos, foram identificadas informações referentes a classes de respostas (ações do acompanhante terapêutico), classes de estímulos antecedentes (situações com as quais o acompanhante terapêutico lida em seu contexto de intervenção) e classes de estímulos consequentes (resultados produzidos a partir das ações do acompanhante terapêutico), os quais foram transcritos para a primeira coluna do “Protocolo 1”, sendo destacados em negrito (Figura 1).

Figura 1. Exemplo de resultado do procedimento referente à primeira etapa do método 

Trecho escolhido da obra selecionada como fonte de informação e sua respectiva página Classes de estímulos antecedentes Classes de respostas Classes de estímulos consequentes Classes de comportamentos
"(...) O AT também tem a função de servir de elo entre a equipe multidisciplinar e a família, de forma a orientá-la para somar esforços para a manutenção da adesão ao tratamento, evitando assim um possível boicote do cliente e de sua família na realização de tarefas por causa do desconhecimento" (Zamignani & Wielenska, 1999 como citado em Londero et al., 2010, p. 8).

Cliente

Equipe multidisciplinar Profissionais atuando em uma equipe multidisciplinar

Família/indivíduos que constituem a família do cliente

Desconhecimente /Necessidado de/Estímulos que sinalizam a necessidade de orientar a familia do cliente sobre seu tratamento

Necessidade de manutenção da adosão ao tratamento/ Estimutos que (...)

Servir de elo entre a equipe multidisciplinar e a família/Mediar relações comportamentais entre membros da equipe multidisciplinar e membros da família do cliente

Orientar a família para somar esforços para a manutenção da adosão ao tratamento/ Orientar membros da família do cliente sobre a necessidade de adesão ao tratamento do cliente

Evitar um possível boicote do cliete e de sua familia na realização de tarefas por causa do (...)

Evitar um possível boicote do cliente e de sua famítia na realização de tarefas por causa do desconhecimento Diminuição da probabilidade de comportamentos de fuga-esquiva vindos do cliente e/ou de sua família em relação à adesão ao tratamento do cliente

Soma de esforços para a manutenção da adesão ao tratamento/ Aumento na probabilidade de que membros da família contribuam para adesão ao tratamento do cliente

Relações comportamentais entre membros da equipe multidisciplinar e membros da família do cliente foram mediadas

Aumento da probabilidade de adesão do cliente ao tratamento

Servir de elo entre a equipe multidisciplina e a família/Mediar relações comportamentais entre membros da equipe multidisciplinar e membros da familia do cliente

Orientar membros da familia do cliente sobre a necessidade de adesão ao tratamento do cliente para aumentar a probabilidade de adesão ao tratamento

Identificar dados relevantes para o tratamento do cliente

Com base nas informações transcritas, foram derivados novos componentes de comportamentos a partir dos componentes previamente identificados e registrados, destacados em itálico. A derivação consiste em deduzir possíveis componentes de comportamentos a partir de componentes já identificados nos trechos examinados. Como exemplos, da classe de respostas “Mediar relações comportamentais entre membros da equipe multidisciplinar e membros da família do cliente”, é possível derivar estímulos antecedentes, como “presença de membros da equipe multidisciplinar e membros da família do cliente” e estímulos consequentes, como “relações comportamentais entre membros da equipe multidisciplinar e membros da família do cliente que foram mediadas”.

Depois da identificação e derivação dos componentes de comportamentos, a linguagem utilizada para fazer referência a esses componentes foi avaliada com base nos seguintes critérios: objetividade, concisão, clareza e precisão (Danna & Matos, 2011; De Luca, 2013). Objetividade se refere à linguagem utilizada para descrever os componentes que fazem referência a variáveis observáveis (direta ou indiretamente); a concisão é um critério que define que a linguagem não deve apresentar palavras ou expressões desnecessárias; clareza define que a linguagem utilizada deve ser de fácil compreensão, indicando variáveis constituintes de comportamentos; já a precisão é um critério relacionado às medidas das variáveis de comportamentos, fazendo referência à amplitude dos valores das variáveis – quanto menor a amplitude, mais precisa a informação é (Danna & Matos, 2011; De Luca, 2013). Na Figura 1, as partes tachadas, seguidas de uma barra, indicam um trecho para o qual foi escrita uma nova proposição, com base nos critérios de avaliação da linguagem. Já as partes sem nenhum grifo e/ou frase ou palavra tachada foram mantidas conforme o original. A Figura 1 ilustra um exemplo referente ao procedimento relativo à Etapa 1.

A segunda etapa do procedimento consistiu na proposição de novos nomes para as classes de comportamentos identificadas e derivadas a partir dos trechos, quando necessário. O nome de uma classe de comportamentos foi considerado apropriado quando explicitou de forma precisa o tipo de interação que o psicólogo que atua como acompanhante terapêutico estabelece com o ambiente. Por sua vez, nomes de classes de comportamentos vagos, ambíguos, metafóricos ou que apresentavam características de falsos objetivos de ensino (De Luca, 2013) foram considerados características que indicam que esses nomes não eram apropriados. Isso ocorreu quando (1 ) o nome da classe de comportamentos enfatizava um dos componentes da classe (por exemplo, apenas a ação do organismo); (2 ) a nomeação tinha mais de um sentido, como em “servir de elo”; (3 ) o nome não fazia referência precisa aos comportamentos e seus componentes, como a metáfora “levantar dados”; e (4 ) a nomeação era feita por declarações de intenções do organismo, como “propiciar ao cliente [...]”, ou quando os nomes explicitaram conteúdos, como em “fundamentos do AT”.

Após as modificações nos nomes das classes de comportamentos, estas foram comparadas com os trechos originais das fontes de informação, a fim de avaliar se, apesar das modificações, o significado dos trechos se mantinha coerente com estes. Se a nova nomenclatura proposta não apresentasse coerência com o trecho original, as E tapas 1 e 2 eram refeitas, de modo a renomear as classes de comportamentos identificadas/derivadas. Na terceira etapa do procedimento, foram atribuídos códigos de identificação às classes de comportamentos identificadas e derivadas, as quais foram organizadas em uma lista que serviu como base para sorteio de 30% dos dados, que foram analisados por uma juíza externa, pesquisadora em PCDC e familiarizada com o procedimento desta pesquisa. A juíza recebeu os arquivos com todos os protocolos preenchidos para avaliar a linguagem proposta para nomeação das classes de comportamentos.

Os critérios para avaliação da juíza foram: objetividade, concisão, clareza e precisão (critérios descritos na primeira etapa), e se na nova proposição foi mantida a função (significado) da nomenclatura original. Nos casos em que os critérios não foram cumpridos, a juíza sugeriu nomenclatura mais adequada. Quando houve discordância entre o pesquisador e a juíza em relação às avaliações e novas proposições dos termos, foi realizado debate entre ambos até que houvesse consenso, de modo a aperfeiçoar os produtos dessas etapas. A concordância entre o pesquisador e a juíza foi de 98,3% (N=348).

Na quarta etapa do procedimento, os dados obtidos foram categorizados de duas maneiras. Na primeira delas, as classes de comportamentos identificadas e derivadas foram distribuídas em categorias adaptadas a partir de classes e subclasses gerais de comportamentos referentes às modalidades de atuação do psicólogo (Botomé, Kubo, Mattana, Kienen, & Shimbo, 2003), referentes à intervenção direta sobre processos comportamentais, intervenção indireta por meio de pesquisa e por meio de ensino. Tal sistematização possibilitou uma caracterização geral do perfil profissional do psicólogo que atua por meio do AT.

Essa primeira categorização dos dados possibilitou identificar que um conjunto de classes de comportamentos (N=164) dizia respeito à atuação do acompanhante terapêutico envolvendo interações com outros indivíduos que não apenas o cliente (como o trabalho em equipe; atuação com familiares, indivíduos do convívio do cliente e com indivíduos desconhecidos). Ao examinar a literatura pertinente à área, foi possível perceber a relevância dessa dimensão para definir a atuação do AT (Balvedi, 2003; Nogueira, 2009; Pitiá & Santos, 2006; Reis et al., 2011; Santos et al., 2015; Simões & Kirschbaum, 2005; Zamignani & Wielenska, 1999; Zamignani et al., 2007). Dessa forma, objetivando aumentar a visibilidade sobre as classes de comportamentos relativas a essa dimensão, estas foram classificadas em 10 novas categorias, conforme sua funcionalidade (por exemplo, avaliação funcional, vínculo terapêutico, comunicação interprofissional etc.).

Os dados resultantes da primeira categorização foram organizados em planilhas eletrônicas de processamento de dados, com suas ocorrências absolutas e relativas, a partir do total de classes de comportamentos identificadas e/ou derivadas (N=1160). Já os dados resultantes da segunda categorização foram organizados em um gráfico com base na quantidade absoluta e relativa (porcentagem) de classes de comportamentos referentes à atuação do acompanhante terapêutico e que envolviam outros indivíduos que não apenas o cliente (N=164).

Resultados

O procedimento de identificação e derivação de classes de comportamentos a partir da literatura, com base na PCDC, possibilitou identificar e/ou derivar 1.160 classes de comportamentos que constituem a atuação do psicólogo por meio do AT. A distribuição dessas classes, conforme as modalidades de atuação do psicólogo, está apresentada na Figura 2.

Figura 2. Quantidade e porcentagem de subclasses gerais de comportamentos relacionadas às modalidades de atuação do psicólogo por meio do acompanhamento terapêutico 

Classes gerais de comportamentos do AT Subclasses gerais de comportamentos do AT N(%)
Produzir alterações em processos comportamentais por meio da intervenção direta como acompanhante terapêutico Caracterizar necessidades sociais em relação a alterações em processos comportamentais por meio da atuação como acompanhante terapêutico 240 (20,6%)
Projetar intervenções diratas relacionadas a processos comportamentais por meio da atuação como acompanhante terapêutico 537 (46,2%)
Executar intervenções diratas relacionadas a processos comportamentais por meio da atuação como acompanhante terapêutico 147 (12,6%)
Avaliar intervenções realizadas em relação a processos comportamentais por meio da atuação como acompanhante terapêutico 42 (3,6%)
Aperfeiçoar intervenções realizadas em relação a processos comportamentais por meio da atuação como acompanhante terapêutico 17(1,4%)
Comunicar intervenções realizadas em relação a processos comportamentais por meio da atuação como acompanhante terapêutico 19(1,6%)
Total 1002 (86,3%)
Produzir aprendizagem relacionada aos fenómenos que constituem os objetos de estudo e de atuação como acompanhante terapêutico Caracterizar necessidades de aprendizagem relacionadas aos fenómenos que constituem os objetos de estudo e de atuação como acompanhante terapêutico 6 (0,5%)
Construir programas de produção de aprendizagem relacionada aos fenómenos que constituem os objetos de estudo e de atuação como acompanhante terapêutico 102(8,7%)
Executar programas de produção de aprendizagem relacionada aos fenómenos que constituem os objetos de estudo e de atuação como acompanhante terapêutico 17 (1,4%)
Total 125(10.7%)
Produzir conhecimento sobre fenõmenos e processos comportamentais que constituem os objetos de estudo como acompanhante terapêutico Planejar coleta de dados relativos ã produção da conhecimento sobre fenómenos e processos comportamentais que constituam os objetos de estudo como acompanhante terapêutico 6 (0,5%)
Coletar dados relevantes para responder a perguntas de produção de conhecimento sobre fenômenos e processos comportamentais que constituem os objetos de estudo como acompanhante terapêutico 6 (0,5%)
Organizar e analisar dados coletados para responder a perguntas de produção de conhecimento sobre fenómenos e processos comportamentais que constituem os objetos de estudo como acompanhante terapêutico 16(1,3%)
Interpretar dados analisados para responder a perguntas de produção da conhecimento sobre fenómenos e processos comportamentais que constituem os objetos de estudo como acompanhante terapêutico 2 (0,1%)
Comunicar conhecimento produzido sobre fenómenos e processos comportamentais que constituem os objetos de estudo como acompanhante terapêutico 3 (0,2%)
Total 33(2,8%)

Analisando a Figura 2, é possível observar que a maioria das classes de comportamentos constituintes do AT está relacionada a produzir alterações em processos comportamentais por meio da intervenção direta (N=1.002, 86,3%). Destas, a maior parte é abrangida pelas subclasses gerais: “projetar intervenções diretas relacionadas a processos comportamentais por meio da atuação como acompanhante terapêutico” (N=537, 46,2%); “caracterizar necessidades sociais em relação a alterações em processos comportamentais por meio da atuação como acompanhante terapêutico” (N=240, 20,6%) e “executar intervenções diretas relacionadas a processos comportamentais por meio da atuação como acompanhante terapêutico” (N=147, 12,6%).

Embora a maior parte das classes de comportamentos constituintes do AT tenha sido relacionada a produzir alterações em processos comportamentais, os resultados indicam que a atuação do AT não é caracterizada exclusivamente por meio delas. Isso porque também foram identificadas e derivadas classes de comportamentos referentes às modalidades de intervenção indireta por meio de ensino e de pesquisa. A intervenção por meio de ensino envolve classes de comportamentos relativas a produzir aprendizagem relacionada aos fenômenos que constituem os objetos de estudo e de atuação como acompanhante terapêutico (N=125, 10,7%). Isso significa que o acompanhante terapêutico, além de intervir diretamente sobre as variáveis relacionadas aos fenômenos de interesse, deve ser capaz também de ensinar pessoas a intervirem sobre esses fenômenos. Quanto às classes de comportamentos referentes à intervenção indireta por meio de pesquisa, estas foram identificadas em menor quantidade, se comparadas à intervenção indireta por meio de ensino. Apenas 2,8% (N=33) diziam respeito a essa modalidade de atuação, sendo que a maioria (N=16, 1,3%) é abrangida pela subclasse geral “organizar e analisar dados coletados para responder a perguntas sobre fenômenos e processos comportamentais que constituem os objetos de estudo como acompanhante terapêutico”.

No que diz respeito às classes de comportamentos que se referem à atuação do acompanhante terapêutico envolvendo outros indivíduos que não apenas o cliente, foi possível observar, conforme apresentado na Figura 3, que essas classes de comportamentos abrangem uma variedade de atividades profissionais tais como: avaliação funcional de demandas dos profissionais em relação aos casos atendidos; estabelecimento de objetivos e procedimentos de intervenção em conjunto com os demais membros da equipe; capacitação de profissionais e/ou familiares para intervirem junto ao cliente; estabelecimento de vínculo com familiares e com a equipe; assim como comunicação e mediação de relações entre os diferentes agentes envolvidos (como os profissionais, familiares e demais membros da equipe) com o processo terapêutico.

Figura 3. Distribuição da quantidade de classes de comportamentos conforme categorias relacionadas à atuação do acompanhante terapêutico envolvendo interações com outros indivíduos que não apenas o cliente 

As categorias que mais abrangeram classes de comportamentos são: (1) Estabelecimento de objetivos e procedimentos de intervenção em conjunto com demais membros da equipe multidisciplinar e/ou da família do cliente (N=50, 30,4%); (2) Vínculo profissional com membros da equipe multidisciplinar e outros profissionais (N=47, 28,7%); e (3) Avaliação funcional de demandas dos profissionais em relação ao caso atendido e ao AT (N=24, 14,6%).

Discussão

Ao avaliar e organizar as classes de comportamentos identificadas e derivadas nesta pesquisa, foi possível observar que a subclasse de comportamentos que mais abrangeu classes de comportamentos foi “projetar intervenções diretas relacionadas a processos comportamentais por meio da atuação como acompanhante terapêutico” (N=537, 46,2%). Como exemplos de classes que foram abrangidas por essa subclasse, estão “planejar procedimentos para reforçar comportamentos que favorecem o enfrentamento bem-sucedido e com controle razoável das respostas indesejadas eliciadas no organismo do cliente”; “avaliar estratégias para alterar contingências desencadeantes do comportamento do cliente de modo a minimizar o sofrimento proveniente delas”; e “projetar intervenção para programar condições para o desenvolvimento dos comportamentos-objetivo (que deverão ser desenvolvidos pelo cliente)”. Entre as classes de comportamentos abrangidas por essa subclasse estão as que constituem a categoria “estabelecimento de objetivos e procedimentos de intervenção em conjunto com demais membros da equipe multidisciplinar e/ou da família do cliente” (N=50, 9,3%), envolvendo classes de comportamento tais como: “estabelecer, com o cliente, sua família e a equipe terapêutica, os objetivos terapêuticos”; “reunir-se com a equipe para discutir a avaliação sobre a melhor estratégia para o tratamento do cliente”; e “comunicar, para a equipe multidisciplinar, as análises feitas sobre o caso do cliente”. Portanto, as classes de comportamentos abrangidas pela subclasse “projetar intervenções diretas relacionadas a processos comportamentais por meio da atuação como acompanhante terapêutico” possibilitam reconhecer que o AT envolve, necessariamente, classes de comportamentos diretamente relacionadas a analisar, avaliar, discutir e/ou decidir quais atividades e procedimentos utilizar em intervenções. Tais dados parecem contradizer a afirmação de que não é função do acompanhante terapêutico analisar o caso atendido e/ou decidir quais atividades e procedimentos utilizar em intervenções (Zamignani & Wielenska, 1999).

Outra decorrência de avaliar e organizar as classes de comportamentos identificadas e derivadas, por meio das modalidades de atuação do psicólogo (Botomé et al., 2003), está na identificação de que, embora a atuação do AT seja majoritariamente composta por classes de comportamentos relacionadas a “produzir alterações em processos comportamentais” (N=1002, 86,3%), os resultados obtidos possibilitam identificar que essa atuação profissional não é definida exclusivamente por meio delas. Isso porque foram identificadas classes de comportamentos relacionadas a “produzir aprendizagem relacionada aos fenômenos que constituem os objetos de estudo e de atuação como acompanhante terapêutico” (N=125, 10,7%) e a “produzir conhecimento sobre fenômenos e processos comportamentais que constituem os objetos de estudo como acompanhante terapêutico” (N=33, 2,8%). A identificação dessas classes de comportamentos possibilita questionar a afirmação de que o AT é definido exclusivamente por produzir alterações em processos comportamentais (Zamignani et al., 2007), ou, ainda, a afirmação de que o AT deva ser definido como uma técnica de intervenção (Balvedi, 2003).

Dada a complexidade9 de algumas classes de comportamentos envolvidas nos diferentes tipos de intervenção do acompanhante terapêutico, parece pertinente questionar definições que o consideram um profissional subordinado a outro (Zamignani & Wielenska, 1999; Zamignani et al., 2007) ou, ainda, definições que aproximam as funções dessa atuação profissional às que são realizadas majoritariamente por estagiários (Zamignani et al., 2007). Como exemplos dessas classes de comportamentos, estão as que envolvem “capacitar pessoas para que possam modificar contingências operantes no comportamento do cliente”; “programar condições para o desenvolvimento de comportamentos de ‘desenvolver estratégias para se comportar de maneira desejada’”; ou, ainda, para “projetar intervenção para programar condições para o desenvolvimento dos comportamentos-objetivo (que deverão ser emitidos pelo cliente)”. Essas classes abrangem uma série de "pré-requisitos" relacionado s a descobrir comportamentos-objetivo, planejar, desenvolver, executar, avaliar e até aperfeiçoar o processo de capacitação (Kienen, Kubo, & Botomé, 2013), o que demonstra sua complexidade.

Tanto as classes de comportamentos que envolvem a capacitação de outros indivíduos como aquelas que envolvem a atuação em equipe, são exemplos de classes de comportamentos que exigem um repertório profissional sofisticado para ocorrerem; e requerem alto grau de conhecimento sobre processos e fenômenos comportamentais. Essas exigências possibilitam questionar se, de fato, seria adequado definir o acompanhante terapêutico como um profissional subordinado a outro profissional, responsável exclusivamente por executar intervenções diretas em processos comportamentais (Balvedi, 2003; Zamignani & Wielenska, 1999; Zamignani et al., 2007). “Subordinar” é uma palavra derivada da locução “ordinare” (em latim), que denomina a ação de “colocar em ordem” ou, ainda, de “organizar seguindo uma ordem” (Figueiredo, 1913). O prefixo “sub” (em latim) significa “por baixo” (Figueiredo, 1913). Portanto, afirmar que o acompanhante terapêutico é “subordinado” a outro profissional pode significar que ele é “submisso”, “dependente” e/ou “subalterno” a esse profissional (Figueiredo, 1913). A relação que a palavra “subordinado” descreve não parece exprimir precisamente as ações do acompanhante terapêutico em relação à equipe multidisciplinar ou ao caso atendido.

Uma sugestão seria substituir a palavra “subordinar” por “cooperar”. “Cooperar” é uma locução derivada da expressão “cooperári” (em latim), que denomina ações como as de “colaborar para a realização de algo”, “trabalhar junto com outra pessoa”, ou de “operar simultaneamente” – operar no sentido de executar ou realizar um determinado fazer (Figueiredo, 1913). Essas características estão presentes nas classes de comportamentos que se referem à atuação do acompanhante terapêutico envolvendo outros indivíduos que não apenas o cliente (N=164, 14,1%), que parecem diferenciar mais diretamente a especificidade desse subcampo de atuação do psicólogo. Isso porque a maioria das outras classes de comportamentos identificadas parece ser semelhante à intervenção do psicólogo clínico (Mattana, 2004). Como exemplos de classes de comportamentos relacionadas a cooperar, é possível destacar: “delimitar em conjunto com o profissional e/ou membros da equipe multidisciplinar responsável pelo caso, o que deve ser observado e registrado”; “comunicar-se com a equipe multidisciplinar (ou responsável pelo caso) sobre mudanças no projeto de intervenção”; e “estabelecer, com o cliente, sua família e a equipe terapêutica, os objetivos terapêuticos”. Nesse sentido, o termo “cooperar” parece denominar mais precisamente que o acompanhante terapêutico é um membro da equipe multidisciplinar e que sua função nela é a de colaborar com os demais envolvidos para aumentar a efetividade e a eficácia das intervenções implementadas em relação ao caso atendido.

A importância dessa dimensão colaborativa do trabalho do acompanhante terapêutico também parece estar presente em outros estudos sobre essa atuação profissional. Hermann (2008), por exemplo, explicita o “olhar em rede” como uma característica primordial do AT. Essa metáfora sinaliza a importância de considerar as interações do cliente com outros indivíduos na formulação de projetos terapêuticos (em equipe). Da mesma forma, Nogueira (2009) defende que o AT é uma atuação que possibilita ao cliente a “construção de novas referências” para além da equipe multidisciplinar, o que significa trabalhar por meio de uma “Rede Terapêutica”. As metáforas utilizadas por Hermann (2008) e Nogueira (2009) fazem referência às atuações do acompanhante terapêutico em variados contextos e ambientes, por meio de interações com outros indivíduos que não apenas o cliente, e com a função de cooperar com os envolvidos para possibilitar o desenvolvimento do cliente.

Os dados sistematizados nesta pesquisa, assim como a literatura sobre AT, parecem indicar que a atuação do acompanhante terapêutico de forma cooperativa com outros indivíduos, sejam esses outros profissionais integrantes da equipe, sejam eles demais indivíduos que interagem com o cliente (como a família, amigos, desconhecidos), constitui-se como componente primordial para definir esse subcampo de atuação do psicólogo. Portanto, sugere-se que as proposições de definições para o AT contenham explicitamente a relação entre: as interações entre o acompanhante terapêutico e outros indivíduos que não apenas o cliente; a cooperação entre os membros da equipe multidisciplinar, o AT e demais indivíduos (como a família do cliente) para o planejamento e execução de intervenções; e as decorrências disso, ou seja, o desenvolvimento do tratamento do cliente (com eficácia e eficiência). Essas três características parecem diferenciar a atuação do acompanhante terapêutico da que é exercida por um psicólogo clínico atuando em ambientes e contextos extraconsultório.

Em síntese, esta pesquisa possibilitou: (1 ) identificar que o AT é compatível com o campo de atuação de psicólogos; (2 ) identificar limitações nas definições que têm sido utilizadas para o AT; (3 ) identificar que o AT é uma atuação profissional que envolve necessariamente a existência de uma equipe multidisciplinar; (4 ) caracterizar o acompanhante terapêutico como responsável por mediar interações entre múltiplos indivíduos (profissionais, cliente, família e demais indivíduos) que compõem o cotidiano do cliente; (5 ) avaliar que o AT exige repertórios profissionais em níveis altamente complexos pois envolve comportamentos como os relacionados à análise e planejamento de intervenções, ao trabalho em equipe multidisciplinar e à capacitação de outros indivíduos para atuar no caso do cliente; e (6 ) sinalizar que a função primordial do AT está relacionada a cooperar com o aumento da eficiência e eficácia das intervenções multiprofissionais realizadas pela equipe.

A identificação das classes de comportamentos constituintes do AT como um subcampo de atuação do psicólogo no Brasil, resultantes do procedimento utilizado nesta pesquisa, parece contribuir para o aumento na “visibilidade” sobre as possibilidades de atuação de psicólogos por meio do AT. No entanto, tais classes de comportamentos podem, ainda, ser submetidas a processos de decomposição em classes de comportamentos menos complexas (pré-requisitos), a fim de que seja possível caracterizar, de forma ainda mais completa, o que constitui o “perfil” desse profissional. Para tal, recomenda-se que outras fontes de informação sejam consultadas, além dos capítulos não analisados da fonte de informação desta pesquisa.

Além da decomposição de classes de comportamentos por meio das classes identificadas e derivadas nesta pesquisa (e de outras fontes de informação), ainda há a possibilidade de organizar as classes de comportamentos conforme seus graus de complexidade. Isso possibilitaria examinar mais relações entre essas classes, como a produção de condições para a ocorrência de determinadas classes, e até a descoberta de (mais) interações que podem ser características do AT. Tanto a decomposição quanto a organização por graus de complexidade possibilitariam desenvolver instrumentos e condições para o ensino de futuros aprendizes em AT em treinamentos, capacitações, cursos de graduação e/ou de formação de psicólogos; bem como desenvolver e executar testes empíricos para avaliar essas interações, o que possibilitaria analisar e observar diretamente seus componentes. Porém, essas possibilidades ainda necessitam ser testadas empiricamente a fim de avaliar a pertinência e adequação das classes de comportamentos propostas. Programas de ensino elaborados com base nessas classes de comportamentos podem ser desenvolvidos e testados a fim de avaliar “se e quanto” tais classes de comportamentos possibilitam ao psicólogo, por meio de sua atuação como AT, intervir de maneira cientificamente fundamentada e socialmente significativa.

Entre as possíveis limitações desta pesquisa estão algumas características da fonte de informação consultada. A primeira delas está no fato de que esta é composta por textos para a atuação de terapeutas analítico-comportamentais em ambientes extraconsultório; a segunda possível limitação está na característica de que a obra foi escrita por psicólogos clínicos que atuam em intervenções extraconsultório. Nesse sentido, a fonte de informações pode ser considerada incompleta por não descrever algumas interações que são constituintes da atuação por meio do AT, e que não estão presentes em atuações extraconsultório quando executadas por psicólogos clínicos. Há possibilidade, portanto, de a fonte de informações ser limitada em fornecer componentes de comportamentos e classes de comportamento que são características da atuação por meio do AT e, principalmente, às relacionadas ao seu campo de atuação profissional (e não ao mercado profissional).

1Os autores agradecem à M.e. Natália Ladeira Ferreira da Silva pelas contribuições realizadas como juíza na avaliação dos dados. O presente artigo está vinculado à dissertação de mestrado do primeiro autor, sob orientação da coautora. O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – Brasil (Capes) – Código de Financiamento 001.

4Um subcampo de atuação profissional é definido pelas necessidades sociais e possibilidades de atuação derivadas dessas necessidades, referindo-se às perspectivas de trabalho que poderão ser construídas e desenvolvidas, não se restringindo a práticas profissionais conhecidas (Botomé & Kubo, 2002).

5O mercado de trabalho é definido pelas ofertas de emprego disponíveis, e sua ênfase está em práticas existentes e no conhecimento transformado em técnicas de trabalho (Botomé & Kubo, 2002).

6O termo “Programação de Condições para o Desenvolvimento de Comportamentos” foi desenvolvido por meio do refinamento conceitual do termo “Programação de Ensino”. Essa subárea da Análise do Comportamento teve como gênese os trabalhos e orientações de Carolina Martuscelli Bori (Kienen, Kubo, & Botomé, 2013).

7A expressão “classes de comportamentos do A companhamento T erapêutico” será utilizada como sinônimo de “classes gerais de comportamentos constituintes do A companhamento T erapêutico como um subcampo de atuação do psicólogo no Brasil”.

8Os dados de 911 classes de comportamentos e seus constituintes, bem como os protocolos, estão disponíveis em: Beltramello, O. (2018). Acompanhamento terapêutico: características de classes de comportamentos constituintes dessa atuação do psicólogo no Brasil. Dissertação de mestrado. Recuperado de http://www.uel.br/pos/pgac/wp-content/uploads/2018/04/Acompanhamento-Terap%C3%AAutico-caracter%C3%ADsticas-de-classes-de-comportamentos-constituintes-dessa-atua%C3%A7%C3%A3o-do-psic%C3%B3logo-no-Brasil.pdf.

9A complexidade foi avaliada por meio dos componentes dos comportamentos e de suas relações com classes de comportamentos menos complexas. Entre as propriedades que constituem o grau de complexidade de uma classe, estão a quantidade de pré-requisitos necessários à sua ocorrência e os tipos, quantidades e funções de relações estabelecidas entre seus componentes.

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Recebido: 07 de Novembro de 2019; Aceito: 09 de Novembro de 2020

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