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Revista Psicologia Organizações e Trabalho
On-line version ISSN 1984-6657
Rev. Psicol., Organ. Trab. vol.1 no.2 Florianópolis Dec. 2001
ARTIGOS
Expectativas e crenças dos usuários sobre as cooperativas agrárias1
Expectations and beliefs of the users about agricultural cooperatives
Francisco José Batista de AlbuquerqueI; Carlos da Silva CirinoII
IDoutor em Psicologia Social. Professor do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal da Paraíba (frajoba@uol.com.br)
IIMestrando em Psicologia Social. Universidade Federal da Paraíba
RESUMO
Este trabalho tem por objetivo analisar aspectos psicossociais envolvidos no processo de formação e manutenção de cooperativas, chamando a atenção para a valorização semântica que os construtos cooperativa e cooperativismo incorporam e que se tornaram auto-justificadores de sua existência. São apresentados dados de pesquisa realizada junto a 11 técnicos de diversos órgãos governamentais vinculados ao cooperativismo e 80 sócios de cooperativas. Foi verificada a existência de crenças valorativas das cooperativas e do cooperativismo que, apesar das evidências empíricas de fracasso dessas organizações, tendem a se manter, por parte dos técnicos, porque eles não vislumbram outras formas de organizações que as substituam, e por parte dos sócios, porque percebem essas organizações como um benefício do governo.
Palavras-chave: cooperativismo; psicologia social; políticas públicas.
ABSTRACT
The present study has the purpose of analyzing the psychosocial aspects involved in the process of formation and maintenance of cooperatives, attracting attention to the semantic valuation that the cooperative and cooperativism constructs incorporates and becomes self-justificative of its existence. Data of research, done with 11 technicians of different government organs, are to the cooperativism and 80 cooperative's partners. lt was verified the presence of believes that value the cooperatives and cooperativism. ln spite of the empiric evidences of failure of those organizations, they tend to support themselves, on the technician's side, because they can't foresee others types of organizations that substitutes them, and on the partners' side, because they observe those organizations as a government benefit.
Keywords: cooperativism; rural development; public policies
1. Introdução
À palavra cooperativismo se encontram agregados significados tais como a solidariedade, a cooperação, a coletividade etc., valores estes que nos são transmitidos pelas diversas instituições socializadoras - família, escola, igreja, etc. - desde tenra idade. Ao situar as organizações cooperativas nesse prisma, observa-se que existe uma espécie de "aura mágica" em torno dessa forma de organização, que e percebida como uma alternativa para superar os momentos de crises econômicas e sociais. Essa representação simbólica do cooperativismo é tão marcante que, freqüentemente, em momentos de crises econômicas e sociais, a primeira idéia que ocorre às pessoas é a de se agrupar e fundar uma cooperativa.
A priori,não existe qualquer argumento suficientemente forte para se contrapor a essa idéia. Ora, diante de situações adversas, nada mais natural do que as pessoas unirem forças em uma tentativa coletiva de encontrar alternativas viáveis que lhes permitam sair dessas situações adversas. Todavia, o grande impasse torna-se evidente, exatamente, quando consideramos algumas características peculiares das organizações cooperativas que, longe do que parece, são um tipo complexo de organização que requer de seus associados muito mais do que se imagina no tratamento de problemas internos e externos com os quais, por ventura, poderão se deparar ao longo do seu desenvolvimento como empresa. Nesse sentido, vale salientar que não basta apenas a vontade coletiva de unir forças.
Atualmente, percebe-se uma tendência à criação e difusão das organizações cooperativas em muitos países do mundo, independentemente do sistema social em vigência. Essa tendência fica mais evidente, sobretudo, nos países em desenvolvimento, onde a procura por esse tipo de organização deve ser entendida muito mais como uma resposta às exigências do mercado produtivo, associado à ausência de políticas públicas que protejam os produtores, sobretudo os pequenos produtores, que ficam à mercê do seu "próprio destino", diante das oscilações de mercado e, não tendo a quem recorrer, buscam o meio mais à mão de que podem dispor para superar os problemas que enfrentam no processo de produção e comercialização dos seus produtos (Moreira, 1997).
Desse modo, no Brasil, organismos governamentais e não-governamentais têm amplamente incentivado e fomentado a criação de cooperativas como suporte para o desenvolvimento econômico do País, sobretudo nas zonas rurais, carentes de políticas sociais efetivas que viabilizem a permanência dos produtores nestas áreas. A facilitação na obtenção de empréstimos por parte dos órgãos financiadores tem conduzido a uma procura por esse tipo de organização por parte dos produtores. Tudo isso seria rotineiro, caso as cooperativas fossem efetivamente tratadas como o que de fato são: empresas privadas. Entretanto, existe em torno das cooperativas e do cooperativismo um grande cinturão de interpretações e de ações que transmudam tudo. O governo utiliza as cooperativas como instituições que servem para canalizar recursos vinculados às políticas públicas de desenvolvimento; os partidos políticos incluem as cooperativas e o cooperativismo como pontos de apoio aos seus programas partidários, e os sócios das cooperativas compõem esse xadrez formando cooperativas para usufruir os benefícios que porventura estejam disponíveis. Chama-se atenção, ainda, nesse sentido, o fato de que os empréstimos para as cooperativas sempre são operados através dos bancos públicos.
Assim, grandes somas dos recursos públicos, angariados através dos impostos pagos pelos cidadãos, que deveriam ser destinados à viabilização de políticas públicas voltadas para a maioria da população, estão sendo utilizados para fomentar a criação de, cooperativas. É a apropriação privada dos recursos públicos. A primeira vista, isso não causa tanto impacto assim caso se considere o fato de que o desvio de recursos públicos para outros fins que não sejam os coletivos tornou-se uma prática comum na administração da "coisa pública". Entretanto, quando se considera o fato de que as cooperativas, por uma série de fatores psicossociais, tendem ao fracasso (Albuquerque, 1994), isso causa forte impacto porque grande parte dos recursos públicos, que deveriam ser utilizados para beneficiar a população, estão sendo desperdiçados.
Do ponto de vista social, isso equivale a dizer que o fomento do desenvolvimento social via cooperativas tem sido desastroso, ficando os sócios de cooperativas, muitas vezes, numa situação muito pior do que a que estiveram antes de ingressar na cooperativa. E pior ainda, é esta população quem, na realidade, acaba arcando com o ônus dessa situação, quer seja porque é ela quem no final das contas vai pagar as dívidas contraídas pela cooperativa, quer seja porque vai continuar sem uma política social efetiva, que possibilite, de fato, o desenvolvimento social e econômico da região, onde a cooperativa está inserida. Em suma, em nome do desenvolvimento social da região, o Estado tem fomentado a criação de cooperativas, mas, ao fazer isso, na realidade, não faz mais que privatizar os recursos públicos, investindo numa pequena minoria da qual freqüentemente não obtém retorno, às custas do desenvolvimento social da população.
A crise das organizações cooperativas tem repercutido na economia nacional de tal maneira que, em março de 1998, o Governo Federal lançou o Programa de Revitalização das Cooperativas (RECOOP), que objetivou fazer o saneamento financeiro dessas organizações. O valor do empréstimo foi na ordem de U$ 2,5 bilhões (dois bilhões de dólares à época), sendo U$ 1,5 bilhão (um bilhão e meio de dólares) destinados à renegociação dos prazos das atuais dívidas, ou seja, para tirar as cooperativas do "vermelho", e um bilhão de dólares para financiamento de novos projetos. E interessante notar que esses recursos foram dirigidos às grandes cooperativas, aquelas que deviam pelo menos um milhão de dólares à época. Dessa forma, em nome do cooperativismo e de toda a carga semântica que a palavra carrega, privilegia-se uma vez mais o grande produtor. Nesse instante, confluem interesses ideológicos e financeiros; aqueles de ideologia mais à esquerda, que têm o cooperativismo como um dos seus valores básicos, ajudam os que se situam mais à direita do espectro político e, assim respaldados, se apropriam dos recursos públicos. Uma contradição que deve ser estudada. Ainda nessa mesma direção, um dos argumentos dos defensores do cooperativismo como mola propulsora do desenvolvimento seria o de que através dele se poderia investir nas regiões mais carentes, possibilitando diminuir o fosso de desenvolvimento entre as diversas regiões do País. Esse argumento cai por terra quando se verifica que a maioria dos financiamentos às cooperativas se dá para as regiões economicamente mais desenvolvidas.
O aspecto mais saliente é que, apesar das claras evidências da tendência ao fracasso, a criação de cooperativas continua sendo amplamente incentivada e fomentada pelos organismos governamentais e não-governamentais, quer seja através da concessão de financiamento direto, quer seja através do apoio institucional técnico. Convém enfatizar, entretanto, que a influência que esses organismos externos exercem sobre a cooperativa não se limita à concessão de recursos financeiros ou à assistência técnica prestada mas, às vezes, extrapola o âmbito dessas ações, chegando até mesmo à apropriação da cooperativa para outros fins, que não sejam primordialmente os fins coletivos dos associados.
1.1 As peculiaridades das organizações cooperativas
Pode-se afirmar que as organizações cooperativas se caracterizam por três aspectos marcantes: a propriedade coletiva, a gestão cooperativa e a repartição coletiva. Por ser a propriedade coletiva, significa que a cooperativa é de todos os associados, independentemente do montante investido por cada indivíduo na constituição da organização. Por gestão cooperativa entendese o princípio que estabelece que a tomada de decisões compete à assembléia dos associados, ou seja, que as decisões devem ser tomadas coletivamente, por todos os associados. A repartição coletiva estabelece que a distribuição das sobras líquidas deve ser realizada em função da participação dos associados nas operações comerciais da organização. O repasse das sobras líquidas para o associado é proporcional ao volume de negócios por ele mesmo realizado. Nesse sentido, pode-se afirmar que a cooperativa não visa à obtenção de lucros financeiros a partir da exploração do associado ou da expropriação da sua força de trabalho. Antes, a cooperativa converte-se num instrumento de obtenção de lucro dos e para os associados. Existe uma relação diretamente proporcional entre a participação dos associados nas atividades da cooperativa e o funcionamento desta, sobretudo porque ela não pode manter uma existência independente das atividades de seus associados (Rios, 1989).
Ao considerar o modo como se desenrola o processo de tomada de decisões, as organizações cooperativas diferenciam-se das demais organizações empresariais tradicionais, sobretudo no tocante aos papéis assumidos pelos atores aí envolvidos. Assim, enquanto nas empresas tradicionais há duas classes distintas uns que detêm os meios de produção e, conseqüentemente, o controle e o poder de decisões, e os que vendem a sua força de trabalho - com papéis claramente definidos quanto à posição que ocupam no sistema produtivo, nas organizações cooperativas os associados são, ao mesmo tempo, proprietários, trabalhadores/fornecedores, ou seja, simultaneamente eles assumem os papéis de donos e trabalhadores, devendo ser participantes na tomada de decisões e fiscais na sua aplicação. Essa situação conduz, muitas vezes, a um conflito de papel por parte dos associados, que não conseguem lidar com isso. Assim, Albuquerque, Clemente & Menezes (1996) colocam que esse conflito de papel dá origem a uma espécie de divisão social de trabalho entre os associados, de sorte que uns poucos deles assumem o papel de "donos da cooperativa", e a grande maioria, de trabalhadores ou fornecedores, o que se contrapõe aos princípios doutrinários do cooperativismo. A presença desse conflito de papéis não é em si mesma algo prejudicial, quando manejado de forma adequada pelos associados e pela diretoria da cooperativa. Contudo, raramente observa-se isso, uma vez que, desde a sua formação, a cooperativa serve muito mais a interesses particulares do que coletivos. Nesses casos, o conflito de papéis apenas vem se somar a outros fatores, que serão abordados adiante, que resultam no fracasso da cooperativa.
Como empreendimento comercial, as cooperativas têm que ser eficientes como uma organização empresarial tradicional para conseguir manter-se por seus próprios meios, sem, contudo, negligenciar seus objetivos sociais. É evidente que isso requer que sejam utilizadas e implementadas as mais modernas técnicas de administração e gerenciamento o que, por sua vez, vai demandar capacitação - que se traduz na especialização e na qualificação - dos associados e dirigentes. O aspecto central da questão é que elas devem ser competitivas como uma empresa tradicional, sem contudo, perder de vista os seus objetivos sociais.
1.2 Aspectos psicossociais determinantes do êxito ou fracasso da cooperativa
Em estudos recentes, Albuquerque (1994 e 1997) e Albuquerque & Mascareño (2001) têm chamado atenção para algumas variáveis psicossociais que podem influenciar de modo decisivo o desenvolvimento posterior das cooperativas, constituindo-se, assim, em indicadores do seu êxito ou fracasso. Nesse sentido, Albuquerque pondera que, desde sua gênese, a cooperativa já sinaliza sua possibilidade de êxito ou de fracasso nos seus empreendimentos, haja vista que o modo como as cooperativas são criadas repercute decisivamente sobre o comprometimento dos associados para com as atividades da organização. Assim sendo, a criação de cooperativas a partir de influências externas favorece a percepção delas por parte dos associados muito mais como ajuda do governo do que como ajuda mútua e esforço individual em prol da coletividade. Nesse caso, desde muito cedo cria-se uma relação de acomodação entre os associados e o governo, e nessa relação a cooperativa acaba transformando-se num instrumento de manipulação política e financeira de grupos externos e/ou internos da cooperativa.
Um outro fator decisivo no êxito ou fracasso da cooperativa é a coesão grupal, que deve estar sedimentada nos objetivos da cooperativa e no comprometimento dos membros com as atividades da organização. Nesse sentido, os indicadores que melhor podem determinar uma relação de sucesso para a cooperativa são aqueles que indicam haver um forte comprometimento dos associados, fundamentado na defesa dos seus interesses profissionais. Este interesse deve ser demarcado de tal sorte que os resultados a serem obtidos pelos associados dependam antes da cooperativa que dos indivíduos, e que os beneficios individuais se dêem através da organização cooperativa. A cooperativa deve ser percebida pelos associados como um meio político e ideológico para alcançar determinados fins, o que de uma maneira individual seria muito mais desgastante. Entretanto, é imprescindível que os associados tenham investido algo seu como bens, capital ou trabalho para a cooperativa, gerando um clima de comprometimento organizacional.
A legitimação do poder é outro aspecto decisivo para o desenvolvimento da cooperativa, uma vez que está diretamente relacionada com o sentimento de participação que o associado se atribui. Assim, quanto mais representado o associado se sente pela diretoria, maior será a sua participação e comprometimento com as atividades da cooperativa. O contrário também é verdadeiro, quanto menos se sentir representado pela diretoria, menor será a participação e comprometimento do associado com as atividades da cooperativa (Albuquerque & Mascareño, 2001).
Albuquerque (1997) ainda aponta o tipo de atividade produtiva como um indicador do êxito ou fracasso da cooperativa. Nesse sentido, assinala que as cooperativas de serviço tendem mais ao êxito do que as de transformação. Por outro lado, as cooperativas de transformação apresentam uma tendência maior ao êxito que as de produção. Essa relação entre o tipo de atividade produtiva e o êxito ou fracasso da cooperativa está vinculada a dois fatores, o valor agregado ao produto e a necessidade de integração entre os associados ao produzir. Assim, observa-se que há uma relação diretamente proporcional entre o tipo de atividade produtiva e o êxito da cooperativa, ou seja, quanto menor o valor agregado ao produto, como é caso das cooperativas de produção agrícola, menor é a probabilidade de êxito da cooperativa. Por outro lado, no aspecto tocante à integração dos associados para produzir, verifica-se que, ao contrário do que comumente acreditam as pessoas, há uma relação inversamente proporcional entre a integração dos associados e o êxito da cooperativa. Ou seja, quanto maior a necessidade de integração entre os associados ao produzir, menor será a probabilidade de êxito da cooperativa. E óbvio que isso vem de encontro, até mesmo, à própria doutrina cooperativista, uma vez que postula que a organização cooperativa deve estar fundamentada na integração, na união, na solidariedade do trabalho coletivo dos associados. Aqui se chama atenção para o fato de que a defesa da criação de cooperativas como suporte para o desenvolvimento econômico e social é feita unicamente sob essa base ideológica do cooperativismo.
Quando da formação de cooperativas, esses aspectos psicossociais precisam ser levados em consideração, posto que sua não observância, freqüentemente, tem conduzido ao fracasso destas organizações.
Em suma, diante do que foi exposto até o momento podese afirmar que, do ponto de vista estrutural, as organizações cooperativas demonstram grande fragilidade ao serem viabilizadas na prática.
A grande indagação que se apresenta aqui é: por que os organismos governamentais e não-governamentais continuam incentivando e fomentando a criação de cooperativas apesar das dificuldades na implementação destas organizações?
Uma possível explicação é a influência da variável semântica da palavra cooperativismo, haja vista que, conforme dito anteriormente, a ela se agregam valores positivos, tão defendidos pelas nossas instituições socializadoras. Aqui, levanta-se a suposição de que existe, portanto, um valor cultural sobre a palavra cooperativismo que facilmente é extrapolado para o incentivo à criação de cooperativas.
Nesse sentido, foi realizada pesquisa para verificar a hipótese de que a crença, amplamente compartilhada pelo senso comum, de que é no cooperativismo onde estão as grandes soluções dos problemas socioeconômicos do mundo, na realidade é sustentada muito mais pelo aspecto semântico da palavra do que pela viabilidade, em termos práticos, do desenvolvimento eficiente das organizações cooperativas. Por isto, o conhecimento sobre as crenças dos técnicos e dos sócios envolvidos no processo de fomento e criação de cooperativas é de fundamental importância para verificar a validade dessa hipótese.
Para isso, foram entrevistados 11 técnicos de três organismos governamentais, do Projeto Cooperar, do Banco do Nordeste do Brasil (BNB) e do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), que fomentam a criação de cooperativas agrárias no Estado da Paraíba, além de 80 sócios de quatro cooperativas agrárias sediadas no Estado da Paraíba no período de agosto de 1998 a agosto de 1999. Os dados foram coletados através de entrevistas semi-abertas, que obedeceram a um roteiro previamente elaborado, com questões referentes aos dados sociodemográficos dos técnicos e sócios das cooperativas, e sobre suas crenças acerca das organizações cooperativas. Essas entrevistas foram levadas a cabo nos locais de trabalho dos técnicos e nas residências e/ou locais de trabalho dos sócios das cooperativas.
2. Resultados
Essa pesquisa tratou de verificar a percepção de técnicos vinculados a órgãos governamentais que organizam e implementam cooperativas e sócios de cooperativas sobre estas organizações. Tratou-se das percepções sobre o funcionamento das cooperativas, os motivos de sua criação, as vantagens e desvantagens de participar dessas organizações, ou seja, buscou-se explorar quais os motivos e qual a funcionalidade das cooperativas do ponto de vista dos entrevistados. Em seguida, apresentam-se algumas tabelas que representam as categorias de atribuições que os entrevistados forneceram, iniciando-se pelas que mostram segundo sua ótica as vantagens de pertencer à cooperativa.
Conforme pode ser observado nas tabelas I e mais adiante na tabela II referentes à percepção pelos técnicos e sócios sobre as vantagens que o sistema de cooperativas oferece, nota-se que a principal vantagem apontada está vinculada a um aumento do poder de comercialização dos associados, tanto na compra de insumos agrícolas como na venda dos seus próprios produtos, bem como no que se refere aos aspectos financeiros, como a maior facilidade de empréstimos e como alternativa econômica. Por outro lado, os técnicos mencionam alguns aspectos de caráter propriamente sociais, que fazem parte dos objetivos propostos pela doutrina cooperativista; por sua vez, os sócios são mais pragmáticos e se referem unicamente às vantagens materiais.
No que diz respeito às desvantagens do sistema cooperativista, conforme pode ser verificado na tabela III abaixo, nota-se que a principal desvantagem apontada pelos técnicos pesquisados é a falta de capacitação em vivenciar o cooperativismo de forma plena. Nesse sentido, os técnicos assinalam que é comum, atualmente, observar nas cooperativas a falta de conhecimento técnico-administrativo por parte dos dirigentes, bem como o desconhecimento de direitos e deveres por parte dos associados, e isso tem conduzido a que esse modelo de organização fracasse.
Os técnicos também fazem referência à utilização ou apropriação da cooperativa por parte da diretoria ou de grupos externos (geralmente políticos) para outros fins, que nao sejam os da grande maioria dos associados, como se constituindo uma das desvantagens do sistema de cooperativa. O modo como a cooperativa foi criada ou concebida tem grande influência nesse processo; nessa perspectiva os técnicos pesquisados assinalam que o envolvimento estatal com a criação da cooperativa é um ponto negativo no desenvolvimento do cooperativismo agrário, haja vista que, desde sua origem, a cooperativa já está comprometida com outros interesses exteriores.
Outra desvantagem assinalada pelos técnicos pesquisados foi o fortalecimento da cooperativa em detrimento dos associados. Nesse sentido, assinalam que, às vezes, encontram-se cooperativas agrárias que estão fortemente estabelecidas como empresa, ampliando seu patrimônio interno; contudo, os associados não estão usufruindo as conquistas da cooperativa às quais, por direito, deveriam ter acesso, haja vista que, na realidade, são as conquistas deles mesmos, nas eles acabam ficando à margem do usufruto de seu próprio trabalho. Assim, os técnicos apontam que os fortes deveriam ser os associados e não a cooperativa.
Quanto aos sócios das cooperativas, eles também percebem desvantagens no sistema, conforme pode ser visto na tabela abaixo.
Para os sócios das cooperativas, a falta de investimentos no setor é a grande desvantagem percebida. É possível que esse índice se deva à expectativa dos produtores em receber ofertas de recursos ou crédito sempre que necessitem, porque as linhas de crédito existentes hoje, na sua maioria, contemplam as cooperativas de forma até mais acentuada do que os créditos para os produtores rurais, principalmente nos bancos oficiais. Aproximadamente um quarto das respostas indica que os sócios não percebem desvantagens em pertencer à cooperativa; entretanto, quase 20% deles acusam a falta de comprometimento como um ponto que deveria ser modificado. Além disso, 16% das respostas indicam como desvantagem a ausência de fiscalização, o que pode indicar uma necessidade de apoio diante do descompromisso anteriormente apontado, ou então a própria demonstração desse descompromisso por sua parte, na medida em que ele não assume essa fiscalização.
2.1. Superação das desvantagens do sistema cooperativista
Como forma de superar o despreparo dos dirigentes no gerenciamento da cooperativa, bem como a falta de conhecimento sobre os papéis e funções dos associados, direitos e deveres de cada um, os técnicos pesquisados apontam quase exclusivamente para a necessidade de ser desenvolvido um trabalho de capacitação e treinamento de dirigentes e associados para vivenciarem o cooperativismo de modo integral.
Desatrelar a ação da cooperativa da do Estado também foi apontado como um meio de superar as deficiências do sistema cooperativista, sobretudo no que diz respeito à utilização da cooperativa para fins políticos por parte de grupos ligados ao governo. O acompanhamento sistemático e a fiscalização contínua das atividades da cooperativa por parte dos organismos financiadores também foram citados como forma de coibir a utilização da cooperativa para fins pessoais, por parte da diretoria ou de grupos internos da própria cooperativa. Por outro lado, isso iria possibilitar aos organismos financiadores ter um certo controle sobre a utilização dos recursos investidos na cooperativa.
3. Discussão
Ao considerar os resultados obtidos no aspecto que diz respeito às vantagens do sistema cooperativista, pode-se observar que as vantagens apresentadas pelos técnicos pesquisados, segundo o enfoque a elas atribuído, bem poderiam ser agrupadas em duas únicas categorias, uma que englobaria as características em que os sujeitos enfocam os aspectos socioeconômicos do sistema de cooperativas como vantagens para aqueles que desejam a ele aderir, e outra que englobaria as ligadas aos aspectos ideológicos desse sistema. Isto é possível porque, quando os técnicos fazem referência às vantagens, tais como o aumento do poder de comercialização dos associados, uma alternativa econômica para o pequeno produtor, a melhoria na qualidade de vida, a criação de um sistema de formação de mercado, a facilitação no repasse dos recursos e a isenção de encargos, o enfoque recai sob a viabilidade da melhoria do ponto de vista socioeconômico que o sistema de cooperativa pode oferecer para os associados. Por outro lado, quando os técnicos fazem alusão a vantagens, tais corno urna maior representatividade adquirida pelos. associados através do ingresso na cooperativa, a possibilidade que o sistema cooperativista oferece de atuar em qualquer sistema econômico, a substituição do Estado via cooperativa e o favorecimento do trabalho coletivo, o enfoque recai sob os aspectos ideológicos do sistema de cooperativa.
No que se refere ao aspecto da comercialização, que foi apontado corno urna das principais vantagens do sistema de cooperativa, o que se ressalta é que, considerando que há um maior investimento na produção do que na comercialização dos produtos e que, segundo Albuquerque (2001), são exatamente as cooperativas de produção direta que mais tendem ao fracasso o melhor seria que em vez de investir na produção, devia haver um maior investimento no tocante à comercialização dos produtos, urna vez que a grande problemática da agricultura, para os pequenos produtores, reside muito mais em colocar o produto no mercado do que a realização do processo da produção. Por outro lado, essa também poderia ser uma saída para lidar com o histórico individualismo do produtor rural, pois a produção poderia muito bem ser realizada individualmente por ele e comercializada de forma coletiva, conjuntamente com outros produtores: Seria o caso de pensar, corno sugere Albuquerque (1997), em investir em cooperativas de transformação ou mesmo de comercialização, uma vez que estas têm mais probabilidade de exito do que as cooperativas de produção direta. Ademais, o produtor poderia manter o controle, tanto sobre seu montante de trabalho produzido, corno sobre o dos demais, servindo, assim, corno um fiscal das atividades da sua cooperativa.
Outro fator a ser considerado é que, quando os técnicos assinalam facilitação de recursos como uma vantagem, eles o fazem. muito mais em função da perspectiva dos organismos investidores do que das vantagens para os associados que recebem o financiamento. Nesse sentido, os técnicos dão ênfase muito mais à racionalização do trabalho por parte desses organismos, ou seja, à diminuição do trabalho e dos gastos resultantes da elaboração de contratos individuais, posto que, através da cooperativa, eles podem racionalizar o trabalho preparando apenas um contrato para um único cliente, a cooperativa, que, por sua vez, encarrega-se de repassar os recursos para seus associados. É curioso que o enfoque recaia muito mais sobre o que a concessão de financiamento representa para os organismos investidores do que sobre o ponto de vista de quem está recebendo essa concessão, sobretudo porque esses organismos deveriam estar interessados exatamente na utilização desses recursos por parte de quem os recebe, ou seja, deveriam estar preocupados em saber em que esses recursos serão e/ou estão sendo aplicados. Chama-se atenção aqui para a questão da fiscalização e acompanhamento sistemático das atividades das cooperativas, por parte dos organismos investidores, que os técnicos acreditam ser um aspecto relevante para o desenvolvimento da cooperativa.
A questão da capacitação dos associados, de modo geral, e da junta diretora, em específico, constitui-se um dos aspectos aos quais os técnicos mais atribuem importância, sendo percebidas como um fator decisivo no desenvolvimento da cooperativa. Nessa perspectiva, as cooperativas de êxito são aquelas que possuem, por um lado, em seu quadro funcional, pessoas capacitadas ou preparadas para conduzir o processo de gestão da cooperativa segundo os princípios cooperativistas e, por outro, associados conscientes de seus direitos e deveres para com a cooperativa. Por sua vez, o fracasso da cooperativa é atribuído à falta de capacitação dos dirigentes e dos associados.
Embora a falta de capacitação seja aludida como a principal desvantagem do sistema de cooperativa, comprometendo o seu êxito, consideramos que, na realidade, o fator decisivo no desenvolvimento da cooperativa é a forma corno a ela é concebida, na medida em que, desde da sua gênese, as atividades da cooperativa já estão profundamente comprometidas com os interesses políticos dos grupos que fomentaram a sua criação. Assim sendo, é óbvio que todas as atividades da cooperativa, inclusive sua gestão, bem como a participação e o envolvimento dos associados nessas atividades, não ficam isentos das conseqüências do modo como ela foi concebida. Nessas circunstâncias, observa-se, por exemplo, que a escolha da junta diretora é feita muito mais pelo aspecto carismático dos líderes ou pela sua capacidade de comunicação do que pela competência técnico-administrativa para dirigir a cooperativa. Geralmente escolhe-se para dirigir a cooperativa exatamente a pessoa que intermediou as transações contratuais com o governo. Daí, geram-se todos os problemas administrativos de que se tem conhecimento, inclusive as decisões voltadas para os interesses pessoais dos próprios gestores. Ou, ainda, a apropriação da cooperativa para fins políticos eleitorais por parte dos grupos políticos que fomentaram sua criação, inclusive com o próprio consentimento dos dirigentes. Ademais, a participação e o envolvimento dos associados com as atividades da cooperativa também são afetados, sobretudo porque, quando a cooperativa nasce sob a influência do Estado, conforme dito anteriormente, favorece a percepção da cooperativa muito mais como uma dádiva alheia, e que, por ser alheia, os cooperados não precisam, necessariamente, desprender muito do seu esforço para com a ela. Acrescenta-se a isso o fato de que, freqüentemente, as cooperativas são criadas visando muito mais à obtenção de recursos financeiros por parte de algumas pessoas interessadas na sua criação. Nesses casos, as cooperativas funcionam até enquanto não se esgotam as fontes de recursos. Quando, finalmente, acabam os recursos, as cooperativas vão à falência, passando um longo período de "portas fechadas", necessitando, portanto, de mais recursos para se soerguer novamente.
Posto isso, levanta-se a suposição de que existe uma interrelação entre o modo como a cooperativa foi concebida, a falta de comprometimento dos associados, a falta de capacitação de seus dirigentes e, conseqüentemente, seu mau gerenciamento, e a sua apropriação indevida para servir aos interesses de determinados grupos políticos de fora e/ou dentro dela. Entretanto, essa suposição necessita ser mais aprofundada. Poderia ser o caso de realizar estudo posteriores para verificar se, de fato, existe um continuumque levaria desde a criação da cooperativa sob a influência do Estado, passando pela má administração e pelo baixo comprometimento dos associados, confluindo no fracasso da organização cooperativa.
Amiúde, os técnicos pesquisados defendem a tese de que, mesmo nessas circunstâncias, não se pode afirmar que a cooperativa fracassou, uma vez que ela tem suas fases de oscilações, nas quais, num dado momento, ela atinge o "pico" e, noutro, "desce", sendo que este movimento é considerado por eles como fazendo parte do próprio ciclo de desenvolvimento normal da cooperativa. Assim, na fase de "baixa" a cooperativa permanece num estado de inércia temporária à espera do surgimento de uma liderança que possibilitará a sua ascensão novamente. Convém salientar que o ressurgimento da cooperativa no cenário produtivo apenas é possível com uma nova "injeção" de investimento, sem o qual a nova liderança não consegue colocá-la no mesmo patamar de desenvolvimento conseguido anteriormente. Aqui fica claro que a ineficiência do sistema é escamoteada em argumentos dessa natureza. A cooperativa apenas funciona, bem ou mal, até enquanto existem os recursos; esgotando-se, automaticamente, ela fecha as portas, sendo preciso um novo investimento para fazê-la ressurgir no cenário novamente. Assim, de ciclo em ciclo de investimentos as cooperativas agrícolas vão registrando sua história de ascensão e descenso, que se traduz, em termos práticos, como aparente êxito e real fracasso. A negação da ineficiência do sistema tem sido desastrosa quando se considera o fato de que os recursos que têm sido investidos para tirar as cooperativas do prejuízo estão sendo jogados fora, uma vez que o problema não é necessariamente de ordem econômica, mas sim estrutural.
Outro fator que os técnicos pesquisados superestimam é a gestão da cooperativa, em que se recai a responsabilidade pela consolidação da cooperativa como empresa. Nesse sentido, o desenvolvimento da cooperativa dependerá fundamentalmente da habilidade da diretoria em conduzir o processo administrativo segundo os princípios cooperativistas, o que nem sempre é, de fato, observado em termos práticos. Freqüentemente, observase o despreparo dos dirigentes em lidar não apenas com os problemas administrativos do cotidiano da organização, mas também de estimular a participação de todos no processo decisório da cooperativa, mantendo, portanto, abertas a linhas de comunicação com os associados de modo geral. Assim, comumente ocorre uma centralização do poder por parte da diretoria, que, apropriando-se da cooperativa como se fossem donos, decidem pela maioria dos associados, restando a este apenas o cumprimento das determinações propostas. Por outro lado, os associados, na maioria dos casos, aceitam passivamente até mesmo as decisões arbitrárias da junta diretora.
Ademais, as próprias normas que regulam o funcionamento das cooperativas favorecem essas administrações voltadas para os interesses pessoais de seus administradores. Por exemplo, o dispositivo legal que rege o funcionamento das assembléias deliberativas determina que na primeira convocação a assembléia deverá funcionar com dois terços da totalidade dos associados; na segunda, poderá funcionar com a metade mais um e, finalmente, na terceira, acima de dez sócios, é utilizado de modo a favorecer as decisões arbitrárias da diretoria, que são aprovadas, exatamente na terceira convocação, donde se aprova tudo quanto se queira aprovar. Para todos os efeitos a junta diretora está agindo legalmente, embora esteja, do ponto de vista ético ou moral, agindo de má-fé. É exatamente aí que reside o peso maior da falta de capacitação dos associados, do desconhecimento dos direitos que lhes cabe no processo decisório da cooperativa. Ora, como se pode exigir um direito do qual não se tem conhecimento? Ademais, como pode o associado se perceber como possuidor de direito sobre algo que lhe é alheio, a cooperativa? Muito oportuno seria se o Congresso Nacional introduzisse uma modificação na legislação obrigando pelo menos 30% dos sócios a comporem o quórum mínimo das assembléias cooperativistas. Isto, por si só, mudaria em muito a dinâmica estabelecida na atual prática cooperativista.
Sobre o processo de criação das cooperativas, os técnicos corroboram a suposição de que o desenvolvimento da cooperativa vai depender do modo como ela foi implantada. Nesse sentido, os técnicos assinalam que as cooperativas que fracassam são exatamente aquelas que foram criadas a partir da influência estatal, com a qual mantêm um forte vínculo de dependência, na medida em que sua ação está condicionada à do Estado.
Por outro lado, as cooperativas que surgem como resultado de um amplo processo de mobilização e discussão dos associados são aquelas que sugerem maiores probabilidades de obter êxito em seus empreendimentos, sobretudo porque isso vai favorecer o desenvolvimento do sentimento de pertença à cooperativa. Evidentemente, essa discussão não se restringe apenas à viabilidade da criação da cooperativa, mas passa também, necessariamente, pelo planejamento prévio das atividades a serem desenvolvidas, pelo estabelecimento dos objetivos e metas propostas a serem atingidas, pela definição do tipo de atividade produtiva, pela viabilidade da produção e da comercialização dos produtos, bem como pelo esclarecimento do funcionamento do sistema para os pretensos associados, entre outros aspectos que precisam ser amplamente discutidos. Nestas circunstâncias, é óbvio que a probabilidade de êxito da cooperativa é bem maior do que quando não ocorre esse processo de discussão prévia entre os associados, como é o caso das cooperativas que são criadas sob a influência da ação estatal.
Ademais, os técnicos questionam o atrelamento do Estado à cooperativa, enfatizando a necessidade da ruptura dessa relação, ou seja, de tornar a ação da cooperativa independente da do Estado. Ainda porque essa relação de dependência vem de encontro ao próprio princípio de autonomia da cooperativa. Todavia; do ponto de vista jurídico, quando o Congresso Constituinte instituiu a lei que regulamenta o cooperativismo no País e formou o Conselho Nacional de Cooperativismo, o atrelamento entre o Estado e a cooperativa foi legalizado. O impasse dessa questão reside no fato de que a instituição dessa relação de tutela do Estado diante das cooperativas ficou restrita muito mais à apropriação da cooperativa para os atender interesses dos grupos políticos que estão no poder, mas não ocorreu em termos da realização da fiscalização e do acompanhamento das atividades das cooperativas, por parte dos organismos estatais, o que, de fato, deveria ter ocorrido. Contudo, considerando que o processo de fiscalização e acompanhamento sistemático das cooperativas, por parte dos organismos estatais que fomentaram a sua criação, objetiva, primordialmente, a coibição da utilização da cooperativa para outros fins que não os propostos originalmente no projeto da cooperativa quando da sua criação, pergunta-se como isso é possível quando, na realidade, é exatamente o próprio Estado que mais tem utilizado indevidamente a cooperativa para fins políticos eleitorais, que, freqüentemente, têm contribuído para o fracasso das organizações cooperativas? Paradoxalmente, nos casos em que ocorre o desvio dos recursos financeiros concedidos à cooperativa, que são utilizados para outros fins, ainda diante da comprovação do fato, os organismos financiadores não podem intervir, pois a própria Constituição brasileira garante a autonomia das cooperativas2. Desse modo, as organizações cooperativas ficam à mercê do jogo de interesses, de "segundas intenções", tanto por parte de grupos exteriores a ela, quanto por parte de pessoas de dentro da própria cooperativa, quando, na realidade, são exatamente os associados que deverão arcar com os ônus do fracasso da cooperativa.
Finalmente, resta saber como é possível a cooperativa ficar isenta da influência da ação estatal, quando é concebida e gerada sob a égide do Estado? Os técnicos não fornecem nenhuma pista que indique alguma direção a ser tomada nesse sentido, apenas enfatizam a necessidade de desatrelar a ação da cooperativa da do Estado. Todavia, como agentes de difusão da ideologia e dos interesses estatais, os técnicos pesquisados não questionam sua própria prática, tão congruente com os aspectos que eles mesmos criticam. Sendo assim, o escrutínio dos técnicos deveria voltarse, antes de tudo, para sua própria prática histórica que, por atuar em conformidade com os interesses estatais, ao criticarem o Estado, está criticando a si, conseqüentemente, a necessidade de mudança recai exatamente sobre eles mesmos.
4. Conclusão
Pelo exposto, conclui-se que, pelo modo como estão estruturadas as organizações cooperativas agrárias, o sistema não consegue se desenvolver de modo a consolidar-se em termos práticos, a partir da efetivação de suas metas e objetivos socioeconômicos e mesmo ideológicos. Nesse sentido, a partir da análise dos fatores que os técnicos apontam como influenciando o desenvolvimento da cooperativa, pode-se afirmar que eles não desconhecem os impasses na concretização do ideário subjacente às organizações cooperativas, cuja problemática está presente desde a gênese da cooperativa, quando surge a partir da influência do Estado, sob a justificativa social de estimular o desenvolvimento econômico e social das zonas rurais. Todavia, a defesa das organizações cooperativas agrárias, como instrumento de desenvolvimento socioeconômico, pelos organismos estatais através de seus agentes, recai exatamente sobre os aspectos ideológicos do cooperativismo, quando prega a integralização do trabalho coletivo, a representatividade dos associados, a autogestão dos meios de produção coletiva, etc.
Por outro lado, quando se considera que nem mesmo nos aspectos de natureza prática, que são perfeitamente viáveis, tais como aumentar o poder de barganha dos associados, trazer melhorias sociais e econômicas para os associados, etc., a cooperativa tem conseguido atingir suas metas e objetivos propostos, o que dizer dos aspectos de natureza mais ideológica, que foram apresentados pelos técnicos pesquisados, como, por exemplo, a substituição do Estado via cooperativa? Isso seria a utopia plasmada em forma de organização.
As organizações cooperativas agrárias, mas não apenas elas, estão mergulhadas num universo de representações simbólicas positivas, cujo conteúdo ideológico marcante, na realidade, é insustentável em termos práticos e, daí, não consegue transpor as próprias limitações dos seus valores apregoados.
Referências
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1 Pesquisa financiada pelo CNPq.
2 Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, Ministério da Educação, Art. 5º, XVIII.