SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.6 issue1Theoretical and methodological advances in research on judgment and product meaning in BrazilConsumer satisfaction: instrument validation studies to the brazilian tourism author indexsubject indexarticles search
Home Pagealphabetic serial listing  

Services on Demand

article

Indicators

Share


Revista Psicologia Organizações e Trabalho

On-line version ISSN 1984-6657

Rev. Psicol., Organ. Trab. vol.6 no.1 Florianópolis June 2006

 

ARTIGOS

 

A abordagem multi-metodológica em comportamento do consumidor: dois programas de pesquisa na oferta de serviços1

 

The multi-methodological approach to consumer behavior: two research projects on services

 

 

Fabio IglesiasI; Solange AlfinitoII

IM.Sc. Doutorando, Universidade de Brasília, Instituto de Psicologia, Departamento de Psicologia Social e do Trabalho (fabiglesias@gmail.com)
IIM.Sc. Doutoranda, Universidade de Brasília, Instituto de Psicologia, Departamento de Psicologia Social e do Trabalho (salfinito@unb.br)

 

 


RESUMO

Estudos sobre o comportamento de consumidores cada vez mais exigem abordagens investigativas que incluam métodos e técnicas diferenciadas, considerando-se a complexidade dos fenômenos envolvidos e dos ambientes de consumo. A abordagem multimetodológica (AMM) parte do princípio de que não existe um método específico que seja mais apropriado, mas que todos os métodos têm falhas e vantagens que podem ser compensadas e reunidas num mesmo programa de pesquisa. Este artigo apresenta os fundamentos da AMM e suas possibilidades no estudo do comportamento do consumidor na psicologia. Como aplicaçôes da AMM, são apresentados os resultados de dois objetos de pesquisa que têm sido sistematicamente investigados pelos autores no contexto da oferta de serviços: filas de espera para atendimento e instituiçôes de ensino superior. Finalmente, são discutidos os prós e contras dessa abordagem em função de diversos critérios para a condução de pesquisas em comportamento do consumidor.

Palavras-chave: multimetodologia; comportamento do consumidor; fila de espera; ensino superior.


ABSTRACT

Consumer behavior research requires more investigation approaches that include mixed methods and techniques, considering the complexity of phenomena involved and consuming environments. The multi-method approach (MMA) is based on the argument that there is no single more appropriate method. Every method carries weaknesses and limitations which can be overcome within the same investigation. This article presents the essential promise of MMA and its focus on consumer behavior. The results of two research objects are presented as empirical MMA applications that have been systematically investigated by the authors in the services supply sectors: waiting lines and higher education. Finally the costs and benefits ofthis approach are considered against several criteria in conducting consumer behavior research.

Keywords: multi-method; consumer behavior; waiting lines; higher education.


 

 

1. Introdução

O cenário de estudos sobre o comportamento humano justifica uma preocupação em expandir as perspectivas metodológicas dessa área, em direção a pesquisas que não se baseiem somente na premissa de métodos específicos. Ainda que não seja dominante, essa tem sido uma tendência crescente nas ciências sociais e humanas, encontrando seu reflexo na psicologia e nas pesquisas sobre comportamento do consumidor.

A abordagem multimetodológica (AMM) parte do princípio de que não existe um método específico que seja mais apropriado, e sim que todos os métodos têm falhas e vantagens que podem ser compensadas ou reunidas num mesmo prograaa de pesquisa. No prefácio do Handbook of Mixed Methods in Social and Behavioral Research, os editores chamam de "terceiro movimento metodológico" o esforço de se usarem métodos combinados de pesquisa. Surge, portanto, como resultado das controvérsias envolvidas entre os dois movimentos anteriores - a pesquisa quantitativa, que dominou a maior parte do século XX, e a reação de foco qualitativo, característica das duas últimas décadas (Tashakkori e Teddlie, 2003). Para Waszak e Sines (2003) -, esse esforço multimetodológico que já pode ser considerado essencial em certos programas de pesquisa típicos da área de educação e saúde, tendo se desenvolvido de forma mais natural na psicologia clínica e na psicologia inter-cultural.

Na AMM, o objeto de investigação é o principal determinante dos métodos a serem utilizados pelo pesquisador, como alternativa às abordagens que procuram selecionar objetos ou facetas de um objeto a partir do domínio de um método específico. Além das limitações a que estão sujeitas, as abordagens unimetodológicas podem incorrer no risco de ter seus dados ajustados em função do métron desejado. O foco predominante da AMM é a solução de problemas práticos da pesquisa, dispensando as polêmicas envolvidas no elenco de uma única teoria ou método absolutamente adequado.

Moran-Ellis et al. (2006) apontaram que as principais justificativas elencadas para os pesquisadores usarem a AMM incluem o aumento da precisão e do nível de confiança nos resultados, a geração de conhecimento novo pela síntese de resultados oriundos de várias abordagens e a concatenação de múltiplas construções de um mesmo fenômeno. Além disso, maximiza as possibilidades de reflexão sobre a complexidade e a ontologia multifacetada de um fenômeno, bem como a implementação lógica de uma abordagem teórica. Nesse sentido, a AMM assume uma visão gestáltica, buscando um tipo de análise que não poderia ser reduzido ao mero acúmulo de conhecimento gerado por abordagens unimetodológicas independentes.

Os trabalhos com orientação multimetodológica também são encontrados sob termos diversos, como triangulação, integração e combinação de métodos, mas eles podem ter significados distintos. Triangulação pode ser tratada como estratégia para cruzar dados e lidar com ameaças à validade, principalmente no contexto da pesquisa qualitativa (Fielding e Fielding, 1986; Maxwell, 1998). Para Moran-Ellis et al. (2006), no entanto, a triangulação incorpora preocupações epistemológicas que não se verificam na simples integração de determinados métodos de uma pesquisa, pois essa última se refere apenas ao esforço de unificar elementos que são diferentes em sua natureza. Já a combinação seria um mero acréscimo de novos métodos, como peças adjuntas ou etapas para a aquisição de uma forma final de coleta e análise. Neste artigo, cabe justificar, não se faz qualquer distinção conceitual entre esses termos, tratando a AMM como uma proposta científica que pode ser operacionalizada de diferentes formas. Aqui, a proposta se fundamenta mais pelo argumento defendido por Feyerabend (1975) na filosofia da ciência e enfatizado por Foxall (1997) no comportamento do consumidor, para os quais o progresso científico requer diversidade teórico-metodológica e constantes disputas entre explicações contrastantes.

No contexto da integração entre pesquisas qualitativas e quantitativas, Denzin (1978) propôs uma distinção entre quatros grandes tipos de triangulação: a triangulação de dados, na qual se usam diferentes fontes de dados em um mesmo estudo, inclusive dados secundários; a triangulação de pesquisadores de diferentes áreas para a coleta e interpretação de dados; a triangulação teórica, em que são usadas diferentes teorias para se interpretarem os mesmos dados levantados; e, a triangulação metodológica, com o uso de diferentes métodos e técnicas para se estudar um mesmo fenômeno. Em todos os casos, a idéia de triangulação tende a se apoiar no pressuposto de uma maior e melhor validação dos resultados e na estabilidade das observações. Porém, na perspectiva das pesquisas de cunho mais qualitativo, a triangulação é usada para conferir também maior rigor, amplitude e aprofundamento da investigação (Flick, 1992).

Após uma breve apresentação da temática multimetodológica no estudo do comportamento do consumidor, serão apresentados os dois programas de pesquisa conduzidos pelos autores na área de oferta de serviços. Finalmente, serão apresentadas algumas considerações sobre a AMM, suas vantagens e desvantagens, levando-se em conta o cenário atual de pesquisa no contexto brasileiro.

 

2. A AMM no contexto dos estudos sobre comportamento do consumidor

A psicologia representa apenas parte da literatura sobre estudos do comportamento do consumidor. Pesquisas de natureza sociológica, econômica e antropológica, considerando-se ainda os estudos de marketing, administração e publicidade, também têm se dedicado a esse objeto. No caso das ciências sociais, elas possuem uma abertura multimetodológica mais antiga e bastante característica, de origem pragmatista (Maxcy, 2003). Mas as discussões sobre multimetodologia não são freqúentes ou, muitas vezes, sequer aparecem em livros-texto da área de psicologia aplicada ao estudo do comportamento do consumidor (cE. Arnould, Price e Zinkhan, 2003; Statt, 1997).

Foxall (1997) é um dos que têm adotado sistematicamente a AMM no estudo do comportamento do consumidor. Seu modelo, na perspectiva comportamental, supõe que diferentes fenômenos envolvidos no consumo sejam abordados por diferentes métodos, como forma de promover uma diversidade epistemológica. O autor mostra como os estudos de comportamento do consumidor têm sido dominados por uma orientação sociocognitiva, com aparato metodológico específico, enquanto outras abordagens, como a análise experimental do comportamento, têm uma tradição de pesquisa e um aparato conceitual que podem contribuir para as investigações voltadas para esse tema. Destaque tem sido dado, por exemplo, à conjunção de pesquisas com base em conceitos mentalistas e intencionais com aquelas que investigam a determinação do comportamento pelas conseqüências ambientais (Foxall, 1999).

No exame de abordagens teórico-metodológicas no estudo do comportamento do consumidor, Hudson e Ozanne (1988) propõem uma diferenciação sumária entre positivismo e interpretativismo, espelhando respectivamente as premissas mais quantitativas e qualitativas das pesquisas. Essas autoras apontam que as pesquisas qualitativas têm ganhado destaque recente na área, como alternativa aos métodos quantitativos tradicionais, mas os pressupostos em que as diferentes abordagens são baseadas diferem filosoficamente em função da concepção de realidade e dos seres sociais estudados. Embora concluam que há incomensurabilidade entre as diferentes abordagens, defendem que elas podem coexistir e ainda podem ser desenvolvidas estratégias de mediar esse diálogo.

No caso deste artigo, os métodos e técnicas utilizados são predominantemente quantitativos e relativamente baseados num mesmo modelo. Dessa maneira, os pressupostos ontológicos, axiológicos e epistemológicos examinados por Hudson e Ozanne (1988) não tendem a ser um obstáculo para a articulação dos resultados encontrados, ainda que autores como Anderson (1986) e Peter e Olson (1983) tenham também apontado problemas de incomensurabilidade, mesmo entre diferentes métodos quantitativos.

 

3. A aplicação da AMM na oferta de serviços

Considerando os fundamentos da AMM e suas possibilidades de aplicação nos estudos sobre comportamento de consumidores, serão descritos, a seguir, de forma sumarizada, os resultados de dois programas de pesquisa conduzidos pelos autores, que têm adotado a multimetodologia como estratégia de investigação. No primeiro caso, têm-se investigado fenômenos relacionados ao comportamento de consumidores em situações de filas de espera, em diversos ambientes de atendimento. No segundo caso, o mercado de ensino superior tem sido o foco, tanto em relação ao perfil dos consumidores quanto às diferentes categorias de IES existentes, bem como o modo como ocorre o processo de aproximação entre o estudante e a IES.

Os estudos que compõem cada um dos dois programas de pesquisa são descritos a seguir, em função de seus objetivos específicos.

3.1 Um programa multimetodológico sobre comportamentos em filas de espera

A fila assume diversos significados em psicologia, seja como configuração espacial distinta (Mann e Taylor, 1969), metáfora para a organização da sociedade (Schwartz, 1978), sistema social (Schmitt, Dubé e Leclerc, 1992), palco de interações sociais (Czwartosz, 1987), instrumento de poder e justiça (Levine, 1997), situação padronizada para comparar culturas (Iglesias e Günther, 2005b; Rafaeli, Barron e Haber, 2002), ou simples ambiente para coleta de dados. No contexto do comportamento do consumidor, no entanto, a fila é vista como uma etapa quase inevitável do consumo de produtos e (ou) serviços, ou do mero transitar no espaço.

Embora haja relatos de que, em certas culturas, aderir e permanecer em uma fila constitui, por si só, uma atração, independentemente de se conhecer o objetivo da fila (Czwartosz, 1988; Ekström, Ekström, Potapova e Shanahan, 2003), ela é, na maioria das vezes, apenas uma etapa intermediária, necessária e desagradável do atendimento (Kostecki, 1996). O tempo investido na fila é, geralmente, encarado como "tempo perdido", interferindo na rotina e ocupando papel secundário na espera por algum objetivo posterior, centro das atenções. A monotonia da espera gera tensão no consumidor, tanto pela possibilidade de escassez do produto e (ou) serviço quando chega sua vez de ser atendido, quanto pelo possível atraso para alguma outra atividade agendada (Bennett, 1998).

O programa de pesquisas multimetodológicas aqui descrito tem investigado fenômenos tradicionalmente estudados pela psicologia social e ambiental, mas pouco estudados no contexto de filas de espera. O planejamento dos estudos procura compor uma "psicologia de ciclo completo" (Cialdini, 1980), estratégia de pesquisa inspirada na tradição dos trabalhos de Kurt Lewin. A pesquisa de ciclo completo, em psicologia social, parte da constatação de fenômenos em sua ocorrência natural e prossegue em um diálogo contínuo entre observações e delineamentos de pesquisa que permitam o isolamento e a manipulação das variáveis estudadas. Desse modo, as pesquisas adotaram métodos e técnicas de entrevista, observação, survey, escala de atitudes e cenários experimentais.

Entrevista

Estudo 1 - Foi investigado por Iglesias et al. (2004a) como consumidores estimam o número de pessoas à frente, já que o tamanho da fila pode ser determinante nas suas intenções de nela entrar ou abandoná-la, bem como na avaliação da qualidade da espera. Verificou-se, portanto, a relação entre a estimativa de 220 consumidores sobre o tamanho da fila e a posição efetivamente ocupada, no contexto de um restaurante universitário de grande movimento. Os consumidores foram entrevistados de 15 em 15 posições na fila, começando pelo 15º. Foi possível verificar que, no início da fila, há uma tendência a superestimar o número de consumidores à sua frente, enquanto, no final da fila, subestima-se esse número. A entrevista, nesse caso, mostrou-se o melhor método, tendo em vista a necessidade de abordar os consumidores in loco e coletar dados diretamente, a partir de suas estimativas verbais. Foram consideradas ainda as vantagens de poder entrevistar os consumidores nas diversas filas que se formavam no ambiente estudado, otimizando-se a coleta e o registro de dados em um mesmo período.

Embora as estimativas de tamanho da fila estejam sujeitas a uma série de fenômenos relacionados à psicologia da percepção, fatores como ansiedade, apinhamento do ambiente e motivação podem ter papel fundamental nesse processo. Os resultados da pesquisa foram interpretados em termos da teoria da dissonância cognitiva (Festinger, 1975). A teoria defende que cognições incongruentes motivam o indivíduo a reduzir a dissonãncia que delas advêm, seja adicionando uma nova cognição, seja modificando uma delas ou finalmente modificando o próprio comportamento. Os erros de estimativa podem ser vistos como estratégias para justificar o comportamento de estar em fila. Assim, os primeiros estariam há mais tempo na fila e precisariam encontrar motivos que fossem coerentes com uma espera longa, tal como acreditar que havia um grande número de pessoas à sua frente, o que funciona como uma explicação lógica para o consumidor. Já os últimos da fila, sabendo que suas chances de obtenção do serviço requerem um longo tempo de espera, precisariam encontrar motivos que justificassem seu comportamento de permanência na fila, acreditando que não havia tantas pessoas à frente e, por isso. conseguiriam ser atendidos.

Estudo 2 - Um segundo estudo foi planejado para investigar a existência dessas mesmas tendências em relação à estimativa de tempo de espera na fila (Iglesias et al., 2004b), com 192 consumidores no mesmo ambiente de consumo do Estudo 1. Neste caso, os resultados mostraram que os consulnidores tendem a superestimar o tempo de espera em vários minutos ao longo de toda a fila, independentemente de a posição por eles ocupada estar mais próxima do início ou do final. A análise dos resultados sugere que os consumidores adotam uma postura pessimista em situações de espera por atendimento, já que a fila representa um longo "tempo perdido", a despeito de ter um andamento mais veloz ou um tamanho menor do que o estimado. Do ponto de vista teórico e metodológico, trata-se de uma contribuição aos estudos sobre estimativas de tempo de espera em consumo, que geralmente são baseados em surveys e outras medidas que não avaliam in loco a relação da duração real com a estimada, bem como o efeito de características do ambiente.

Observação

Estudo 3 - Este estudo (Iglesias, 2005) teve por objetivo investigar as estratégias utilizadas por intrusos para se posicionarem ilegitimamente numa fila, pois o desrespeito à ordem de atendimento é freqüente motivo de reclamação e má avaliação da qualidade em diversos tipos de serviço (Kostecki, 1996). Empregou-se uma técnica de observação direta do comportamento, com um registro por amostragem de eventos. Foram gravadas em vídeo 57 intrusões, ocorridas naturalmente, tendo o pesquisador se posicionado à distância, de maneira não obstrutiva no momento do registro. Após a filmagem, os dados foram analisados, a fim de se elaborar um sistema de categorias para registro dos eventos e comportamentos envolvidos, não havendo, na literatura, o relato de instrumento semelhante.

Foi possível verificar que as intrusões ocorreram, em sua maioria, nas posições próximas ao início ou no meio da fila e foram freqüentemente facilitadas por outros consumidores já posicionados, por meio de cumprimentos ou simulação de pedidos de informação. Por outro lado, muitos intrusos utilizam estratégias de entrar na fila enquanto falam no celular ou manuseiam objetos, para simular distração ou estarem ocupados. Os resultados ilustram a dificuldade gerencial de se prevenirem essas situações. A ação do intruso pode permanecer ambígua, tanto para funcionários quanto para os consumidores, que podem ter receio de reclamar com, alguém que poderia estar realmente apenas pedindo uma informação, acompanhando alguém já posicionado ou desorientado sobre o início da fila. Uma das razões para intrusos obterem êxíto pode se dever justamente a fenômenos relacionados à identificação de normas pelos consumidores vitimados, tais como difusão da responsabilidade e ignorância pluralística, descritos nó estudo a seguir.

Survey

Eatudo 4 - Um outro estudo (Iglesias, Barbosa, Sousa e Günther, 2004) foi planejado para investigar a ambigüidade das situações anteriormente descritas no Estudo 2, no qual se verificou uma alta freqüência de intrusões. Utilizando um survey com questões relacionadas ao incômodo com intrusos, 300 consumidores foram abordados ainda no mesmo ambiente, a fim de se verificar a hipótese da ignorância pluralística (Prentice e Miller, 1993). Ignorância pluralística é definida como a situação em que quase todos os componentes de um grupo rejeitam privadamente uma norma social, mas acreditam que a maioría dos outros a aceita. Embora consumidores se incomodem com a ação de um intruso, muitos inferem que ninguém se incomoda realmente, pela ausência de reações visíveis nos outros.

Os resultados mostraram que o incômodo pessoal relatado pelos consumidores em situações de intrusão foi significativamente maior do que o incômodo que eles mesmos estimam nos outros consumidores, reforçando a hipótese da ignorância pluralística sustentada por Prentice e Miller (1993). Os consumidores demoram a reagir em função da ambigüidade do intruso e inferem que a apatia dos outros se deve à ausência de incômodo com a situação, enquanto sua própria apatia se deve ao medo de causar embaraço social, tal como nos estudos sobre situações emergenciais. O intruso acaba obtendo sucesso e interferindo na própria qualidade do atendimento.

Escala de atitudes

Estudo 5 - Este estudo (Iglesias et al., 2006a) foi planejado para examinar as variadas fontes de incômodo experienciadas por consumidores em fila, além daquelas relatadas no Estudo 4 e posteriormente examinadas no Estudo 6. Grupos focais preliminares e questões dos estudos anteriores foram empregados para a elaboração de uma escala de atitudes com 20 itens em sua versão final. A literatura de marketing dispõe de diversos instrumentos que visam a investigar a satisfação de consumidores com serviços, atendentes e o ambiente de atendimento, mas não parece haver qualquer instrumento psicológico inteiramente focado no problema das filas e que possa identificar dimensões subjacentes ao comportamento de consumidores nessas situações.

A escala foi respondida por 302 consumidores em diversos locais da Cidade de Brasília e cidades satélites, buscando-se validá-la por procedimentos de análise fatorial, que revelaram bons índices psicométricos e a existência de 3 fatores. O componente 1, chamado de "ordem de atendimento: normas e prioridade", foi responsável por 24,6% da variância explicada, com um alfa de 0,75. O componente 2, chamado de "informações sobre a espera", incluiu 4 itens e foi responsável por 9,5% da variância, com um alfa de 0,73. O componente 3, chamado de "configuração espacial: interação e formato" incluiu 6 itens e foi responsável por 7,35% da variância, com um alfa de 0,70. A fidedignidade total da escala foi de 0,85. Os resultados da amostra pesquisada revelaram diferenças significativas na avaliação dos 3 componentes, indicando o segundo (informações sobre a espera) como a maior fonte de incômodo, seguido do componente 1 (ordem de atendimento) e do componente 3 (configuração espacial).

O maior escore de incômodo para o componente 2 mostra a importância de se obter e prover informações sobre o tempo e a posição na espera, o que pode ser mais crucial que a ocorrência de intrusões ou outras variáveis ambientais. Além de permitir a validação de um instrumento preliminar não-contextualizado, que pode ser útil em diversos ambientes, o estudo indicou as prioridades gerenciais a serem conduzidas no contexto de atendimento por filas.

Cenários experimentais

Estudo 6 - Neste estudo, foram elaborados cenários experimentais de situações em filas de espera (Iglesias et al, 2006b), dando continuidade à investigação de intrusões e incluindo problemas relacionados à atribuição de responsabilidade pela demora, características sociodemográficas e diferenças entre ambientes burocráticos e de lazer. Cenários experimentais são simulações com texto, foto ou vídeo de situações do mundo real, que permitem a manipulação de algumas variáveis de dificil controle nos experimentos de campo. Participaram da pesquisa 130 consumidores, com idade média de 25 anos, divididos em duas condições experimentais: a) cenário de uma fila de espera numa agência bancária (ambiente burocrático); b) cenário de uma fila de espera em um cinema (ambiente de lazer). Com a ajuda do desenho esquemático de uma fila única com 10 consumidores e 3 guichês de atendimento, os cenários descreveram a situação em que o respondente deveria se imaginar na 5ª posição, presenciando a ação de um intruso no início da fila.

Os dados deste estudo revelaram que a reação estimada nos outros consumidores para o ambiente burocrático foi significativamente maior do que no ambiente de lazer, sugerindo o efeito do controle percebido do consumidor sobre a permanência na fila, como se verifica em diversos estudos sobre fatores ambientais que provocam stress. A atribuição de responsabilidade aos funcionários foi significativamente maior do que a atribuição aos próprios consumidores, independentemente do cenário utilizado, contrariando a típica visão gerencial de que as próprias pessoas na fila é que devem resolver os problemas de intrusão. Verificou-se ainda que os consumidores de classes socioeconômicas mais baixas relataram menores reações, reforçando a imagem de que são mais submetidas a situações de espera do que aqueles consumidores de maior renda.

3.2 Um programa multimetodológico sobre ensino superior

Desde os anos 1990, estudos desenvolvidos na Europa já têm considerado o estudante de ensino superior como um consumidor, e o mercado de educação superior tem sido reconhecido como bastante heterogêneo (Tonks e Farr, 1995). No Brasil, o crescente número de novas instituições de ensino superior (IES) e de pessoas que buscam uma formação superior também têm sido objeto de preocupação. Ainda não é possível identificar se a expansão do mercado educacional superior tem comprometido a qualidade de ensino ou mesmo se os serviços têm sido ofertados da maneira mais adequada aos anseios do consumidor de educação superior. Pouco se conhece sobre os diferenciados perfis dos estudantes, bem como sobre as características existentes em cada IES, de modo que entender melhor esse mercado é tarefa fundamental. Sob uma AMM, os resultados das pesquisas podem ser promissores, considerando a visão sistêmica do objeto que essa abordagem proporciona.

As investigações apresentadas a seguir tiveram o objetivo de analisar as relações entre estudantes e IES. Para isso, foram desenvolvidos estudos sobre o processo de escolha de uma IES, um exame dos diversos perfis de estudantes e, ainda, a proposta de uma categorização das instituições existentes no mercado brasileiro. Seguindo as premissas da AMM, cada uma dessas investigações fez uso de métodos e técnicas diferenciadas, tendo se baseado em experimentos, escala de atitudes, entrevistas e pesquisa com dados secundários.

Experimentos

Estudo 1 - Com enfoque em marketing e microeconomia, o primeiro estudo desenvolvido objetivou compreender como o estudante escolhe a IES onde gostaria de estudar (Alfinito, 2002; Alfinito e Granemann, 2003, 2004). Existem diferenças relevantes entre a IES ideal (onde o estudante gostaria de estudar) e a IES real (onde ele pode estudar). Conhecer as preferências dos estudantes significa conhecer as características da demanda do consumidor desse tipo de serviço, que está inserido em um mercado que sofreu acentuada expansão em todo o Brasil e ainda não atingiu um momento de equilíbrio. Para isso, foram estruturados dois experimentos baseados em técnicas de preferência declarada (PD).

As técnicas de PD são freqüentemente utilizadas em marketing e logística, visando a identificar o nível de utilidade do consumidor - ou seja, o grau de bem estar ou satisfação que um consumidor ou um grupo de consumidores atribuem aos bens ou serviços que podem adquirir no mercado, de acordo com suas circunstâncias (Mankiw, 1998) - em relação ao produto ou serviço testado (Camargo, Gonçalves e Lima, 2000; Cooper e Schmdler, 2000; Gustafsson, Ekdahl e Bergman, 1999; Malhotra, 2001; Sheldon, 1991). Sob um delineamento experimental, são utilizados, com os entrevistados, cartões de preferência, com situações hipotéticas, porém possíveis de ocorrer no mundo real (Novaes, 1995). Adicionalmente, trata-se de um modelo baseado na teoria econômica do consumidor, que permite a associação entre o conjunto de necessidades do indivíduo, possibilitando que se identifiquem, ao mesmo tempo, diversos aspectos que influenciam a sua tomada de decisão (Senna, Lindau e Azambuja, 1995). Assim, o indivíduo é orientado por uma função de utilidade, que define seus níveis de satisfação, dentro das limitações dos meios de que dispõe.

O caso específico analisado permitiu identificar que características ou atributos uma IES deve apresentar para atender aos anseios dos estudantes, além de atrair potenciais estudantes. Ou seja, verificar como os estudantes escolhem uma IES. Para o processo de avaliação da escolha por meio de PD, foram desenvolvidos dois experimentos, cada um com três atributos. O experimento A avaliou os atributos com características tangíveis ou utilitárias: infra-estrutura, cursos ofertados (por grandes áreas de conhecimento) e turnos de funcionamento. Já o experimento B avaliou os atributos com características intangíveis ou simbólicas, que foram: tradição, conceito do Ministério da Educação - MEC (com base no antigo Exame Nacional de Cursos - "Provão") e segurança no campus. Um quarto parâmetro, o valor da mensalidade, fez parte dos dois experimentos, servindo de conexão entre eles na determinação da utilidade global do estudo. Para cada atributo foram delineados três níveis de características, exceto o valor da mensalidade, que contou com seis níveis, aplicados de acordo com a composição dos níveis dos três primeiros atributos de cada alternativa.

A técnica permitiu que fossem criados 36 cenários para cada experimento, representados por nove diferentes blocos de alternativas de escolha de serviços fornecidos por uma IES, obedecendo aos arranjos ortogonais com probabilidade condicional, compostos em blocos incompletos parcialmente balanceados, como sugerido por Souza (1999). Em cada bloco de alternativas estavam agrupados quatro cenários distintos. Ao se deparar com as diferentes alternativas de escolha, o potencial estudante foi instruído a escolher um dos blocos aleatoriamente e ordenar os cenários daquele bloco de acordo com sua preferência, dando maior valor àqueles mais próximos ao seu modelo ideal de IES. Todos os entrevistados foram submetidos aos dois experimentos e analisados em conjunto.

Os que participaram do experimento A (n= 108) também participaram do experimento B (n= 108); destes 63% tinham idade entre 18 e 24 anos, 31% somente estudavam, 65% estudavam e exerciam alguma atividade remunerada ao mesmo tempo, 29% tinham renda familiar entre R$ 1 mil e R$ 3 mil e 34% renda entre R$ 3 mil e R$ 5 mil. Como resultado, foi identificado que o estudante que procura uma instituição de ensino superior se preocupa preliminarmente com o conceito do MEC no curso desejado junto à IES. Em segundo lugar, ficou a utilidade da tradição, seguida pela da infra-estrutura. Mesmo sendo a amostra heterogênea, tanto pela renda e atividade quanto pela faixa etária de cada entrevistado, essa tendência foi confirmada na análise segmentada da amostra, ainda que com pequenas variações e utilidades distintas para cada atributo.

Escala de atitudes

Estudo 2 - Neste estudo (Alfinito, Pérez-Nebra e Torres, 2004), o objetivo foi complementar a técnica de PD, utilizando teorias psicológicas e técnicas psicométricas para orientar o agrupamento das variáveis, definir o número de níveis, quais são eles e como ordená-los, além de traduzir a terminologia utilizada em preferência declarada para a psicologia. Trata-se da segunda fase de pesquisa realizada para a determinação de atributos de preferência do consumidor na escolha de uma instituição privada de ensino superior por meio de PD. A metodologia adotada baseou-se também na teoria social-cognitiva de atitude, a partir do desenvolvimento de uma escala com amplitude de cinco pontos para confirmar os níveis e os atributos utilizados na primeira fase do estudo.

Foi elaborado um questionário com 39 itens, em escala tipo Likert de importância. Responderam ao instrumento 243 sujeitos, a maioria do sexo masculino (55%), 65% com dupla jornada, ou seja, trabalhando e estudando, e com nível de escolaridade superior incompleto ou cursando o ensino médio. Os dados foram submetidos a uma análise fatorial dos eixos principais, com rotação oblimin, que revelou uma solução com três fatores, denominados: "enriquecimento acadêmico", "condições de oferta" e "conforto e perfil do corpo discente". O fator "enriquecimento acadêmico" agrupou aspectos relacionados à iniciação científica, oferta e flexibilização dos cursos; o fator "condições de oferta", com aspectos relacionados à infra-estrutura e conceito do MEC' e o fator "conforto e perfil do corpo discente", com aspectos tais como ar-condicionado, carteira acolchoada e relações sociais.

Os resultados reforçam que a técnica de preferência declarada, como método de análise da escolha do consumidor de conhecimento, deve incorporar outros métodos e abordagens, no sentido de complementar as avaliações em estudos sobre o comportamento do consumidor de educação superior.

Entrevistas

Estudo 3 - O objetivo deste estudo (Alfinito, 2005) foi conhecer os diferentes perfis dos estudantes de ensino superior, investigar como eles pensam e mapear as características dos potenciais estudantes. Para isso, foram desenvolvidas entrevistas individuais face-a-face, entrevistas individuais por telefone e grupos focais, a fim de subsidiar elaboração de um questionário de pesquisa. A opção por entrevistas seguiu as orientações de Bickman, Rog e Hedrick (1998), dando ao respondente a oportunidade de expressar sua opinião mais livremente e interagir com o entrevistador.

Para o levantamento das características dos potenciais estudantes, foram conduzidas nove entrevistas individuais semi-estruturadas, por telefone, gravadas, com pessoas entre 18 e 34 anos. Através de análise de conteúdo, seguindo as orientações de Bardin (1977) e os critérios para construção de itens sugeridos por Pasquali (1999), foi possível a elaboração de um questionário auto-aplicável. Em seguida, foi feito um estudo piloto, face a face, que contou com 33 participantes, com idades entre 17 e 49 anos.

Foram identificados, no estudo piloto, seis categorias de aspectos que influenciam o não ingresso em um curso superior: insegurança acadêmica, falta de incentivos externos, problemas financeiros, desinteresse acadêmico e outras prioridades. Os resultados mostraram que os entrevistados consideram mais relevantes os aspectos ligados à insegurança acadêmica, muitas vezes devido a uma história escolar difícil, e a problemas financeiros que inviabilizam o pagamento de um curso em uma instituição de ensino superior privada.

Os resultados indicaram também que o não ingresso no ensino superior está relacionado à história escolar das pessoas, ou seja, particularmente a trajetórias educacionais que provocam insegurança, bem como a problemas financeiros que acabam inviabilizando os sonhos de estudar. Adicionalmente, foi possível verificar que o procedimento de análise foi adequado ao objeto estudado e que deve ser aprofundado, a fim de se identificarem, com maior precisão e certeza, os aspectos que têm afastado essas pessoas do ensino superior no Brasil.

A segunda etapa deste estudo 3 objetivou identificar os aspectos psicossociais que influenciam o ingresso de estudantes de primeira geração na educação superior. Estudantes de primeira geração são aqueles cujos pais não ultrapassaram a escolaridade média. Nessa fase, foram conduzidas oito entrevistas individuais semi-estruturadas, face a face, e um grupo focal com quatro pessoas. Também por meio de análise de conteúdo foi elaborado um questionário preliminar auto-aplicável, submetido face-a-face a 59 participantes, com idades entre 17 e 27 anos.

Verificou-se que, como os alunos de primeira geração têm renda per capita 2,16 vezes menor que os demais estudantes, surge a necessidade de trabalhar para ajudar no sustento da família e também custear os próprios estudos. Dessa forma, é possível que os alunos aumentem suas justificativas, buscando compensar o esforço de ter de estudar e trabalhar ao mesmo tempo, relatando que o trabalho não atrapalha os estudos.

Pesquisa com dados secundários

Estudo 4 - Neste estudo, apresentou-se uma proposta de categorização das IES, com base em características que unem variáveis geográficas, demográficas e de uso da educação superior (Alfinito e Torres, 2006). Essa tem sido uma questão que tem levado pesquisadores focados na psicologia do consumidor a se interessarem pelos fatores ambientais e individuais que estão envolvidos no processo de consumo. Torna-se claro que o mercado não possui uma característica homogênea e, nesse contexto, a categorização das marcas existentes no mercado é uma estratégia adequada para se entenderem as similaridades e diferenças entre os produtos e serviços ofertados (Statt, 1997). A categorização busca o posicionamento do produto ou serviço, que é peça fundamental para a preferência e a escolha do consumidor. Todavia, não se encontram, na literatura, critérios específicos para a categorização de instituições de ensino superior (IES), em especial no Brasil.

Foram analisadas 1859 IES constantes no Censo da Educação Superior 2003, administrado pelo Inep/MEC (Inep, 2006). Dessas, 45 (2,4%) foram excluídas por não disporem de informações completas. Foi realizada uma análise de cluster, uma vez que ela pode ser usada para revelar a estrutura e as relações existentes entre os dados (Anderberg, 1973). No entanto, para os dados especificamente analisados, foi aplicada uma análise multivariada de Cluster Two-Step, um algoritmo desenvolvido por Zhang, Ramakrishnan e Livny (1996) para o clustering de grandes bases de dados, compostas de variáveis categóricas e contínuas ao mesmo tempo. As variáveis envolvidas na análise para cursos de graduação presenciais foram: número de alunos matriculados em turno diurno, número de alunos matriculados em turno noturno, número total de docentes mestres e doutores, número de candidatos por vaga ofertada, número de alunos por docente, tipo de rede da IES (pública ou privada) e as cinco regiões geopolíticas do Brasil (norte, nordeste, sul, sudeste e centro-oeste).

Mesmo em se tratando de um estudo preliminar, foi possível identificar três grandes categorias de IES no mercado brasileiro: (1) IES de pequeno e médio porte, com 1.200 alunos matriculados em média, todas privadas, localizadas na região sudeste do país e com baixa concorrência no vestibular; (2) instituições de grande porte, com 9.000 alunos matriculados em média, públicas e privadas, distribuídas entre as cinco regiões geopolíticas do país e com os maiores níveis de concorrência no vestibular; (3) instituições de pequeno e médio porte, porém com número médio de alunos matriculados menor que as da categoria 1, todas privadas, concentradas no sul e nordeste do país e com níveis de concorrência baixa no vestibular.

 

4. Considerações finais

O conjunto dos estudos sobre filas de espera e instituições de ensino superior aqui apresentado mostram a pertinência da AMM, bem como ilustram algumas de suas possibilidades de operacionalização, dentre diversas que podem ser desenvolvidas. A estratégia tem se mostrado de grande utilidade, sobretudo pelo pouco conhecimento gerado até o momento, na literatura psicológica, sobre esses temas, frente à quantidade de pesquisas oriundas de outras áreas.

Ainda que tenham sido apontadas características promissoras de uso da AMM nos estudos sobre comportamento do consumidor, é importante destacar os limites de seu uso, sobretudo em relação às estratégias unimetodológicas. Em primeiro lugar, a AMM pode implicar maior ônus, tanto para o pesquisador quanto para os participantes envolvidos. Para o pesquisador, pode significar maior orçamento, mais tempo de planejamento, coleta, análise e até publicação dos resultados. Para os participantes, pode implicar também mais tempo e esforço, pois lhes é solicitado que respondam a diversos instrumentos, ou que se disponibilizem para a pesquisa. Brewer e Hunter (1989) notaram, entretanto, que as dificuldades associadas a esses custos não poderiam crescer em progressão geométrica, uma vez que o tempo e os gastos podem ser otimizados em função das diferentes etapas da pesquisa, e os métodos diferem nos recursos que utilizam. Vale também a observação de que pesquisas multimetodológicas são freqüentemente conduzidas por um grupo de pesquisadores, que podem dividir tarefas e os conhecimentos indispensáveis para seu desenvolvimento, uma vez mais otimizando o empreendimento. Finalmente, há sempre a possibilidade de reciclagem dos próprios dados, ou de dados da literatura existente.

Essas considerações são de especial valor no contexto brasileiro, onde não só as pesquisas sobre comportamento do consumidor são pouco desenvolvidas, como muitos programas de pós-graduação em psicologia se estruturam em função de uma postura metodológica. Na AMM, evita-se tratar os métodos como mutua mente excludentes e como carregados de qualquer significado ideológico.

Os dois programas de pesquisa aqui sumarizados mostraram a possibilidade de se mapearem objetos específicos por diferentes métodos e técnicas. São empreendimentos distintos, mas que compartilham a preocupação com uma AMM que desempenhe um papel não só empírico a respeito dos temas estudados, como procure promover essa abordagem nos estudos do comportamento do consumidor e em suas interfaces com outras áreas, como a psicologia social, a psicologia intercultural e a psicologia ambiental. Embora os dados empíricos aqui apresentados tenham sido gerados e analisados de forma majoritariamente quantitativa, isso não exclui as diversas possibilidades de análise qualitativa que podem compor um quadro multimetodológico ainda mais amplo. Nesse sentido, refletem apenas preferências ou conveniências próprias das pesquisas, bem como a formação e a tradição teórica a que estão afiliadas.

É preciso notar, entretanto, que multimetodologia não implica, necessariamente, uma diminuição do rigor metodológico, como se o uso de diferentes modalidades de análise e coleta comprometesse o empreendimento empírico. Brewer e Hunter (1989) argumentam que é possível haver "ordem sem ortodoxia", já que a AMM pode enquadrar novas perguntas ou refazer antigas perguntas, de modo a deixá-las suscetíveis a diferentes métodos, encontrando meios comuns de comparar e avaliar seus resultados e reconciliando as contradições metodológicas traçadas pelas pesquisas anteriores.

Nota dos Autores

Os autores agradecem a dois pareceristas anônimbs, pelas contribuições à estrutura do artigo e à fundamentação conceitual da abordagem multi-metodológica.

 

Referências

ALFINITO, S. Determinação de atributos de preferência do consumidor na escolha de uma instituição de ensino superior: Brasília, 2002. 122 f. Dissertação (Mestrado em Economia de Empresas) - Universidade Católica de Brasília.         [ Links ]

ALFINITO, S. Aspectos psicossociais que influenciam o não ingresso no ensino superior: Um levantamento preliminar. Manuscrito não-publicado, Universidade de Brasília, Brasília, 2005.        [ Links ]

ALFINITO, S.; GRANEMANN, S. Escolha de uma IES em função da utilidade do usuário potencial - o estudante. In: ROCHA, C. H.; GRANEMANN, S. R. (Orgs.), Gestão de instituições privadas no ensino superior. São Paulo: Atlas, 2003. p. 93-103.         [ Links ]

ALFINITO, S.; GRANEMANN, S. Determinação de atributos de preferência do consumidor na escolha de uma instituição de ensino superior. In: Anais do I Congresso Brasileiro de Psicologia Organizacional e do Trabalho, Salvador, BA. 2004.         [ Links ]

ALFINITO, S.; PÉREZ-NEBRA, A. R.; TORRES, C. V. Preferência declarada e psicologia do consumidor: uma abordagem complementar. In: Anais da XXXIV Reunião Anual da Sociedade Brasileira de Psicologia, Ribeirão Preto, SP, 2004.         [ Links ]

ALFINITO, S.; TORRES, C. V. Análise de cluster da educação superior brasileira: Uma proposta de categorização mercadológica. In: Anais do II Congresso Brasileiro de Psicologia Organizacional e do Trabalho, Brasília, DF. 2006.         [ Links ]

ANDERBERG, M. R. Cluster analysis for applications. New York: Academic Press, 1973.         [ Links ]

ANDERSON, P.F. On method in consumer research: A critical relativist perspective. Journal of Consumer Research, v. 13, n. 2, 155-173, 1986.         [ Links ]

ARNOULD, E. J.; PRICE, L. L.; ZINKHAN, G. M. Consumers. New York: McGraw Hill, 2003.         [ Links ]

BARDIN, L. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70, 1977.         [ Links ]

BEAN, J. P.; METZNER, B. S. A conceptual model of nontra ditional undergraduate student attrition. Review of Educational Research. v.55, n.2, p. 485-540, 1985.         [ Links ]

BENNETT, R. Queues, customers' characteristics, and policies for managing waiting-lines in supermarkets. International Journal of Retail & Distribution Management, v. 26, n. 2, p. 78-87, 1998.         [ Links ]

BICKMAN, L.; ROG, D. J.; HEDRICK, T.E. (1998). Applied research design. In: BICKMAN, L.; ROG, D. J. (Eds.). Handbook of applied social research methods. Thousand Oaks, CA: Sage, 1998. p. 5-37.         [ Links ]

BREWER, J.; HUNTER, A. Multimethod research: A synthesis of styles. Newbury Park, CA: Sage, 1989.         [ Links ]

CAMARGO, O.; GONÇALVES, M. B.; LIMA, M. L. P. Comparação entre as estratégias de ordenação e de avaliação em preferência declarada aplicadas ao transporte de soja no oeste paranaense. Anais do XIV ANPET: Congresso de Pesquisa e Ensino em Transportes, Campinas-SP, 2000. p. 459-469.         [ Links ]

CIALDINI, R. B. Full-cycle social psychology. In: BICKMAN, L. (Ed.) Applied Social Psychology Annual. v. 1. Beverly Hills: Sage Publications, 1980. p. 21-47.         [ Links ]

COOPER, D. R.; SCHINDLER, P. S. Bllsiness research methods. Boston: McGraw-Hill, 2000.         [ Links ]

CZWARTOSZ, Z. On queueing. Archives Européenes de Sociologie, v. 29, p. 3-11, 1988.         [ Links ]

DENZIN, N. K. The research act: A theoretical introduction to sociological methods. New York: McGraw-Hill, 1978.         [ Links ]

EKSTRÖM, K. M.; EKSTRÖM, M. P.; POTAPOVA, M.; SHANAHAN,H. Changes in food provision in Russian households since Perestroyka. International Journal of Consumer Studies, v. 27, n. 4, p. 294-301, 2003.         [ Links ]

ELY, E. E. The non-traditional student. Anais da 77th American Association of Community Colleges Annual Conference, Anaheim, Califórnia, EUA, 1997.         [ Links ]

FESTINGER, L. Teoria da dissonância cognitiva. Rio de Janeiro: Zahar, 1975.         [ Links ]

FEYERABEND, P. Contra o método. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1975.         [ Links ]

FIELDING, N.; FIELDING,J.L. Linking data. Beverly Hills, CA: Sage, 1986.         [ Links ]

FLICK, U. Triangulation revisited: Strategy of or alternative to validation of qualitative data. Journal of Theory of Social Behavior, v. 22, n. 2, 175-197, 1992         [ Links ]

FOXALL, G. R. Marketing psychology: The paradigm in the wings. London: MacMillan, 1997.         [ Links ]

FOXALL, G.R. Putting consumer behaviour in its place: The Behavioural Perspective Model research programme. International Journal of Management Reviews, v. 1, n. 2, p. 133-158, 1999.         [ Links ]

GUSTAFSSON, A; EKDAHL, F.; BERGMAN, B. Conjoint analysis: A useful tool in the design process. Total Quality Management, v. 10, n. 3, p. 327-343, 1999.         [ Links ]

HAUSMAN, A. A multi-method investigation of consumer motivations in impulse buying behavior. Journal of Consumer Marketing, v. 17, n. 5, p. 403-419, 2000.         [ Links ]

HODGKINSON, H. L. All one system: Demographics of education, kindergarten through graduate school. Washington: Institute for Educational Leadership, 1985.         [ Links ]

HUDSON, L. A; OZANNE, J. L. Alternative ways of seeking knowledge in consumer research. Journal of Consumer Research, v. 14, n. 4, p. 508-521, 1988.         [ Links ]

IGLESIAS, F. Categorias de comportamentos em situações de intrusão em filas de espera. Manuscrito não-publicado, Universidade de Brasília, Brasília, 2005.         [ Links ]

IGLESIAS, F.; GÜNTHER, H. A fila de espera na psicologia social. Análise Psicológica (Portugal), submetido para publicação.         [ Links ]

IGLESIAS, F.; GÜNTHER, H. Comportamento em filas de espera: Cinco estudos empíricos. In: Anais da XXXV Reunião Anual da Sociedade Brasileira de Psicologia, Curitiba, PR, 2005a.         [ Links ]

IGLESIAS, F.; GÜNTHER, H. Waiting lines for consumption: An intercultural perspective. In: Anais do 30º Congresso Interamericano de Psicologia da Sociedade Interamericana de Psicologia, Buenos Aires, Argentina, 2005b.         [ Links ]

IGLESIAS, F.; BARBOSA, L. M.; SOUSA, J. M.; GÜNTHER, H. Intrusões em filas de espera: Testando a hipótese da ignorância pluralística em um restaurante universitário. Manuscrito não-publicado, Universidade de Brasília, Brasília, 2004.         [ Links ]

IGLESIAS, F.; GÜNTHER, H.; GOUVEIA, B.; LEITÃO, C.; PRESOTTI, L.; BANDEIRA, R.; NOGUEIRA, R.; CARTAYA, S.; TORRES, C. V. Dissonância cognitiva em filas de espera: Efeito da posição do usuário na estimativa do número de pessoas à frente. In: Anais da XXXIV Reunião Anual da Sociedade Brasileira de Psicologia, Ribeirão Preto, SP, 2004a.         [ Links ]

IGLESIAS, F.; GÜNTHER, H.; GOUVEIA, B.; LEITÃO, C.; PRESOTTI, L.; BANDEIRA, R.; NOGUEIRA, R.; CARTAYA, S.; TORRES, C. V. Tempo de espera em filas presenciais: Teste de uma hipótese de redução da dissonância cognitiva. In: Anais da XXXIV Reunião Anual da Sociedade Brasileira de Psicologia, Ribeirão Preto, Sp, 2004b.         [ Links ]

IGLESIAS, F.; NEVES, L.M.G.S.; COHEN, K.; SILVEIRA, N.; CORTES, R.; MIRANDA, T; GÜNTHER, H. Fatores de incómodo em situações de filas de espera: Validação fatorial de um instrumento. In: XXXVI Reunião da Sociedade Brasileira de Psicologia, Salvador, BA, 2006a.         [ Links ]

IGLESIAS, F.; NEVES, L.M.G.S.; COHEN, K.; SILVEIRA, N.; CORTES, R.; MIRANDA, T.; GÜNTHER, H. Cognição social em filas de espera: Um estudo com cenários experimentais de ambientes urbanos. In: XXXVI Reunião Anual da Sociedade Brasileira de Psicologia, Salvador, BA, 2006b.         [ Links ]

INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICAS. Download estatística IBGE: século XX. Disponível em <ftp://ftp.ibge.gov.br/seculoxx/educacao2.zip>. Acesso em 21 de março de 2006.         [ Links ]

INSTITUTO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS EDUCACIONAIS ANÍSIO TEIXEIRA. Sinopse Estatística da Educação Superior 2003. Disponível em <http://www.inep.gov.br/download/superim/2004/SES2003.zip>. Acesso em 06 de março de 2005.         [ Links ]

KOSTECKI, M. Waiting lines as a marketing issue. European Management Journal, v. 14, n. 3, p. 295-303, 1996.         [ Links ]

LEVINE, R. A geography of time. New York: Basic Books, 1997.         [ Links ]

MALHOTRA, N. K. Pesquisa de marketing: Uma orientação aplicada. Porto Alegre: Bookman, 2001.         [ Links ]

MANKIW, N. G. Principles of economics. Forth Worth: The Dryden, 1998.         [ Links ]

MANN, L.; TAYLOR, K. F. Queue counting: The effects of motives upon estimates of numbers in waiting lines. Journal of Personality and Social Psychology, v. 12, n. 2, p. 95-103, 1969.         [ Links ]

MAXCY, S.J. Pragmatic threads in mixed methods research in the social sciences: The search for multiple modes of inquiry and the end of the philosophy of formalism. In: Handbook of Mixed Methods in Social and Behavioural Research. Thousand Oaks, CA: Sage, 2003. p.51-89.         [ Links ]

MAXWELL, J.A. Designing a qualitative study. In: BICKMAN, L.; ROG, D. (Eds.), Handbook of Applied Social Research Methods. Newbury Park, CA: Sage, 1998. p. 69-100.         [ Links ]

MORAN-ELLIS, J.; ALEXANDER, V.; CRONIN, A.; DICKINSON, M.; FIELDING, J.; SLENEY, J.; THOMAS, H. Triangulation and Integration: processes, claims and implications. Qualitative Research, v. 6, n. 1, p. 45-59, 2006.         [ Links ]

NOVAES, AG. N. Análise de mercado de serviços de transportes com dados de preferência declarada. In: Anais do IX ANPET: Congresso de Pesquisa e Ensino em Transportes, 1995. p. 573-584.         [ Links ]

PASQUALI, L. Princípios de elaboração de escalas psicológicas. Revista de Psiquiatria Clínica, v. 25, n. 5, p. 206-213, 1998.         [ Links ]

PASQUALI, L. Testes referentes a construto: teoria e modelo de construção. In: PASQUALI, L. (Ed.) Instrumentos psicológicos: manual prático de elaboração Brasília: LabPAM/IBAPP, 1999. p. 37-71.         [ Links ]

PETER, J.P.; OLSON, J.C. Is science marketing? Journal of Marketing, v. 47, n. 4, p. 111-125, 1983.         [ Links ]

PRENTICE, D. A; MILLER, D. T. Pluralistic ignorance and alcohol use on campus: Some consequences on perceiving the social norm. Journal of Personality and Social Pyshcology, v. 64, n. 243-256, 1993.         [ Links ]

RAFAELI, A; BARRON, G.; HABER, K. The effects of queue structure on attitudes. Journal of Service Research. v. 5, n. 2, p. 125-139, 2002.         [ Links ]

SCHMITT, B. H.; DUBÉ, L.; LECLERC, F. Intrusions into waiting lines: Does the queue constitute a social system? Journal of Personality and Social Psychology, v. 63, n. 5, p. 806-815, 1992.         [ Links ]

SCHWARTZ, B. Queues, Priorities, and Social Process. Social Psychology, v. 41, n. 1, p. 3-12, 1978.         [ Links ]

SENNA, L. A. S.; LINDAU, L. A; AZAMBUJA, A. V. Avaliando a demanda potencial do Trensurb através de técnicas de preferência declarada. In: Anais do IX ANPET: Congresso de Pesquisa e Ensino em Transportes, 1995, p. 585-594.         [ Links ]

SENTER, M. S.; SENTER, R. Jr. A comparative study of traditional and nontraditional students' identities anel needs. NASPA journal, v. 35, n. 4, p. 270-280, 1998.         [ Links ]

SHELDON, R. Stated preference: design issues. PTRC Course: Introduction to Stated Preference Techniques, mimeo, 1991.         [ Links ]

SOUZA, O.A. Delineamento experimental em ensaios fatoriais utilizados em preferência declarada. Florianópolis, 1999. Tese de doutorado - Universidade Federal de Santa Catarina.         [ Links ]

STATT, DA Undesrtanding the consumer: A psychological approach. London: MacMillan, 1997.         [ Links ]

TASHAKKORI, A; TEDDLIE, C. (Eds.) Handbook of Mixed Methods in Social and Behavioural Research. Thousand Oaks, CA: Sage, 2003.         [ Links ]

TERENZINI, P.T.; SPRINGER, L.; YAEGER, P. M.; PASCARELLA, E. T.; NORA, A. First-generation college students: Characteristics, experiences and cognitive development. Research in Higher Education, v. 37, n. 1, p. 1-22, 1996.         [ Links ]

TONKS, D. G.; FARR, M. Market segments for higher education: Using geodemographics. Marketing Intelligence & Planning, v. 13, n. 4, p. 24-33, 1995.         [ Links ]

WASZAK, C.; SINES, M.C. Mixed methods in psychological research. In. Tashakkori, A.; Teddlie, C. (Eds.) Handbook of mixed methods in social and behavioural research. Thousand Oaks, CA: Sage, 2003. p. 557-576.         [ Links ]

ZHANG, T.; RAMAKRISHNON, R.; LIVNY, M. B. An efficient data clustering method for very large datebases. Proceedings of the ACM IGMOD Conference on Management of Data. Montreal, Canadá, 1996. p. 103-114.         [ Links ]

 

 

Recebido: 11/10/06
Revisado: 23/10/06
Aceito: 14/12/06

 

 

1 Financiamento do CNPq

Creative Commons License All the contents of this journal, except where otherwise noted, is licensed under a Creative Commons Attribution License