Services on Demand
article
Indicators
Share
Revista Psicologia Organizações e Trabalho
On-line version ISSN 1984-6657
Rev. Psicol., Organ. Trab. vol.6 no.2 Florianópolis Dec. 2006
ARTIGOS
Estresse e estratégias de enfrentamento: o uso da escala toulousaine no Brasil
Stress and coping strategies: toulousaine scale in Brazil
Edna Maria Querido de Oliveira Chamon
Doutora - Psicologia Social. Dep. Economia, Contabilidade e Administração da Universidade de Taubalé - UNITAU (edna_chamon@directnet.com.br)
RESUMO
O objetivo deste trabalho é avaliar o estresse e as estratégias de enfrentamento em duas categorias profissionais: trabalhadores da saúde e trabalhadores do setor bancário. Como recurso metodológico, utilizou-se um questionário baseado na Escala Toulousaine de Estresse (ETS - Echelle Toulousaine de Stress) e na Escala Toulousaine de Coping (ETC - Echelle Toulousaine de Coping), que foram desenvolvidas numa perspectiva social e psicológica, com pouca ênfase em aspectos fisiológicos do estresse. Elas buscam caracterizar o estresse e o enfrentamento a partir de sua complexidade, expressa na multidimensionalidade das escalas. Essas escalas, de origem francesa, já obtiveram uma primeira validação no Brasil. Os resultados obtidos nos dois estudos realizados mostram um nível de estresse abaixo da média nacional para o grupo de trabalhadores da área de saúde, com níveis de enfrentamento negativo (recusa) superior à média nacional. Já o grupo de trabalhadores do setor bancário apresenta uma composição de níveis de estresse superior à média nacional e níveis de enfrentamento positivo baixos e negativo altos, o que indica uma gestão deficiente do problema de estresse.
Palavras-chave: estresse; estratégias de enfrentamento; coping; Escala Toulousaine de Estresse; Escala Toulousaine de Coping
ABSTRACT
The purpose of this paper is to evaluate stress and coping strategies in two workers group: the first one is composed by health workers from a Hospital in the State of São Paulo, Brazil and the second one by bank workers from Vale do Paraiba region, in São Paulo, Brazil. We use the Toulousaine Stress Scale (ETS - Echelle Toulousaine de Stress) and the Toulousaine Coping Scale (ETC - Echelle Toulousaine de Coping), which was developed within a social and psychological framework, with low emphasis in stress physiological aspects. These tools enable a multidimensional characterization of stress and coping phenomena. The results show a stress level below the Brazilian average for the health workers group, with high level of negative coping (refuse dimension), higher than Brazilian average. The bank workers group presents a mix of high stress level, low level positive coping strategies, and high level negative coping strategies indicating a poor stress management.
Keywords: stress; coping; Toulousaine Stress Scale; Toulousaine Coping Scale.
1. Introdução
A atenção às causas das questões que podem interferir na produtividade do homem dentro das empresas torna-se significativa quando se analisa a problemática sob o enfoque econômico. A atenção às necessidades de saúde de seus profissionais é garantia de produtividade para a empresa e a sociedade, sendo impossível ignorar tal fato quando se busca desempenho eficaz. (Tamayo, 1997).
Atualmente, o mercado de trabalho é marcado pela competitividade e pela necessidade de atualização profissional, decorrentes das rápidas mudanças na sociedade contemporânea, e esses são fatores que deixam o homem em constante situação de desequilíbrio físico e mental. O estresse, processo que a revista Time já descrevia como uma epidemia nos anos 80, agrava-se com as conseqüências da globalização e, segundo Lipp(1996), será uma marca no século XXI.
Embora estudos sobre o estresse e as formas de lidar com situações estressantes sejam relativamente recentes (os primeiros trabalhos de Selye datam do final dos anos 1930), diversas pesquisas e modelos foram desenvolvidos até o presente, tanto na tentativa de compreender mecanismos básicos do fenômeno de estresse e as formas de enfrentá-lo, quanto no estudo de instrumentos para avaliar tal fenômeno.
Apresentamos aqui, aliado a alguns estudos já realizados por nós nessa área, um panorama da perspectiva cognitiva do estresse e do enfrentamento (coping).
Nos estudos sobre o estresse, pelo menos três visões ou abordagens do problema são possíveis, construídas em função das relações entre o indivíduo e seu ambiente externo (Sarafino, 1994).
A primeira concepção apresenta o estresse como a reação, a resposta do indivíduo a um evento estressante (o estressor). Os pesquisadores interessam-se, então, pela identificação de reações fisiológicas intervenientes na situação de estresse.
A segunda concepção focaliza-se sobre o ambiente e descreve o estresse como estímulo. Esses estímulos são as fontes externas de perturbação, e podem ser físicos, emocionais ou sensonais.
A terceira concepção, o chamado modelo transacional, descreve o estresse como um processo complexo, que implica a análise das interações entre o organismo e o ambiente.
As duas primeiras abordagens são fortemente influenciadas por uma postura mecanicista, que privilegia o ambiente ou os componentes fisiológicos do estresse, enquanto a terceira supõe a existência de interações e transações contínuas entre o indivíduo e seu ambiente.
1.1 - Os modelos mecanicistas
De acordo com o primeiro modelo, que focaliza a reação do indivíduo, o estresse pode ser definido em termos da resposta a uma mudança ou desordem, ou seja, uma perturbação da homeostase. As manifestações a essa resposta podem ser puramente fisicas (modificações hormonais, por exemplo), puramente psicológicas (distúrbios depressivos), ou acompanhadas de modificações biológicas (psicossomáticas). Esse modelo é bastante reducionista, pois não permite a identificação das fontes ou causas do estresse.
O segundo modelo concebe o estresse como um estímulo externo nocivo, de ordem física (ferimento, dor, carícia), emocional (medo, insatisfação, alegria) ou sensorial (frio, calor, barulho). Essas circunstâncias ou eventos são percebidos como ameaçadores ou nocivos ao equilíbrio ou conservação do indivíduo. Eles são, assim, chamados de agentes estressantes ou "estressores" (do inglês stressors). Esses agentes podem ser positivos ou negativos, mas são, tanto em um caso como no outro, capazes de provocar perturbações e desequilíbrios.
Apesar dos progressos que esse segundo modelo permitiu, ele ainda é bastante simplificador. O estresse psicológico não pode ser definido apenas em termos de estímulos do meio, visto que a relação entre o estressor e o indivíduo depende da vulnerabilidade desse último. Assim, um mesmo estímulo pode gerar respostas totalmente diferentes em dois indivíduos distintos, ou no próprio indivíduo em momentos ou circunstâncias diferentes.
1.1.1 - O modelo transacional
Existem variáveis cognitivas que afetam a relação entre estresse e emoções e que foram identificadas tanto pelos fisiologistas quanto pelos psicólogos. Essas variáveis têm importante papel modulador na relação entre o indivíduo e seu meio, visto que permitem aumentar ou diminuir o impacto dos eventos estressantes sobre o estado emocional induzido e sobre a potencialização de diversas doenças.
Com a evolução das pesquisas, o estresse perdeu seu status de resposta a um evento crítico ou catastrófico, para adquirir uma conotação de conjunto de percepções de impotência e de mal-estar que invadem o indivíduo diante de eventos difíceis de controlar.
Atualmente, o estresse é visto muito mais como uma relação transacional que implica a percepção e a interpretação da situação vivida, uma vez que, diante de uma situação passível de se tornar estressante, a avaliação subjetiva que o indivíduo faz da situação é mais importante que os fatos objetivos a ela relacionados (Dantzer e Goodall, 1994).
A avaliação do estresse, sob a orientação desse modelo, exige instrumentos que dêem conta da multidimensionalidade do fenômeno. A Escala Toulousaine de Estresse e a Escala Toulousaine de Coping foram adotadas, nos dois estudos descritos neste trabalho, por serem compatíveis com essa orientação.
1.2 - As estratégias de enfrentamento (coping)
A teoria atual do enfrentamento teve suas origens nos anos 70, a partir dos estudos de vários pesquisadores. Dentre esses estudos, o mais conhecido é provavelmente o trabalho de Lazarus e Folkman (1984), que propõem um modelo de caráter cognitivo para o enfrentamento.
As características desse modelo diferem substancialmente de um "modelo animal", que reduz o enfrentamento ao papel de diminuição da excitação em face de um evento crítico, e também de um "modelo da psicologia da personalidade", que considera o enfrentamento a partir de mecanismos de defesa estáveis e inconscientes.
Para o modelo cognitivo, o enfrentamento não constitui um evento isolado, mas um processo dinâmico de avaliação contínua entre o indivíduo e seu ambiente. As mudanças nas relações entre indivíduo e ambiente são fruto de um esforço dirigido para a transformação do ambiente externo ou para a transformação do evento, aumentando sua compreensão ou alterando seu significado (Lazarus e Folkman, 1984).
Assim, nesse modelo, o enfrentamento adquire um status de processo dinâmico, cognitivo e consciente. O enfrentamento, portanto, deve ser avaliado no quadro preciso de uma situação, pois os indivíduos modificam suas respostas em função do tipo de problema com o qual eles são confrontados (Billings e Moos, 1984).
1.2.1 - As categorias do enfrentamento
Embora essa classificação não seja consensual, a literatura sobre enfrentamento parece indicar a existência de estudos em duas categorias maiores: os estilos de enfrentamento e as estratégias de enfrentamento.
Em geral, os estilos de enfrentamento estão associados a características de person alidade ou a resultados do enfrentamento, enquanto as estratégias se referem às atividades cognitivas e às ações ou comportamentos adotados ao longo de um episódio específico de estresse.
Carver, Scheier e Weintraub (1989), consideram que os indivíduos desenvolvem formas "habituais" de enfrentar situações estressantes. Essas formas seriam os "estilos de enfrentamento". Os autores definem esse estilo, não como uma preferência por determinadas formas de comportamento, mas como uma tendência a utilizar certa reação em uma dada situação de estresse. Os conhecidos modelos de personalidade do tipo A e do tipo B enquadram-se nessa categoria.
Contrariamente aos estilos de enfrentamento estáveis, inconscientes e ligados a fatores disposicionais do indivíduo, as Estresse e estrategias de enfrentamento: o uso da escala toulousaine no Brasil estratégias de enfrentamento são ligadas a fatores situacionais. Isso significa que as estratégias de um indivíduo podem mudar em função do momento e do estado da situação vista como estressante. Assim, as estratégias de enfrentamento refletem as ações, os comportamentos ou os pensamentos utilizados na situação e na presença de um estressor (Folkman et al., 1986).
Algumas das classificações de estratégias de enfrentamenta normalmente evocadas nas pesquisas são: a focalização nas emoções ou no problema; o enfrentamento centrado na atenção; as estratégias relacionadas à negação; os esforços comportamentais ativos (Paulhan e Bougeois, 1995).
A avaliação de modelos multidimensionais, na perspectiva das estratégias de enfrentamento, é proposta e utilizada, neste trabalho, para os dois estudos apresentados.
2. Método
Descreve-se, a seguir, de maneira sucinta, o desenho metodológico empregado nas pesquisas apresentadas, com a caracterização dos sujeitos, os instrumentos empregados na avaliação do estresse e das estratégias de enfrentamento e o tratamento de dados.
2.1 - Os sujeitos da pesquisa
As pesquisas foram desenvolvidasjunto a duas populações distintas. O primeiro estudo foi realizado com enfermeiros, técnicos e auxiliares de enfermagem de um hospital em São Paulo (SP). Já o segundo estudo refere-se a bancários que atuam em diferentes cidades da região do Vale do Paraíba Paulista (SP).
No primeiro estudo, realizado em um hospital privado em São Paulo (SP), os sujeitos compunham um grupo de 96 profissionais da equipe de enfermagem, sendo 50 auxiliares de enfermagem, 17 técnicos de enfermagem e 25 enfermeiros. A maioria dos indivíduos (80 profissionais) era do sexo feminino, e a faixa etária compreendia entre 22 e 55 anos, com mediana em 34 anos. Os profissionais atuavam em diferentes unidades de trabalho, com tempo mínimo de um ano de vínculo com a Instituição, Esses profissionais trabalhavam nos turnos matutino e vespertino, comjornada de trabalho de 36 e 44 horas semanais, e no período noturno, em regime escalar de revezamento 12x36 horas. A pesquisa foi realizada nos meses de julho e agosto de 2004.
Para o segundo estudo, desenvolvido com trabalhadores do setor bancário, os sujeitos compunham um grupo de 54 alunos bancários que atuam em diferentes cidades da região do Vale do Paraíba Paulista (SP). Os resultados da análise das respostas aos questionários apontam uma amostra equilibrada em termos de gênero (51 % mulheres, 49% homens). A maioria dos indivíduos é constituída de jovens, cerca de 76% com idade entre 20 e 30 anos (média: 24,5 anos). A pesquisa foi realizada nos meses de fevereiro a maio de 2005.
2.2 - Os instrumentos da pesquisa
Os estudos empregaram duas escalas de avaliação: a ETS - Escala Toulousaine de Estresse e a ETC - Escala Toulousaine de Coping, descritas a seguir.
2.2.1 -ETS - Escala Toulousaine de estresse
Para determinar o nível de estresse dos indivíduos, utilizou-se a Escala Toulousaine de Estresse (ETS - Echelle Toulousaine de Stress). Essa escala foi elaborada pela equipe de psicologia social e desenvolvimento da saúde da Universidade Toulouse II - Le Mirail, França, sob orientação do professor Pierre Tap (Sordes-Ader; Tap, 1997). Ela possui trinta itens distribuídos em quatro dimensões ou campos de manifestação percebida do estresse. Esses campos representam as articulações fisicas e psicológicas que entram em ação em uma situação de estresse: as manifestações físicas (10 itens), os distúrbios psicológicos (10 itens), os distúrbios psicofisiológicos (5 itens) e a temporalidade (5 itens).
Os itens são representados por afirmações que devem ser avaliadas em uma escala de Likert de cinco pontos (de um a cinco), que indica uma progressão de "quase nunca" (valor igual a um) a "quase sempre" (valor igual a cinco).
O indivíduo, quando submetido a um agente estressor que não é eliminado ou controlado, pode apresentar reações que são consideradas como manifestações físicas percebidas, como dores de barriga, tremores, choro, taquicardia, boca seca e dificuldade para respirar. Além disso, ele pode também apresentar disfunções psicológicas: preocupação, falta de controle, depressão, incompreensão e isolamento. Distúrbios psico fisiológicos também são comuns e se apresentam sob forma de insônia ou sono em excesso, agitação, cansaço e falta de energia. Finalmente, o indivíduo pode apresentar inquietude frente ao futuro, ou preocupações demasiadas com o amanhã, incapacidade de planejar ou organizar seu tempo e esquecimento de compromissos e objetos. Esses sintomas são concebidos como manifestações de temporalidade.
O somatório dos valores atribuídos aos vários itens da escala de estresse representa um escore global relativo às reações manifestadas pelos indivíduos frente ao estresse, e os escores agrupados por campos específicos representam as manifestações físicas, psicológicas, psicofisiológicas e de temporalidade para o estresse.
2.2.2 - ETC - Escala Toulousaine de Coping
Para determinar as estratégias de enfrentamento (coping) dos indivíduos, utilizou-se a Escala Toulousaine de Coping (ETC -Echelle Toulousaine de Coping). Essa escala foi também elaboradapela mesma equipe de psicologia social e desenvolvimento da saúde da Universidade Toulouse II - Le Mirail (Esparbès-Pistre; Sordes-Ader; Tap, 1994). É constituída de 54 afirmações, sobre as quais o indivíduo deve indicar, numa escala do tipo Likert em cinco pontos (de um a cinco), se ele utiliza ou não as condutas propostas.
A escala é organizada em torno de quatro estratégias de enfrentamento: o controle (15 itens), o apoio social (10 itens), o isolamento (14 itens) e a recusa (15 itens).
1) A estratégia de controle caracteriza a regularização das atividades mentais, comportamentais e de reações emocionais. O indivíduo tenta dominar a situação, seja evitando decisões precipitadas sem refletir (regulação das atividades), seja planejando (controle cognitivo), disfarçando suas emoções ou controlando o pânico ou medo (controle emocional).
2) A estratégia de apoio social traduz a demanda, a solicitação e a procura de ajuda. Essa ajuda pode se dar por meio de conselhos, informações ou de consolo, de diálogos e de escuta de outras pessoas. Esse campo inclui também a participação. A pessoa procura cooperar em atividades coletivas, buscando, assim, uma inter-relação com os outros.
3) A estratégia de isolamento consiste em fechar-se em si mesmo, o que significa uma ruptura das atividades e das interaçôes com o outro. O indivíduo foge da situação e do problema (Isolamento social e comportamental). Na tentativa de eliminar ou esquecer as aflições, a pessoa pode refugiar-se em sonhos e fantasias (isolamento mental). Nesse campo, pode adotar, também, condutas de compensação por meio do alimento, álcool e drogas.
4) A estratégia de recusa traduz a incapacidade de aceitar a realidade e o problema. O indivíduo tenta negar a situação (denegação). Ele se engaja em outras atividades, procurando distrairse, ou busca satisfação em outros domínios de sua vida (distração). Esse campo inclui também, como manifestação, a dificuldade de controlar-se e de expor suas emoções (alexitimia).
Os escores são calculados isoladamente para cada estratégia, indicando, ao final, um conjunto de valores representados em um espaço quadridimensiona. As estratégias de enfrentamento não são homogêneas, no sentido de que algumas formas são positivas e outras negativas.
O enfrentamento pode ser positivo, ao associar os aspectos cognitivos do apoio social (a cooperação, a ajuda à informação e o apoio afetivo). Por meio do controle pela ação (focalização ativa) ou pela emoção, é considerado como primeira estrutura desse tipo de enfrentamento.
O enfrentamento negativo implica articulação entre fuga e isolamento. Essa estrutura se organiza em torno da negação, da recusa mental e da alexitimia (dificuldade de gerir suas próprias emoções).
Algumas dimensões, particularmente a conversão comportamental, a conversão pelos valores, a distração e a aceitação, são percebidas de forma ambivalente e servem de mediação entre os modelos positivo e negativo de enfrentamento. O aceite da situação será positivo quando estiver relacionado com o controle emocional; e será percebido como negativo quando associado à retenção ou resignação. A distração será positiva quando associada ao apoio social; e negativa quando estiver associada ao sentimento de vazio mental. A conversão (mudança de comportamento ou valores) será positiva quando for resultado do esforço para resolver o problema; e negativa quando apresentar característica de culpabilidade e agressividade.
2.3 - A validação das escalas
No Brasil, uma primeira tentativa de validação das escalas foi feita por Stephenson (2001), que administrou o instrumento a 431 indivíduos adultos, homens e mulheres. A tradução da escala (originalmente em francês) foi avaliada por diferentes juízes, bilíngües, tendo ora o português, ora o francês como língua materna. Acoerência interna dos instrumentos foi verificada por meio do coeficiente alfa de Cronbach. Os resultados obtidos, adiante indicados, são satisfatórios, assegurando a validade interna da escala. Os valores para o coeficiente alfa de Cronbach foram: ETS - α = 0,94 e ETC - α = 0,80.
Nesse processo de validação, obtiveram-se os seguintes níveis médios parao estresse e paraas estratégias de enfrentamento:
Esses valores médios serão utilizados na prôxima seção deste trabalho, para comparação com os resultados obtidos em outras pesquisas.
2.4 -Tratamento de dados
O tratamento de dados é realizado separadamente para cada escala, por meio de dois tipos de análise. Inicialmente, os histogramas das escalas são apresentados para análise da distribuição dos sujeitos.
Para a escala de estresse, é considerada a dimensão global do estresse, obtida pela soma dos índices das quatro dimensões próprias da escala - física, psicológica, psicofisiológica e de temporalidade.
Para a escala de estratégias de enfrentamento (coping), são consideradas as quatro estratégias isoladamente - controle, apoio social, isolamento e recusa -, visto que um índice global de enfrentamento para esse instrumento não tem sentido, dada a existência de estratégias positivas e negativas.
Além da análise da distribuição dos sujeitos, avaliaram-se também os valores médios de estresse e as estratégias de enfrentamento de cada grupo, comparando-os aos valores médios para a população brasileira obtidos nos estudos de Stephenson (2001).
3. Resultados e discussão
Os resultados que seguem correspondem aos estudos de estresse e às estratégias de enfrentamento realizados com os dois grupos indicados.
3.1 - Estresse e estratégias de enfrentamento em trabalhadores da saúde
Após análise dos resultados obtidos a partir dos questionários, foram organizadas as representações gráficas e registrados os valores consolidados, como indicado a seguir:
a) Estresse global
Posto que o estresse médio global (vide Tabela 1) é de 77,2, nota-se que 33 indivíduos, cerca de um terço da amostra, encontram-se acima desse nível. De fato, para essa amostra, foram obtidos os seguintes escores para os níveis de estresse:
Nota-se que as médias de estresse da amostra pesquisada, tanto as globais quanto as das diversas dimensões, são inferiores às médias obtidas no estudo de Stephenson (Tabela 1). Como será analisado adiante, no estudo da escala de enfrentamento, isso pode ser causado por uma maior utilização de estratégias de enfrentamento, o que dificultaria o desenvolvimento do estresse e de suas manifestações nos indivíduos estudados.
b) Estratégias de enfrentamento
Considerando que a pontuação para essa estratégia de enfrentamento está entre 15 pontos (mínimo) e 75 pontos (máximo), com ponto médio em 45 pontos, nota-se que essa é a estratégia majoritariamente empregada pelos indivíduos. Isso pode ser explicado, ao menos em parte, pelas características culturalmente atribuídas ao papel da enfermagem.
A pontuação está entre um mínimo de 10 e um máximo de 50 pontos, o que mostra que essa é uma estratégia escolhida pela maioria dos indivíduos da amostra.
O isolamento é valorado em uma escala de 14 (mínimo) até 70 pontos (máximo). Vemos, aqui, um baixo emprego dessa estratégia entre os indivíduos.
Essa escala também está entre 15 (mínimo) e 75 (máximo) pontos. O alto índice da recusa como estratégia de enfrentamento, nesta pesquisa, permite a hipótese de que a conseqüência da exposição dessa categoria profissional às situações nem sempre fáceis de lidar (Tamayo, 1997), tais como a dor, a morte e o sofrimento, vividas no cotidiano do hospital, traz sofrimento para o trabalhador de enfermagem, que se utiliza dela como forma de negar a realidade do seu trabalho, que às vezes lhe é insuportável. Em resumo, podem-se verificar os escores das estratégias de enfrentamento na Tabela 4.
Nota-se que os níveis de enfrentamento são equivalentes nos estudos de Stephenson e neste trabalho (Tabelas 2 e 4), exceto no que diz respeito à estratégia de recusa, que apresenta, para a amostra estudada, níveis médios bem mais elevados que a média geral da população referida por Stephenson. Com essa característica, podem-se explicar, ao menos parcialmente, os níveis mais baixos de estresse encontrados nos profissionais de enfermagem estudados.
3.2 - Estresse e estratégias de enfrentamento em bancários
Após análise dos resultados obtidos a partir dos questionários, foram organizadas as representações gráficas e os valores foram consolidados, como indicado a seguir.
a) Estresse global
A distribuição dos indivíduos é aproximadamente uniforme a partir de 70 pontos. A média nacional para o estresse global (Stephenson, 2001) é de cerca de 77 pontos. Para essa amostra, foram obtidos os seguintes escores para os níveis de estresse:
Podemos perceber que, para todos os itens pesquisados, a presente amostra obteve médias maiores do que a média nacional. Pode-se concluir, portanto, que a amostra se encontra mais estressada do que a média brasileira.
b) Estratégias de enfrentamento
Novamente, para esse grupo, agora, a estratégia de controle é fortemente empregada pelos indivíduos.
Pode-se perceber que cerca de um terço da amostra desenvolve, como estratégia de enfrentamento, o apoio de pessoas de sua área. Procuram compartilhar com o próximo, familiares ou amigos, as angústias que vivem, e ajudam os outros colegas de trabalho como gostariam de ser ajudados
Como se pode observar na Figura 9, cerca de 75% dos sujeitos analisados usam como estratégia de enfrentamento o isolamento, o qual pode levar o indivíduo a ingerir remédios, fumar em excesso, refugiar-se em sonhos e fantasias, mudar sua maneira de ser, sentir-se culpado pela situação e tornar-se agressivo, recusando-se a aceitar seus problemas.
A recusa é uma estratégia bastante empregada pelos indivíduos. Sendo uma estratégia negativa, a conjunção de níveis de estresse acima da média e a utilização de formas negativas de enfrentamento caracterizam o grupo como fortemente estressado. Em resumo, podem-se verificar os escores das estratégias de enfrentamento na Tabela 6.
Pode-se notar que os níveis de enfrentamento para as estratégias de controle e apoio social são menores na amostra estudada, em relação à média brasileira. Em contrapartida, os níveis para as estratégias de isolamento e recusa são maiores na amostra estudada.
Dessa forma, não apenas os níveis de estresse medidos na amostra de bancários são maiores, como também as estratégias de enfrentamento utilizadas majoritariamente são ligadas a alguma forma de fuga e negação dos problemas.
4. Conclusão
As escalas de estresse e de enfrentamento apresentadas relevam uma abordagem transacional do estresse. Enquanto as abordagens mecanicistas privilegiam o ambiente externo ou as componentes fisiológicas do estresse, a abordagem transacional descreve o estresse como um processo complexo, que implica a análise de interações e de trocas (transações) contínuas entre o organismo e o ambiente, daí seu nome - "transacional".
As escalas ETS e ETC definitivamente incorporam um modelo psicossociológico de abordagem do estresse e das estratégias de enfrentamento, em detrimento de uma abordagem mais fisiológica.
No que diz respeito à validação do instrumento, um primeiro estudo já foi realizado no Brasil, no já mencionado trabalho de Stephenson (2001). Um novo estudo está em andamento, para avaliação de coerência interna e estrutura fatorial das escalas, baseado em uma amostra significativamente maior - cerca de 1500 indivíduos -, o que permitirá obter resultados médios mais precisos das dimensões do estresse e das estratégias de enfrentamento para a população brasileira. Nessa linha de trabalho, a proposição de versões reduzidas das escalas, de aplicação e avaliação mais rápidas, poderia trazer novas aplicações ao instrumento. Também a comparação de resultados com escalas já utilizadas, como o OSI (Occupational Stress Indicator), seria interessante.
Finalmente, os exemplos apresentados têm caráter sobretudo ilustrativo, permitindo verificar as possibilidades do instrumento e sua gama de aplicações.
Referências
BILLINGS, A. G.; MOOS,R. H. Coping, stress, and social resources among adults with unipolar de pression. Journal of Personality and Social Psychology, v. 46, n. 4, 1984. p. 877-891. [ Links ]
CARVER, C. S.; SCHEIER, M. F.; WEINTRAUB, J. K. Assessing coping strategies: a theo retically based approach. Journal of Personality and Social Psychology, v. 56, n. 2,1989. p. 267-283. [ Links ]
DANTZER, R.; GOODALL, G. Psychobiologie du stress. In: BRUCHON-SCHWEITZER, M.; DANTZER, R. (eds.). Introduction à la psychologie de la santé. Paris: PUF, 1994. p. 155-182. [ Links ]
ESPARBÈS-PISTRE, S.; SORDESADER, F.; TAP, P Les stratégies de coping: Présentation de l'échelle de coping. Journées du laboratoire - Saint Cricq. Laboratoire Personnalisation et Changement Sociau, 1994. p.89-107. [ Links ]
FOLKMAN, S.; LAZARUS, R. S.; GRUEN, R. J.; DeLONGIS, A. Appraisal, coping, health, status, and psychological symptoms. Journal of Personality and Social Psychology, v. 50, n. 3, 1986. p. 571-579. [ Links ]
LAZARUS, R. S.; FOLKMAN, S. Stress, appraisal, and coping. New York: Springer, 1984. [ Links ]
LIPP M.E.N. Pesquisas sobre stress no Brasil: Saúde, ocupações e grupos de risco. Campinas: Papirus, 1996. [ Links ]
PAULHAN, I.; BOURGEOIS, M. Stress et coping: les stratégies d'ajustement à l'adversité. Paris: PUF,1995. [ Links ]
SARAFINO, E. P Health Psychology. New York: Jophn Wiley, 1994. [ Links ]
SORDESADER, F.; TAP, P Maladies et conduits de projets à l'adolescence. Pratiques Psychologiques, v. 1, n. 2, 1997. p. 107-118. [ Links ]
STEPHENSON, M. I. G. P Le stress, les stratégies de coping et les représentations sociales de la maladie chez les séropositifs au Brésil. Université de Toulouse II, Thèse de Doctorat Nouveau Régime, 2001. UFR Psychologie, 407 p. [ Links ]
TAMAYO, R.M. Relação entre a Síndrome do Burnout e os valores organizacionais no pessoal de enfermagem de dois Hospitais Públicos. Brasília, 1997, Dissertação de Mestrado - Instituto de Psicologia, Universidade de Brasília. [ Links ]