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Revista Psicologia Organizações e Trabalho

versão On-line ISSN 1984-6657

Rev. Psicol., Organ. Trab. vol.13 no.2 Florianópolis ago. 2013

 

Intervenção em saúde do trabalhador em um curtume do Oeste Paulista

 

Occupational health intervention at a tannery in the west of São Paulo State

 

 

Cassiano Ricardo RuminI; Daniela Bonadirman da SilvaII; Maira Angélica Rodrigues de SouzaIII

IFaculdades Adamantinenses Integradas - FAI
IIFaculdades Adamantinenses Integradas - FAI
IIIFaculdades Adamantinenses Integradas - FAI

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O presente trabalho teve o objetivo de avaliar a organização do trabalho, as condições de execução e a insatisfação presentes em um curtume do oeste paulista. A metodologia envolveu a observação do trabalho e a realização de entrevistas semidirigidas com grupos focais de trabalhadores. Em seguida, foi realizada a devolutiva das informações colhidas, permitindo a validação e a refutação de percepções estabelecidas. Os resultados indicaram prejuízos à organização de trabalho que abrangeram a ausência de uniformes e a inexistência de espaços de interlocução com os superiores hierárquicos. As condições de trabalho compreenderam prejuízos à dispersão de gases volatilizados no parque industrial, a utilização de maquinário antigo, com prejuízo à reposição de peças danificadas e a prevenção secundária nas ações de segurança do trabalho. Já a insatisfação envolvia a esvaziada capacidade da hierarquia para resolução de conflitos, a existência de uma cultura reativa em torno de dificuldades laborais e queixas relativas à qualidade do equipamento de proteção individual. Conclui-se destacando que o atendimento às condições críticas apontadas poderia produzir um efeito positivo de reconhecimento dos esforços empregados no cotidiano laboral.

Palavras-chave: Saúde do Trabalhador, Acidentes de Trabalho, Curtume, Psicodinâmica do Trabalho.


ABSTRACT

This research aimed to assess the organization of work, working conditions, and dissatisfaction at a tannery in Western São Paulo State. The method involved work observation and semistructured interviews with worker focus groups. The collected information was then reported, allowing the validation and refutation of established perceptions. The results indicated negative effects on the work organization, including the lack of uniforms and the absence of any means for dialog with company management. The working conditions even included harmful effects from the dispersion of volatile gases in the industrial park, and the use of outdated machinery, without the replacement of damaged parts and without minimal prevention in occupational safety actions. Dissatisfaction extended to the organizational hierarchy's total lack of problem-solving ability, the existence of a reactive culture regarding job difficulties, and complaints about the quality of Personal Protection Equipment. In conclusion, it is highlighted that paying attention to the critical conditions pointed out could produce a positive effect of recognizing the efforts made in daily work.

Keywords: Occupational Health, Occupational Accidents, Tannery, Psychodynamics of Work.


 

 

A indústria de preparação de couros é um setor de relevância por fornecer matériasprimas para as indústrias calçadista, automotiva e de vestuários. De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (2010), mais de 9,7 milhões de peles bovinas foram processadas nos curtumes brasileiros apenas no primeiro trimestre de 2008. O Instituto de Economia Agrícola (2009) destaca a relevância deste setor econômico pela posição de seu volume de exportações junto a soja, madeira, carne de frango, açúcar, carne bovina, álcool e laranja, atendendo, especialmente, o mercado consumidor da União Europeia.

A produção de carne bovina impulsiona a atividade de curtumes de couros bovinos e se espalha pelo território brasileiro de acordo com as áreas produtoras de gado de corte. Algumas vezes, o curtimento de couro é uma atividade realizada pelo próprio frigorífico, como no caso do Frigorífico Marfrig, que, no início de 2012, experimentou um grave acidente de trabalho com quatro mortes nas atividades de curtume (UOL notícias, 2012).

As unidades brasileiras processadoras de couros se concentram especialmente na atividade denominada wet blue, sendo o cromo o principal componente químico empregado (Freitas & Melnikov, 2006). O wet blue é um dos processos básicos da ação de curtimento e permite a conservação das peles bovinas por longos períodos para posteriores tratamentos. Deste modo, pode ser transportada até para outros países para realizar etapas de acabamento, como a coloração, por exemplo. A produção do wet blue determina a contaminação ambiental com o cromo, especialmente dos mananciais de água (Nunes & Luiz, 2006; Pereira & Lima, 2007).

Além da degradação ambiental decorrente dos processos de transformação da indústria de curtimento de couros, os impactos à saúde são indicados em alguns estudos nacionais e internacionais. Salazar (2008) analisa o impacto ao ambiente e à saúde dos trabalhadores mexicanos de curtumes que utilizam o cromo, afirmando que não "existe una capacitación constante para sus trabajadores, y mucho menos un seguimiento al manual de higiene y seguridad en el trabajo" (Salazar, 2008 p.68). Cuberos, Rodriguez e Pietro (2009) destacam que os agravos determinados pela exposição ao cromo ocasionam alterações otorrinolaringológicas, dermatológicas e oftalmológicas.

Padrón et al. (1999) afirmam que o trabalho em curtumes, principalmente em razão da exposição a solventes orgânicos volatilizados, causa lesões ao sistema nervoso central e periférico, além de atingir o aparelho respiratório. Shahzad, Akhtar e Mahmud (2006) detectam a alta prevalência de asma ocupacional em trabalhadores de curtumes paquistaneses.

A análise do desgaste à saúde de trabalhadores expostos a solventes orgânicos e metais pesados é um campo amplamente abordado pela toxicologia ocupacional. Já foi claramente demonstrado o nexo causal entre a exposição a estas cargas ocupacionais e os respectivos agravos. Fernícola, Wakamatsu, Mendes e Moraes (1976) analisaram a exposição ao benzeno, solvente orgânico presente em colas utilizadas por trabalhadores da indústria de calçados de Franca (SP) na montagem de calçados. Os autores enfatizaram as alterações hematológicas que podem determinar, inclusive, a anemia aplástica e a leucose. Além da indústria de calçados, a siderurgia e a petroquímica também utilizavam largamente o benzeno (Augusto & Novaes, 1999). O chumbo, conforme descrito por Lobaína, Rivero, Hernandez, Hernandez e Ortiz (2000), apresenta correlação positiva entre sua exposição ocupacional e ocorrência de alterações hematológicas, psiquiátricas e respiratórias. Os autores destacam as alterações cognitivas e psicomotoras como as principais perturbações da esfera psiquiátrica relacionadas à exposição a solventes orgânicos e a metais pesados.

Os agentes químicos empregados nas atividades de curtimento de couros envolvem, especialmente, o tolueno - substituindo o benzeno - e o cromo (Pacheco, 2005). A exposição ocupacional ao tolueno e ao cromo exige, de acordo com a NR 7, o monitoramento pelo Programa de Controle Médico de Saúde Ocupacional por envolver, principalmente, prejuízos ao aparelho respiratório e aos tecidos cutâneos. De acordo com a NR 15 determinam pagamento de insalubridade em grau médio. Além das cargas ocupacionais químicas, uma parcela de trabalhadores no curtume de couros está exposta ao contato com o sangue e com os tecidos bovinos, o que caracteriza uma carga ocupacional biológica. Estes trabalhadores, responsáveis por descarregar os veículos transportadores de couro e depositar as peças de couro nos tanques de processamento (fulões), desenvolvem atividades insalubres em grau máximo, de acordo com a NR 15 (Pinto, Windt & Céspedes, 2008).

Para ampliar a compreensão do nexo causal entre a exposição cotidiana a agentes ocupacionais e quadros de adoecimento entre trabalhadores, é necessária a condução de estudos populacionais que comparem padrões de agravos à saúde entre indivíduos expostos e não expostos aos agentes determinantes de desgaste à saúde. Cordeiro, Lima Filho e Almeida (1998) indicam que na literatura especializada em saúde ocupacional não há registro da associação entre a hipertensão arterial sistêmica (HAS) e o trabalho em curtumes, "muito embora sejam comuns nos curtumes exposições importantes ao ruído industrial e ao calor, fatores sabidamente associados à hipertensão" (Cordeiro, Lima Filho & Ameida, 1998 p.475). Em um estudo longitudinal iniciado em 1993 e que se estendeu até o ano de 2000, a associação entre o trabalho em curtumes e a HAS foi observada (Cordeiro, Peñaloza & Donalisio, 2004). Conforme afirmam os autores, ao comparar os níveis de HAS dos trabalhadores de curtumes com outros grupos que também são expostos a pressão sonora e calor, tal como trabalhadores da metalurgia, a incidência de HAS continua se apresentando aumentada.

Outros estudos longitudinais foram realizados com o intuito de definir se o trabalho em curtumes é fator determinante para a ocorrência de diversos tipos de câncer. Entre os anos de 1955 e 1988, Montanaro, Ceppi, Demers, Puntoni e Bonassi (1997) encontraram um aumento de casos de câncer de cólon, reto e bexiga entre trabalhadores de curtumes italianos. Mikoczy, Schutz e Hagmar (1994) estudaram o padrão de adoecimento de trabalhadores de curtumes da Suécia entre 1900 e 1989, e encontraram aumento nos casos de câncer em tecidos moles, do aparelho nasal e mielomas múltiplos. Mikoczy e Hagmar (2005) destacam o incremento nos casos de câncer de próstata para este mesmo grupo de trabalhadores. A baixa mecanização das etapas produtivas e a consequente predominância de atividades manuais no manejo das peças de couro direcionadas para o curtimento implicam exposição aumentada aos agentes ocupacionais, conforme destaca o estudo de Constantini et al. (1998) entre trabalhadores de curtumes italianos.

Os acidentes de trabalho compilados pelo Departamento Intersindical de Estudos e Pesquisas de Saúde e dos Ambientes de Trabalho (DIESAT, 2012) indicaram, na atividade de "curtimento e outras preparações de couro" (Classificação Nacional de Atividades Econômicas: CNAE 1510), respectivamente: 1465 acidentes de trabalho em 2007, 1439 registros em 2008 e 1153 ocorrências em 2009. Chama a atenção nestes registros a reduzida proporção de doenças do trabalho, mesmo em condições reconhecidas de insalubridade, com destaque para a exposição a cargas químicas. Em 2007, as doenças do trabalho acumularam apenas 2,66% das notificações; em 2008, estes mesmos registros alcançaram a proporção de 1,81% e, em 2009, tiveram a proporção de 1,99%. Estas reduzidas proporções podem refletir dificuldades no reconhecimento do nexo causal entre os adoecimentos e o trabalho (auxílio-doença acidentário: B.91) e a predominância de habilitações de auxílio-doença previdenciário (B.31). Talvez seja possível observar nos próximos anos mudanças nestes padrões de registro de acidentes de trabalho no curtimento de couros, com a adoção do Nexo Técnico Epidemiológico Previdenciário (Todeschini & Lino, 2010).

Esta pesquisa teve o objetivo de avaliar as características da organização do trabalho, as condições de execução e a insatisfação decorrente do processo produtivo de uma indústria de curtimento de couros bovinos.

 

MÉTODO

Esta pesquisa utilizou a proposição metodológica da Psicodinâmica do Trabalho (Dejours, Abdoucheli, Jayet & Betiol, 1994) para, em um primeiro momento, caracterizar a organização, as condições e a insatisfação no trabalho. Em um segundo momento, realizou-se a validação das informações colhidas por meio de uma devolutiva. Essa devolutiva também visou mobilizar o coletivo de trabalhadores a discutir os processos de agravo à saúde que experienciavam no cotidiano produtivo.

Entre fevereiro e julho de 2010, esta pesquisa de caráter descritivo foi realizada em uma indústria de processamento de couros bovinos situada na região oeste do estado de São Paulo. Utilizou-se a observação do processo de trabalho e a entrevista semidirigida com grupos focais de trabalhadores. A observação foi monitorada pela Comissão Interna de Prevenção a Acidentes (CIPA) e desenvolveu-se em quatro ocasiões. Os integrantes da CIPA, ao longo da observação, posicionavam situações críticas vividas na organização de trabalho, tais como: acidentes, situações de risco, dificuldades de execução de atividades e conflitos interpessoais. Além disso, disponibilizaram um conjunto de registros fotográficos sobre o ambiente de trabalho. Ressalta-se que os registros fotográficos foram produzidos pelos integrantes da CIPA em momentos anteriores à intervenção e foram utilizados para esclarecer questões apreendidas no processo de observação. Também é importante destacar que os registros fotográficos representavam uma parcela do conflito vivenciado pelos profissionais da CIPA, pois afirmavam que diversas situações degradantes do ambiente de trabalho já haviam sido identificadas, mas não conseguiam mobilizar mudanças.

As entrevistas semidirigidas com grupos focais de trabalhadores desenvolveram-se nos meses de abril e maio de 2010. Essa técnica de entrevista de grupo foi utilizada em virtude do volume de informações que é produzido quando um assunto é coletivamente abordado e, também, pela possibilidade de validar algumas informações nos espaços de discussão entre os grupos de trabalhadores entrevistados. Assim, uma impressão produzida por um grupo pode ser discutida nos grupos subsequentes e ocorrer a avaliação de sua ressonância.

Os grupos de entrevista ocorriam uma vez por semana e foram divididos de acordo com as funções hierárquicas ocupadas e os setores do processo produtivo. Apenas os encarregados de produção não foram alocados de acordo com o setor de atuação, pois alguns setores possuíam um único encarregado. Ao todo, foram realizadas nove entrevistas em grupos focais em que os trabalhadores eram convidados coletivamente para participar. Ressalta-se que a entrevista com os encarregados de produção foi a mais extensa, ultrapassando três horas de duração. Talvez a extensão desta entrevista reflita a tensão entre os setores e a posição de intermediário deste trabalhador, entre as imposições organizacionais e as exigências dos trabalhadores. Participaram da caracterização do trabalho em torno de 40% dos trabalhadores do patio industrial. Este número é aqui apresentado proporcionalmente, pois alguns trabalhadores iniciavam a entrevista e eram chamados pelo rádio para resolver alguma situação. Assim, saíam e voltavam (ou não) ao grupo. Houve também situações em que, após um grupo iniciar a entrevista, algum trabalhador pedia para participar e respondia as questões a partir do ponto em que o grupo estava. Estes fatores de oscilação dos grupos não foram considerados de modo negativo por representarem as urgências dos trabalhadores e dos setores produtivos. Também é importante ressaltar que as informações foram validadas pelos trabalhadores no momento da devolutiva. Por isso, distorções produzidas pela oscilação dos grupos poderiam ser abordadas.

 

RESULTADOS E DISCUSSÃO

As entrevistas semidirigidas com os trabalhadores permitiram a constituição da Tabela 1, apresentada a seguir. Foi dividida em três campos distintos, denominados: organização do trabalho, condições de trabalho e insatisfação (Dejours, 1992). A organização do trabalho envolve a sua divisão e o conteúdo da tarefa, estruturas hierárquicas e de comando, relações de poder e "questões de responsabilidade" (Dejours, 1992, p.25). As condições de trabalho englobam o ambiente físico, a exposição a agentes químicos e biológicos, a higiene, a segurança no ambiente de trabalho e também "as características antropométricas do posto de trabalho" (Dejours, 1992, p.25). Já a insatisfação decorre da impossibilidade de vivenciar satisfações concretas e simbólicas. Para Dejours (1992), os aspectos concretos da satisfação

dizem respeito à proteção da vida, ao bem-estar físico, biológico e nervoso, isto é, à saúde do corpo. Estas satisfações concretas analisam em termos da economia psicossomática, segundo duas diretrizes: subtrair o corpo da nocividade do trabalho e permitir ao corpo entregar-se à atividade capaz de oferecer as vias melhor adaptadas à descarga de energia. Isto é: fornecer atividades físicas, sensoriais e intelectuais segundo proporções que estejam em concordância com a economia psicossomática individual (p.62).

Para o autor, a satisfação simbólica do trabalho "trata-se da vivência qualitativa da tarefa. É o sentido e a significação do trabalho que importam nas relações com o desejo. Não é mais questão das necessidades, como no caso do corpo, mas dos desejos e das motivações" (Dejours, 1992, p.62).

A elaboração da Tabela 1 foi relevante para a execução da validação das informações com o coletivo de trabalhadores. A síntese dos discursos colhidos em conjuntos temáticos poderia determinar algum prejuízo ao conteúdo. Por outro lado, permitiria focalizar aspectos do cotidiano de trabalho sem que o sigilo em relação a quem discursasse sobre o entrave produtivo fosse quebrado. A seguir estão apresentados os resultados e a respectiva discussão.

A ausência de uniformes para a execução das atividades cotidianas de trabalho foi destacada pelos trabalhadores entrevistados como uma situação da organização de trabalho que gera desconforto. Além do desgaste de vestimentas pessoais em razão de sua utilização no cotidiano de trabalho, elencam-se as preocupações com a exposição do ambiente doméstico às cargas químicas a partir da lavagem das vestimentas. Desse modo, seria possível considerar a oferta de uniformes aos trabalhadores e o estabelecimento de uma estrutura para a lavagem dos mesmos, como forma de interromper a exposição do ambiente doméstico às cargas químicas de trabalho. Preocupações como essa já motivaram a adoção de legislação específica no Rio Grande do Sul que responsabiliza o empregador a higienizar os uniformes de seus funcionários (http://www.al.rs.gov.br/Legis/Arquivos/13.892.pdf).

A demanda que envolve a extensão da jornada de trabalho foi considerada um ponto crítico para os trabalhadores que iniciam o processo de curtimento, pois ela interfere no desgaste das capacidades físicas do trabalhador e nas relações estabelecidas no espaço de sociabilidade. As exigências físicas são elevadas quando surge maior oferta de couro para processamento industrial, pois reconhecendo a urgência do tratamento do couro, os trabalhadores necessitam dedicar-se ao início do processamento, mesmo que estejam no final de sua jornada de trabalho. Assim, associa-se à exigência física uma carga psíquica ligada à urgência de seu ato produtivo.

Conforme destacado por alguns trabalhadores, outros setores industriais, tal como o wet blue,, têm a possibilidade de controlar a intensidade do trabalho e respeitar a extensão da jornada ao deixar que uma parcela do trabalho possa ser realizada no dia seguinte. Ainda deve-se destacar que a oscilação da demanda produtiva implica em reduzir a possibilidade do trabalhador de capacitar-se profissionalmente (algum ciclo de educação) em razão da perturbação dos horários de término do turno de trabalho. Desse modo, o melhor dimensionamento dos fluxos de matéria-prima, em associação com ajustes na alocação de trabalhadores ao longo da jornada produtiva, poderia contribuir para minorar os impactos dessa característica da organização do trabalho sobre a saúde dos trabalhadores.

Associa-se a essa característica da organização do trabalho o questionamento de que, em algumas funções, as condições de trabalho são polivalentes. Assim, a prática de trabalho polivalente causa incrementos elevados de exigência ocupacional: o trabalhador é braço para toda obra. Já nos postos de trabalho de característica taylorista (monovalentes) haveria maior possibilidade de controlar a intensidade do trabalho regulando o desgaste do corpo pela velocidade do trabalho executado.

Estabelece-se, dessa forma, uma relação assimétrica entre setores produtivos e por isso é questionada a ocorrência da cooperação. Destaca-se que, se a cooperação fosse experienciada pelo coletivo de trabalhadores, as relações interpessoais se beneficiariam de maior coesão. Entretanto, há também o relato da assimetria e empoderamento entre setores produtivos, a partir de relações pessoais que garantem maior agilidade para a resolução de suas necessidades. Emerge o sentimento de negação das demandas daqueles setores preteridos. Conforme destaca Dejours (2001):

a negação não se limita ao desconhecimento do real. Resiste à prova da verdade da experiência, quando as dificuldades encontradas no exercício do trabalho não chegam ao conhecimento dos gerentes. Vale dizer quando ficam confinadas à "base" e não assumidas pelos gerentes (p.64).

Políticas assimétricas para o estabelecimento de benefícios salariais também são alocadas entre as assimetrias e criam prejuízos para a "psicodinâmica do reconhecimento". Dejours (2001, p.34) aponta que "o reconhecimento não é uma reivindicação secundária dos que trabalham. Muito pelo contrário, mostra-se decisivo na dinâmica da mobilização subjetiva da inteligência e da personalidade no trabalho (o que é classicamente designado em psicologia pela expressão 'motivação no trabalho')".

A motivação no trabalho não é o único elemento atingido pelos prejuízos do reconhecimento. Atinge-se, também, a saúde mental, pois não propicia que os trabalhadores se reapropriem dos investimentos psíquicos realizados no cotidiano de trabalho. Na concepção dejouriana,

do reconhecimento depende na verdade o sentido do sofrimento. Quando a realidade de meu trabalho é reconhecida, também meus esforços, minhas angústias, minhas dúvidas, minhas decepções, meus desânimos adquirem sentido. Todo esse sofrimento, portanto, não foi em vão; não somente prestou uma contribuição à organização do trabalho, mas também fez de mim, em compensação, um sujeito diferente daquele que eu era antes do reconhecimento. O reconhecimento do trabalho, ou mesmo da obra, pode depois ser reconduzido pelo sujeito ao plano da construção da identidade (Dejours, 2001, p.34).

Com os prejuízos ao reconhecimento não se constituiria um espaço para a articulação discursiva que contasse com um mediador para a "arbitragem de conflitos" (Dejours, 2009). A arbitragem

é a coordenação das atividades e das inteligências singulares na cooperação do coletivo de trabalho. A soma dessas arbitragens, que elimina certos modos operatórios e estabiliza outros, consegue, no melhor dos casos, fazer evoluírem as regras de trabalho que estão numa relação dialética com a organização do trabalho prescrito, que elas subvertem para melhorá-la (p.56-57).

Quando o prejuízo à arbitragem e ao reconhecimento atinge o dimensionamento dos esforços produtivos, inicia-se o colapso do engajamento às metas organizacionais e são exigidos níveis crescentes de controle e punições no trabalho. O controle envolve horários, cotas de produção, com quem e o que se fala no trabalho e cumprimento de regulamentos de segurança que não se articulam à realidade do ofício. Já as punições abrangem a distribuição dos trabalhadores entre os turnos produtivos e a alocação em etapas do curtimento do couro, que são descritas pejorativamente e apresentam maior desgaste à saúde. Para os trabalhadores, o turno noturno limita a possibilidade de qualificação profissional e a possível ruptura com o trabalho degradante vivido no curtume. As etapas produtivas em que há maior exposição às peles in natura (descarregamento dos caminhões, retirada de gorduras, de tecidos e do sal usado na prévia conservação da pele) e a manipulação das peles entre os fulões (onde se encontram grandes quantidades de solventes orgânicos que são inalados) são descritas como as piores situações de trabalho no curtume.

A caracterização da diretoria da empresa como punitiva ilustra a redução da hierarquia organizacional ao controle do trabalho e distancia-se da constituição de uma referência para mediar conflitos e urgências do cotidiano produtivo. O gerenciamento reduzido a práticas punitivas também implica num alinhamento dos trabalhadores a processos ideológicos ligados à "virilidade" (Dejours, 2001). Esta se expressa "pela violência que se é capaz de cometer contra outrem, especialmente contra aqueles que são dominados" (Dejours, 2001, p.81). O recurso à virilidade é a possibilidade de materializar a perversidade, e como afirma Dejours (2001, p.82) "é perverso porque usa o que em psicanálise tem o nome de ameaça de castração". A consequência desta ordem hierárquica viril pode ser observada na elevada competitividade interpessoal e no boicote aos projetos coletivos de reordenação organizacional.

No arranjo viril da organização, as falhas são consideradas fracassos individuais e não mantém nenhuma ligação com estruturas organizacionais e com os processos de trabalho desenvolvidos. A empresa passa a apresentar reduzida capacidade de tirar lições de suas próprias falhas e o arranjo da "virilidade" determina a repetição constante de problemas anteriormente vivenciados. Descaracteriza-se a possibilidade de constituir uma empresa que qualifique suas atividades a partir daquilo que acontece em seu cotidiano; as falhas não são tomadas como perspectivas de aprendizagem e de desenvolvimento organizacional.

Completa-se tal quadro com o restrito investimento em treinamento profissional, conforme apontado pelos entrevistados. Destacaram que o aprendizado do processo produtivo desenvolve-se no cotidiano de trabalho, no modelo de 'aprendizado testemunha'. É importante enfatizar que, em virtude da complexidade dos riscos ocupacionais em um curtume, o "aprendizado testemunha" pode impulsionar a exposição a riscos de acidentes de trabalho. Isso ocorreria especialmente com trabalhadores iniciantes, devido à configuração ainda deficitária das percepções de risco no ambiente e na execução das atividades.

A partir desse ponto procede-se a discussão da articulação entre as condições e a insatisfação no trabalho. A identificação de "cargas de trabalho" (Laurrel & Noriega, 1985) - realizada com a observação do ambiente produtivo e a expressão discursiva dos trabalhadores - auxiliou na descrição das condições de trabalho que são enfrentadas cotidianamente pela Comissão Interna de Prevenção de Acidentes (CIPA) e pelo Serviço Especializado em Engenharia de Segurança e Medicina do Trabalho (SESMT).

De acordo com Laurrel e Noriega (1985) as cargas de trabalhadores são elementos que interagem na determinação de desgaste à saúde do trabalhador e, de acordo com Rigotto (1994) se dividem nos seguintes grupos: a) físicas: características do ambiente físico que interagem cotidianamente com o trabalhador; b) químicas: substâncias químicas envolvidas no processo de trabalho em forma de pó/poeira, fumaças, gases, vapores, pastas ou líquidos; c) orgânicas: qualquer organismo animal ou vegetal que possa determinar danos à saúde do trabalhador, como bactérias, vírus, fungos, parasitas e fibras vegetais; d) mecânicas: derivadas da tecnologia do trabalho, de sua operação ou manutenção, materiais soltos no ambiente e, em particular, às condições de instalação dos meios de produção; e) fisiológicas: esforços físicos, visuais, deslocamentos e movimentos exigidos pela execução das tarefas, horas extras, intensificação e extensão da jornada e os turnos; f) psíquicas: oriundas da organização e divisão do trabalho e do contato interpessoal nos espaços de sociabilidade do trabalho. São moduladas pelas outras cargas presentes no ambiente produtivo.

Na Tabela 2 verificam-se as cargas de trabalho identificadas na atividade de curtimento de couros.

Os prejuízos à ventilação e à dispersão de vapores e gases foram destacados pelos trabalhadores como fontes constantes de desconforto e de preocupação relativa à ocorrência de agravos à saúde. Considera-se a ênfase da prevenção secundária dos riscos no ambiente de trabalho, em detrimento das perspectivas de prevenção primária. Esta última é considerada a condição recomendada em saúde ocupacional, pois as adequações estruturais e de equipamentos industriais exigidas para sua efetivação eliminariam as fontes de risco ou reduziriam a exposição ambiental. Já a prevenção secundária se concentra na utilização de equipamentos de proteção individual (EPI) e articula-se a um conjunto de situações pouco eficientes para a prevenção do agravo ao quadro geral de saúde do trabalhador (Mendes, 2005).

A reduzida eficiência das ações de prevenção secundária envolve desde a inadequação dos EPIs à atividade desenvolvida, até mesmo a proteção focal de um conjunto de trabalhadores sem avaliação da propagação do risco no ambiente de trabalho. No caso da dispersão de gases, o uso de máscaras como meio principal de prevenção é prejudicada pela limitação de aspiração de oxigênio em momentos de intenso esforço físico. Como esta é uma situação constante em alguns postos produtivos, os trabalhadores reclamam de inadequação do EPI e apontam para a limitação de sua funcionalidade em razão da sensação de sufocamento. Ainda, esta prática de prevenção secundária não reduz a exposição do coletivo de trabalhadores da dispersão de gases pelo ambiente. Por isso, representa uma medida paliativa e tem sua orientação preventiva limitada.

A utilização de maquinários antigos e a existência de entraves à reposição de peças danificadas ocasionam situações contributivas ao risco ocupacional. O maquinário antigo demanda exigências ergonômicas intensas para sua utilização e contribui para a sobrecarga de trabalho. Ainda, pode ser elencada como fonte potencial de risco, pois, para o seu funcionamento, uma série de "macetes" ou práticas adaptativas necessitam ser utilizadas. Dejours (1994, p.133) destaca que os macetes são articulações "cuja soma conduz à elaboração de verdadeiros princípios reguladores para a ação e para a gestão das dificuldades ordinárias e extraordinárias observadas no curso do trabalho".

Nota-se a presença de uma cultura reativa para manter em funcionamento o maquinário industrial. Nesta cultura reativa não são tomadas medidas proativas para evitar o colapso do maquinário e faltam peças de reposição para manutenção industrial. Por esta razão, além das práticas adaptativas representarem um risco complementar de acidentes de trabalho, também criam cargas psíquicas que elevam a tensão entre o setor de controle de estoque, os trabalhadores e os distintos patamares hierárquicos.

Cargas psíquicas elevadas também estão presentes nas funções de controle e de suprimento de materiais. A cultura reativa da organização de trabalho mantém um estoque de peças muito reduzido e, por isso, alguns setores têm dificuldades para o atendimento de suas necessidades. Surgem outros relatos de dificuldades de manutenção, em que o discurso dos trabalhadores indicou a ocorrência de vazamentos em calhas que não são sanados e até mesmo sobrecargas nos tanques de tratamento de dejetos industriais, em razão de limitação da manutenção de equipamentos para o bombeamento de resíduos.

A visão produzida pela cultura reativa se expande até as ações ambientais de controle e tratamento de efluentes. Estão concentradas as responsabilidades relativas às ações ambientais em um único trabalhador que, caso necessite se ausentar momentaneamente ou mesmo se afastar por um maior período de tempo, determinaria prejuízos funcionais ao controle de efluentes. É plausível considerar que a dependência de funcionamento de um setor a um único trabalhador é indicativa de necessidade de instrumentalizar novos componentes para suprir as necessidades da mesma função.

A insatisfação no trabalho indicou também a demora na reposição de botas, a reduzida prática da ginástica laboral e a ausência de pintura em paredes como situações que contribuem para a percepção pejorativa das ações de gestão do trabalho. Indica-se, ainda, o anseio dos trabalhadores em obter aprovação para revestir com pisos cerâmicos áreas de paredes que necessitam de intensa manutenção da higiene. As dificuldades para obter o atendimento às demandas apresentadas foram destacadas como ilustrativas do esvaziamento de capacidades hierárquicas para a resolução de demandas organizacionais. Ao trabalhador restaria a condição de "solilóquio" abordada por Codo e Tavares (2004):

O acerto e o erro dependem de mim (solilóquio), tenho que acertar (responsabilidade), mas os critérios para o que é acerto são imprecisos, ou as razões para que acerte escapam ao meu controle (incerteza), e sei que posso ser punido por um resultado que não controlo e cuja responsabilidade será atribuída a mim (ameaça) (p.217).

As demandas organizacionais também abrangeriam o espaço ampliado da comunidade e produziriam uma imagem pejorativa da empresa que impregnaria a identidade dos trabalhadores. Em razão do impacto ambiental causado por suas atividades e da ausência de projetos que resgatem a percepção de sinergia entre os interesses da empresa e da comunidade, os entrevistados indicaram a urgência da delimitação de uma ação que projetasse a empresa no campo da responsabilidade socioambiental. Esta proposição gerou um paralelo entre as características da nova unidade de curtimento de couros construída no estado do Paraná e a representação social pejorativa que a empresa constituiu na comunidade local. Conforme destaca Seligmann-Silva (2011), o reconhecimento no espaço de sociabilidade fomenta a consolidação da identidade e:

a sublimação permite ao indivíduo articular os significados de seu desejo à busca de reconhecimento social [...]. Mas a sublimação não tem vez no trabalho desqualificado. As consequências dessa importante constatação têm muito a ver com o sofrimento mental dos trabalhadores e também com a constituição da alienação (p.211).

O desenvolvimento organizacional a partir da devolutiva

A partir da atividade inicial de caracterizar a organização do trabalho, as condições e a insatisfação foi possível traçar algumas proposições para o seguimento de uma atividade de desenvolvimento organizacional. No segundo semestre de 2010 foi organizada a devolutiva das informações em intervenções que combinaram exposição dialogada e uma técnica de desenvolvimento de grupos, denominada "fotolinguagem" (Vacharet, 2008).

A exposição dialogada envolvia a discussão dos problemas encontrados pela ação anterior de caracterização e questionava concepções disseminadas na empresa, especialmente sobre o "ato inseguro" do trabalhador (Dejours, 1999a); a cultura da "prevenção secundária" (uso predominante de equipamento de proteção individual) em detrimento da prevenção primária e a "desconsideração sistemática" (Dejours, 2001) do adoecimento e do sofrimento no trabalho.

Estas concepções abordadas estariam enraizadas em um histórico organizacional de ênfase reduzida nas ações de segurança e saúde no trabalho e ríspidas relações interpessoais, o que despertava nos trabalhadores desconfiança. Havia também um histórico de descaracterização do adoecimento dos trabalhadores deste curtume, conforme descrito por Biasi e Rumin (2008). Este cenário impedia a constituição de formações defensivas baseadas no "agir moral-prático" (Dejours, 1999a, p.67) que "é orientado para o entendimento, suporta o objetivo de viver em conjunto", onde referências equitativas são ordenadores da sociabilidade. Assim, a diretoria e as instâncias de poder da empresa analisada não são tomadas como elementos de identificação pelos trabalhadores; são reduzidos a representações destrutivas e reativas.

Em virtude dessa percepção sugeriu-se o estabelecimento de um espaço de interlocução entre trabalhadores e a diretoria empresarial, onde projetos que envolviam mudanças de etapas produtivas pudessem ser discutidos e geridos. Enfatiza-se que "o sofrimento está sempre ligado à degradação das condições de discussão e de intercompreensão. Quando as pessoas não se compreendem mais, quando não conseguem mais se comunicar e construir uma inteligibilidade comum das relações de trabalho, elas não ficam só decepcionadas: elas se defendem" (Dejours, 1999b, p.171).

Discutir o processo produtivo e gerir alterações estruturais tomadas como necessárias pelo conjunto dos trabalhadores poderia produzir um efeito positivo de reconhecimento dos esforços empregados no cotidiano laboral. A exposição dialogada abrangeu o planejamento de algumas alterações na estrutura do pátio industrial, tal como o revestimento de algumas áreas com pisos cerâmicos ou adaptações ligadas a ventilação ambiental. É plausível que, ao atender as proposições materializadas na prática de exposição dialogada, haveria uma ruptura da percepção cristalizada da hierarquia institucional como punitiva e contribuiria para potencializar a capacidade de resolução de entraves organizacionais.

A fotolinguagem foi sugerida como instrumento formativo que propiciaria o reconhecimento de riscos presentes na prática laboral e a delimitação de propostas de intervenções sobre as fontes de agravo, ilustradas pelos registros fotográficos. A fotolinguagem possibilitaria mobilizar os trabalhadores a pensar medidas que poderiam ser aproveitadas pela empresa para aprimorar as ações em segurança no trabalho. Sua realização contaria com a apresentação, aos trabalhadores, de fotografias que retratavam ambientes de trabalho e fontes potenciais de risco. Esta técnica permite avaliar como se estabelece a percepção dos trabalhadores em relação às medidas organizacionais ligadas à segurança no trabalho e, se são delimitadas medidas de prevenção primárias, secundárias, individuais ou coletivas. Finaliza-se indicando que este instrumento formativo é congruente com a proposição dejouriana que preconiza a demarcação de um espaço para o enfrentamento do solilóquio e possibilita uma diretriz de mudança na organização de trabalho caracterizada pela arbitragem de conflitos.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A perspectiva de aprimorar as relações produtivas com o emprego do diagnóstico da organização, das condições e da insatisfação no trabalho gera questionamentos ao menos sobre três aspectos: a) sobre aquilo que esta prática desperta nos trabalhadores; b) sobre o que determina à imagem instituída da empresa e c) sobre o que produz sobre os arranjos subjetivos dos trabalhadores.

Ao abordar aquilo que o diagnóstico desperta nos trabalhadores, verifica-se que se intensifica a persecutoriedade e a expressão de referências idealizadas que, pela natureza ideal, não poderão se materializar. A persecutoriedade se apresentaria, particularmente, pelo temor de que punições pudessem atingir aqueles que demonstram insatisfação. A idealização de medidas e condutas acarretaria, à organização e ao coletivo de trabalho, a impossibilidade de efetivá-las e, em consequência, adviriam sentimentos de impotência.

A integração dos elementos críticos que são produzidos pelo diagnóstico propiciaria a configuração da ambivalência à imagem instituída da organização de trabalho. A organização, apresentada, em termos de sua eficiência produtiva e de sua competividade, teria integrada à sua imagem a falta e a destrutividade. A percepção desta ambivalência desdobraria efeitos potencializadores e reparadores. Os efeitos potencializadores dizem respeito ao reconhecimento de que alguns aspectos insatisfatórios experienciados no trabalho são sustentados pelo discurso coletivo e se justificam em contraposição à eficiência do sistema de produção. Os efeitos reparadores abrangem a possibilidade de contenção da exploração às formas de ansiedade vividas no trabalho. Estas formas de ansiedade, de acordo com Dejours (1992), são relacionadas à percepção da degradação do equilíbrio psicoafetivo e da saúde física e a ligação compulsória ao trabalho, em razão da necessidade de sobrevivência.

Resta, ainda, destacar o que o diagnóstico organizacional produz sobre os arranjos subjetivos dos trabalhadores. Afirma-se que é possível experienciar uma mudança na racionalidade da ação naquilo que orienta o agir do conjunto de trabalhadores. Tal experiência pode transpor o "agir estratégico" (Dejours, 1999a) orientado maciçamente à objetivação da produtividade. A transposição pode estabelecer o "agir moral-prático" (Dejours, 1999a) fundado sobre relações de sociabilidade equitativas. As vivências equitativas contribuiriam para a materialização do "agir expressivo" (Dejours, 1999a) e comportaria a ação que

deve ser posta em cena para que sua legitimidade e sua justificação possam ser compreendidas pelo outro. O agir expressivo está ligado à dimensão intersubjetiva, inerente a toda ação. A ação, com efeito, não se conjuga no singular. Por essência, não é solipsista (p.68).

Conclui-se afirmando que os efeitos elencados anteriormente possibilitam que defesas coletivas possam se estabelecer, mesmo que mudanças profundas não sejam imediatamente realizadas na organização. Já que se apresenta a ação conjugada no coletivo, o enfrentamento às demandas produtivas pode se constituir nos investimentos entre os trabalhadores. A arbitragem que foi vivenciada com a devolutiva das características organizacionais redefine limites para a exploração do sofrimento no trabalho. Assim, a percepção de que não há escolhas frente ao trabalho patógeno tem seus fundamentos questionados e emergem proposições alternativas que poderiam reordenar a produção da saúde e da doença no trabalho.

 

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Endereço para correspondência:
Cassiano Ricardo Rumin
Faculdades Adamantinenses Integradas (FAI)
Rua 9 de Julho nº 730
Adamantina (SP). CEP: 17800-000
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Recebido em: 16.02.2012
Aprovado em: 23.04.2013