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Revista Psicologia Organizações e Trabalho

versión On-line ISSN 1984-6657

Rev. Psicol., Organ. Trab. vol.18 no.3 Brasília jul./sept.. 2018

https://doi.org/10.17652/rpot/2018.3.14456 

Mapeamento de competências essenciais à atuação de dirigentes sindicais

 

Mapping of main competencies required for union leadership activities

 

Mapeo de las competencias esenciales para actuar como dirigentes sindicales

 

 

Ana Cecília Gomes da Silva; Luciana Mourão

Universidade Salgado de Oliveira, Niterói, Rio de Janeiro, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Mapear competências profissionais tem se tornado uma temática cada vez mais relevante. Este estudo objetivou discutir o papel dos dirigentes sindicais a partir do mapeamento das competências essenciais para o exercício dessa atividade profissional. O método incluiu análise documental, além de 12 entrevistas em profundidade com dirigentes sindicais, trabalhadores e empresários filiados a sindicatos. Para aumentar a robustez, a análise de conteúdo categorial foi feita por três juízes independentes com adoção de dois critérios para a inclusão de competências: consistência (dois terços de concordância entre juízes); e relevância (citação mínima por três entrevistados). Os resultados apontam 26 competências consideradas centrais para dirigentes sindicais, com destaque para: interação com a categoria, conhecimento do negócio sindical e atitude voltada para o aperfeiçoamento contínuo. Destaca-se a falta de alinhamento dos discursos com as reflexões recentes acerca do sindicalismo, o que pode comprometer uma atuação mais eficaz dos sindicatos nas relações de trabalho.

Palavras-chave: competência; sindicatos; relações de trabalho.


ABSTRACT

Knowing the competencies required of professionals has become an increasingly relevant topic. This study aimed to discuss the role of union leaders based on the mapping of essential competencies for these professionals. The method included document analysis, in addition to12 in depth interviews with union leaders and union-affiliated workers and business people. To increase robustness, categorical content analysis was done by three independent experts. Two criteria were adopted for the inclusion of competencies: consistency (agreement of at least two thirds of the judges); and relevance (citation by at least three interviewees). The results point to 26 competencies considered essential for union leaders, with emphasis on: interaction with the category represented, understanding of union business, and attitude towards continuous improvement. It is worth noting the discourses' lack of alignment with recent reflections on trade unionism, which may compromise more effective action by unions in labor relations.

Keywords: Competence; Trade unions; Labor relations.


RESUMEN

Mapear las competencias profesionales se ha convertido en un tema cada vez más relevante. Este estudio objetivó discutir el papel de los dirigentes sindicales a partir del mapeo de las competencias esenciales para la actuación de esa actividad profesional. El método incluye análisis documental y 12 entrevistas detalladas con dirigentes sindicales, trabajadores y empresarios filiados a sindicatos. Para aumentar la robustez, el análisis de contenido categorial fue realizado por tres jueces independientes, con adopción de dos criterios para la inclusión de competencias: consistencia (concordancia de dos tercios de los jueces); y relevancia (citación mínima de tres entrevistados). Los resultados muestran 26 competencias consideradas centrales, destacándose: la interacción con la categoría, conocimiento del negocio sindical y actitud direccionada hacia un perfeccionamiento continuado. Merece destaque la falta de alineamiento de los discursos con las reflexiones recientes acerca del sindicalismo, pudiendo esto perjudicar la actuación del sector en las relaciones de trabajo, haciéndolas menos eficaces.

Palabras-clave: Competencia; Sindicatos; Relaciones de Trabajo.


 

 

Independentemente da categoria profissional, o trabalho tem deixado de ser um conjunto de tarefas associadas descritivamente ao cargo e se tornado o prolongamento direto da competência que o indivíduo utiliza em face de uma situação profissional, cada vez mais mutável e complexa (Borges & Yamamoto, 2014). As últimas décadas são marcadas por mudanças tecnológicas, econômicas e sociais, com um aumento de atividades não rotineiras e de maior demanda cognitiva (Soares Jr. & Funchal, 2016).

Os sindicatos e seus dirigentes não estão imunes a esse cenário (Correia, Alves, Garrido, Gonçalves, & Fidalgo, 2012; Ramalho & Rodrigues, 2014; Rego, Alves, Silva & Naumann, 2013), inclusive porque a área sindical tem passado por alterações, tanto em seu ideário quanto na própria atuação sindical (Antunes & Silva, 2016). Mas a despeito dos novos caminhos percorridos pelos sindicatos, que são sinalizados em pesquisas e reflexões recentes sobre o tema (Krein & Dias, 2017), ainda há muitos outros a percorrer. França (2016), por exemplo, aponta para processos de desconstrução do sindicalismo frente à reestruturação produtiva, aos fatores da subjetividade política das lideranças e às mudanças nas relações com o Estado. Nesse cenário, a própria atuação dos sindicatos precisa ser redesenhada à luz da configuração atual e dos cenários futuros para o mundo do trabalho.

A esse respeito, é preciso considerar as recentes mudanças na legislação trabalhista no Brasil, que alteram não apenas a configuração dos direitos dos trabalhadores, mas também, e substancialmente, a atuação dos sindicatos (Lei Nº 13.467, de 13 de julho de 2017). Para além do preparo para as mudanças em curso no país, a atuação dos sindicalistas exige um acúmulo de aprendizagens específicas, que devem ser atualizadas de acordo com as mudanças econômicas, conjugadas a certas características pessoais como forma de permitir que ocupem um espaço legítimo na entidade (Tomizaki & Rombaldi, 2009).

Os profissionais responsáveis por representar as classes trabalhadora e empregadora são os dirigentes sindicais. O dirigente sindical é eleito para exercer atividades por meio de mandato e atuar com o objetivo de dirimir os conflitos de trabalho. O representante sindical atuaria, então, como um intermediário entre o poder e os sujeitos que integram determinado grupo e compartilham um mesmo ideal (Galery, 2017). Assim é que os dirigentes sindicais atuam na interação das forças produtivas com o capital, buscando minimizar as desigualdades e indo além de questões meramente remuneratórias, englobando reflexões e lutas mais amplas, que envolvem a organização do processo de trabalho, a produção e a condição psicofísica dos trabalhadores (Silveira & Merlo, 2014).

A forma de ingresso na função de dirigente sindical não exige pré-requisito acadêmico ou necessidade de experiência prévia em função análoga. Mas apesar de não haver pré-requisitos formais para o exercício da função - a não ser a eleição em si -, a atuação como dirigente sindical depende de competências dos profissionais eleitos. Nesse sentido, um instrumento que permita realizar um diagnóstico dessas competências pode ser útil.

Assim, a questão norteadora desta pesquisa foi: quais são as competências consideradas essenciais para dirigentes sindicais no contexto atual? A relevância desta pesquisa associa-se a aspectos metodológicos e sociais. Do ponto de vista metodológico, é preciso considerar o processo de mapeamento de competências em si, uma vez que não se tem conhecimento acumulado e empiricamente validado sobre métodos de diagnóstico de competências (Moraes, Borges-Andrade, & Queiroga, 2011). Assim, apesar do tema competências ser considerado cada vez mais relevante, o processo de diagnóstico ainda é taylormade, pressupondo a análise de documentos e a realização de entrevistas balizadoras (Fernandes, 2013).

Em termos da aplicação prática, o mapeamento de competências permite melhorar a formação e o desenvolvimento profissional, os processos de recrutamento, seleção e avaliação de desempenho, acompanhando as transformações do mundo do trabalho (Campos & Abbad, 2015). A despeito da possibilidade de contribuição desse tipo de estudo, existe uma carência nas publicações nacionais voltadas à identificação dos diferentes tipos de competências que um profissional precisa ter, seja no contexto da administração pública ou no contexto privado (Montezano, Silva, & Coelho Jr., 2015).

Por fim, há relevância no próprio público-alvo escolhido para esta pesquisa, uma vez que o cenário das relações laborais está em ampla mutação (Antunes & Silva, 2016; França, 2016; Krein & Dias, 2017) e é necessário discutir o que, de fato, se espera desses profissionais no atual contexto social, político e econômico. Vale ainda o registro de que, no caso dos dirigentes sindicais, não foram encontrados estudos sobre as competências esperadas para tal função.

Assim, identificar os conhecimentos, habilidades e atitudes (CHAs) que capacitam o indivíduo a atuar como dirigente pode contribuir para reflexões acerca do papel sindical, uma vez que o desenvolvimento profissional tem relação direta com a aprendizagem experiencial (Kolb, 1984; Paquay, Wouters, & Van Nieuwenhoven, 2012). Além disso, o levantamento de competências necessárias objetiva também contribuir para um desempenho melhor dos profissionais (Ferreira, Abbad, & Mourão, 2015), o que, no caso dos dirigentes sindicais, pode gerar efeitos para a organização e a mobilização das categorias representadas. Diante do exposto, o objetivo geral do estudo foi discutir o papel dos dirigentes sindicais a partir das competências essenciais para o exercício dessa atividade profissional.

 

Referencial teórico

O conceito de competência surgiu na segunda metade do século XX como forma de a classe empresarial expressar as demandas requeridas pela produção, num contexto de forte desenvolvimento tecnológico e reorganização do trabalho. Para McClelland (1973), autor seminal da corrente americana, competência seria a capacidade de o indivíduo fazer algo a partir dos seus conhecimentos e habilidades. Na sequência, o termo passou a considerar também as atitudes dos trabalhadores, passando a ser associado aos CHAs necessários ao trabalho dos indivíduos na ocupação de seus cargos (Fleury & Fleury, 2001). Os conhecimentos dizem respeito às informações e aos aprendizados que a pessoa teve ao longo da vida; as habilidades estão relacionadas à capacidade de executar uma determinada tarefa; e as atitudes estão associadas aos conceitos e valores do indivíduo que mobilizam a sua ação (Chouhan & Srivastava, 2014).

Já a corrente europeia aprofunda o conceito de competência ao associá-la a um saber-fazer, a experiências e comportamentos que se exerce em um determinado contexto (Zarifian, 2001). Assim, para Le Bortef (2005), um dos principais autores da corrente europeia, as competências referem-se ao conjunto de conhecimentos, habilidades, qualidades, experiências, capacidades cognitivas, recursos emocionais e contextuais que são mobilizados pelo indivíduo para produzir atividades e condutas profissionais necessárias a determinada situação de trabalho.

Dessa forma, o tema das competências passou a compreender o conceito de qualificação e formação profissional, dentro do campo da educação, sendo posteriormente ampliado para o campo dos estudos das relações trabalhistas (Fleury & Fleury, 2001). Nesse contexto, características como multifuncionalidade e polivalência dos trabalhadores e valorização dos saberes passaram a ser associadas ao termo competência (Vieira & Luz, 2005).

Assim, o termo competência relaciona-se à aplicação de complexas combinações de CHAs na ação, que objetiva o alcance de determinado resultado pelo indivíduo (Abbad & Borges-Andrade, 2014). Nessa lógica, as competências englobam um conjunto de traços ou comportamentos, compreendendo tudo o que é mobilizado pelo sujeito na ação, sendo desenvolvidas ao longo da vida. Portanto, independentemente de haver uma formação acadêmica de qualidade, os profissionais necessitam desenvolver competências complementares para que atendam aos objetivos específicos de seu trabalho (Grossi, Costa, & Souza, 2017), o que associa a aquisição dos CHAs a um processo de desenvolvimento profissional (Monteiro & Mourão, 2017).

De forma sintética, pode-se dizer que as competências permitem um desempenho adequado que decorre da combinação de CHAs e do comportamento específico do indivíduo para melhorar sua atuação em um determinado trabalho (Chouhan & Srivastava, 2014). Considerando o exposto, foi adotada neste estudo a definição de competências como o conjunto de CHAs que objetivam alcançar resultados mensuráveis de desempenho bem-sucedido, levando-se em conta fatores contextuais do trabalho (Campos & Abbad, 2015).

Nesse sentido, conhecer as competências dos dirigentes sindicais pode indicar o caminho para propor processos de aprendizagem para tal categoria. A concepção teórica é de que competência e qualificação, permeadas uma pela outra, possam levar à transformação da classe trabalhadora enquanto possibilidade de transformação social fundada na vontade coletiva (Ramos, 2001). Por isso, o foco deste estudo de competências profissionais volta-se para a categoria de dirigentes sindicais.

Moraes et al. (2011) realizaram pesquisa análoga à que está sendo relatada neste estudo. Esses autores construíram um instrumento de diagnóstico de competências de membros do Poder Executivo em nível municipal. Os autores concluíram não haver normas sobre as competências que seriam pré-requisito para a ocupação da função, tal qual acontece com os dirigentes sindicais. Nesse sentido, este estudo considerou processos de aprendizagem no trabalho que podem estar baseados, inclusive, nas vivências desses profissionais, uma vez que a aprendizagem experiencial funciona como um pilar do desenvolvimento profissional (Monteiro & Mourão, 2017, Pimentel, 2007).

 

Método

Esta pesquisa teve caráter exploratório e foi conduzida a partir de três etapas principais: (1) análise documental nos estatutos dos sindicatos e na legislação pertinente; (2) entrevistas com dirigentes sindicais e com membros das categorias que eles representam; e (3) análise de juízes para identificar as competências que deveriam compor o instrumento de diagnóstico de competências. O método adotado nesta pesquisa será detalhado a seguir.

Participantes

Foram convidados para a pesquisa um total de 16 pessoas, sendo que 12 delas tiveram disponibilidade para participar. O convite a cada uma delas foi feito pessoalmente, sendo realizada uma breve apresentação dos objetivos da pesquisa e das condições de participação. A pesquisa contou, então, com quatro grupos de participantes: dirigentes sindicais patronais; dirigentes sindicais laborais; trabalhadores celetistas; e empresários, sendo três representantes de cada grupo, cada um vinculado a um sindicato de classe diferente. Considerando a abordagem qualitativa adotada neste estudo, a amostra foi não probabilística e intencional, tendo os pesquisados sido escolhidos em um universo de 11.221 sindicatos ativos dos trabalhadores e 5.162 dos empregadores (Ministério do Trabalho e Emprego - MTE, 2016).

A intencionalidade na escolha dos participantes considerou a diversidade dos sindicatos a que cada um dos entrevistados estava vinculado, de forma a envolver na pesquisa diferentes setores para evitar um contexto específico. Além disso, buscou-se entrevistar pessoas que tivessem maior proximidade com o sindicato, tendo em vista que elas teriam que identificar as competências esperadas dos dirigentes sindicais.

Assim, as condições de inclusão na amostra foram as seguintes: os dirigentes sindicais deveriam estar exercendo atividades em cumprimento de seus respectivos mandatos e os trabalhadores e empresários deveriam estar filiados ao seu sindicato de classe; todos os participantes deveriam estar vinculados aos respectivos sindicatos há, no mínimo, cinco anos, como forma de permitir maior conhecimento da atuação daquele determinado sindicato. As características dos participantes apontaram, portanto, para um tempo de sindicato que variou de cinco a 45 anos (M= 18,7; DP= 13,4), tendo sido pesquisadas cinco mulheres e sete homens, com idades entre 26 e 82 anos (M= 48,8; DP= 15,5) e escolaridade predominantemente superior (apenas dois casos de ensino médio). A Tabela 1 apresenta o perfil sociodemográfico do grupo de entrevistados.

 

 

Procedimentos de coleta de dados e cuidados éticos

Adotou-se neste estudo um roteiro aberto de entrevista com quatro perguntas-estímulo que buscavam obter um discurso livre por parte dos pesquisados a partir do relato de sua experiência profissional e de características que eles consideravam decisivas para uma atuação de excelência como líder sindical. O roteiro focalizou a narrativa da história profissional do entrevistado, tendo em vista que as experiências anteriores podem desenvolver competências para serem expressas pelo profissional em outros momentos, devido ao caráter vivencial do processo de aquisição de determinadas competências (McMullan et al., 2003; Monteiro & Mourão, 2017).

As entrevistas começaram com uma breve apresentação sobre o tema investigado, incluindo uma explicação do conceito de competências a partir do exemplo da categoria profissional de médico cirurgião. A escolha desse exemplo objetivou explicar o que se esperava dos entrevistados a partir de uma categoria profissional conhecida pela maioria das pessoas e distinta dos dirigentes sindicais, para não oferecer risco de influenciar as respostas dos participantes. À medida que essa narrativa ocorria, eram incluídas perguntas adicionais para aprofundar os pontos de vista dos entrevistados.

Foi inicialmente realizada uma análise documental dos estatutos de alguns sindicatos participantes desta pesquisa. Não foi possível analisar o estatuto de todos os sindicatos participantes, uma vez que nem todos disponibilizaram o documento. Os sindicatos que disponibilizaram seu estatuto foram: Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Estado de São Paulo; Sindicato dos Trabalhadores em Entidades Sindicais, Órgãos Classistas, Associações, Confederações e Federações de Empregadores Intermunicipais do Rio de Janeiro; Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias da Construção Pesada; Sindicato dos Empregados em Lavanderia e Similares no Município do Rio de Janeiro; e Sindicato dos Estabelecimentos de Educação Básica do Município do Rio de Janeiro.

Em seguida, foram conduzidas, pessoal e individualmente, 12 entrevistas em profundidade, previamente agendadas. As entrevistas foram realizadas pela primeira autora deste artigo, com duração média de 35 minutos cada. Os participantes, todos maiores de 18 anos, assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, e aceitaram que a entrevista fosse gravada após esclarecimento do motivo de tal procedimento (o registro fidedigno das informações). Aos participantes foi garantido o direito de conhecer os objetivos e os resultados da pesquisa, bem como o sigilo das informações individuais obtidas ao longo da mesma. Após a realização das entrevistas foi feita, pela própria pesquisadora, a transcrição literal dos depoimentos.

Procedimentos de análise de dados

A análise documental realizada nos estatutos dos sindicatos e na legislação pertinente foi conduzida por dois pesquisadores (um com formação em direito e experiência sindical e outro com expertise na área de competências e desenvolvimento profissional), sendo as divergências alvo de discussão para obtenção de consenso. A referida análise documental buscou levantar competências e/ou atribuições dos dirigentes sindicais que pudessem subsidiar o levantamento de dados primários que se daria a seguir.

Em um segundo momento, os depoimentos obtidos nas entrevistas foram submetidos à análise de conteúdo categorial (Bardin, 1977; Bauer, 2010). Assim, o procedimento de análise começou com a leitura flutuante, em que foram anotadas impressões que originaram pré-categorias. Uma nova leitura detalhada dos depoimentos levou à construção de grades de categorias, com palavras e frases relacionadas às mesmas. Algumas dessas frases foram citadas, a título de ilustração de depoimentos que emergiram das falas dos entrevistados.

As grades de categorias com palavras-chave, por sua vez, levaram à identificação das principais competências percebidas como necessárias à atuação do dirigente sindical. Esse levantamento foi feito por meio da análise de presença e ausência dessas categorias no discurso dos pesquisados, realizada de forma independente por três juízes, sendo duas doutoras das áreas de psicologia do trabalho e linguística e uma aluna de pós-graduação que é advogada com cinco anos de experiência na área sindical. Os juízes receberam uma cópia integral dos depoimentos transcritos, sem qualquer marcação das falas ou identificação dos pesquisados. A cada um deles foi explicado que a tarefa consistia em identificar nos discursos quais eram as competências (definidas como conhecimentos, habilidades e atitudes) presentes nos discursos dos entrevistados, tendo em vista as definições de Chouhan e Srivastava (2014).

Foi elaborada e disponibilizada aos juízes uma lista preliminar de competências advindas da análise da legislação (Lei 5.584/1970) e também da análise de conteúdo do estatuto de cinco sindicatos: Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Estado de São Paulo, Sindicato dos Trabalhadores em Entidades Sindicais, Órgãos Classistas, Associações, Confederações e Federações de Empregadores Intermunicipais do Rio de Janeiro, Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias da Construção Pesada, Sindicato dos Empregados em Lavanderia e Similares no Município do Rio de Janeiro e Sindicato dos Estabelecimentos de Educação Básica do Município do Rio de Janeiro. Coube, então, aos juízes identificar quais as categorias de competências presentes ou ausentes em cada um dos 12 depoimentos. Foi também solicitado aos juízes que acrescentassem novas categorias que pudessem não ter sido identificadas previamente ou sugestões de alteração nas descrições das categorias preliminares.

A partir dessa análise foram comparadas as diferenças entre as categorizações feitas pelos juízes para cada uma das 12 entrevistas e discutidas com os mesmos as razões que levaram à classificação. Com base nos resultados dessa discussão, cada juiz apresentou sua versão final de categorização, que foi considerada para fins de avaliação do critério de consistência. A versão definitiva das categorias deu origem a uma lista de competências e respectivas definições derivada dessa análise consensual entre os juízes. Essa lista e suas respectivas definições buscaram contemplar o vocabulário e as expressões adotadas pelo grupo de pesquisados. Assim, tendo como base essa lista final de significados (Tabela 3), as competências listadas pelos três juízes foram revisadas e/ou agrupadas, originando, finalmente, uma relação única de competências mapeadas.

 

 

 

 

Para identificar as categorias que deveriam permanecer como competências esperadas dos dirigentes sindicais, foram adotados dois critérios consecutivos: a concordância mínima de dois terços entre os juízes (critério de consistência) e a citação por, no mínimo, três dos 12 entrevistados (critério de relevância). Foram relatadas a saturação total, bem como o percentual de concordância dos juízes para cada competência identificada nas falas dos entrevistados.

 

Resultados e Discussão

Na análise documental dos estatutos dos sindicatos e da legislação pertinente, observou-se que os estatutos não trazem especificadas as competências e/ou atribuições dos dirigentes sindicais. Eles focalizam prerrogativas e deveres dos sindicatos, ficando qualquer extração de competências como um trabalho a ser feito a partir da lista de atribuições. Nesse sentido, a análise documental realizada pelos dois experts- na área e na temática - permitiu gerar uma lista com as seguintes competências: preparo para representar os interesses da categoria ocupacional em questão; habilidade de negociação; atitude voltada para a defesa dos interesses da categoria junto aos poderes Legislativo, Executivo e Judiciário e demais instituições públicas e privadas; e habilidade para identificar e propor soluções para os impasses relativos às negociações de sua categoria profissional.

A inexistência de uma lista de atribuições e competências dos dirigentes nos estatutos dos sindicatos - que focalizam exclusivamente as atribuições institucionais - possivelmente está associada ao fato de o dirigente sindical, ao ser eleito, receber um aval para decidir e agir em nome do grupo, devendo atuar em prol dos interesses da classe representada e em detrimento do sujeito singular (Galery, 2017). Nesse sentido, há uma confluência entre aquilo que seriam as demandas do sindicato como instituição e das pessoas físicas responsáveis por sua gestão. Apesar dessa confluência, algumas atribuições que constam nos estatutos dos sindicatos não aparecem nos depoimentos de dirigentes sindicais e trabalhadores associados, como: promover atividades culturais, de lazer e recreação; representar a categoria em congressos e conferências; e manter relações com as demais associações de categorias profissionais.

Além dos estatutos dos sindicatos, também foi feita uma análise da Lei Nº 5.584/1970, que dispõe sobre as normas de direito processual do trabalho e disciplina a concessão e prestação de assistência judiciária na Justiça do Trabalho. A referida lei determina que a assistência jurídica aos hipossuficientes seja prestada pelo sindicato da categoria profissional a que pertencer ao trabalhador, mesmo que ele não seja associado a este sindicato.

Tal atribuição pressupõe que o sindicato disponha não apenas de advogados para a atuação na Justiça do Trabalho propriamente dita, mas que os dirigentes sindicais tenham competências para orientar seus filiados, a fim de que seus interesses sejam defendidos. Essa atribuição dos sindicatos reforça a importância de algumas competências que emergem dos discursos dos pesquisados, como: negociação/argumentação/comunicação; interação com a categoria; mediação/conciliação/intermediação; e conhecimento jurídico/do negócio.

Finalizada a etapa de análise documental, foi iniciada a análise preliminar do conteúdo das entrevistas, que gerou uma lista de 36 categorias, cada uma representando uma competência esperada para dirigentes sindicais. A análise realizada pelos três juízes independentes não levou a um aumento do número de categorias preliminares, mas permitiu aperfeiçoar a redação e os significados das competências listadas.

A comparação das análises independentes realizadas pelos três juízes mostrou que apenas duas categorias (raciocínio rápido e flexibilidade) apresentaram concordância de 100% entre eles; 13 apresentaram acima de 90% de concordância e 14 categorias ficaram com percentuais entre 80 e 89%. No outro extremo, as competências que tiveram concordância entre os juízes de 70 a 79% foram seis (humildade, habilidade para realizar análises, habilidade de ouvir as pessoas, conhecimento do mercado/categoria, habilidade para propor soluções e trabalho em equipe). Apenas uma categoria (disponibilidade/presença/ser participativo) apresentou grau de concordância inferior a 70%. Considerando o critério estabelecido (dois terços de concordância média entre os juízes), nenhuma competência foi excluída, porque a competência com menor concordância alcançou o índice de 66,8%.

Além da concordância entre os juízes, que considera o alinhamento conceitual pelos mesmos no entendimento de cada competência que emergiu do discurso (critério de consistência), foi também calculada a frequência/saturação com que cada competência apareceu nas entrevistas (critério de relevância), a partir de uma análise de presença e ausência no discurso de cada um dos 12 entrevistados. A utilização da análise de frequência (saturação) a partir das entrevistas atendeu às recomendações de Bardin (1977) e Bauer (2010) e ao próprio objetivo da pesquisa, uma vez que a proposta era identificar as principais competências dos dirigentes sindicais e não todas as competências mencionadas pelos pesquisados.

A análise de presença e ausência no discurso dos pesquisados evidenciou que algumas categorias foram amplamente citadas, enquanto outras foram mencionadas por um grupo menor de pessoas. Assim, a análise de saturação indicou que as competências interação com a categoria, conhecimento jurídico/do negócio e aperfeiçoamento contínuo foram as mais presentes nas falas dos pesquisados, tendo sido mencionadas, respectivamente, por 11, 10 e 8 pessoas entre os 12 entrevistados. A Tabela 2 consolida os resultados obtidos a partir da avaliação dos três juízes independentes, considerando os dois critérios estabelecidos.

Assim, considerando os critérios de saturação (citação por no mínimo três entrevistados), nove competências foram excluídas, a saber: extroversão; conhecimento da estrutura sindical; posicionamento firme/altivez; ponderação/não ser impulsivo; raciocínio rápido; conhecimento da história da entidade; bom humor; persistência; e educação/respeito para lidar com pessoas. Além disso, duas competências (iniciativa em se aperfeiçoar/buscar aprender e aperfeiçoamento contínuo) foram agrupadas pela similaridade de conteúdo. Dessa forma, os resultados apontam para 26 competências demandadas para o exercício da função de dirigente sindical, como mostra a Tabela 3, que também apresenta uma descrição sucinta de cada uma delas, de acordo com o contexto em que foram citadas pelos entrevistados.

A análise das competências mapeadas mostrou que são esperados dos dirigentes sindicais tanto atitudes quanto conhecimentos e habilidades, confirmando o conceito tridimensional de competências. O agrupamento das 26 competências dos dirigentes sindicais no modelo teórico de conhecimentos, habilidades e atitudes (McClelland, 1973; Abbad & Borges-Andrade, 2014) foi feito, de forma consensual, por dois juízes. Os resultados indicaram um predomínio de atitudes (14), o que é condizente com a função de dirigente sindical, que requer um conjunto de atributos voltados para um perfil de liderançae valorização da coletividade (Costa, 1996; Galery, 2017; Ramos, 2001).

As competências que foram classificadas como predominantemente voltadas para conhecimento ou para habilidades ocorreram em menor número (seis para cada), embora contenham atributos considerados indispensáveis para a função de dirigente sindical, seja em termos de habilidades (interação com a categoria, citada por 11 entrevistados), seja em termos de conhecimentos (conhecimento jurídico/do negócio, citada por oito pesquisados). Vale refletir que a pequena extensão da lista de conhecimentos necessários ao exercício da função pode estar associada ao fato de que o dirigente sindical deve ser alguém que pertença à classe representada há, no mínimo, dois anos (Decreto-Lei Nº 1.402/1939) e que, portanto, já conhece suas características e demandas.

A Tabela 4 apresenta a classificação das competências em conhecimentos, habilidades e atitudes, configurando-se como um quadro-resumo das competências consideradas essenciais para os dirigentes sindicais. A análise dessa tabela mostra que, apesar desse predomínio nos atributos atitudinais, há pouca ênfase no aspecto da reflexão, o que é um contrassenso com as mudanças ocorridas no mundo do trabalho, que cada vez mais demanda maior carga cognitiva e nível de reflexão (Soares Jr. & Funchal, 2016).

 

 

A pesquisa aponta que os sindicalistas conjugam aprendizagens específicas a certas características pessoais, formando um capital militante e político, conforme descrito por Tomazaki e Rombaldi (2009). Assim, o conjunto dos pesquisados - sejam dirigentes, sejam os grupos representados - considera competência essencial a interação com a categoria, ou seja, que o profissional demonstre não só capacidade de interagir com as pessoas, mas que esteja em contato constante com os representados. Embora isso seja, de fato, bastante relevante para tal categoria profissional, considerando seu papel de intermediário entre sujeitos com um mesmo ideal (Galery, 2017), não se observa nos discursos dos entrevistados um alinhamento com as mudanças presentes no novo sindicalismo que começa a ser característico do século XXI (Antunes & Silva, 2016; França, 2016; Krein & Dias, 2017; Ramalho & Rodrigues, 2014). A fim de ilustrar a ênfase dada na competência de interagir com a categoria, apresenta-se um depoimento de um dos entrevistados:

A pesquisa aponta que os sindicalistas conjugam aprendizagens específicas a certas características pessoais, formando um capital de militante e político, conforme descrito por Tomazaki e Rombaldi (2009). Assim, o conjunto dos pesquisados - sejam dirigentes, sejam os grupos representados - considera competência essencial a interação com a categoria, ou seja, que o profissional demonstre não só capacidade de interagir com as pessoas, mas que esteja em contato constante com os representados. Embora isso seja, de fato, bastante relevante para tal categoria profissional, considerando seu papel de intermediário entre sujeitos com um mesmo ideal (Galery, 2017), não se observa nos discursos dos entrevistados um alinhamento com as mudanças presentes no novo sindicalismo que começa a ser característico do século XXI (Antunes & Silva, 2016; França, 2016; Krein & Dias, 2017; Ramalho & Rodrigues, 2014). A fim de ilustrar a ênfase dada na competência de interagir com a categoria, apresenta-se um depoimento de um dos entrevistados:

Eu acho importante essa relação ser mais forte, (...) então, eu tenho essa intenção de aproximação,(...) eu acho importante esse vínculo. É isso que eu queria dizer, que as instituições, e que os trabalhadores, enfim, tenham vínculos mais próximos com seus sindicatos.(Entrevistada7, empresária, 42 anos)

A competência mais citada pelos pesquisados foi a interação com a categoria, que engloba outras competências, também identificadas na pesquisa sobre dirigentes sindicais, como: capacidade de falar, ter desenvoltura (oratória propriamente dita), conhecimento do mercado/da categoria que representa, saber ouvir e respeitar a opinião dos outros, ser proativo e objetivo. Esse resultado encontra respaldo no conceito de competência como um saber agir responsável e reconhecido, que implica mobilização, integração e transferência de conhecimentos, recursos e habilidades que tragam valor econômico à organização e valor social ao indivíduo (Fleury & Fleury, 2001). Assim é que, na percepção dos pesquisados, os dirigentes sindicais, para cumprir suas tarefas, precisam saber ouvir e respeitar a opinião dos outros, inclusive com a capacidade de se comunicar usando uma linguagem que seja familiar ao outro, como evidenciado no depoimento a seguir:

O que faltaria nele para ele ser melhor do que ele é... ele é bom, mas eu acho que ele poderia.... declinar mais o ouvido, sabe? Porque a gente tem de saber escutar a voz do trabalhador, ouvir o que o trabalhador está falando, e você tem que descer ao nível do trabalhador, você tem de falar a linguagem do trabalhador. (Entrevistado 8, dirigente laboral, 57 anos)

Na análise do discurso de sindicalistas realizada por Costa (1996), o autor pondera que, embora o poder dizer seja conferido institucionalmente e o ouvinte aceite "de mau ou de bom grado esse poder", para inserir-se na situação e usar o poder de modo eficiente o sindicalista deve ser competente e ter a capacidade de compreender as regras da formação discursiva, saber o que dizer e o que não dizer. Esse entendimento de que a oratória e a capacidade de análise figuram entre as competências demandadas dos dirigentes sindicais também emerge dos depoimentos de alguns entrevistados nesta pesquisa, como no trecho ilustrativo que se segue:

O Lula que chegou à presidência foi líder sindical que tinha uma característica interessante, ele sabia colocar o discurso nos lugares certos e para os ouvintes certos e isso lhe valeu a presidência, não é?(Entrevistado 5, dirigente patronal, 82 anos)

A interação com o outro leva à construção de um espaço de significação do ser no discurso de sindicalistas, que inclui aprender a falar, ou seja, organizar socialmente o espaço, observando as interrelações sociais (Costa, 1996). Isso confirma a pertinência da oratória como competência demandada dessa categoria ocupacional. Mas embora a forma de "interagir com a categoria" ainda privilegie a oralidade, outros recursos de comunicação, como cartas e e-mails, estão sendo esperados e a falta de comunicação dos sindicatos é um ponto de crítica dos representados, como denotamos trechos de algumas entrevistas:

É muito fraca a comunicação entre o sindicato e seu público (...) [Era preciso] estarem fazendo mais visitas, divulgando através de, por exemplo, é... enviando informações através de e-mails que as pessoas sindicalizadas têm. Eu, por exemplo, sei muito pouco das atividades do sindicato porque a gente que está dentro do comércio acaba tendo muito pouco tempo para ficar procurando, então, acho que o papel deles seria eles procurarem mais a gente. (Entrevistado 10, empresário filiado, 38 anos)

Nunca ninguém me procurou, nunca teve uma palestra, ninguém mandou nada para minha casa 'olha, nós vamos ter uma palestra disso', não acontece isso, a gente só paga o boleto. (Entrevistado 4, trabalhadora filiada, 33 anos)

O saber escrever com destreza pode favorecer uma atuação em tempo real, além de permitir a alteração da comunicação de tipo vertical, em que as informações sobem e as decisões descem, em prol de uma comunicação em rede (Correia et al., 2012). O uso das tecnologias da informação e comunicação, como a internet, representam uma possibilidade de revitalização sindical, na medida em que permitem alcançar grupos distantes, além de agilizar e democratizar a tomada de decisões, aproximando trabalhadores e dirigentes sindicais (Rego et al., 2013). Trechos de depoimentos dos participantes, tanto dos sindicatos de trabalhadores quanto dos sindicatos patronais, confirmam a percepção de que os dirigentes sindicais deveriam ser mais proativos e atuantes e também que eles devem ter competências básicas de fala, escrita e informática, como pode ser visto a seguir:

Tendo mais diálogo, né? Abrindo canais de diálogo com as pessoas que ele representa, né? Eu acho que hoje em dia tem tanta possibilidade, né? O mundo virtual tá aí, os meios de comunicação virtuais e tudo mais estão aí. (Entrevistado 9, trabalhador celetista, 42 anos)

Eu acho que o sindicato podia se fazer mais presente, né? Hoje em dia, a comunicação é muito abrangente, acho que você tem como alcançar todo mundo, mostrando o que você está fazendo por aquela pessoa, que direito ela tem.(Entrevistado 7, empresária, 42 anos)

Eu acredito que teria de ter uma boa dicção, né? Teria de ter, de saber falar e teria que também vir de uma obra, né, para entender o que o trabalhador, é.... ter cursos, cursos esses assim básicos, vamos supor, um...curso de informática, né, para saber bater uma ata de reunião, é...um curso de... de nível médio, né, segundo grau completo, seria isso.(Entrevistado 3, trabalhador, 26 anos)

Embora o conhecimento jurídico do negócio/leitura e o aperfeiçoamento contínuo sejam citados por vários entrevistados, a competência relacionada a interagir com a categoria é predominante. Tal percepção corrobora o entendimento quanto à polivalência exigida dos trabalhadores e às demandas por atributos pessoais, e ao saber-fazer tendo maior importância que a qualificação formal em si (Monteiro & Mourão, 2017; Vieira e Luz (2005). Alguns depoimentos exemplificam a valorização das atitudes dos sindicalistas e da aprendizagem associada à interação com a categoria.

Aprender cada vez mais, é preciso aprender, como é que você lida com esse pessoal, precisa aprender a... a... a como é que...,você precisa aprender e entender que as coisas evoluem e que você tem de evoluir junto, né?(Entrevistado12, dirigente patronal, 62 anos)

Eu fiquei como presidente, não tinha experiência nenhuma de sindicato, não tinha nada, não sabia por onde começava, então eu, eu comecei a ler, a saber, a interagir com a categoria, né, e vim descobrir que não é muita coisa. Basta você ter desenvoltura para desempenhar o papel, porque o papel de presidente, na verdade, é... é mais de negociação.(Entrevistado 1, dirigente laboral, 51 anos)

Segundo Ramos (2001), a experiência pode promover saberes tácitos que são difíceis de serem transmitidos a outros, mas essenciais por resistirem à automatização. Algumas competências são consideradas indispensáveis aos dirigentes sindicais, como: responsabilidade, abstração e independência, capacidade de comunicação, de liderança e de trabalho em equipe. Note-se que aprender com a experiência própria e dos outros foi uma competência citada pelos entrevistados. De fato, seja na perspectiva coletiva, seja na individual, o trabalho é lugar de experiência (Silveira & Merlo, 2014).

Logicamente, às atitudes esperadas deve-se agregar conhecimento que permitirá implementar a luta em defesa dos representados, tanto assim que o conhecimento do negócio e o aperfeiçoamento contínuo foram citados como a segunda e terceira competências, respectivamente, mais esperadas pelos entrevistados. Ademais, a capacidade de negociar pressupõe visão de mercado, da concorrência, conhecimento do negócio, e identificação de oportunidades e ameaças (Vieira & Luz, 2005).Nesse sentido, têm-se alguns depoimentos:

O aprendizado, ele é muito importante, saber é muito importante, então, assim, ele não... ele tem de aprender o tempo inteiro. Na verdade, a vida de um dirigente é aprendizado diariamente.(Entrevistado 8, dirigente laboral, 57 anos)

Ele tem de ter conhecimento de política, econômico, gigantesco de mercado pra poder saber onde ele está pisando, porque, afinal de contas, discutir com um megaempresário não é brincadeira. É...acho que basicamente é isso, a muito grosso modo uma boa formação política econômica.(Entrevistado 9, trabalhador celetista, 42 anos)

Podia melhorar mais um pouquinho em termos de treinamento, treinamento dos diretores, entendeu? Hoje não é o fato de você ter, vou repetir mais uma vez, o fato de você ter cinco, dez anos... e dois, três mandatos que você é absoluto.(Entrevistado 2, dirigente laboral, 45 anos)

Interessante notar que as competências relacionadas a ter perfil de gestão/liderança, defesa da categoria/defesa de direitos, negociação/argumentação/comunicação e trabalho em equipe apresentam a mesma frequência na análise de presença e ausência nos discursos dos pesquisados, figurando na quarta posição no conjunto de competências identificado. O dirigente sindical tem o papel de intermediário ao defender a categoria, mas também estabelece limites e reduz os conflitos entre os membros do grupo (Galery, 2017). As características de liderança e de defesa da categoria emergem de forma bastante clara nos depoimentos, como pode ser visto nos trechos a seguir.

Eu acho que deve ser um líder, né? Tem que ter aquela liderança e tal, tentar brigar pela classe, saber reivindicar... eu acho importante.(Entrevistado 11, empresário, 42 anos)

O dirigente, quando ele foi eleito, ele, ele foi eleito pra uma responsabilidade muito grande, para dar uma resposta a um trabalhador que deu o seu voto de confiança, confiou naquele dirigente, então, a gente não pode decepcionar, a gente tem de fazer o melhor.(Entrevistado 8, dirigente laboral, 57 anos)

O mapeamento das competências permite que se entenda melhor o papel dos dirigentes sindicais. Nesse sentido, quando tais dirigentes relatam sua história de vida, eles acabam por mencionar atributos que consideram relevantes para o exercício da função nos sindicatos, uma vez que o relato dessas trajetórias se encontra imbricado com a percepção de competências necessárias à profissão. Essa relação entre as vivências práticas e o desenvolvimento de competências é alvo, inclusive, de modelos teóricos sobre aprendizagem no trabalho, como o de Illeris (2011) e o de Kolb (1994), além de também compor o próprio conceito de desenvolvimento profissional (Monteiro & Mourão, 2017; Paquay et al., 2012).

Para os entrevistados, sua função atual é conduzir o processo, dar voz ao representado, entender suas demandas. A atitude de imparcialidade/senso de justiça também é esperada dos dirigentes. Não se trata de deixar de lutar pela classe representada, mas de ter conduta de negociação ao invés de imposição. O depoimento a seguir ilustra tal posição:

Desempenhar um papel de, de, é...como é que eu vou explicar? De mediadora, porque você tem de mediar a sua forma de empregado e empresa, você não pode ser 100% empregado e obviamente que você está ali pra, pra defender eles, mas também você tem de ver o lado da empresa porque são empresas pequenas. Enfim...(Entrevistado 1, dirigente laboral, 51 anos)

Respeitar a opinião dele, mas sempre vendo o outro lado também, não adianta você ver só o lado do trabalhador e quando chega na hora lá e você vai ter..., igual vejo muito a... você tem de ser assim, tem de ser assado e chega na hora sai de lá e não resolveu nada.(Entrevistado 2, dirigente laboral, 45 anos)

Por fim, uma apreciação conjunta da análise documental e dos dados primários coletados permite identificar que, apesar das pequenas diferenças previamente relatadas, encontrou-se coerência entre os discursos relativos às competências esperadas dos dirigentes sindicais, os estatutos dos sindicalistas e a literatura da área. Esse resultado sinaliza, portanto, uma coesão na percepção das competências dos dirigentes sindicais, seja por parte dos próprios dirigentes, seja por parte dos trabalhadores e empresários filiados aos sindicatos.

Contudo, essa coerência entre as diferentes fontes de pesquisa sinaliza a manutenção de um conjunto de competências pouco voltado para as mudanças do contexto atual do mundo do trabalho e para as mudanças que se vislumbram para a atuação sindical e que são apresentadas por autores como França (2016), Correia et al. (2012), Krein e Dias (2017) e Antunes e Silva (2016). Mas esse foco no olhar das competências limitado às experiências passadas e ao momento presente não é exclusividade dos dirigentes sindicais. Ferreira et al. (2015) argumentam que o mapeamento de necessidades de capacitação com frequência é voltado para demandas tradicionais, com baixa identificação de competências direcionadas a cenários futuros.

 

Considerações finais

O objetivo geral do estudo aqui relatado foi discutir o papel dos dirigentes sindicais a partir das competências essenciais para o exercício dessa atividade profissional. Uma análise global dos achados deste estudo permite concluir que a execução das atividades desenvolvidas pelos dirigentes sindicais pressupõe um conjunto de 26 competências, figurando como a mais citada a interação com a categoria. Merece menção o fato de o mapeamento das competências não ter incluído a formação acadêmica como recomendável para a atuação do sindicalista, o que aponta para a relevância da aprendizagem informal. Assim, observamos que o discurso dos participantes deste estudo revela uma maior valorização da prática do que de conhecimentos acadêmicos ou teóricos, reforçando a ideia de aprendizagem experiencial como um pilar do desenvolvimento dessa categoria profissional.

Chama a atenção nos resultados o fato de a dimensão relativa à reflexão ter recebido menor ênfase, o que contraria as tendências de aumento da demanda cognitiva no mundo do trabalho. Além disso, ainda há certo conservadorismo na descrição das competências esperadas de um dirigente sindical, seja nos discursos dos próprios dirigentes, seja nos discursos das categorias representadas. Nesse sentido, é preciso refletir sobre até que ponto os sindicatos estão conseguindo se desconstruir e reconstruir frente às mudanças do mundo do trabalho.

A principal limitação deste estudo refere-se à amostragem, pois, embora tenhamos uma diversidade de sindicatos, a participação de apenas 12 deles não representa o universo sindical. Outra limitação é o fato de terem participado da pesquisa apenas dirigentes sindicais e trabalhadores vinculados a sindicatos da região Sudeste, em razão de o método estabelecido ter sido o de entrevistas presenciais em profundidade.

A despeito dessas limitações, o mapeamento de competências para dirigentes sindicais tem implicações práticas e traz contribuições para as produções científicas sobre o tema. Ações de formação sindical com o desenvolvimento das competências mapeadas podem se tornar uma ferramenta fundamental para a construção de uma consciência crítica e de melhor representação dos interesses de trabalhadores e empregadores, com foco no equilíbrio da relação entre ambos. Conhecer é essencial para lutar mais e melhor, debater, apreender a realidade e aprender coletivamente. Nesse sentido, tanto a aprendizagem advinda da experiência quanto o investimento em formação contínua são fundamentais para os dirigentes sindicais.

Esperamos, então, que o desenvolvimento das competências pelos dirigentes sindicais possa trazer resultados tanto para a instituição em si quanto para a categoria por eles representada. O mapeamento das competências essenciais para a atuação do dirigente sindical permite, outrossim, uma reflexão acerca do papel dos sindicatos como instituições responsáveis pela busca do equilíbrio nas relações de trabalho.

O estudo também contribui para as pesquisas de mapeamento de competências na medida em que apresenta uma metodologia que pode ser replicada para outras categorias profissionais. Além disso, pesquisadores interessados na temática sindical podem tomar este mapeamento como referência inicial para processos de avaliação de desempenho de dirigentes sindicais em sistemas de gestão por competências.

Por fim, é preciso considerar que o estudo aqui apresentado tem caráter exploratório e descritivo, sendo desejável que estudos futuros ampliem a amostra em termos numéricos e geográficos para que os resultados possam melhor representar a categorial profissional pesquisada. Além disso, seria interessante replicar esta pesquisa daqui a alguns anos, tendo em vista as expressivas mudanças esperadas para as relações de trabalho e para a atuação sindical em decorrência da reforma trabalhista implementada no Brasil no ano de 2017.

 

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Endereço para correspondência:
Ana Cecília Gomes da Silva
Universidade Salgado de Oliveira - UNIVERSO, Programa de Pós-graduação em Psicologia
Rua Marechal Deodoro, 217, Bloco A, 2º andar - Centro
24030-060, Niterói, RJ - Brasil
E-mail: aceciliags@yahoo.com.br

Recebido em: 05/10/2017
Primeira decisão editorial em: 04/12/2017
Versão final em: 31/01/2018
Aceito em: 31/01/2018

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