Services on Demand
article
Indicators
Share
Revista Psicologia Organizações e Trabalho
On-line version ISSN 1984-6657
Rev. Psicol., Organ. Trab. vol.20 no.1 Brasília Jan./Mar. 2020
https://doi.org/10.17652/rpot/2020.1.16997
Inventário de socialização organizacional: estudo propositivo de nova estrutura fatorial
Organizational socialization inventory: proposed new factor structure
Inventario de socialización organizacional: propuesta de una nueva estructura factorial
Marley Rosana Melo de AraújoI; Ligia Carolina Oliveira-SilvaII; Erika Cavalcanti MarquesI
IUniversidade Federal de Sergipe (UFS), Sergipe, Brasil
IIUniversidade Federal de Uberlândia (UFU), Minas Gerais, Brasil
RESUMO
A socialização organizacional representa um fator relevante para a compreensão do comportamento organizacional, podendo estar nela a resposta para aspectos ligados à inserção e permanência das pessoas nas organizações. Apesar disto, principalmente no contexto brasileiro, estudos recentes abordando o tema permanecem raros, o que pode se dever à escassez de medidas robustas. Sendo assim, o presente estudo tem como objetivo reavaliar as propriedades psicométricas do Inventário de Socialização Organizacional (ISO), propondo um instrumento reformulado: o ISO-R. Dois estudos reanalisaram o modelo teórico de socialização: um que reorganizou a estrutura interna do instrumento através da análise fatorial exploratória, e outro que confirmou o modelo explicativo derivado do primeiro estudo. Os resultados apresentam um instrumento mais parcimonioso, não redundante e sem fatores negativos. A ISO-R pode contribuir para aprimorar os processos de inserção do indivíduo na organização, influenciar resultados organizacionais e estimular o aumento de pesquisas na área.
Palavras-chave: socialização organizacional, escala, estudo de validade.
ABSTRACT
Organizational socialization represents an important factor for understanding organizational behavior, which may be the answer to aspects related to the entry and permanence of people in organizations. Despite this, especially in the Brazilian context, recent studies addressing the topic remain rare, which may be due to the scarcity of robust measures. Thus, the present study aims to reassess the psychometric properties of the Organizational Socialization Inventory (OSI), proposing a reformulated instrument: the OSI-R. Two studies re-analyzed the theoretical model of socialization: one that reorganized the internal structure of the instrument through exploratory factor analysis, and another that confirmed the explanatory model derived from the first study. Results present a more parsimonious, non-redundant instrument with no negative factors. OSI-R may help improve the processes of the individual's entry into organizations, influence organizational results, and stimulate increased research in this field.
Keywords: organizational socialization, scale, validity study.
RESUMEN
La socialización organizacional representa un factor relevante para la comprensión del comportamiento organizacional, que puede ser respuesta a aspectos relacionados con inserción y permanencia de las personas en las organizaciones. Pese a esto, especialmente en el contexto brasileño, estudios recientes que abordan el tema siguen siendo poco frecuentes, lo que se puede deber a la escasez de medidas sólidas. El presente estudio tiene como objetivo reevaluar las propiedades psicométricas del Inventario de Socialización Organizacional (ISO), para proponer un instrumento reformulado: ISO-R. Dos estudios reanalizaron el modelo teórico de socialización: uno que reorganizó la estructura interna del instrumento a través del análisis factorial exploratorio, y otro que confirmó el modelo explicativo derivado del primer estudio. Los resultados presentan un instrumento más parsimonioso, no redundante y sin factores negativos. ISO-R puede contribuir a mejorar los procesos de inserción del individuo en organizaciones, influir en los resultados y estimular el aumento de la investigación en el área.
Palabras clave: socialización organizacional, escala,estudio de validad.
Pesquisas sobre socialização organizacional têm feito parte dos interesses dos pesquisadores da Psicologia Organizacional e do Trabalho (POT) desde a década de 1960. Inicialmente, estudos sobre o tema enfatizaram as práticas das organizações no sentido de facilitar a socialização dos novos funcionários. Com a evolução dos estudos sobre o tema, enfoques distintos foram sendo construídos, representando seus respectivos contextos sócio-históricos (Borges & Albuquerque, 2014). A maioria das pesquisas sobre socialização organizacional se concentra nas táticas que as organizações usam para incentivar as pessoas a se assimilarem na organização durante o estágio inicial. Porém, menos atenção foi dada aos estágios posteriores da socialização organizacional, tais como participação ativa, manutenção, saída e desligamento (Berkelaar & Harrison, 2019).
É importante ressaltar as diferenças entre as concepções de socialização organizacional e de programas de orientação ao novo funcionário, pois os últimos apenas preparam o espaço para que ocorra a socialização organizacional. A orientação de novos funcionários tem foco maior em informações sobre a organização e seu contexto; por outro lado, o processo de socialização se direciona tanto a tarefas e desempenho, como também a questões culturais (Wesson & Gogus, 2005). A socialização organizacional trata não apenas do momento inicial dos novos funcionários na organização, da redução de suas incertezas e da busca pela inserção assertiva desses funcionários ao trabalho, mas também da manutenção da cultura organizacional ou foco nas metas a serem alcançadas, a depender da estratégia eleita pela organização para socializar seus novos membros e de outros aspectos da vida laboral dos indivíduos (Borges, Silva, Melo, & Oliveira, 2010). Logo, a socialização organizacional, por abordar a entrada do indivíduo na organização, representa uma questão de grande importância para a compreensão do comportamento organizacional, podendo estar nela a resposta para vários aspectos ligados à inserção do indivíduo nas instituições e sua permanência nas mesmas. Apesar disto, observa-se que na literatura de POT, principalmente no contexto brasileiro, estudos recentes abordando o tema da socialização organizacional permanecem escassos. Um dos possíveis motivos para tal cenário se deve à incerteza quanto à existência de instrumentos de medida robustos que possibilitem apreender o construto. Neste sentido, o presente estudo tem como objetivo reavaliar a estrutura interna do instrumento Inventário de Socialização Organizacional (ISO) (Borges et al., 2010) e suas propriedades psicométricas, propondo um instrumento reformulado: o ISO-R.
Mensuração da Socialização Organizacional
Apesar dos avanços realizados na pesquisa sobre socialização organizacional, ressalta-se que a literatura da área permanece fragmentada, com pouca clareza no tocante a variados aspectos (Borges & Albuquerque, 2014). Um exemplo é a falta de consistência na forma como o construto é medido, assim como a precária compreensão dos impactos exercidos pela amostragem e pelo tempo de coleta de dados, o que sinaliza que aprimoramentos nas maneiras de se mensurar e avaliar a socialização em si tem sido preteridos (Bauer, Morrison, & Callister, 1998; Klein & Weaver, 2000). A nível internacional, a maioria dos estudos de socialização concentrou-se, nos últimos anos, nos resultados da socialização, incluindo tanto resultados organizacionais, como desempenho e produtividade, quanto resultados individuais, como satisfação no trabalho e comprometimento, além daqueles que analisam aspectos como ajuste pessoa-organização e diferenças na socialização de funcionários públicos masculinos e femininos (Bauer et al., 1998; Moyson, Raaphorst, Groeneveld, & Van de Walle, 2018). Os acadêmicos e profissionais também reconhecem cada vez mais como fatores contextuais e tecnológicos (status socioeconômico, etnia, gênero, novas tecnologias de informação e comunicação, tempo e fronteiras) podem alterar o funcionamento da socialização organizacional e com quais efeitos - oferecendo assim percepção dos processos subjacentes implicados na socialização organizacional (Berkelaar & Harrison, 2019).
Em suma, observa-se que estudos sobre o tema apresentam objetivos variados, o que indica não haver uma direção bem-definida, dificultando a avaliação de evolução do mesmo. O difuso estado da arte da socialização organizacional é reforçado pela revisão de Moyson et al. (2017), segundo a qual os artigos sobre o tema são metodologicamente ecléticos, porém há destaque para a fragilidade da operacionalização da socialização organizacional. Portanto, revisões de medidas de socialização publicadas até o momento, assim como a identificação de lacunas a serem supridas por pesquisas futuras, são importantes para unificar e avançar a literatura de socialização (Bauer, Bodner, Erdogan, Truxillo, & Tucker, 2007).
No cenário nacional, as publicações mais recentes sobre o tema estão concentradas no campo da Administração e da Gestão de Pessoas, além de majoritariamente abordarem estudos de caso, relatando como se dão os processos de socialização em determinadas instituições/organizações ou categorias específicas de trabalhadores (p.ex.: Alves, Dupont, Freitas, & Tomasetto, 2017; Andrade, Ramos, Costa, & Oliveira, 2016; Genari, Ibrahim, & Ibrahim, 2017; Rondon Filho & Silva, 2017; Rosa & Munhoz, 2015; Silva & Fossa, 2013 Tomazzoni, Costa, Santos, & Souza, 2016). Alguns estudos seguem as tendências internacionais, ao apresentarem delineamentos metodológicos que focam tanto nos resultados, quantos nos antecedentes da socialização (p.ex.: Gomes, 2014; Miranda, Liboreiro, & Borges, 2017). Adicionalmente, além dos estudos de Borges et al. (2010), foram encontrados dois estudos que abordam a mensuração da socialização organizacional, sendo eles o de Carvalho-Freitas (2009), que apresenta o Inventário de Ações de Adequação das Condições e Práticas de Trabalho, e o de Andrade, Ramos e Oliveira (2015), que realiza uma nova aferição exploratória do Inventário de Socialização Organizacional (ISO) de 45 itens.
Segundo Borges e Albuquerque (2014), são quatro os principais enfoques dos estudos de socialização organizacional: (1) o das táticas organizacionais, que diz respeito às ações adotadas pelas organizações para facilitar o processo de socialização dos indivíduos; (2) o desenvolvimentista, no qual o foco é o indivíduo e seus processos cognitivos; (3) conteúdos e informação, que enfatiza os conteúdos do processo de socialização e o papel da busca de informações pelos indivíduos; (4) tendências integradoras, que tentam articular tanto as ações organizacionais, quanto os processos cognitivos individuais e os resultados da socialização. Entretanto, na mensuração da socialização organizacional, é comum que seja realizada a análise do conteúdo da socialização. A partir das escalas apresentadas na Tabela 1, observa-se que os instrumentos de socialização organizacional internacionais costumam seguir dois tipos de estruturação: 1) conteúdo da socialização em função de áreas de conhecimento (ex.: aprendizado sobre como desempenhar uma tarefa/função); 2) conteúdo da socialização em função de áreas específicas de referência (ex.: aprendizagem nos níveis da função, da equipe ou da organização).
Dentre as escalas citadas na Tabela 1, destaca-se que o instrumento de Chao, O'Leary-Kelly, Wolf, Klein e Gardner (1994) permanece como um dos mais utilizados na área, provavelmente por ser o que menos confunde resultados da socialização com seu conteúdo (Chao, 2012). Porém, um problema que permanece diz respeito aos níveis, uma vez que as medidas de socialização ainda focam, a priori, no nível organizacional, entretanto alguns itens remetem a informações funcionais ou departamentais. Portanto, uma medida compreensiva de socialização organizacional deveria perguntar sobre cada um dos conteúdos acima em relação aos níveis de tarefa, das equipes e da organização separadamente, distinguindo o que deveria ser aprendido de forma geral, daquilo que deveria ser aprendido em cada nível (Chao, 2012). Outra questão relevante é que o conteúdo da socialização, e por consequência suas medidas, dizem respeito majoritariamente às intervenções e resultados organizacionais, ignorando o aprendizado pessoal e o autoconceito do novo funcionário.
No Brasil, Borges et al. (2010) ressaltam a escassez de pesquisas sobre socialização organizacional, o que provavelmente devia-se à ausência de instrumentos nacionais que mensurem tal fenômeno. Borges, Ros e Tamayo (2001) propuseram o Inventário de Socialização Organizacional (ISO), que representa uma adaptação brasileira do instrumento de Chao et al. (1994). Para esta primeira validação, foi realizada tradução regressiva, adaptados alguns itens e aplicado o inventário em uma amostra (N = 622) composta por operários da construção civil e trabalhadores de redes de supermercados em Brasília. Os resultados identificaram três fatores - qualificação/inclusão; competência; e objetivos e tradições organizacionais -, contudo, a versão adaptada para o Brasil mostrou-se mais frágil que a de Chao, além de detectar especificidades presentes na socialização organizacional de brasileiros que não foram antecipadas pelo instrumento original. Com o propósito de se tornar referência para pesquisas sobre socialização organizacional no Brasil, especialmente em organizações públicas, o Inventário de Socialização Organizacional foi reconstruído e passou por novo processo de validação (Borges et al., 2010), realizado com servidores da Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN (docentes e técnicos-administrativos) e do Instituto de Assistência Técnica e Extensão Rural do Rio Grande do Norte-EMATER/RN (técnicos-administrativos). A versão do ISO utilizada por Borges et al. (2010), apresentava 54 itens em escala Likert, com variação de -2 (discordo muito) a +2 (concordo muito), aplicado em uma amostra total de 903 servidores públicos das referidas organizações.
Inicialmente, Borges et al. (2010) propuseram nove dimensões hipotéticas para o ISO. Entretanto, após a apreciação dos resultados oriundos de análise fatorial exploratória, o ISO foi reestruturado, comportando 45 itens distribuídos em sete fatores, conforme especificados na Tabela 2. Tal estrutura apresentou validade e consistência satisfatórias (r2= 47,68%). Fundamentados na premissa de que o Brasil representa um país cuja cultura é mais voltada para o coletivismo e que prioriza os valores benevolentes, Borges et al. (2010) apontam a importância da apresentação distintiva, no instrumento reestruturado, entre os fatores Competência e Qualificação. Assim, ressaltam que houve adequação à realidade cultural brasileira, uma vez que esta aporta uma compreensão de competência relacionada às condições de trabalho, e não necessariamente relacionada à qualificação do trabalhador, como se apresenta na versão do ISO estadunidense.
É preciso salientar, entretanto, que alguns aspectos da dimensionalidade encontrada por Borges et al. (2010) são discutíveis, a exemplo da definição constitutiva do fator "Linguagem e tradição", que reúne conteúdo semântico pertinente a outros fatores gerados pela solução fatorial dos autores. É o caso da superposição de conteúdos de "Linguagem e tradição" com aqueles dos fatores "Qualificação profissional", "Integração com as pessoas" e "Acesso a informações". Quando "Linguagem e tradição" enuncia o domínio da linguagem profissional e organizacional, assemelha-se aos conteúdos de "Qualificação profissional" no que tange ao domínio da linguagem e tarefas proposto por este fator. "Integração com as pessoas" abrange o sentimento de aceitação pelos outros e pertencimento a uma equipe, o que nos faz crer que coincide com o fator "Linguagem e tradição" quando este remete ao conhecimento de tradições e história dos colegas, o que somente é possível se há integração e convivência com os mesmos. Por fim, quando o fator "Linguagem e tradição" refere saber identificar as pessoas mais influentes na organização, é contemplado pelo fator "Acesso a informações", que postula o conhecimento de informações e processos organizacionais. Logo, o fator "Linguagem e tradição" não se sustentaria como um fator distinto, uma vez que sua definição comparece dúbia e duplicada.
Outro aspecto passível de críticas diz respeito à propriedade do fator "Não integração com a organização", que não foi antecipado nas dimensões hipotéticas dos autores, porém, após análise fatorial, reuniu os itens negativos existentes no ISO. Encontrar escores baixos nos fatores que mensuram o construto socialização organizacional deveria ser suficiente para interpretar que o funcionário não se considera adequadamente socializado, não havendo necessidade de um fator reunindo a ideia de ausência de socialização. Ademais, o traço medido pelo ISO é a magnitude da socialização organizacional percebida pelo respondente, o que implica necessariamente na existência do fenômeno. Provavelmente, o fator "Não integração com a organização" surgiu na solução fatorial devido à presença de itens negativos que agruparam em um único fator, em função da maneira como os participantes respondiam especificamente a eles na escala. Contudo, esta particularidade da técnica estatística não deve se sobrepor à pertinência da interpretação substantiva dos fatores produzidos pela análise, no momento de decidir as fronteiras semânticas do conceito.
Diante da importância do ISO para a pesquisa nacional em socialização organizacional, reconhece-se ser necessário seu aprimoramento. Isto inclui a realização de ajustes em direção a uma solução fatorial mais parcimoniosa e mais alinhada com os estudos recentes, além de analisar as evidências de validade do instrumento à luz de técnicas estatísticas mais robustas. Sendo assim, o presente estudo classifica-se como um estudo de validade de construto, por objetivar o teste da estrutura interna do instrumento Inventário de Socialização Organizacional (ISO) e suas propriedades psicométricas, propondo um instrumento reformulado: o ISO-R. A pesquisa foi composta por dois estudos empíricos, os quais complementam-se na análise do modelo de mensuração de socialização organizacional via medida Inventário de Socialização Organizacional (ISO). O primeiro estudo ocupou-se com a exploração da estrutura interna do construto socialização organizacional, através da realização da análise fatorial exploratória, enquanto o segundo estudo tratou da confirmação do modelo explicativo derivado do primeiro estudo, através da realização da análise fatorial confirmatória.
Estudo 1: Validação exploratória do ISO
Método
Participantes. Neste estudo, a amostra consistiu em servidores da PM/SE (Praças/Graduados e Oficiais) de quatro batalhões ou companhias de polícia especializada: 1) Companhia de Polícia de Trânsito - CPTran; 2) Batalhão de Polícia de Choque - BPChq; 3) Companhia de Polícia Rodoviária Estadual - CPRv; 4) Companhia de Polícia de Radiopatrulha - CPRp. Estes setores foram designados pela própria organização, sob a justificativa de serem setores com grande quantitativo de servidores, o que possivelmente facilitaria a coleta de dados. A PM/SE contava, em janeiro de 2019, com 4.800 servidores.
A amostragem foi não-probabilística e os critérios de inclusão na amostra foram: ser servidor ativo da PM/SE (não estar aposentado ou afastado do serviço por motivos de férias, doença ou acidente de trabalho); possuir escolaridade a partir do Ensino Médio; e ter concluído o curso de formação (no caso de Praças, o Curso Técnico de Segurança Pública e, no caso de Oficiais, o Curso de Bacharelado em Segurança Pública), principal recurso institucionalizado de socialização organizacional nesta instituição. Participaram do estudo 270 servidores, dos quais 24,1% eram oriundos da CPTran, 25,9% provinham do BPChq, 25,2% da CPRp e 24,8% da CPRv, indicando distribuição equilibrada da amostra. A maioria dos respondentes foi do sexo masculino (93,7%), com ensino superior incompleto (27,6%) ou completo (25,0%), casado (67,7%) e com 02 (dois) filhos (34,7%). Os participantes desempenham função operacional (77,2%) ou administrativa (22,8%). A amostra foi composta, em sua maioria, por Soldados (50,4%) e Cabos (21,5%), e não houve participação de nenhum oficial de maior graduação. A média de idade dos respondentes foi de 37 anos (DP = 5,74), variando de 24 a 51 anos. O tempo médio na organização foi de 182,54 meses (DP = 76,75), o que corresponde a, aproximadamente, 15,22 anos. O tempo médio na atual função foi de 97,49 meses (DP = 77,90), correspondente a 8,12 anos. A renda individual média dos respondentes foi de R$ 4.020,40 (DP = 1.101,30) e a média da renda familiar apresentou-se em R$ 5.350,43 (DP = 2.219,52).
Instrumentos. Foram dois instrumentos utilizados: o Inventário de Socialização Organizacional (Borges et al., 2010) e Ficha de Dados Sociodemográficos.
Inventário de Socialização Organizacional (Borges et al., 2010). Inventário composto por 45 itens que mensuram, através de sete fatores (KMO = 0,92; r2 = 47,68%), as características e magnitude da percepção sobre sua socialização organizacional por parte do empregado. Os fatores são: 1) Acesso a Informações (Políticas) (α = 0,78); 2) Competência e Proatividade (α = 0,81); 3) Integração com as Pessoas (α = 0,81); 4) Não Integração com a Organização (α = 0,70); 5) Qualificação Profissional (α = 0,71); 6) Objetivos e Valores Organizacionais (α = 0,81); 7) Linguagem e Tradição (α = 0,83). As respostas estavam dispostas em escala Likert de concordância com 5 pontos, variando desde "forte discordância" a "forte concordância".
Ficha de dados sociodemográficos. Instrumento com questões sobre tempo de organização, sexo, idade, escolaridade, estado civil, número de filhos, patente/graduação, função, tempo na função, rendas mensais individual e familiar.
Procedimentos de coleta de dados. Inicialmente, buscou-se autorização da PM/SE para a realização da pesquisa (liberação dos servidores para participação na pesquisa e do espaço físico para aplicação dos instrumentos). Quando da autorização, foi disponibilizado texto com informações gerais sobre a pesquisa à Assessoria de Comunicação da instituição, com o propósito de divulgá-las aos batalhões elencados antes da visita de coleta de dados, ao passo que também foram apresentados os critérios de inclusão na amostra. Os servidores, antes da aplicação do questionário, foram convidados a formalizar sua aceitação de participação na pesquisa através de Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). A aplicação do instrumento aconteceu de forma coletiva, em grupos de, pelo menos, 10 servidores selecionados por conveniência, ou seja, os servidores que se encontravam em escala de trabalho no dia da visita da pesquisadora. As instruções do questionário foram lidas pela pesquisadora, com o intuito de dirimir possíveis dúvidas quanto ao preenchimento das respostas. Os servidores responderam ao questionário no próprio local e horário de trabalho, em espaço privativo (auditório ou sala de aula). Foram realizadas diversas visitas a cada batalhão até que se atingisse quantitativo aproximado de 70 servidores/batalhão.
Procedimentos de análise de dados. Para a análise dos dados, utilizou-se o programa estatístico SPSS (Statistical Package for the Social Sciences), versão 17.0. Os dados foram inspecionados quanto a erros de digitação, dados faltosos e casos extremos, de maneira a preparar o banco de dados para análises multivariadas. Foram realizadas estatísticas descritivas (medidas de tendência central, dispersão e frequência) para caracterizar a amostra. Neste estudo, o Inventário de Socialização Organizacional foi submetido à análise fatorial exploratória, análise paralela e análise de consistência interna.
Resultados
Diante da análise exploratória do instrumento, o teste de adequação da amostra resultou em KMO = 0,83, o que juntamente ao resultado do Teste de Esfericidade de Bartlett (χ2(990) = 3511,33; p < 0,001), comprovaram a fatorabilidade do Inventário de Socialização Organizacional. A solução inicial, obtida por meio de extração dos componentes principais (Principal Component Analysis - PC), apontou a possibilidade de retenção de até 13 componentes pelo critério de eigenvalue > 1, contabilizando 63,84% de variância explicada. O gráfico Scree Plot sinalizava para a existência de quatro fatores, aparentemente distintos.
Efetuou-se análise paralela e, pelo critério de Horn (1965), recomendou-se a possibilidade de aceitar seis fatores. Conforme recomendado em Borges et al. (2010), empreendeu-se análise fatorial dos eixos principais (Principal Axis Factoring - PAF), rotação oblíqua, solicitação de sete fatores e critério de carga fatorial acima de 0,30 para manutenção do item, contudo esta solução fatorial falhou na produção da matriz de cargas rotadas, assim como desaconselhou a retenção de sete fatores pelo critério de eigenvalue > 1. Alterou-se o método de rotação para ortogonal e, embora esta solução tenha possibilitado a saída da matriz de cargas rotadas, vários itens saturavam concomitantemente em mais de um fator, prejudicando a interpretabilidade dos fatores, assim como o critério de eigenvalue > 1 permanecia desaconselhando a retenção de sete fatores.
Investigou-se a possibilidade de várias soluções fatoriais utilizando extração PC ou PAF, rotação ortogonal, cargas fatoriais entre 0,30 e 0,45, desde solicitação de seis fatores até a possibilidade de uma solução unidimensional. Tais soluções, em geral, apresentavam problemas de dubiedade da interpretação dos fatores resultantes. Por fim, optou-se pela solução mais parcimoniosa e de melhor interpretabilidade, alcançada por meio de extração dos componentes principais, com rotação ortogonal, critério de carga fatorial acima de 0,45 e estipulação de três fatores (r2 = 33,12%). Permaneceram 24 itens na escala, distribuídos em três fatores, conforme Tabela 3.
A estrutura fatorial gerada congregou 24 itens distribuídos em três fatores que apresentam bom nível de consistência interna. O primeiro fator, denominado Integração à Organização (IORG), implica a percepção de integração, por parte do respondente, aos objetivos corporativos e aos colegas de trabalho. O fator Domínio de Procedimentos e Atividades (DPA) consiste na percepção de domínio da linguagem organizacional, de normas e de procedimentos de trabalho, por parte do respondente. E o último fator, Proatividade e Competência (PeC), caracteriza a percepção de iniciativa própria na busca por informações e na persecução do bom desempenho laboral. Os resultados desta pesquisa disponibilizam uma alternativa de estrutura fatorial para o ISO, que posteriormente passou por novo escrutínio, por meio de análise fatorial confirmatória (Estudo 2).
Estudo 2: Validação confirmatória da versão reformulada do ISO
Método
Participantes. A amostra foi composta por 210 pessoas que estavam trabalhando há pelo menos seis meses em campos de atuação e setores variados, que incluíam tanto organizações públicas quanto privadas, sendo a maioria mulheres (62%), até 30 anos (66,8%; entre 31 e 35 anos - 13,4%; de 36 a 45 anos - 15,1%; de 46 anos a mais - 4,6%), solteiros (50,2%), cursando ensino superior (71,7%), que não assumiam cargo de chefia no momento (75,3%), que trabalhavam, em média, há 2,5 anos na mesma empresa (M = 29,6 meses). Sobre aspectos relativos à socialização organizacional, 51,5% afirmou reconhecer que a empresa na qual trabalha faz uso de algum tipo de iniciativa para integrar ou socializar os novos funcionários, sendo tal iniciativa identificada como programas formais de socialização ou integração (65,1%), com duração aproximada entre 1 e 2 semanas (36,6%) ou até um mês (18,6%).
Instrumentos. Foi utilizado o Inventário de Socialização Organizacional reformulado (ISO-R) conforme Estudo 1, com 24 itens na escala, distribuídos em três fatores (Tabela 3), com alfas variando entre 0,74 e 0,78. Conjuntamente, foi aplicado um questionário, o qual trazia perguntas sociodemográficas sobre tempo na organização, sexo, idade, escolaridade e estado civil. Considerando que neste estudo os participantes não faziam parte da mesma organização, foram adicionadas, no inquérito sociodemográfico, perguntas relativas ao contato do participante com iniciativas de integração e/ou socialização na empresa onde trabalha, questionando-se o tipo de iniciativa utilizada e sua duração.
Procedimentos de coleta de dados. Os participantes foram recrutados em cursos noturnos de graduação de uma faculdade particular do Distrito Federal, com a devida autorização do corpo dirigente. Escolheu-se os cursos noturnos por entender-se que a grande maioria dos alunos que optam por este horário já estão no mercado de trabalho. Cerca de sete salas de aula foram visitadas pelos auxiliares de pesquisa, nas quais foram apresentados os objetivos do estudo e a condição de que os participantes deveriam estar há, pelo menos, seis meses no mercado de trabalho. Solicitou-se que aqueles que aceitassem participar permanecessem na sala após o final da aula. Aos que aceitaram, foi lido e explicado o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), assim como seus direitos enquanto participante. A aplicação do questionário durou, em média, 20 minutos em cada sala.
Procedimentos de análise de dados. Para análise dos dados, foi realizada a Análise Fatorial Confirmatória (AFC) através do software AMOS, versão 19. A entrada da matriz de variância-covariância adotou o estimador ML (Maximum Likelihood).
Resultados
Para obtenção dos resultados da AFC, foram feitas diversas análises até alcançar-se um modelo com índices de ajuste adequados e coerentes com a proposta teórica. A análise de componentes principais realizada previamente encontrou um modelo que indicava que a socialização organizacional seria composta por 24 itens distribuídos desigualmente em 3 fatores (Integração à Organização, Domínio de Procedimentos e Atividades, Proatividade e Competência), e sua validade de construto foi testada via AFC. No primeiro teste, os resultados da AFC indicaram que o ajuste do modelo poderia ser aprimorado, uma vez que os índices de ajuste iniciais foram: χ2 = 573,58, χ2/df = 2,30, p < 0,001, CFI = 0,83, TLI = 0,81, RMSEA = 0,07, SRMR = 0,07. Nesta análise, ao se observar os coeficientes de ajuste, cargas dos itens em cada fator e os índices de modificação, algumas mudanças no instrumento foram necessárias, tendo em vista a coerência com a teoria e com os parâmetros psicométricos de qualidade. Foram feitas alterações que se encaminharam por retirar o item 6 ("Eu não estou familiarizado com os costumes e hábitos da minha organização"), integrante do fator Domínio de Procedimentos e Atividades. Este item foi excluído por ter apresentado carga fatorial com baixo valor (< 0,30). Ao retirar o item 6, os índices do modelo foram recalculados, surgindo sugestões de modificação referentes à covariação entre seis outros itens, todos pertencentes ao fator Domínio de Procedimentos e Atividades, quais sejam: itens 3 e 4 (ambos revertidos); itens 20 e 21 (ambos revertidos); itens 10 e 25. Portanto, foram estabelecidas as três covariâncias recomendadas para melhorar o ajuste do modelo, agora com 23 itens distribuídos em 3 fatores.
A partir deste terceiro modelo, foram encontrados valores de ajuste satisfatórios (RMSEA = 0,05, CFI = 0,91, TLI = 0,90, SRMR = 0,05), sendo este o modelo final. O modelo obteve 276 parâmetros fixos, 52 parâmetros livres e 224 graus de liberdade, com escore do qui-quadrado significativo estatisticamente [X2(224)= 407,223; p < 0,001] e a razão igual a 1,818, o que corresponde à recomendação de obter o menor valor para o X2/gl. Com relação aos demais índices, todos apresentaram valores de acordo com as indicações de Hair Jr., Black, Babin, Anderson e Tatham (2009): 1) Comparative Fit Index (CFI) e Tucker Lewis Index (TLI) devem ser maiores que 0,90; 2) Root Mean Square Error of Approximation (RMSEA) e Standardized Root Mean Square Residual (SRMR) apresentam valores ótimos entre 0,05 e 0,08 (aceitável até 0,10) para intervalo de 90% de confiança. A Figura 1 apresenta a estrutura alcançada para o modelo final de socialização organizacional em que, a partir das análises anteriores, com a retirada de um item e aplicação de covariâncias, manteve 23 itens divididos em 3 fatores: Integração à Organização (IORG), Domínio de Procedimentos e Atividades (DPA), Proatividade e Competência (PeC).
Tais resultados contribuem para evidenciar que a socialização organizacional pode ser traduzida pela percepção do indivíduo sobre sua integração aos objetivos corporativos e aos colegas de trabalho (IORG), sobre seu domínio da linguagem organizacional, das normas e dos procedimentos de trabalho (DPA), e sobre sua iniciativa própria na busca por informações e na persecução do bom desempenho laboral (PeC). Sendo assim, as análises colaboram para uma escala mais concisa, que investiga o fenômeno num período de tempo mais curto para o respondente. A escala final completa, com 23 itens, apresentou alpha de Cronbach igual a 0,90, de forma que o fator IORG obteve alpha igual a 0,80, enquanto os fatores DPA e PeC obtiveram, respectivamente, valores de alpha iguais a 0,77 e 0,85.
Discussão
O Inventário de Socialização Organizacional (ISO) é um instrumento proposto por Borges et al. (2001), adaptado do instrumento de Chao et al. (1994). Em geral, para a mensuração da socialização organizacional, considera-se o conteúdo da socialização, isto é, a aprendizagem de que aspecto é estimulada nos processos de inserção do novo funcionário. Um escrutínio sobre os instrumentos de medida para socialização (Tabela 1) detectou que a dimensão organizacional (cultura organizacional) está presente em todos os modelos teóricos elencados, ainda que com enunciados diversificados, assim como a dimensão das relações sociais com colegas e grupos e a dimensão da tarefa, conforme assinalado por Fisher (1986).
Seguindo esta tendência, Chao et al. (1994) propõem, como aspectos de aprendizagem e assimilação em um processo bem-sucedido de socialização organizacional, seis dimensões de conteúdo: valores e objetivos organizacionais, história da empresa, políticas, linguagem, pessoas e desempenho. Sendo assim, seu instrumento de medida estrutura-se em conteúdo da socialização em função de áreas de conhecimento, o mesmo ocorrendo com o ISO desenvolvido por Borges, Ros e Tamayo (2001), e aperfeiçoado em Borges et al. (2010), uma vez que se trata de medida derivada do modelo de Chao et al. (1994). Contudo, há que ressaltar que a dimensão da proatividade do indivíduo em seu processo de socialização não comparece em nenhum dos modelos teóricos internacionais, apenas no modelo teórico nacional de Borges et al. (2010), sendo considerado por estes autores um avanço nas investigações sobre o construto.
Na presente pesquisa, foi utilizado o Inventário de Socialização Organizacional - ISO (Borges et al., 2010), escala que até o momento não reunia estudos na literatura revisada que reforçassem suas propriedades psicométricas, após reformulação empreendida pelos autores em 2010. Diante desta situação, foi realizada nova investigação de validade e confiabilidade da medida, visando refinar o instrumento e subsidiar futuras pesquisas, o que levou à proposição do ISO-R, instrumento reformulado e reduzido, com estrutura fatorial avaliada por AFC. A análise fatorial exploratória não corroborou a estrutura fatorial proposta pelos autores do instrumento, fornecendo solução alternativa para a dimensionalidade do construto.
Uma das alterações mais relevantes realizadas neste estudo é a redução dos fatores, de forma que a versão de Borges et al. (2010) apresentava 7 fatores, enquanto o ISO-R apresenta 3 fatores. O fator Integração à organização (IORG) traduz a percepção de socialização para a rede de relações sociais e para a cultura organizacional, uma vez que concerne à percepção de integração aos objetivos corporativos e aos colegas de trabalho. O fator Domínio de procedimentos e atividades (DPA) ilustra a socialização do funcionário para as tarefas do cargo e jargão técnico, pois envolve a percepção de domínio da linguagem organizacional, de normas e de procedimentos de trabalho. Por fim, o fator Proatividade e competência (PeC) assumiu nomenclatura similar ao fator produzido no estudo de Borges et al. (2010), por reunirem ideias afins acerca da iniciativa própria do funcionário na busca por informações e na persecução do bom desempenho laboral.
Nota-se, ao comparar as definições dos fatores resultantes desta pesquisa com aqueles do estudo de Borges et al. (2010), que as principais noções sobre socialização organizacional pontuadas acima (Fisher, 1986), enquanto um fenômeno que remete à assimilação de cultura organizacional, à integração aos colegas e em grupos sociais, à orientação para o efetivo exercício das atividades inerentes ao cargo, e à parcela de protagonismo do indivíduo em prover os facilitadores de sua própria socialização, estão presentes na dimensionalidade de ambos os estudos. Contudo, a estrutura de sete fatores de Borges et al. (2010) não surgiu quando do teste empírico da medida na amostra de validação da presente pesquisa, restando como solução melhor interpretável e mais coerente teoricamente, a estrutura de 3 fatores derivada neste estudo, a qual resistiu aos testes confirmatórios. Esta estrutura fatorial é mais parcimoniosa, não redunda fatores (como é o caso dos fatores de Borges et al. (2010) "Linguagem e tradição", "Qualificação profissional", "Integração com as pessoas" e "Acesso a informações", cujos conteúdos semânticos já foram apontados como superpostos, na fundamentação teórica deste artigo) e elimina o contrassenso de um fator de conteúdo negativo, o qual rejeita a existência do fenômeno medido (fator "Não integração com a organização" - Borges et al., 2010).
As dimensões do ISO-R, neste sentido, coadunam com a dimensionalidade proposta em estudos internacionais (Ostroff & Kozlowski, 1992; Haueter, Macan, & Winter, 2003), os quais trazem, na essência de seus modelos fatoriais, ideias referentes à socialização para a tarefa, à socialização no grupo e à socialização para os elementos culturais da organização (história, valores, política, poder). Conforme apontado por Haueter et al. (2003), preocupações com medidas de socialização são justificadas em função de três necessidades teórico-práticas: (1) as medidas devem ser úteis tanto para pesquisadores, quanto para pessoas inseridas no mercado, principalmente no que diz respeito à interpretação dos dados; (2) devem unificar o campo, possibilitando comparações e replicações; (3) devem abrir espaço para novas teorias. Os autores defendem, ainda, a necessidade de medidas de socialização organizacional que sejam compreensivas e padronizadas, o que representa uma das principais contribuições do presente estudo.
Não se pode perder de vista, contudo, que tanto a versão original do instrumento (Chao et al.,1994), quanto a primeira versão brasileira (Borges, Ros, & Tamayo, 2001) constituem instrumentos antigos, com quase 20 anos de intervalo temporal da adaptação dos itens para o Brasil, o que pode incidir em viés temporal destes itens e na não representação de aspectos do momento sócio-cultural atual, principalmente quando se considera que o mundo do trabalho sofreu inúmeras e aceleradas transformações no início do século XXI, que produziram novas maneiras de manifestar e gerir o comportamento organizacional (Borges & Yamamoto, 2014). Destarte, na reconstrução e validação do instrumento para o Brasil (Borges et al., 2010), os autores já atentaram para o necessário cuidado em obedecer os direcionamentos mais recentes da literatura, que apontavam a necessidade de incorporar itens ao instrumento que transmitissem a proatividade dos indivíduos e a busca pessoal por informações que facilitassem sua própria socialização, por exemplo. As instâncias por proatividade individual no contexto laboral recebem influência do paradigma flexível do trabalho que prepondera nas relações trabalhistas contemporâneas (Antunes, 2014), o que indica a interlocução dos itens com características atuais do contexto sócio-histórico de produção do instrumental e depõe a favor de sua pertinência.
Por sua vez, o momento de entrada do trabalhador na organização deveria receber maior atenção na literatura de POT, uma vez que pode determinar a relação futura do indivíduo com seu trabalho, assim como seu vínculo com a organização. Entretanto, no que diz respeito à mensuração da socialização organizacional, fator indispensável para o aumento de estudos sobre o tema, revisões (p. ex.: Moyson et al., 2017) indicam que boa parte dos estudos usa apenas a afiliação organizacional como medida indireta da socialização organizacional, isto é: Se os indivíduos pensam e se comportam de maneira mais semelhante quando pertencem à mesma organização, isso significa que ocorreu uma socialização organizacional nessa organização. Outros operacionalizam a socialização de acordo com o número de anos de afiliação organizacional, ou até mesmo através da existência, frequência e conteúdo de suas reuniões em grupos formais ou informais (Moyson et al., 2017). Com base nestes achados, compreende-se que a mensuração da socialização organizacional em si tem sido preterida (Bauer et al., 1998; Klein & Weaver, 2000), o que fez com que a reformulação da ISO fosse uma contribuição necessária. Desta maneira, é possível não só aprimorar e melhor avaliar os processos de inserção do indivíduo na organização, como também, a longo prazo, influenciar os resultados organizacionais, conforme apontado por Griffin, Colella e Goparaju (2000). Espera-se, com a reformulação da medida de socialização organizacional e proposição do ISO-R, estimular tanto a pesquisadores, quanto a profissionais, a dedicar maior atenção e investimento aos processos de socialização organizacional.
Todavia, para além dos aspectos psicométricos avaliados no presente estudo, é preciso ter em mente que estar socializado implica conhecer (cognição) e aderir (afeto) a uma organização de trabalho, o que só pode ser viabilizado quando os conteúdos culturais do processo de socialização são devidamente contemplados. O cenário de relações de trabalho com o qual gestores e trabalhadores estão tendo que conviver e interagir no presente remete para vínculos trabalhistas descartáveis, intermitência de emprego, precarização do trabalho e esporádicos investimentos organizacionais em políticas e práticas de gestão de pessoas (Druck, 2011), dentre as quais as ações para aumentar a fixação de funcionários no quadro, como as compreendidas pela socialização organizacional. Cabe, então, um questionamento que merece mais reflexão pela literatura da área: ainda é possível ao trabalhador conhecer e aderir a uma organização de trabalho no impermanente contexto atual de relações de trabalho?
Como limitações do Estudo 1, apontam-se o fato de a amostra ser eminentemente masculina e proveniente de cultura organizacional tradicional (organização militar), o que pode ter colaborado para algum viés na análise, e do Estudo 2, a composição da amostra por respondentes que não eram exclusivamente empregados públicos, o que vai de encontro à concepção do ISO, por Borges et al. (2010), como um instrumento para uso, por excelência, em organizações públicas. Ao mesmo tempo, esta última limitação pode comparecer como uma contribuição deste estudo, uma vez que oferece o teste do ISO em outros tipos de amostra (que não somente em servidores públicos) e de instituição empregadora. Recomenda-se mais esforço de pesquisa na ampliação da abrangência de teste da escala.
Não obstante, os resultados desta pesquisa reafirmam a importância do cuidado institucional com o processo de socialização dos seus funcionários - independentemente do vínculo empregatício destes -, a importância de conhecer como esse ocorre e como pode ser facilitado, e a reflexão sobre a flexibilização deste processo, para que a iniciativa do indivíduo tenha lugar garantido na sua socialização.
Estudos adicionais ainda merecem ser executados para o teste da estrutura fatorial surgida neste estudo, preferencialmente, visando a melhoria da robustez dos coeficientes de confiabilidade, que alcançaram valor aceitável, mas que poderiam ser melhorados. Sugerem-se estudos comparativos com amostras do setor público e da iniciativa privada para verificar a estabilidade da estrutura fatorial, estudos de validade em outras realidades nacionais e por meio de correlação com outros construtos (validação convergente), e estudos explicativos com variáveis de resultado organizacional.
Referências
Alves, M. R., Dupont, R. R., Freitas, S., Tomasetto, M. (2017). Socialização organizacional em uma cooperativa agroindustrial no oeste do Paraná. Revista de Gestão e Organizações Cooperativas 4(8),47-60. https://doi.org/10.5902/2359043225887 [ Links ]
Andrade, D. C. T., Ramos, H. R., Costa, D. M. D., & Oliveira, D. R. (2016). A socialização organizacional dos servidores de uma IFES: Em tempos de REUNI. Revista da Universidade Vale do Rio Verde, 14(1),670-691. https://doi.org/10.5892/ruvrd.v14i1.2510 [ Links ]
Andrade, D. C. T., Ramos, H. R., & Oliveira, D. R. (2015). Inventário de Socialização Organizacional: (Re) afirmando sua validade e consistência. Revista Pensamento &Realidade, 30(3),87-104. Recuperado de https://revistas.pucsp.br/pensamentorealidade/article/view/23685 [ Links ]
Antunes, R. (2014). Desenhando a nova morfologia do trabalho no Brasil. Estudos Avançados, 28(81),39-53. https://doi.org/10.1590/S0103-40142014000200004 [ Links ]
Bauer, T. N., Morrison, E. W., & Callister, R. R. (1998). Organizational socialization: A review and directions for future research. Em G. R. Ferris (Ed.), Research in personnel and human resources management (Vol. 16, pp. 149-214). US: Elsevier Science/JAI Press. [ Links ]
Bauer, T. N., Bodner, T., Erdogan, B., Truxillo, D. M., & Tucker, J. S. (2007). Newcomer adjustment during organizational socialization: A meta-analytic review of antecedents, outcomes and methods. Journal of Applied Psychology, 92(3),707-721. https://doi.org/10.1037/0021-9010.92.3.707 [ Links ]
Berkelaar, B., & Harrison, M. (2019). Organizational Socialization - Oxford Research Encyclopedia of Communication. Recuperado em 28 Setembro de 2019, de https://oxfordre.com/communication/view/10.1093/acrefore/9780190228613.001.0001/acrefore-9780190228613-e-127. [ Links ]
Borges, L. O., & Albuquerque, F. J. B. (2014). Socialização organizacional. Em J. C. Zanelli, J. E. Borges-Andrade, & A. V. B. Bastos (Orgs.), Psicologia, organizações e trabalho no Brasil (2ª ed, pp. 331-356). Porto Alegre: Artmed. [ Links ]
Borges, L. O., Ros, M., & Tamayo, A. (2001). Socialización organizacional: tácticas y autopercepción. Revista de Psicología del Trabajo y de las Organizaciones, 17(2),173-196. [ Links ]
Borges, L. O., Silva, F. H. V. C., Melo, S. L., & Oliveira, A. S. (2010). Reconstrução e validação de um inventário de socialização organizacional. Revista de Administração Mackenzie (RAM), 11(4),4-37. https://doi.org/10.1590/S1678-69712010000400002. [ Links ]
Borges, L. O., & Yamamoto, O. H. (2014). O mundo do trabalho. Em J. C. Zanelli, J. E. Borges-Andrade, & A. V. B. Bastos (Orgs.), Psicologia, organizações e trabalho no Brasil (2ª ed., pp. 24-62). Porto Alegre: Artmed. [ Links ]
Carvalho-Freitas, M. N. (2009). Ações de adequação das condições e práticas de trabalho para inserção de pessoas com deficiência. Psicologia para América Latina, 16. Recuperado em 10 de outubro de 2018, de http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1870-350X2009000100010&lng=pt&tlng=pt. [ Links ]
Chao, G. T. (2012). Organizational socialization: Background basics, and a blueprint for adjustment at work. Em S. W. J. Kozlowski (Ed.), The Oxford handbook of organizational psychology (pp. 579-614). Oxford, England: Oxford University Press. [ Links ]
Chao, G. T., O'Leary-Kelly, A. M., Wolf, S., Klein, H. J., & Gardner, P. D. (1994). Organizational socialization: Its content and consequences. Journal of Applied Psychology, 79(5),730-743. https://doi.org/10.1037/0021-9010.79.5.730 [ Links ]
Druck, G. (2011). Trabalho, precarização e resistências: novos e velhos desafios? Caderno CHR, 24(1),pp.37-57. https://doi.org/10.1590/S0103-49792011000400004 [ Links ]
Fisher, C. D. (1986). Organizational socialization: An integrative view. Research in Personnel and Human Resources Management, 4,101-145. [ Links ]
Genari, D., Ibrahim, C. V. D., & Ibrahim, G. F. (2017). A percepção dos servidores públicos sobre a socialização organizacional: Um estudo no instituto federal de educação, ciência e tecnologia do Rio Grande do Sul. HOLOS, 5,313-328. https://doi.org/10.15628/holos.2017.5153 [ Links ]
Gomes, F. K. (2014). Efeitos da socialização organizacional, experiências de reforço e lócus de controle na motivação e comportamento de coprodução (Dissertação de Mestrado). Programa de Pós-Graduação em Administração e Negócios, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Rio Grande do Sul, Brasil. Recuperado de http://hdl.handle.net/10923/6747 [ Links ]
Griffin, A. E. C., Colella, A., & Goparaju, S. (2000). Newcomer and organizational socialization tatics: An interacionist perspective. Human Resource Management Review, 1(4),453-474. https://doi.org/10.1016/S1053-4822(00)00036-X [ Links ]
Hair Jr., J. F., Black, W. C., Babin, B. J., Anderson, R. E., & Tatham, R. L. (2009). Análise multivariada de dados (6ª ed.). Porto Alegre: Bookman. [ Links ]
Horn, J. L. (1965). A rationale and test for the number of factors in factor analysis. Psychometrika, 30,179-185. https://doi.org/10.1007/BF02289447 [ Links ]
Klein, H. J., & Weaver, N. A. (2000). The effectiveness of an organizational-level orientation training program in the socialization of new hires. Personnel Psychology, 53(1),47-66. https://doi.org/10.1111/j.1744-6570.2000.tb00193.x [ Links ]
Miranda, M. G. C., Liboreiro, K. R., & Borges, R. (2017). Socializar para adequar-se: Como redes sociais intraorganizacionais podem influenciar a adequação indivíduo-organização. Revista de Administração Contemporânea, 21(5),666-684. https://doi.org/10.1590/1982-7849rac2017160189 [ Links ]
Moyson, S., Raaphorst, N., Groeneveld, S., & Van de Walle, S. (2018). Organizational Socialization in Public Administration Research: A Systematic Review and Directions for Future Research. The American Review of Public Administration, 48(6),610-627. https://doi.org/10.1177/0275074017696160 [ Links ]
Rondon Filho, E. B., & Silva, S. C. R. (2017). A socialização organizacional desenvolvida na polícia militar de Mato Grosso: O processo inicial e final da formação tecnológica policial da geração "Y". RHM - Revista Científica de Pesquisa em Segurança Pública, 17(2),52-77. Recuperado de http://revistacientifica.pm.mt.gov.br/ojs/index.php/semanal/article/view/364/pdf [ Links ]
Rosa, B. R., & Munhoz, G. S. (2015). O processo de socialização organizacional: Levantamento e análise em uma empresa júnior da área de ciências sociais aplicadas. Caderno de Administração, 23(2),14-26. [ Links ]
Silva, A. H., & Fossa, M. I. T. (2013). O processo de socialização organizacional como estratégia de integração indivíduo e organização. Cadernos da Escola de Negócios, 1(11),17-28. Recuperado de http://revistas.unibrasil.com.br/cadernosnegocios/index.php/negocios/article/view/105 [ Links ]
Tomazzoni, G. C., Costa, V. M. F., Santos, A. S., & Souza, D. L. (2016). Do exercício a efetivação: Analisando a socialização organizacional. Revista Pensamento Contemporâneo em Administração, 10(2),80-92. https://doi.org/10.12712/rpca.v10i2.650 [ Links ]
Wesson, M. J., & Gogus, C. I. (2005). Shaking hands with a computer: An examination of two methods of organizational newcomer orientation. Journal of Applied Psychology, 90(5),1018-1026. https://doi.org/10.1037/0021-9010.90.5.1018 [ Links ]
Endereço para correspondência:
Marley Rosana Melo de Araújo
Rua Francisco de Assis D. P. Freitas, 100, Bl. Mariana, ap. 02. Ponto Novo
Aracaju-SE, Brasil, CEP 49097-710
E-mail: marleymeloaraujo@gmail.com
Recebido em: 19/10/2018
Primeira decisão editorial em: 22/09/2019
Versão final em: 29/09/2019
Aceito em: 04/10/2019