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Revista Psicologia Organizações e Trabalho

versão On-line ISSN 1984-6657

Rev. Psicol., Organ. Trab. vol.21 no.1 Brasília jan./mar. 2021

https://doi.org/10.5935/rpot/2021.1.21011 

Programa VIDAS de orientação para aposentadoria: avaliação de reação e impacto

 

VIDAS Program for retirement orientation: reaction and impact evaluation

 

Programa VIDAS de orientación para la jubilación: evaluación de la reacción y de impacto

 

 

Igor Schutz dos SantosI; Caroline Michels SiegaII; Fabiana Mendes de CarvalhoIII

IUniversidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Brasil
IIInstituto Familiare, Brasil
IIIEscola Superior Aberta do Brasil (ESAB), Brasil

Informações sobre os autores

 

 


RESUMO

A aposentadoria é uma das etapas mais importantes nas vidas de trabalhadores, podendo ser fonte de sofrimento ou de satisfação. No intuito de contribuir e apoiar tanto a decisão quanto o planejamento do encerramento de carreira, programas de orientação para a aposentadoria são fundamentais. O presente estudo se refere ao relato de experiências relacionadas ao programa VIDAS de orientação para a aposentadoria, tendo como objetivos específicos: descrever a estrutura proposta do programa, avaliar a reação aos encontros e investigar o impacto causado na percepção de futuro e no processo de planejamento da aposentadoria. Os resultados indicaram adequação da estrutura dos encontros, assim como a satisfação dos devidos participantes. A avaliação de impacto indicou aumento significativo na percepção de futuro quanto ao desligamento do trabalho e em todas as dimensões de planejamento da aposentadoria após o programa. A importância de um programa como o VIDAS está relacionada ao trabalho interdisciplinar e à relevância de sua avaliação.

Palavras-chave: aposentadoria, desenvolvimento profissional, avaliação de programa.


ABSTRACT

Retirement is one of the most important stages in the lives of workers and can be a source of suffering or satisfaction. To contribute to and support retirement decisions and career planning, retirement orientation programs are critical. The present study reports the experience of the VIDAS retirement orientation program through three specific objectives: describe its structure, evaluate the reaction to the encounters, and evaluate the impact of the program on the perception of future and retirement planning processes of participants. Results indicated adequacy of the structure of meetings and participant satisfaction. The impact assessment indicated a significant increase in the perception of the future when leaving work and in all dimensions of retirement planning after the program. The importance of a program like VIDAS is related to interdisciplinary work and the relevance of its evaluation.

Keywords: retirement, professional development, program evaluation


RESUMEN

La jubilación es una de las etapas más importantes en la vida de los trabajadores, pudendo ser una fuente de sufrimiento o satisfacción. En el intuito de contribuir y apoyar tanto la decisión cuanto la planificación profesional, los programas de orientación para la jubilación son fundamentales. El presente estudio se refiere al relato de experiencias relacionadas al programa VIDAS de orientación para la jubilación, teniendo como objetivos específicos: describir la estructura propuesta del programa, evaluar la reacción a las reuniones e investigar el impacto causado en la percepción del futuro y en el proceso de planificación jubilatoria. Los resultados indicaron la adecuación de la estructura de los encuentros, así como la satisfacción de los debidos participantes. La evaluación de impacto indicó un aumento significativo en la percepción del futuro al dejar el trabajo y en todas las dimensiones de la planificación de la jubilación después del programa. La importancia de un programa como el VIDAS está relacionada con el trabajo interdisciplinario y la relevancia de su evaluación.

Palabras clave: jubilación, desarrollo profesional, evaluación de programa.


 

 

O trabalho é fundamental na organização das sociedades humanas, além de central, sob uma perspectiva psicológica, para o desenvolvimento do autoconceito e para a autoestima (Zanelli, Silva, & Soares, 2010). O encerramento de uma carreia envolve processos complexos de decisão por parte dos trabalhadores. Por um lado, a transição para a aposentadoria pode representar a perda da identidade relacionada ao trabalho, uma parte constituinte do sujeito, implicando em diferentes formas de sofrimento e agravando a sensação de perdas. Contudo, a aposentadoria pode ser vivida como fonte de satisfação, uma abertura para novas possibilidades de desenvolvimento pessoal e de gozo da vida.

Umas das principais mudanças esperadas se refere ao convívio com pessoas significativas, em especial os familiares. A repercussão da aposentadoria nessas relações pode gerar apreensão no aposentando (Antunes, 2014), sendo fundamental para a qualidade do desligamento do trabalho a acolhida e apoio dos familiares. Fatores de risco e proteção relacionados a características pessoais, psicossociais e organizacionais influenciam a adaptação de trabalhadores à aposentadoria. Dentre esses fatores, estão incluídos: a auto eficácia, aspectos financeiros, educação, saúde, lazer, entre outros (Murta & Leandro-França, 2014). Eles devem ser abordados em programas de orientação ou preparação para a aposentadoria, dedicados a auxiliar trabalhadores quanto à decisão, percepção e planejamento do encerramento da carreira.

Em pesquisa sobre carreira, decisão e satisfação de vida de aposentados, cerca de metade dos trabalhadores que participaram do programa o avaliaram como ótimo (Boehs, Bardagi, & Silva, 2019). Mesmo não tendo encontrado associação entre participação no programa e o tipo de decisão de se aposentar, os autores concluem que ele pode ter contribuído para a reflexão quanto a decisão já tomada. De acordo com Rafalski e De Andrade (2016) a participação em programa dessa natureza é discriminativa para a realização de comportamentos de planejamento, o que favorece o processo de reflexão e enfrentamento dessa etapa por pré-aposentandos. Considerando que as percepções do futuro influenciam os comportamentos de planejamento, programas de orientação para a aposentadoria que superem o tradicional enfoque de questões financeiras podem contribuir para que os indivíduos sejam ativos em suas escolhas e planejamento de futuro (Rafalski, 2015).

A realidade brasileira de programas voltados à preparação ou orientação para a aposentadoria demonstra que há certa semelhança nos temas abordados, todos relevantes ao momento de vida do trabalhador em vias de se aposentar (Pazzim & Marin, 2016). Estão incluídos aí os fatores psicossociais de enfrentamento aos riscos, envelhecimento, significado do trabalho, saúde, finanças, entre outros, de forma a facilitar o enfrentamento à nova etapa de vida (Soares, Costa, Rosa, & Oliveira, 2007). Identifica-se pouca oferta, por parte das empresas, quanto a esse tipo de orientação para seus empregados; ainda que a legislação brasileira incentive, por meio do estatuto do idoso, a preparação dos trabalhadores para a aposentadoria no estímulo a novos projetos e esclarecimento sobre direitos sociais (Brasil, 2003). Além disso, há escassez de produção científica quanto à avaliação dos programas, seja dos seus processos ou resultados (Pazzim & Marin, 2016). Justifica-se, assim, o desenvolvimento de recursos e métodos que contribuam para a identificação dos impactos do programa e uma avaliação que considere diferentes níveis (Zanelli et al., 2010); como, por exemplo: os participantes, orientadores internos e externos, recursos humanos, gerentes e supervisores, administração central, familiares e outros interessados. Entre outros efeitos, os resultados obtidos podem lançar luz sobre o papel de psicólogos e outros profissionais atuantes, verificando de que maneira seus diferentes saberes contribuem para o atingimento dos objetivos desses programas.

Considerando as necessidades de empregados em etapa de decisão sobre a aposentadoria, as particularidades da organização e a importância da avaliação das ações realizadas, um programa pautado nos aspectos abordados na proposta de Zanelli (2017) foi elaborado. Segundo o autor, a reflexão e planejamento das decisões deve se basear em um processo com dois eixos, sendo o primeiro eixo representado por cuidar (da saúde e das finanças) e o segundo eixo representado por desfrutar (do tempo livre e de uma aposentadoria prazerosa). Assim, o programa Valorização Interna para a Decisão de uma Aposentadoria Saudável (VIDAS)foi desenvolvido para orientar os empregados já aposentados ou em vias de aposentadoria para a decisão do efetivo encerramento de suas carreiras. O presente estudo teve como objetivo principal relatar a experiência do programa VIDAS, considerando os seguintes objetivos específicos: 1) descrever a estrutura proposta do programa; 2) avaliar a reação aos encontros; e 3) avaliar o impacto causado na percepção de futuro e no processo de planejamento da aposentadoria dos participantes.

 

Método

Trata-se de uma pesquisa do tipo exploratória, com apresentação de uma visão geral de um determinado fato (Gil, 2008), especificamente a experiência do programa VIDAS. Caracteriza-se, também, como uma pesquisa descritiva, em que se utilizou o levantamento de opiniões dos participantes para descrever características desse grupo (Gil, 2008). A realização desse tipo de estudo foi baseada em Gil (2008) quanto à preocupação com a atuação prática, sendo esse também o interesse da instituição pesquisada.

Participantes

O estudo contou com os participantes do programa VIDAS, realizado em uma empresa de economia mista do sul do Brasil com atuação em municípios de todas as regiões do estado de origem. Os participantes do programa foram empregados já aposentados ou em vias de aposentadoria, convidados através das mídias internas da empresa para participação voluntária.

Instrumentos

A avaliação de reação foi realizada através de questionários de opinião sobre o treinamento ministrado, seguindo instrumento padronizado da empresa. Avaliou-se em uma escala de 5 pontos (na qual 1 = "péssimo" e 5 = "ótimo") os seguintes aspectos: motivação para mudanças após o encontro; tempo das atividades; linguagem e conteúdo utilizados; relevância e adequação dos temas; materiais e recursos didáticos; desempenho dos instrutores e da equipe organizadora; e o resultado frente as expectativas iniciais. Registrou-se, também, as sugestões de novos temas para edições futuras e uma avaliação geral do encontro em escala de 1 a 10, em que 1 significava péssimo e 10 significava ótimo.

Para a avaliação dos impactos do programa dois instrumentos foram utilizados, conforme proposta de Rafalski (2015). Desenvolvida pela autora, a Escala de Percepção de Futuro da Aposentadoria (EPFA) tem como objetivo a avaliação do primeiro estágio no processo de se aposentar, ou seja, como as pessoas avaliam que será o futuro quando se aposentarem. A escala apresenta 25 itens divididos igualmente em cinco dimensões: percepções de saúde, desligamento do trabalho, finanças, relacionamentos interpessoais e perdas na aposentadoria. Esta última dimensão é apresentada em uma escala negativa, ou seja, valores mais elevados indicam a percepção de maiores perdas. As respostas variaram em uma escala tipo Likert de 5 pontos, entre "discordo fortemente" e "concordo fortemente".

Foi utilizada também a Escala de Processo de Planejamento da Aposentadoria (EPPIA), adaptada para o português por Rafalski (2015), em que se avalia como as pessoas planejam suas aposentadorias a partir de quatro domínios: representações, objetivos, decisão e comportamentos. É composta de 44 itens divididos nas escalas de saúde, finanças, estilo de vida e psicossocial. As respostas variaram em uma escala tipo Likert de 5 pontos entre "definitivamente falso para mim" e "definitivamente verdadeiro para mim".

Procedimentos de Coleta de Dados e Cuidados Éticos

A descrição da estrutura do VIDAS se baseou no registro documental do histórico de desenvolvimento do programa e das etapas de cada edição. As características dos participantes foram registradas através de entrevista semiestruturada, baseada em roteiro prévio. Ao final de cada encontro foi realizada a avaliação de reação com os participantes. Para a avaliação de impacto os participantes responderam às escalas EPFA e EPPIA antes e depois da realização de cada edição, em intervalo de duas a quatro semanas entre a edição e as respostas.

Foram observados todos aspectos éticos na construção e execução do programa, em consonância com a legislação profissional dos profissionais da equipe organizadora e do código de conduta e integridade da empresa. Através de sua diretoria, a empresa aprovou todas as etapas de execução e divulgação dos resultados, mantendo-se anônimo os dados institucionais sensíveis e as informações pessoais dos participantes.

Procedimentos de Análise de Dados

A análise da estrutura do VIDAS se deu por meio de estatística descritiva, incluindo frequência, média e desvio padrão. A análise do programa considerou sua descrição à luz de experiências semelhantes em âmbito nacional e internacional. Os dados da avaliação reação foram organizados em planilha do Microsoft Excel e a análise se deu por meio de estatística descritiva e levantamento qualitativo das sugestões.

As respostas às escalas EPFA e EPPIA foram tabuladas através do Microsoft Excel, excluindo-se os casos em que o participante não respondeu o mesmo instrumento na etapa pré ou pós programa. A amostra final foi de 62 respondentes para a EPFA e 60 para a EPPIA. A análise desses dados foi realizada por meio do software Stata, versão 14.2, a partir das médias em cada dimensão das escalas para os participantes. Assim, por meio do teste t de Student foi realizada comparação entre amostras pareadas, verificando-se os possíveis impactos do programa. Foi considerado um intervalo de confiança de 95% e nível de significância estabelecido em 5% (p < 0,05).

 

Resultados e Discussão

O programa VIDAS foi desenvolvido por uma equipe de psicólogos e assistentes sociais a partir das experiências verificadas em organizações de natureza e porte semelhante. Seis edições foram realizadas (ver Tabela 1) entre agosto de 2017 e outubro de 2018 com encontros regionalizados, com exceção da última edição que centralizou o encontro de trabalhadores de diferentes regiões e que não puderam participar das edições anteriores. Após convite na rede interna da empresa e anuência do superior imediato, os grupos foram composto com o máximo de 20 trabalhadores, número excedido na terceira edição pelo maciço interesse em participação e avaliação da equipe organizadora quanto a não prejuízo das atividades.

 

 

Os participantes foram submetidos a entrevista inicial com a equipe organizadora para levantamento do perfil e resposta aos instrumentos, sendo esclarecidos da possibilidade de desistência de participação a qualquer momento. Também se realizou entrevista devolutiva pós-programa. Participaram 64 trabalhadores nas seis edições realizadas, a maioria homens (81,3%). Nenhum havia participado anteriormente de programa semelhante. As idades variaram entre 51 e 69 anos (M = 56,5; DP = 3,71) e o tempo de carreira na empresa entre 6 e 47 anos (M = 25,3; DP = 11,14). Entre os participantes, 30 (46,9%) possuíam mais de 30 anos de carreira. Com a previsão legal permitindo continuar no exercício do trabalho mesmo aposentado via Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), 42,6% já recebia esse benefício previdenciário.

O programa foi desenvolvido a partir dos dois eixos propostos por Zanelli (2017): cuidar-se (1) para desfrutar (2). O eixo cuidar foi divido em dois temas, saúde e finanças, e o eixo desfrutar incluiu o tempo livre e uma aposentadoria prazerosa. A abordagem desse último tema diferiu daquela originalmente proposta pelo autor, sendo enfocado especificamente os relacionamentos interpessoais sob uma perspectiva das redes significativas, conforme demanda dos participantes nas entrevistas iniciais. A exigência do manejo da equipe organizadora e do palestrante responsável para auxiliar no processo de reflexão culminou na decisão por descolar o tema aposentadoria prazerosa para o terceiro encontro, diferindo da proposta original. A estrutura do programa é descrita na Figura 1, contendo os eixos, temas e a ordem de abordagem dos encontros. Necessidades de conciliação de agenda e logística local resultaram na inversão dos temas 2 e 3 na terceira e quinta edição do programa.

Cada edição abrangeu quatro encontros sequenciais com oito horas de duração cada. Os encontros foram realizados em pares de dias subsequentes, sendo que após a primeira edição foi verificado que o mais adequado para os efeitos do programa e para a logística de participantes e da equipe organizadora seria um intervalo de uma semana entre os pares de encontros. Em cada encontro, o tema foi dividido em dois momentos: pela manhã, a abordagem realizada por palestrante habilitado com competência no tema; pela tarde, o complemento da equipe organizadora por meio da realização de atividades vivenciais, dinâmicas de grupo e uso de recursos como filmes, músicas e produção artística. Palestrantes externos foram contratados para abordar os temas "cuidar da saúde" e "desfrutar de uma aposentadoria prazerosa", enquanto os demais foram realizados por palestrantes do quadro funcional da empresa.

Os resultados da avaliação de reação indicam que os aspectos dos encontros foram considerados majoritariamente como bons ou ótimos. O menor percentual de respostas nesse nível se deu para o tempo das atividades do tema aposentadoria prazerosa (86%). Já para todos os demais aspectos, 94% das avaliações em todas as edições indicaram que o encontro foi bom ou ótimo, sendo que nenhum aspecto dos encontros foi avaliado como péssimo. Foram realizadas sugestões de melhorias dos encontros, destacando-se: aprofundar o conhecimento para a prevenção de doenças específicas da faixa etária dos participantes no tema saúde; abordagem de diferentes formas de aplicações financeiras e de previdência complementar no tema finanças; participação de membros da família do participante no encontro do tema aposentadoria prazerosa; e mais orientações concretas para atividades pós-aposentadoria no tema tempo livre.

Além de sugerir novos temas a serem abordados, os participantes consideraram que a orientação para a aposentadoria fosse trabalhada mais precocemente e com todos os trabalhadores, reação semelhante identificada em outros estudos (Boehs et al., 2019). Atribuindo uma nota de 1 a 10 como forma de avaliação geral do encontro, verificou-se que a média das notas atribuídas para todos os encontros e edições foi de 9,4 (DP = 0,26), resultado que indica alto grau de satisfação com a participação e o método proposto para o programa.

As respostas à EPFA indicaram como os participantes percebiam o futuro a partir da aposentadoria (Tabela 2). A dimensão de saúde foi a dimensão mais positivamente percebida, ao mesmo tempo em que as perdas foram percebidas como menos impactantes. A dimensão de desligamento do trabalho apresentou diferenças estatisticamente significativas (t = -3,09; gl = 61; p = 0,003) antes e depois do programa, o que indica impacto do VIDAS no aumento da percepção dos participantes quanto à facilidade em encerrar suas carreiras e deixar de exercer as atividades profissionais. Considerando que a cultura da empresa pesquisada aponta para a construção de carreiras longas, o impacto nessa dimensão se torna significativo em relação a identidade construída até então pelos trabalhadores.

 

 

É possível que as demais dimensões já estivessem sendo percebidas como sendo o real cenário de suas futuras aposentadorias, considerando que quase metade dos participantes já estava aposentada via INSS e possivelmente já refletia sobre os impactos da aposentadoria nas finanças, saúde e outros. Ademais, ao apresentar aspectos importantes às pessoas para a reflexão sobre suas aposentadorias, o VIDAS pode contribuir para um ajuste das percepções e expectativas ao contexto individual de cada participante e também ao cenário político e previdenciário vigente. Dessa forma, as percepções de futuro não se tornariam mais positivas, podendo até mesmo serem mais negativas após o programa. O ajuste de expectativas foi identificado em programas semelhantes estudados por Cohen-Mansfield e Regev (2018) em Israel. Entretanto, os autores afirmam que tais efeitos têm curta duração, destacando assim a importância do acompanhamento prolongado após o programa e durante a aposentadoria.

Os resultados obtidos pela EPPIA demonstram que após o programa houve aumento significativo em todas as escalas, ou seja, no planejamento da saúde (t = -2,72; gl = 59; p = 0,009), finanças (t = -3,30; gl = 59; p = 0,002), estilo de vida (t = -2,31; gl = 59; p = 0,024) e planejamento psicossocial (t = -4,40; gl = 59; p < 0,001). A participação no programa impactou o nível de planejamento dos participantes, fornecendo-lhes subsídios fundamentais tanto para a decisão de efetivo encerramento das carreiras quanto para as decisões que decorrem desse processo e que propiciam uma vida com qualidade. Tal impacto está de acordo com os resultados de outros estudos sobre impactos dos programas de orientação e preparação para o planejamento da aposentadoria (Pazzim & Marin, 2016, Rafalski & De Andrade, 2016). Na proposta de Rafalski (2015), cada dimensão do planejamento é correlacionada a variáveis demográficas, tipos de decisão e percepção do futuro. A autora destaca que a percepção de desligamento do trabalho prediz o planejamento do estilo de vida e psicossocial, fatores estes que apresentaram significativo aumento na avaliação dos participantes após o programa do presente estudo. Ainda que o delineamento não tenha permitido definir a influência de diferentes dimensões das percepções de futuro no processo de planejamento, o destaque reforça um caminho para futuras pesquisas.

Avaliar os impactos do programa se configura como uma ação fundamental para caracterizar a adequação de sua estrutura frente às necessidades dos participantes. Além disso, serve como indicador para a mensuração dos recursos humanos e financeiros empreendidos em programas de bem-estar voltados à orientação para a aposentadoria, contribuindo para o monitoramento por parte de gestores e profissionais implicados em sua realização (Pazzim & Marin, 2016). Por meio dessa avaliação o VIDAS foi caracterizado como impactando significativamente o planejamento dos participantes, porém apenas a percepção de futuro quanto ao desligamento do trabalho indicou impacto. Além de representar uma transição saudável para uma rotina fora dos domínios da empresa, o desligamento desse vínculo abre espaço para que outros surjam, como as atividades voluntárias. Trabalhos dessa natureza causam benefícios tanto à qualidade de vida de aposentados quanto à comunidade da qual fazem parte (Taghian, Polonsky, & D'Souza, 2019).

No presente programa, a estrutura desenvolvida a partir da proposta de Zanelli (2017) pôde ser considerada adequada à realidade dos participantes, tanto em tempo quanto em distribuição dos temas ao longo de encontros sucessivos. Igualmente, foi avaliada positivamente pelos participantes em todos os seus aspectos, sendo que as melhorias apontadas puderam, em grande parte, serem implementadas imediatamente na edição posterior. Não se identificou prejuízo à execução das atividades por conta da a alteração na ordem dos temas. A abordagem realizada pela equipe organizadora, composta por psicólogos e assistentes sociais, e pelos palestrantes com formação em diferentes áreas de conhecimento demonstra como a interdisciplinaridade pode ser trabalhada na prática profissional em organizações, fator que contribui para o atendimento das diversas demandas dos trabalhadores participantes (Soares et al., 2007). A inclusão de palestrantes internos e externos, trabalhando temas comumente tratados em programas semelhantes (Pazzim & Marin, 2016), propiciou a adequada mescla de competência no assunto e experiência aplicada à realidade da empresa. Essa configuração permitiu, também, que os temas fossem intercambiados de acordo com disponibilidade dos envolvidos, sem significar prejuízo ao desenvolvimento dos participantes.

Considerando possíveis incrementos à estrutura do VIDAS, o suporte para a transição para a aposentadoria deve considerar as recomendações de Cohen-Mansfield e Regev (2018), através da extensão do programa, realização de novas intervenções semanas após o fim do programa ou pela articulação comunitária de suporte local em relação aos temas abordados na orientação para aposentadoria. O presente estudo está limitado ao enfoque da avaliação imediata dos efeitos do programa, sugerindo-se o indicativo de Murta e Leandro-França (2014) de mensuração posterior (follow-up) dos mesmos construtos e de outros em períodos mais longos, como o de seis meses após o fim do programa. Assim, objetivar-se-ia compreender em que medida a orientação para aposentadoria de fato impactou em processos decisórios e de qualidade de vida dos aposentados. Estudos futuros podem complementar a avaliação dos impactos do programa a partir de diferentes variáveis nomológicas, procedendo também à compreensão de como as percepções formadas sobre o futuro, a primeira etapa do processo de transição para a aposentadoria, influenciam o planejamento dessa etapa.

 

Referências

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Informações sobre os autores:
Igor Schutz dos Santos
Rua Emílio Blum, 83, Centro
88020-010 Florianópolis, SC, Brasil
E-mail: issantos@casan.com.br

Caroline Michels Siega
E-mail: csiega@casan.com.br

Fabiana Mendes de Carvalho
E-mail: fcarvalho@casan.com.br

Submissão: 26/06/2020
Primeira decisão editorial: 16/09/2020
Versão final: 24/09/2020
Aceite: 02/10/2020

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