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Revista Psicologia Organizações e Trabalho

versión On-line ISSN 1984-6657

Rev. Psicol., Organ. Trab. vol.22 no.3 Brasília jul./set. 2022  Epub 29-Nov-2024

https://doi.org/10.5935/rpot/2022.3.23740 

Artigo

Prevalência e Fatores Explicativos dos Transtornos Mentais Comuns Entre Trabalhadores Bancários

Prevalence And Explanatory Factors Of Common Mental Disorders Among Bank Employees

Prevalencia y Factores Explicativos de los Trastornos Mentales Comunes en Trabajadores Bancarios

Marselle Fernandes Fontenelle1 
http://orcid.org/0000-0002-0586-2676

Cássio Adriano Braz de Aquino2 
http://orcid.org/0000-0001-8651-1634

Tiago Jessé Souza de Lima3 
http://orcid.org/0000-0001-8840-4285

Maxmiria Holanda Batista4 
http://orcid.org/0000-0002-9069-678X

Mariana Aguiar Alcântara de Brito5 
http://orcid.org/0000-0001-9919-0948

1http://orcid.org/0000-0002-0586-2676 / Universidade de Fortaleza (UNIFOR), Brasil

2http://orcid.org/0000-0001-8651-1634 / Universidade Federal do Ceará (UFC), Brasil

3http://orcid.org/0000-0001-8840-4285 / Universidade de Brasília (UnB), Brasil

4http://orcid.org/0000-0002-9069-678X / Universidade Federal do Ceará (UFC), Brasil

5http://orcid.org/0000-0001-9919-0948 / Universidade de Fortaleza (UNIFOR), Brasil


Resumo

A reorganização do modelo operacional dos bancos, com alterações importantes na atividade bancária e no contexto laboral, teve consequência para a saúde dos bancários. Nesse contexto, essa pesquisa investigou a prevalência e os fatores explicativos dos transtornos mentais comuns (TMC) entre os bancários. Participaram dessa pesquisa 912 bancários do estado do Ceará, que responderam ao Self-Reporting Questionnaire (SRQ-20) e à Escala de Avaliação do Contexto do Trabalho (EACT). Os resultados apontam uma prevalência de 45,4% de TMC. Ademais, considerando o efeito das variáveis sociodemográficas na prevalência de TMC, constatou-se que a variável gênero foi significativa, indicando que as mulheres tendem a apresentar mais TMC do que os homens. As variáveis do contexto do trabalho (organização do trabalho, relações socioprofissionais e condições de trabalho) também predisseram significativamente os TMC, indicando que piores avaliações do contexto de trabalho predizem maiores níveis de TMC.

Palavras-chave transtornos mentais; saúde do trabalhador; ambiente de trabalho

Abstract

The reorganization of the banks’ operating model, with important changes in banking activity and in the work context, had consequences for the health of bank employees. In this context, this research investigated the prevalence and explanatory factors of common mental disorders (CMD) among bank employees. Nine hundred and twelve bank employees from the State of Ceará participated in this research, who answered the Self-Reporting Questionnaire (SRQ-20) and the Work Context Assessment Scale (EACT). The results point to a prevalence of 45.4% of common mental disorders. Furthermore, considering the effect of sociodemographic variables on the prevalence of CMD, it was found that the variable of gender was significant, indicating that women tend to have more CMD than men. Work context variables (work organization, socio-professional relationships and working conditions) also significantly predicted CMD, indicating that worse evaluations of the work context predict higher CMD levels.

Keywords mental disorders; occupational health; workplace

Resumen

La reorganización operacional de los bancos, con cambios importantes en la actividad bancaria y en el contexto laboral, tuvo consecuencias en la salud de los bancarios. Este trabajo investigó la prevalencia y los factores explicativos de los trastornos mentales comunes (TMCs) entre los bancarios. Participaron de esta investigación 912 bancarios del estado de Ceará, que respondieron el Self-Reporting Questionnaire (SRQ-20) y la Escala de Evaluación del Contexto de Trabajo (EACT). Los resultados apuntan a una prevalencia del 45,4% de los trastornos mentales comunes. Considerando el efecto de las variables sociodemográficas sobre la prevalencia de TMCs, se encontró que la variable género fue significativa, indicando que las mujeres tienden a presentar más TMC que los hombres. Las variables del contexto laboral (organización del trabajo, relaciones socioprofesionales y condiciones de trabajo) también predijeron significativamente los TMCs, lo que indica que peores evaluaciones del contexto laboral predicen niveles más altos de TMCs.

Palabras clave trastornos mentales; salud del trabajador; ambiente de trabajo

Fatores constitutivos do modelo de produção toyotista, como multifuncionalidade, flexibilidade e produção just in time, aliados às inovações tecnológicas, produziram novos arranjos organizacionais e transformações nos processos produtivos visando adequar-se ao modelo capitalista de acumulação flexível (Antunes & Praun, 2018). Essa nova realidade ocasionou impactos severos à classe trabalhadora, como a intensificação e controle do trabalho, a precarização das condições laborais e o aumento do desemprego (Antunes & Praun, 2018; Lima, Barros, & Aquino, 2012; Pialarissi, 2017).

A precarização laboral é um processo complexo e multidimensional, pois abrange diferentes formas de vulnerabilização do trabalho. Perda e flexibilização dos direitos trabalhistas, naturalização da injustiça social, piora das condições de trabalho e aumento da violência psicológica são atributos marcantes que forjam o modelo de trabalho precário contemporâneo (Araújo & Morais, 2017). A precarização se manifesta no contexto de trabalho à medida que altera a organização da atividade, maximiza o controle, aumenta o ritmo e jornada laboral, favorece o descumprimento das normas de segurança e saúde, exacerba o individualismo e fragiliza as relações socioprofissionais.

As práticas organizacionais correntes no mundo do trabalho são atravessadas pelo medo e insegurança dos trabalhadores, afetando suas vidas, dentro e fora do ambiente laboral. Estes e outros aspectos da precarização intensificam e expõem os trabalhadores aos riscos ocupacionais e estão associados ao aumento do adoecimento e piora das condições de saúde no trabalho, destacando-se dois grupos de patologias: os da LER/DORT e os dos transtornos mentais. Destarte, configura-se novo perfil epidemiológico de adoecimento dos trabalhadores, com ênfase nos transtornos mentais e de comportamento (Braga, Carvalho, & Binder, 2010; Moronte & Albuquerque, 2021; Reis, 2020; Ribeiro, Santos, Silva, Medeiro, & Fernandes, 2019).

Nas instituições financeiras, as mudanças no contexto de trabalho introduzidas a partir da reestruturação produtiva afetaram sobremaneira a atividade bancária. As atuais formas de organização do trabalho bancário, com a adoção de novas tecnologias e da automação, têm – ao longo do tempo e agora de forma mais sistemática – promovido o incremento e a otimização do processo produtivo, bem como agregado facilidades à relação banco-cliente. Todavia, interferiram no modo de se trabalhar, porquanto favoreceram a utilização de mecanismos sofisticados de controle que permitiram a intensificação do ritmo do trabalho e o aumento da gestão sobre o tempo de execução das tarefas, com a redução significativa dos ditos “tempos mortos”, mortos em relação ao processo laboral.

As frequentes mudanças na rotina laboral do bancário devido à renovação do portfólio de serviços e produtos ofertados aos clientes, com ênfase na área comercial, também submeteu os trabalhadores a cobrança e fiscalização constante, com vistas ao cumprimento das normas e ao alcance das metas de trabalho (Dulci, 2018; Moronte & Albuquerque, 2021; Sanches, 2020).

Esses novos fatores do contexto de trabalho contribuíram para a fragilização da subjetividade dos bancários e o aumento do adoecimento dos profissionais. Nas últimas décadas, constatamos a ampliação do leque de doenças como os Distúrbios Osteomusculares Relacionados ao Trabalho (DORT) e os transtornos mentais e de comportamento (Coelho, Souza, Cerqueira, Esteves, & Barros, 2018; Moraes & Bastos, 2017; Moronte & Albuquerque, 2021). O agravamento desse quadro de patologias, reforça a ideia de que o mal-estar não é um mero desconforto, mas um padrão grave de sofrimento psíquico e adoecimento que acomete uma categoria profissional específica (Ferreira & Carvalho, 2017; Marques & Giongo, 2016; Martins, 2017; Moronte & Albuquerque, 2021; Ostronoff, 2015, Resende, 2019).

Paparelli (2011), num relato de experiência dos grupos de enfrentamento do desgaste mental no trabalho desenvolvidos no Sindicato dos Bancários de São Paulo, Osasco e Região desde 2008, aponta que a competitividade, a sobrecarga psicoafetiva e a pressão temporal que caracterizam a organização do trabalho foram as causas determinantes do processo de adoecimento físico e mental dos bancários integrantes dos grupos. Portz e Amazarray (2019), em pesquisa que investigou o sofrimento psíquico dos bancários do Rio Grande do Sul e sua relação com os fatores do contexto laboral, verificaram que a exposição a conflitos, o individualismo e as disputas profissionais relacionam- se diretamente ao sofrimento na categoria bancária.

No período de 2006 a abril de 2021, foram registradas no Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN) 11.768 notificações de transtornos mentais relacionados ao trabalho, estando os bancários entre as categorias mais afetadas. Destaca-se que desde 2004, os transtornos mentais relacionados ao trabalho estão definidos pelo Sistema Único de Saúde do Brasil como agravos de notificação compulsória, que deve ser efetivada independente do vínculo empregatício.

Silva, Pinheiro e Sakurai (2007) assinalam que o real cenário pode ser mais preocupante, pois, em se tratando de doenças relacionadas ao trabalho, muitas vezes a vinculação entre o contexto laboral e o dano não é tão clara e, por isso, nem sempre os trabalhadores estabelecem o nexo causal entre o adoecimento e o seu ambiente de trabalho. Nesse sentido, não havendo o reconhecimento, os trabalhadores se afastam das atividades sem requerer a Comunicação de Acidente de Trabalho (CAT), favorecendo a subnotificação e contribuindo para mascarar um quadro significativo de adoecimento dos profissionais desse setor da economia.

Somado a isso, alguns trabalhadores que buscam o reconhecimento do nexo não conseguem obter êxito ao solicitar o benefício previdenciário. Isso fica evidente quando se constata que alguns peritos não reconhecem a relação entre o transtorno psíquico e o trabalho, mesmo dispondo do Nexo Técnico Epidemiológico Previdenciário (NTEP) implantado pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) desde 2007. Esse documento garante a concessão do benefício acidentário para os trabalhadores que apresentem patologias estatisticamente relevantes em sua atividade laboral (Oliveira, Portela, Corrêa, & Souza, 2021).

Ainda existem muitos desafios a serem enfrentados no estabelecimento de nexo causal. Além da subnotificação, persistem: a pouca ou nenhuma articulação entre os atores envolvidos; ausência de acompanhamento dos casos, adoção de modelos de atuação ainda centrados na doença com intervenção medicalizante, ações reducionistas e pontuais e ausência de um protocolo único norteador (Araújo, Palma, & Araújo, 2017).

A análise da saúde mental dos bancários neste estudo requereu a avaliação dos Transtornos Mentais Comuns (TMC), termo, conforme Braga et al. (2010), designado por Goldberg e Huxley para se referir a sintomas tais como insônia, fadiga, irritabilidade, esquecimento, dificuldade de concentração e queixas somáticas. Conforme a Classificação Internacional das Doenças (CID-10), os TMC se classificam como transtorno, com manifestação psicológica e comprometimento funcional, representando quadros menos graves de transtornos mentais. Os sintomas mencionados podem estar associados, em alguns casos, a quadros de adoecimentos mais graves chegando até a ideações suicidas (Cortez, Veiga, Gomide, & Souza, 2019).

Estudos apontam elevada prevalência de TMC na população em geral, associados a variáveis individuais, familiares e sociais, com ênfase nos aspectos laborais (Braga et al., 2010; Ludemir & Melo, 2002). Por conseguinte, os TMC constituem tema de relevância epidemiológica e que merece destaque ao se analisar a saúde da categoria de bancários. Considerando o exposto, o presente estudo busca investigar a relação entre a prevalência de TMC nos trabalhadores e o contexto laboral de bancários do estado do Ceará.

Pretende-se, com os resultados, contribuir com a construção de parâmetros epidemiológicos que possam fortalecer as políticas públicas no campo da Saúde do Trabalhador, sobretudo no cenário de subnotificação, em especial no que se refere aos Transtornos Mentais relacionados ao Trabalho.

Método

Participantes

Participaram desta pesquisa 912 bancários, representando 9,47% de um universo de 9.629 trabalhadores (SEEB/CE, 2017) que executavam atividades bancárias no estado do Ceará. Os escores estimados a partir dessa amostra apresentam um grau de confiança de 99% e uma margem de erro de 5% em relação aos escores da população alvo. Os participantes foram alocados a um delineamento correlacional, transversal e de natureza ex post facto. Uma análise post hoc do poder desse tamanho amostral e delineamento, através do G*Power (Faul, Erdfelder, Lang, & Buchner, 2007), indicou um poder de 99% de encontrar um tamanho de efeito médio, equivalente a f = 0,15, η2 = 0.022 ou d de Cohen = 0,3.

A média de idade dos participantes é de 38,68 anos (DP = 10,45), variando entre 18 e 65 anos, sendo a maioria do sexo masculino (60,7%), casada (57,3%), heterossexual (95,8%), católica (63,2%) e com ensino superior completo (42,7%). Os respondentes apresentaram-se distribuídos entre bancos públicos (74%) e privados (26%), atuando principalmente no setor “gerência média” (27,1%), com tempo de serviço médio de 12,07 anos (DP = 10,11).

Instrumentos

Para o levantamento foram utilizados os seguintes instrumentos:

Questionário sociodemográfico. Para caracterizar os participantes em relação às variáveis sociodemográficas, tais como sexo, idade, orientação sexual, estado civil, escolaridade, religião, atividade física, uso de álcool/drogas, tipo de banco, função, tempo de banco, jornada de trabalho e renda mensal. A composição do questionário levou em conta a probabilidade de influência ou impacto das variáveis sobre os resultados da investigação, bem como a possibilidade de o pesquisador controlar as variáveis sociodemográficas em relação aos efeitos pesquisados, na fase de tratamento dos dados.

Self-Reporting Questionnaire (SRQ-20). Versão reduzida do questionário indicado para a detecção de TMC, conforme Gonçalves, Stein e Kapczinski (2008). O SRQ-20 foi desenvolvido pela Organização Mundial de Saúde (OMS) com o objetivo de avaliar os TMC. Configura-se como um instrumento de rastreamento e não de diagnóstico de adoecimento mental. Na versão original continha 24 itens, sendo 20 questões para avaliação de transtornos não psicóticos e quatro para transtornos psicóticos. Na versão brasileira (Questionário de autorrelato) excluíram-se os quatro itens referentes aos transtornos psicóticos, mantendo os demais. As questões avaliam a presença/ausência do transtorno a partir de respostas do tipo sim/não. Cada resposta afirmativa é pontuada com o valor 1 para compor o resultado final a partir do somatório dos valores dos itens. No presente estudo, utilizou-se o valor 7 como ponto de corte, tanto para homens quanto para mulheres, conforme aplicado por outros estudos realizados no Brasil (Gonçalves et al., 2008; K. O. B. Santos, Araújo & Oliveira, 2009).

Escala de Avaliação do Contexto do Trabalho (EACT). Compõe o Inventário sobre Trabalho e Riscos de Adoecimento (ITRA), instrumento desenvolvido por Mendes e Ferreira (2007) formado por quatro escalas psicométricas que permitem investigar dimensões que podem interferir no processo de adoecimento no trabalho, aplicável em pesquisa com grandes populações. O uso concomitante das quatro escalas não é obrigatório, podendo-se escolher as que atendam aos objetivos da pesquisa.

Nesse estudo, utilizou-se a EACT, escala fundamentada na perspectiva de contexto como lócus que articula várias e diferentes variáveis nas quais se opera a atividade de trabalho. A EACT avalia o contexto a partir da percepção dos trabalhadores sobre três fatores: organização do trabalho, condições de trabalho e relações socioprofissionais. A organização do trabalho contempla os elementos formais ou informais que expressam as práticas de gestão do trabalho e das pessoas, tais como: cumprimento de normas e regras, ritmo de trabalho, jornada, supervisão da execução das tarefas, acompanhamento do desempenho e produtividade dos trabalhadores, pressão para cumprir prazos, entre outros. Por sua vez, o fator condições de trabalho é constituído pelos aspectos estruturais que definem o espaço de trabalho como qualidade do ambiente físico, equipamentos e materiais disponibilizados, mobiliário e suporte tecnológico. Sobre as relações socioprofissionais pode-se destacar a comunicação, relações coletivas (intra e intergrupal) e com os clientes externos, delimitação das tarefas e sua distribuição equânime entre os profissionais e participação dos funcionários na tomada de decisões. A análise da escala é realizada por fator, devendo-se observar a média aritmética dos valores atribuídos aos itens que o compõem. Os itens são avaliados por uma escala de frequência de cinco pontos (nunca; raramente; às vezes; frequentemente; sempre). As médias obtidas são avaliadas pelo seguinte crivo: valores acima de 3,7 indicam “avaliação mais negativa, grave”, entre 2,3 e 3,69 apontam “avaliação mais moderada, crítico”, e abaixo de 2,29 significam “avaliação mais positiva, satisfatório” (Mendes & Ferreira, 2007, 2008).

Procedimentos de Coleta de Dados e Cuidados Éticos

O levantamento foi realizado no período de outubro a dezembro de 2017, no intuito de se obter uma visão ampliada do contexto no qual o trabalho bancário se efetiva, das patologias prevalentes e das características sociodemográficas da população visada. Os questionários foram aplicados por meio físico e digital. As versões digitais foram construídas na plataforma Limesurvey e divulgadas por meio do site do Sindicato dos Bancários do Ceará, de e-mail e das redes sociais (Facebook e WhatsApp). Mesmo existindo a possibilidade de obtenção de resposta por meio do questionário digital, os questionários físicos foram aplicados, de forma alternativa, nas agências bancárias por auxiliares devidamente treinadas para essa finalidade. Esperava-se, assim, aumentar as taxas de resposta e a qualidade dos dados obtidos.

É importante destacar que as visitas às agências (capital e interior do estado) e centros administrativos foram fundamentais para o êxito do levantamento, assim como contribuíram sobremaneira para a ampliação do entendimento do contexto do trabalho bancário. A participação dos bancários foi condicionada à assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), no caso dos questionários físicos; ou do aceite das condições dispostas no TCLE com um clique em Prosseguir, no caso dos questionários digitais. O projeto foi apreciado pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da Universidade Federal do Ceará (UFC) e autorizado segundo as diretrizes e regramentos descritos na Resolução nº 466, de 12 de dezembro de 2012 do Conselho Nacional da Saúde (CNS).

Procedimentos de Análise de Dados

Inicialmente foram realizadas análises de prevalência dos TMC e das Condições de Trabalho. As análises descritivas foram feitas considerando três grupos: amostra total, bancários alocados em bancos públicos e bancários alocados em bancos privados. Foram realizadas estatísticas descritivas (medidas de dispersão e tendência central) das variáveis, assim como testes t para amostras independentes, visando aferir as possíveis diferenças de prevalência entre os grupos de bancos públicos e privados.

Em seguida, foram realizadas análises de regressão linear hierárquica, com método enter, para avaliar o efeito das variáveis sociodemográficas (Idade, Gênero, Tipo de banco, Tempo de serviço, Função e Jornada) e do contexto do trabalho (organização do trabalho, relações socioprofissionais e condições de trabalho) na variável TMC. No Modelo 1 foram inseridas apenas as variáveis sociodemográficas e no Modelo 2 foram acrescentadas, além das sociodemográficas, as variáveis do contexto do trabalho. As variáveis categóricas foram transformadas em variáveis dummy para poderem ser utilizadas nas análises, resultando na seguinte categorização: Gênero, 0 = feminino, 1 = masculino; Tipo de banco, 0 = público, 1 = privado; Jornada, 0 = seis horas, 1 = oito horas; Função, dummy 1 comparando funcionários operacionais (agrupamento das funções escriturário/técnico bancário, caixas e assistentes) (0) com gerentes (agrupamento das funções gerência média e gerência geral) (1) e a dummy 2 comparando funcionários operacionais (0) com os técnicos (1).

Resultados

Para analisar a prevalência de TMC, como medido pelo SRQ-20, somou-se o número de respostas afirmativas dos respondentes aos itens do instrumento, de modo a constituir uma variável, denominada TMC, com pontuações variando entre 1 e 20. Cria-se assim uma variável contínua, na qual pontuações mais elevadas atestam maior presença desses transtornos. Na Tabela 1, a seguir, observa-se a análise das frequências de sujeitos em cada um dos níveis provenientes da soma das respostas afirmativas. Gonçalves et al. (2008) afirmam que, a partir de sete respostas afirmativas, pode-se considerar a presença de indicativo de transtornos mentais leves. Constatou-se, mediante a análise dos dados, que 45,4% da amostra apresenta indicativo desses transtornos.

Tabela 1 Análise das frequências da variável TMC (n=906) 

Níveis Total Público Privado
f % f % f %
Nenhuma 104 11,5 78 11,7 26 11,1
1 afirmativa 57 6,3 41 6,1 16 6,8
2 afirmativas 69 7,6 55 8,2 14 6,0
3 afirmativas 66 7,3 46 6,9 20 8,5
4 afirmativas 76 8,4 54 8,1 22 9,4
5 afirmativas 62 6,9 46 6,9 16 6,8
6 afirmativas 60 6,6 40 6,0 20 8,5
7 afirmativas 55 6,1 41 6,1 14 6,0
8 afirmativas 45 5,0 34 5,1 11 4,7
9 afirmativas 41 4,5 27 4,0 14 6,0
10 afirmativas 37 4,1 30 4,5 7 3,0
11 afirmativas 50 5,5 37 5,5 13 5,5
12 afirmativas 38 4,2 32 4,8 6 2,6
13 afirmativas 42 4,7 32 4,8 10 4,3
14 afirmativas 17 1,9 14 2,1 3 1,3
15 afirmativas 19 2,1 12 1,8 7 3,0
16 afirmativas 22 2,4 13 1,9 9 3,8
17 afirmativas 13 1,4 13 1,9 0 0,0
18 afirmativas 16 1,8 13 1,9 3 1,3
19 afirmativas 9 1,0 7 1,0 2 0,9
20 afirmativas 5 0,6 3 0,4 2 0,9

O escore médio na SRQ para a amostra total foi de 6,72 (DP = 5,14). Os bancários de bancos públicos apresentaram um escore médio de 6,76 (DP = 5,19) enquanto o escore médio dos de bancos privados foi de 6,56 (DP = 5,03), não havendo diferença estatisticamente significativa entre essas médias, t de Welch (421, 08) = 0,517, p = 0,605.

Em relação ao contexto de trabalho, foram avaliados os escores dos participantes nos fatores da Escala de Avaliação do Contexto de Trabalho (EACT). Levou-se em conta os pontos de corte recomendados por Mendes e Ferreira (2007), que estabelecem a classificação do contexto de trabalho em satisfatório (com escores variando entre 1,0 e 2,29), crítico (escores variando entre 2,3 e 3,7) e grave (escores acima de 3,7).

As comparações entre as médias de bancários de bancos públicos e privados apontou que há diferenças significativas para os fatores Relações Socioprofissionais, t de Welch (379,6) = 3,61, p < 0,001, d de Cohen = 0,285, e Condições de Trabalho, t de Welch (440,1) = 4,07, p < 0,001, d de Cohen = 0,296. Não foram observadas diferenças significativas para o fator Organização do trabalho, t de Welch (440,6) = 0,55, p = 0,956.

Na sequência foi realizada uma análise de regressão tendo como variável critério (variável dependente) os TMC preditos pelas variáveis sociodemográficas e do contexto do trabalho. O coeficiente da variável gênero obtido na primeira equação de regressão (Modelo 1) – rodada inicialmente apenas com as variáveis explicativas sociodemográficas – foi significativo (p < 0,05), ou seja, a variável Gênero predisse significativamente os TMC, indicando que as mulheres tendem a apresentar mais TMC do que os homens. A variável Função apresentou um efeito marginalmente significativo, indicando uma tendência de haver maiores índices de TMC entre os funcionários operacionais comparativamente aos técnicos. Apesar de a variável Gênero ter sido significativa e a variável Função ter sido marginalmente significativa, a qualidade geral do modelo, medida pelo R2 ajustado, foi baixa, o que levou à necessidade de se testar a adição de um novo conjunto de variáveis agora relacionadas ao contexto de trabalho e que originaram o Modelo 2.

Na segunda equação (Modelo 2), na qual se acrescentaram as variáveis do contexto do trabalho, o coeficiente da variável Gênero obtido se manteve significativo (p < 0,001), denotando uma relação robusta entre essa variável e o TMC. As variáveis organização do trabalho, relações socioprofissionais e condições de trabalho, agora inseridas, aumentaram sensivelmente a qualidade do modelo, como se observa pelo acréscimo no valor do R2 ajustado (0,31 contra 0,01 do modelo anterior), e predisseram significativamente os TMC. Em outras palavras, uma pior avaliação nessas três variáveis predisse níveis mais elevados de TMC. Esses resultados são apresentados na Tabela 3.

Discussão

A prevalência dos TMC encontrada entre os bancários participantes deste estudo foi de 45,4%. O resultado está alinhado com os achados de Portz e Amazarray (2019) em estudo similar realizado no período de junho de 2013 a julho de 2014. As autoras verificaram a prevalência de 49,7% de TMC na amostra pesquisada com bancários do estado do Rio Grande do Sul. Ademais, o índice de TMC obtido nessa investigação está em consonância com a prevalência de TMC (variando de 20% a 56%) encontrada na população brasileira adulta, considerando estudos analisados do período de 1997 a 2009 (É. G. Santos & Siqueira, 2010). Observou-se ainda que a comparação das médias de TMC dos grupos de bancários de bancos públicos (6,76) e privados (6,60) não indicam qualquer diferença estatisticamente significativa (p = 0,69).

As mudanças no ambiente laboral do bancário remetem às análises descritivas da avaliação da percepção dos trabalhadores em relação aos fatores do contexto do trabalho, a saber: organização do trabalho, relações socioprofissionais e condições de trabalho. Com base nos dados da amostra total, obteve-se que 49% dos bancários avaliam a organização do trabalho como grave, 45,6% apontam-na como crítico e somente 5,4% a consideram satisfatório. No tocante às relações socioprofissionais, 16% percebem-nas como grave, 53,5% apontam-nas como crítico e 30% consideram-nas satisfatório. Por sua vez, ao avaliarem as condições de trabalho, 12,4% consideram-nas grave, 42,4% indicam-nas como crítico e 44,8% consideram-nas satisfatório (Tabela 2).

Tabela 2 Porcentagem de participantes e escore médio por classificação e fator da EACT 

Valores Organização do Trabalho Relações socioprofissionais Condições de Trabalho
Total Satisfatório 5,4 30 44,8
Crítico 45,6 53,5 42,4
Grave 49 16 12,4
Média (DP) 3,64 (0,78) 6,10 (2,74) 6,3 (0,98)
Público Satisfatório 5,2 27,8 41,9
Crítico 45,9 54,2 43,7
Grave 49,4 17,7 14,4
Média (DP) 3,64 (0,80) 2,81 (0,87) 2,55 (1,0)
Privado Satisfatório 6 36,2 52,8
Crítico 46 51,1 39,1
Grave 46,8 11,9 6,8
Média (DP) 3,64 (0,73) 2,55 (0,94) 2,26 (0,90)

Ao realizar o cotejamento dos resultados da avaliação do contexto de trabalho por grupos de bancários públicos e privados, observaram-se resultados próximos no que diz respeito aos fatores do contexto do trabalho, embora diferenças estatisticamente significativas para os fatores relações socioprofissionais e condições de trabalho apontem para condições ainda piores dos bancários do setor público nesses fatores. Vê-se, portanto, que o ambiente laboral é percebido como precário tanto pelos bancários públicos quanto por aqueles profissionais que trabalham em instituições privadas.

Tais dados, em parte, podem estar relacionados com as mudanças que ocorreram no sistema financeiro brasileiro a partir de 1990, que geraram o aumento da competição entre as instituições financeiras e a reconfiguração do negócio bancário. A privatização dos bancos públicos configurou-se como um dos elementos do processo de abertura para o capital estrangeiro, que foi se consolidando com o passar dos anos. Além disso, as mudanças foram impulsionadas pela burguesia bancário- financeira, que solicitou a adoção de várias medidas, entre elas a redução da interferência estatal no sistema financeiro, a privatização dos bancos estaduais e a reformulação do papel dos bancos federais. Estabeleceram-se, assim, as condições necessárias para a instauração de um processo – ainda em curso - de precarização das condições de trabalho nas instituições financeiras públicas (Cordeiro, 2016; Gehm, 2013; Machado & Amorim, 2012; Sanches, 2016).

Ao se analisar a relação entre TMC e as variáveis explicativas sociodemográficas (Idade, Gênero, Tipo de banco, Tempo de serviço, Função e Jornada), como se pôde observar no Modelo 1 da Tabela 3, constatou-se que o coeficiente da variável Gênero foi significativo (p < 0,05), ou seja, a variável Gênero predisse significativamente os TMC, indicando que as mulheres tendem a apresentar mais TMC do que os homens. Esse dado é semelhante àqueles descritos na literatura. Os estudos destacam que os transtornos mentais têm sido mais prevalentes entre as mulheres do que nos homens, com o predomínio de quadros de transtorno de ansiedade, estados fóbicos, depressão e transtornos somatoformes (Dantas, 2016; Ribeiro et al., 2019; É. G. Santos & Siqueira, 2010).

Tabela 3 Análise de regressão hierárquica dos preditores dos TMC 

Variável Modelo 1 Modelo 2
Β p Β p η2p
Idade −0,06 0,31 −0,03 0,55 0,00
Gênero −0,08* 0,03 −0,11* 0,001 0,02
Tipo de banco −0,04 0,29 0,03 0,33 0,00
Tempo de serviço −0,04 0,56 −0,01 0,89 0,00
Função 0,00
Operacional – Gerência −0,03 0,61 −0,01 0,78 0,00
Operacional – Técnico −0,07# 0,06 −0,01 0,65 0,00
Jornada 0,04 0,41 0,04 0,37 0,00
Organização do trabalho 0,20* 0,001 0,03
Relações socioprofissionais 0,27* 0,001 0,05
Condições de trabalho 0,16* 0,001 0,02
F (7, 843) = 2,62; F (10, 843) = 39,1;
p < 0,05; p < 0,001;
R2 = 0,02; R2 = 0,32;
R2 Ajustado = 0,01 R2 Ajustado = 0,31

Nota. * = peso de regressão significativo; # = peso de regressão marginalmente significativo. Fonte: Pesquisa direta (2017).

Os resultados coadunam-se com estudos de Sampaio (2020) que evidenciou diferenças estatisticamente significativas, entre homens e mulheres quando analisou o risco para ansiedade e depressão e a influência da satisfação com o contexto laboral, sendo as mulheres as mais afetadas. Nessa perspectiva, Hirata (2018) destaca que as mulheres são mais atingidas pela precarização laboral do que os homens, sendo a intensificação do ritmo do trabalho e o acúmulo de longas jornadas de trabalho com o trabalho doméstico, consequências desse processo com efeitos danosos sobre a saúde física e mental das trabalhadoras. Tal sobreposição é reflexo, por um lado, dos papéis sociais tradicionalmente desempenhados pelas mulheres, que continuam a assumir a responsabilidade primária pela assistência aos filhos e por outros trabalhos de serviço doméstico (Wood & Eagly, 2012), e por outro das demandas e condições que favoreceram a inserção das mulheres no mercado de trabalho (Goldin & Katz, 2002).

Ainda acerca das variáveis sociodemográficas, a variável Função apresentou um efeito marginalmente significativo, indicando uma tendência de haver maiores índices de TMC entre os funcionários operacionais comparativamente aos técnicos. Destaca-se que foi agrupado e considerado como função operacional, os bancários que ocupavam os cargos de escriturário/técnico bancário, caixa ou assistente. Com relação a esse resultado, pode-se analisar que os trabalhadores que atuam diretamente na operação dos serviços e no atendimento aos clientes sofreram uma reconfiguração mais substancial da organização do trabalho, a qual exigiu um novo perfil profissional, constituído por competências adaptadas aos novos modelos de gestão organizacional.

Esse novo perfil requer a mobilização de dimensões subjetivas dos trabalhadores, com ênfase sobre aspectos comportamentais, tendo em vista as demandas de um mercado competitivo. Essas condições causaram grandes impactos na relação entre trabalho e saúde dos bancários, provocando o aumento do adoecimento psíquico (Jaques & Zilotto, 2017; Marques & Giongo, 2016; Petarli, Salaroli, Bissoli, & Zandonade, 2015).

Em seguida, na segunda equação (Modelo 2), ao se inserir as variáveis explicativas relacionadas ao contexto do trabalho, a saber: organização do trabalho, relações socioprofissionais e condições do trabalho, verificou-se o aumento expressivo da qualidade do modelo e observou-se que as três variáveis do contexto predisseram significativamente os TMC, ou seja, uma pior avaliação nessas três variáveis predisse níveis mais elevados de TMC. Os resultados encontrados indicam que a avaliação negativa dos fatores do contexto do trabalho está associada ao adoecimento dos trabalhadores bancários.

Tais dados corroboram outros achados na literatura (Morente & Albuquerque, 2021; Portz & Amazarray, 2019) pois no tocante à organização do trabalho, pode-se verificar que o setor bancário foi um dos setores da economia que incorporou de forma pioneira e abrangente diversos elementos da reestruturação produtiva, vivenciando alterações que afetaram de forma estrutural a natureza do seu produto, o mercado e a organização do trabalho. Pressão para o cumprimento das tarefas, forte cobrança por resultados, número insuficiente de trabalhadores para a execução das atividades e fiscalização constante do desempenho foram os itens da organização do trabalho considerados mais graves pelos bancários da amostra, favorecendo o desencadeamento de sofrimento psíquico. Vale ressaltar que os resultados obtidos nesse fator, reforçam os dados encontrados por Morente e Albuquerque (2021) em revisão das produções científicas sobre a relação entre saúde e trabalho bancário, no período de 2008 a 2018, ao constatar que o adoecimento dos trabalhadores, em grande parte dos estudos, está associado com aspectos da organização contemporânea do trabalho.

Nessa perspectiva, Paparelli, Almeida, Silva e Morgado (2019) destacam que o sofrimento psíquico desses profissionais vem sendo intensificado devido às mudanças na organização do trabalho resultantes da reestruturação bancária implementada nas últimas décadas. Na mesma direção, a partir de dados obtidos em pesquisa, Portz e Amazarray (2019) afirmam que “os achados encontrados indicam elevado sofrimento psíquico da categoria bancária e apontam para as consequências da precarização nesse contexto de trabalho” (p. 521).

Já no que concerne às relações socioprofissionais, o resultado denota que as relações de trabalho são consideradas críticas, podendo provocar sofrimento psíquico. Os itens com avaliação mais negativa foram: falta de participação nas decisões, distribuição injustas das tarefas, falta de autonomia e disputas profissionais no local de trabalho. Por estar inserida no setor de serviços, a natureza da atividade bancária é marcada pela forte inter-relação direta com clientes externos, aspecto que ganhou relevância na rotina de trabalho do bancário, nos últimos anos, em função da diretriz prioritária de venda de produtos e serviços.

O fator relações socioprofissionais abrange também aspectos referentes à comunicação e à interação entre as chefias e os membros da equipe. Paparelli et al. (2019) ressaltam que a gestão por metas e cobranças individuais tornou a atividade bancária individualizada, caracterizada pela concorrência entre os pares e isolamento. Da mesma forma, Portz e Amazarray (2019) destacam que a falta de solidariedade e a fragilização dos vínculos laborais são fatores que desumanizam as relações interpessoais e produzem sofrimento psíquico aos bancários. Ainda, para Jaques e Zilotto (2017), o medo da demissão e a competição entre os bancários são elementos fundamentais no processo de adoecimento físico e mental dos bancários. Nesse sentido, fica evidente que as relações socioprofissionais estão associadas a um risco maior de ocorrência de TMC, conforme evidenciada nessa pesquisa.

Por fim, quando se observam os dados relacionados com a condição de trabalho, como já citado anteriormente, verifica- se o agravamento da precarização das condições de trabalho, notadamente nos bancos públicos, com impacto na saúde física e mental dos bancários. No tocante a esse fator, os bancários apontaram como itens de maior gravidade: o desconforto do ambiente, barulho no ambiente e mobiliário inadequado para a execução das atividades.

Esse resultado parece decorrer de fenômenos já descritos em outros estudos que destacam o acentuado processo de precarização das condições de trabalho correntes nas instituições bancárias (Dulci, 2018; Machado & Amorim, 2012; Medeiros, Luca, Pereira, & Nascimento, 2017; Sanches & Davanco, 2020). Desse modo, aspectos evidenciados nessa pesquisa apontam um contexto laboral precarizado e fortemente relacionado com o aumento do risco de adoecimento dos bancários.

Em conclusão, verificou-se neste estudo uma prevalência de TMC de 45,4%. Esse índice é considerado elevado, evidenciando que praticamente a metade da amostra pesquisada apresenta indicativo de sintomas de sofrimento psíquico. Os dados obtidos confirmam um quadro importante e mostram que o adoecimento psíquico atinge os trabalhadores de bancos públicos e privados, pois não foi constatada diferença estatisticamente significativa entre os dois grupos.

Os resultados mostraram ainda que, considerando as variáveis explicativas sociodemográficas, a variável Gênero predisse significativamente TMC e a variável Função apresentou um efeito marginalmente significativo, indicando uma tendência de haver maiores índices de TMC entre os trabalhadores que ocupam os cargos classificados como operacionais em relação aos bancários que ocupam os cargos técnicos.

Embora não seja objetivo deste estudo analisar a questão de gênero e os seus impactos na saúde, reconhece-se que os dados encontrados reforçam a importância de se investir em pesquisas que aprofundem essa temática, bem como que proponham intervenções específicas visando à promoção da saúde das mulheres no contexto de trabalho, considerando, também, os aspectos referentes as consequências das desigualdades de gênero no mercado de trabalho, a sobrecarga das atividades domésticas e dos cuidados com os filhos.

No tocante à variável Função, entende-se que a sua relação com os TMC está atrelada, em grande medida, a elementos como conteúdo, modo de realização das tarefas e alta demanda cognitiva e emocional dos trabalhadores que executam as funções classificadas como operacionais. Esses aspectos são pertinentes ao ambiente laboral e dizem respeito ao fator organização do trabalho. Portanto, o resultado obtido coaduna-se com os achados no modelo de análise (2) quando foram inseridos os fatores do contexto de trabalho.

Por fim, com base nos resultados deste estudo, pôde-se constatar que as variáveis do contexto do trabalho (organização do trabalho, relações socioprofissionais e condições de trabalho) são mais fortemente associadas à ocorrência de TMC, atestando a robustez da relação entre o contexto de trabalho e o adoecimento dos bancários. Apesar de não ser possível inferir causalidade, sendo essa uma das limitações do delineamento aqui adotado, os resultados da regressão mostram que piores avaliações do contexto de trabalho podem ser consideradas preditoras de elevados níveis de TMC.

Estabelecida a relação entre contexto atual de trabalho bancário e sua predisposição ao adoecimento psíquico, a redução da incidência de TMC demanda a implantação de estratégias que promovam alterações que contemplem o ambiente laboral de forma mais ampla para que o trabalhador não tenha probabilidade aumentada de adoecimento por conta da sua atividade e do contexto laboral.

Entende-se que algumas transformações ocorridas na natureza da atividade bancária em razão do uso intensivo da tecnologia são irreversíveis. Contudo, questões como a intensificação do ritmo, o controle excessivo, gestão por metas e o estímulo ao individualismo são aspectos que precisam ser manejados no sentido de reverter a tendência atual de aumento do quadro de adoecimento psíquico entre os trabalhadores, criando espaços laborais que previnam e promovam a saúde mental dos bancários.

A relevância deste estudo encontra-se na possibilidade de colaborar com a melhoria da saúde dos bancários ao evidenciar a relação entre contexto laboral e adoecimento psíquico dos bancários, identificando variáveis específicas que predispõem a esse adoecimento, bem como contribuindo com subsídios para as negociações sindicais e fortalecimento da vigilância em saúde do trabalhador em seu papel de detectar, conhecer, pesquisar e analisar os fatores determinantes e condicionantes da saúde relacionados ao trabalho.

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Recebido: 19 de Fevereiro de 2022; Revisado: 16 de Outubro de 2022; Aceito: 20 de Outubro de 2022

Marselle Fernandes Fontenelle Universidade de Fortaleza (UNIFOR), Avenida Washington Soares, 1321, Edson Queiroz 60811-905 Fortaleza, Ceará, Brasil. E-mail: marselle@unifor.br

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