De acordo com a Teoria de Suporte Organizacional, os trabalhadores percebem como suas contribuições são valorizadas e o quanto seu bem-estar é uma preocupação para a organização (Eisenberger, Huntington, Hutchison, & Sowa, 1986). A percepção de suporte organizacional (PSO) ocupa um papel importante na relação entre trabalhador e instituição, uma vez que tal percepção impacta nas ações dos trabalhadores que se sentem impelidos a retribuir a valorização percebida (Kurtessis et al., 2017), estando relacionada a ações e atitudes favoráveis do trabalhador em relação à organização (Eisenberger, Shanock, & Wen, 2020).
A percepção do trabalhador a respeito do suporte organizacional está relacionada ao maior comprometimento afetivo com a organização (Meyer, Stanley, Herscovitch, & Topolnytsky, 2002), dado que essa relação é mediada por sentimentos de gratidão desenvolvidos pela instituição (Ford, Wang, Jin, & Eisenberger, 2018). Além disso, pesquisas atuais sobre PSO têm sido divulgadas apontando a relação com diversas variáveis, tais como expectativa de futuro (Formiga & Freire, 2018; Formiga, Freire, Azevedo, & de Sousa Faria, 2020), engajamento com o trabalho (Formiga et al., 2019; Imran, Elahi, Abid, Ashfaq, & Ilyas, 2020), aprendizagem individual e desempenho percebido (Dourado, Gondim, Loiola, Ferreira, & Alberton, 2018), desempenho laboral (Ahmad, Ibrahim, & Bakar, 2018), motivação e satisfação (Pauli, Chambel, Capellari, & Rissi, 2017) e capital psicológico (Formiga, Sousa, & Freire, 2018).
Considerando que cada campo de atuação envolve singularidades que podem se relacionar com diferentes necessidades de suporte organizacional percebidas pelos trabalhadores, pesquisas têm sido conduzidas envolvendo variadas classes de trabalho (Formiga et al., 2021; Pauli, Ceruti, & Andrêis, 2018; Pereira, Formiga, & Estevam, 2019). No âmbito da segurança pública o exercício da atividade laboral está voltado para a manutenção da ordem e segurança social (Winter & Alf, 2019), assim como para o desenvolvimento de medidas socorristas, assistenciais e preventivas (Lopes & Barbosa, 2020). O êxito dessas atividades depende do suporte fornecido pela organização, desempenhando um papel relevante não apenas para as decisões tomadas em situações de risco e alta pressão (Ahmad et al., 2018), mas para o bem-estar dos trabalhadores (Brunetto, Teo, Farr-Wharton, Shacklock, & Shriberg, 2017; Chen, 2018).
Os profissionais da segurança pública estão constantemente expostos a situações traumáticas (Heffren & Hausdorf, 2014; Lopes & Barbosa, 2020) e de estresse (Violanti, Fekedulegn, et al., 2016), traduzindo-se em uma sensação de estarem sempre em perigo (Minayo, Souza, & Constantino, 2008; Oliveira & Faiman, 2019), tanto em horário de trabalho, quanto em seu momento de folga. A exposição aos riscos associados ao exercício da profissão pode gerar grande necessidade de suporte para que se sintam seguros e valorizados (Oliveira & Faiman, 2019), estando o maior PSO associado à redução da percepção de estresse (Brunetto et al., 2017; Farr-Wharton et al., 2016) e sintomas de Burnout (Adams & Mastracci, 2019; Kula, 2016). É esperada a valorização do trabalho desses profissionais também por parte da sociedade. Entretanto, observa-se frequentemente uma falta de reconhecimento social, como a rejeição e a crítica ao trabalho policial (Nalla & Kang; 2012; Oliveira & Faiman, 2019).
As relações hierárquicas podem afetar a percepção de suporte, uma vez que o trabalho se estrutura a partir de uma rígida hierarquia e disciplina (Zanini, Migueles, Colmerauer, & Mansur, 2013). Somado a isso, os profissionais da segurança pública carregam ainda a necessidade de sustentar uma imagem de força e poder, em que é vedado o adoecimento e o sofrimento. Caso contrário, podem enfrentar exclusão e falta de acolhimento no coletivo do trabalho (Winter & Alf, 2019). Diante disso, ressalta-se a necessidade do suporte emocional advindo dos laços afetivos construídos entre os colegas de trabalho (Lopes & Barbosa, 2020). Esse suporte se mostra fundamental para a construção da confiança e da cooperação entre os profissionais, em especial por considerarem que essa parceria construída constitui um fator determinante na proteção de uns aos outros durante a atividade policial (Oliveira & Faiman, 2019; Winter & Alf, 2019), assim como para o maior desempenho no trabalho (Ahmad et al., 2018).
Estudos recentes apresentaram revisões de literatura robustas, tanto com análises qualitativas (Eisenberger et al., 2020) quanto quantitativas (Kurtessis et al., 2017; Rhoades & Eisenberger, 2002) sobre PSO. No entanto, não foram identificados trabalhos que organizaram a investigação desse construto no contexto da segurança pública. Essa lacuna pode ser reflexo da quantidade reduzida de estudos conduzidos com profissionais da segurança pública na área da psicologia, o que vem se intensificando recentemente (p. ex. Lopes & Barbosa, 2020; Soares Lira, Pérez-Nebra, & Queiroga, 2021) e justificando a necessidade de estudos que sintetizam esses achados. Neste sentido, o objetivo do presente estudo foi apresentar um panorama do conhecimento científico produzido sobre o PSO entre policiais e bombeiros nas últimas duas décadas, demonstrando o desenvolvimento das pesquisas ao longo do tempo e os principais resultados obtidos. Para isso, foi realizada uma revisão integrativa da literatura nacional e internacional, a partir da análise de artigos existentes que abordaram a PSO na segurança pública como tema central.
Método
Foi realizada uma revisão bibliográfica sistemática do tipo integrativa da literatura nacional e internacional sobre PSO entre policiais e bombeiros. Esse método foi escolhido por permitir sintetizar e analisar as pesquisas realizadas sobre o tema de forma sistemática, exibindo uma visão ampla sobre o conhecimento científico disponível, bem como do processo de evolução das pesquisas ao longo do tempo (Botelho, Cunha, & Macedo, 2011). Para isso, propôs-se analisar um retrato das pesquisas desenvolvidas na área nas últimas duas décadas. Os resultados das buscas foram condensados, de forma a identificar os principais resultados encontrados. A produção científica também foi caracterizada pela tendência ou não de crescimento, distribuição por ano, país de origem e autoria.
As buscas foram conduzidas a partir do software Harzing's Publish or Perish, versão 7, durante o período de 2000 até 2020. Foi utilizada a base de dados do Google Acadêmico por alcançar a produção localmente relevante (Hicks, Woutersb, Walmantb, Rijcke, & Rafolsc, 2015) e atingir quase a totalidade dos registros das principais bases de dados (Martín-Martín, Orduna-Malea, Thelwall, & López-Cózar, 2018). Foram realizadas duas buscas, utilizando os seguintes descritores: a) nacional: ("suporte organizacional percebido" OR "suporte organizacional") AND ("segurança pública" OR "polícia" OR "Bombeiros"); b) internacional: ('perceived organisational support" OR "organizational support") AND ("public security OR "police" OR "fireman").
Os critérios para inclusão foram: a) artigos publicados em periódicos revisados por pares; b) artigos empíricos; c) artigos que apresentaram o suporte organizacional no tema central ou nos objetivos; d) amostra com trabalhadores da área da segurança pública; e) estudos quantitativos. Foram excluídos: a) livros e capítulos de livro; b) trabalhos apresentados em eventos; c) dissertações e teses; d) artigos teóricos; e) artigos de revisão.
As buscas resultaram em 570 respostas nacionais, das quais não foram identificadas duplicatas e 980 internacionais, das quais restaram 978 após a exclusão das duplicatas. A primeira aplicação dos critérios de inclusão e exclusão foi feita a partir da análise dos títulos e do tipo de publicação, o que resultou em 63 resultados nacionais e 437 resultados internacionais. Após a segunda aplicação dos critérios de inclusão e exclusão feita a partir da análise dos resumos, restaram 2 artigos nacionais e 51 artigos internacionais. Todos os 53 artigos selecionados foram analisados na íntegra.
Procedimentos de Análise dos Dados
Com o intuito de caracterizar a amostra do estudo, foram analisados os aspectos bibliométricos básicos dos artigos selecionados, como ano de publicação, país de origem e autoria. Para identificação da tendência de crescimento ou decréscimo da produção utilizou-se o teste não paramétrico de tendência de Mann-Kendall (Mann, 1945) e o estimador de inclinação de Sen (Sen, 1968). Os dados relativos à autoria foram analisados pela aplicação da Lei de Lotka (Lotka, 1926) que indica que 60% da produção de uma área é constituída por autores com um único estudo e 40% publicam mais de um estudo. Para atingir o objetivo central desta pesquisa, foram analisados os resultados encontrados nos artigos relativos à PSO entre policiais e bombeiros. Os resultados foram sintetizados visando a identificação das contribuições mais relevantes para o contexto da segurança pública, em conjunto com a definição da amostra e do delineamento adotado.
Resultados
Os 53 artigos que constituíram a amostra final foram publicados no período de 2000 a 2020, apresentando uma tendência de crescimento indicada pelo teste de tendência nãoparamétrico de Mann-Kendall com Z = 3,74. Este crescimento é considerado baixo, conforme indicado pelo estimador de declive de Sen (Q = 0,25 [IC99% = 0,05 - 0,50] (Figura 1).
Os artigos analisados foram desenvolvidos com amostras de 18 países com Estados Unidos com maior frequência de estudos (n = 12), seguido de Austrália (n = 4), Índia (n = 4), China (n = 3), Malásia (n = 3), Alemanha (n = 2), Brasil (n = 2), Emirados Árabes (n = 2), Gana (n = 2), Reino Unido (n = 2), Turquia (n = 2), e demais países com apenas 1 estudo (Canadá, Coréia do Sul, Eslovênia, Espanha, França, Irã, Nigéria e Paquistão). Foram identificados, ainda quatro estudos transnacionais. A Figura 2 apresenta o mapa de distribuição regional dos estudos.

Figura 2 Distribuição de artigos por países. A saturação de cor é proporcional ao número de publicações por país.
Quanto à autoria, foi identificado que 94,34% dos autores publicaram um único estudo, 1,89%, dois estudos, 1,89% 3 estudos e 1,89% 4 estudos, conforme apresentado na Figura 3. Este resultado supera o previsto na Lei de Lotka, o que pode indicar uma produção incipiente, sem ainda o estabelecimento de linhas de pesquisa mais perenes neste campo de investigação.
Em termos metodológicos, todos os estudos apresentam delineamento correlacional. O conjunto de estudos compreendeu uma amostra total de 46.602 participantes (M = 913,76, DP = 2.574,70), sendo a maior amostra composta por 18.680 participantes (Boag-Munroe, Donnelly, van Mechelen, & Elliott-Davies, 2017) e a menor amostra por 96 participantes (Parsons, Kautt, & Coupe, 2011). Uma síntese dos resultados dos artigos identificados nesta revisão foi apresentada na Tabela 1.
Tabela 1 Síntese de cada artigo da revisão
Autoria/ano | Público | Principais resultados |
---|---|---|
Adams e Mastracci (2019) | Policiais | O uso de cameras junto ao uniforme reduziu a PSO. Maiores níveis de PSO reduziram o efeito do uso de cameras no aumento de sintomas de burnout. |
Adebayo (2005) | Policiais | Efeito moderador da PSO na relação de atitudes antiéticas e comportamentos pró-sociais. |
Ahmad et al. (2018) | Policiais | Suporte social atua como preditor de desempenho no trabalho. |
AlHashmi, Jabeen e Papastathopoulos (2019) | Policiais | A PSO não apresentou efeito direto na intenção de sair da instituição. Essa relação foi completamente mediada por estresse psicológico. |
Boag-Munroe et al. (2017) | Policiais | Efeito mediador da PSO na relação de percepção da perspectiva de promoção e intenção de sair da instituição. |
Boateng e Wu (2018) | Policiais | A PSO atuou como preditor de desempenho e ação em causas nobres, apenas entre policiais de Gana. Entre policiais chineses foi identificada uma relação negativa entre PSO e comportamento de violação da lei. |
Boateng (2014) | Policiais | A PSO apresentou efeito preditivo sobre a percepção de eficácia. A PSO foi menor em oficiais mais jovens e em oficiais mais antigos na instituição. |
Brenyah (2019) | Policiais | O suporte organizacional para desenvolvimento de carreira impactou positivamente o comprometimento afetivo e normativo. |
Brunetto et al. (2017) | Policiais | A PSO alta está associada com alto poder discricionário e alto capital psicológico. A PSO está inversamente relacionada com a percepção de burocracias. |
Brunetto et al. (2020) | Policiais | A PSO está associada com engajamento e poder discricionário. |
Chen (2018) | Policiais | A PSO se correlacionou positivamente com satisfação no trabalho. |
Currie e Dollery (2006) | Policiais | A PSO atuou como preditor de comprometimento afetivo, normativo e de continuidade. |
Davey, Obst e Sheehan (2001) | Policiais | A PSO foi negativamente associada ao estresse no trabalho. |
Dick (2011) | Policiais | A PSO foi identificada como um antecedente de comprometimento organizacional. |
Farr-Wharton et al. (2016) | Policiais | A PSO fornecido por supervisores apresentou efeito de redução do estresse e aumento do bem-estar, porém esse efeito foi menor comparado ao efeito do suporte individual. |
Farr-Wharton, Shacklock, Brunetto, Teo e Farr-Wharton (2017) | Policiais | A PSO afetou positivamente a satisfação no trabalho e o comprometimento afetivo. |
Farr-Wharton et al. (2019) | Policiais | A PSO apresentou efeito positivo sobre engajamento no trabalho e essa relação foi mediada por relações sociais. |
Fyhn, Fjell e Johnsen (2016) | Investigadores | O suporte organizacional promovido por colegas e superiores atuou como facilitador no desempenho das funções de investigadores e como um fator protetivo ao estresse. |
Gillet, Huart, Colombat e Fouquereau (2013) | Policiais | A PSO se correlacionou positivamente com engajamento no trabalho e atuou como preditor da motivação autodeterminada contextual. |
Hadiyan (2019) | Policiais | A PSO reduziu o estresse no trabalho e os impactos negativos sobre o desempenho. |
Heffren e Hausdorf (2014) | Policiais | A baixa PSO atuou como preditor da probabilidade de lidar com estresse sem buscar ajuda. |
Helfers, Reynolds e Maskály (2019) | Policiais | A PSO é predita por percepção de justiça. A PSO atuou como mediadora na relação de justiça e comportamento de autoproteção. |
Homberg, Vogel e Weiherl (2019) | Policiais | A PSO atuou como preditora de esforço voluntário para mudança organizacional. |
Indrawiani, Anggraeni e Indrayanto (2018) | Policiais | A PSO impactou positivamente o comportamento de cidadania organizacional. |
Jabeen, Al Hashmi e Mishra (2020) | Policiais | Não foi identificado efeito do suporte organizacional na intenção de sair da instituição. |
Jacobs, Belschak e Den Hartog (2014) | Policiais | A PSO se correlacionou positivamente com a percepção de justiça organizacional e negativamente com comportamento antiético. A PSO mediou a relação percepção de justiça e comportamentos éticos/antiéticos. |
Johnson (2012) | Policiais | A PSO se correlacionou positivamente com satisfação no trabalho. |
Johnson (2015) | Policiais | A PSO atuou como preditora de comprometimento organizacional. |
Kula (2016) | Policiais | O suporte de supervisores foi identificado como redutor dos efeitos do estresse no trabalho. |
Kula e Guler (2014) | Policiais | A percepção de suporte do supervisor se associou positivamente com satisfação no trabalho. |
Kumar (2017) | Policiais | A PSO atuou como preditor da satisfação no trabalho. |
Kumarasamy, Pangil e Mohd Isa (2016) | Policiais | A PSO moderou a relação positiva entre inteligência emocional e o equilíbrio de trabalho-vida pessoal, fortalecendo-a. |
Laeeq, Shahzad, Ramalu e Habiba (2016) | Policiais | A PSO moderou a relação do avanço tecnológico com desempenho organizacional, fortalecendo-a. |
Laeeq, Shahzad, Ramalu e Fareed (2016) | Policiais | A PSO moderou a relação da percepção de interferência política com desempenho organizacional, reduzindo os efeitos negativos. |
Lambert, Qureshi, Klahm, Smith e Frank (2017) | Policiais | A PSO influenciou significativamente o envolvimento, satisfação e comprometimento do trabalhador. |
Lan, Chen, Zeng e Liu (2020) | Policiais | A relação de PSO com engajamento foi mediada pela satisfação no trabalho. A relação de PSO com satisfação no trabalho foi moderada positivamente por autoeficácia de regulação emocional. |
Lopes e Barbosa (2020) | Bombeiros | Suporte emocional e instrumental foram menos presentes em bombeiros. O suporte informacional e o emocional se mostraram necessários para a melhoria da Qualidade de Vida Profissional. |
Luceño-Moreno, García-Albuerne, Talavera-Velasco e Martín-García (2016) | Policiais | A baixa PSO foi identificada como componente de risco psicossocial no trabalho. |
Miller, Unruh, Wharton, Liu e Zhang (2017) | Agentes da lei | A PSO está negativamente relacionada aos sintomas de Burnout e aos de Estresse Traumático Secundário. |
Nalla e Kang (2012) | Policiais | O suporte da gestão e o apoio público estão associados à satisfação no trabalho. |
Parsons et al. (2011) | Policiais | A PSO de policiais seniores envolve também o reconhecimento, por parte da organização, de pessoas que estão sob seu comando. |
Qureshi, Lambert, Keena e Frank (2016) | Policiais | A PSO relaciona-se negativamente com maiores índices de conflito trabalho-família. |
Rasdi, Ismail, Kong e Saliluddin (2018) | Policiais | O clima de segurança psicossocial foi afetado pela percepção de suporte organizacional e pelo clima de segurança física da equipe. |
Reynolds e Helfers (2018) | Policiais | A existência de uma matriz disciplinar, trazendo componentes de justiça organizacional, associa-se positivamente à PSO dos oficiais. |
Srivastava (2009) | Policiais | A percepção de justiça organizacional e de suporte organizacional se correlacionaram positivamente com o bem-estar no trabalho. |
Tomaževič,, Seljak e Aristovnik (2014) | Policiais | Impacto positivo da PSO (em especial, apoio e confiança do supervisor) na satisfação dos policiais. |
Tucker (2015) | Policiais | A PSO foi identificada como preditora na busca de serviços fornecidos pela organização policial. |
Violanti et al. (2014) | Policiais | A falta de apoio organizacional estava associada a um aumento nos episódios de ausência no trabalho. |
Violanti, Andrew, et al. (2016) | Policiais | Impacto da falta de apoio organizacional na desesperança de policiais, em especial, entre aqueles com níveis mais altos de sintomas de TEPT. |
Violanti, Fekedulegn, et al. (2016) | Policiais | Em comparação aos homens, as mulheres oficiais apresentaram um maior estresse em relação à falta de apoio de seus supervisores. |
Violanti et al. (2018) | Policiais | A falta de PSO foi identificada como componente do estresse e entre os preditores de sintomas de TEPT. |
Zanini et al. (2013) | Policiais | Não foi identificado efeito da PSO sobre os escores de confiança profissional no líder e no comprometimento afetivo. |
Zeng, Zhang, Chen, Liu e Wu (2020) | Policiais | A PSO afetou diretamente o esgotamento no trabalho policial e indiretamente a partir da satisfação no trabalho. |
Discussão
Essa revisão integrativa da literatura nacional e internacional sobre a percepção de suporte organizacional (PSO) na área da segurança pública analisou 53 artigos publicados entre os anos de 2000 até 2020. Todos os estudos apresentaram delineamento correlacional, carecendo de investigações que se utilizaram do método experimental para compreender relações de causalidade. Foi identificada uma tendência de crescimento nas pesquisas, sugerindo um crescente interesse sobre a influência da PSO entre os policiais. Essa tendência acompanha a maior inserção da segurança pública como uma área da investigação na psicologia, em especial na psicologia das organizações e do trabalho (p. ex. Winter & Alf, 2019; Lopes & Barbosa, 2020; Soares Lira et al., 2021). No entanto, apenas um dos estudos foi realizado com bombeiros (Lopes & Barbosa, 2020), o que revela uma negligência com essa população.
A minoria dos estudos se dedicou a avaliar os antecedentes de PSO (n = 5), como por exemplo, o uso de cameras corporais (Adams & Mastracci, 2019) e a perspectiva de promoção (Boag-Munroe et al., 2017). A percepção de justiça organizacional foi a variável preditora mais frequente avaliada (p. ex., Helfers et al., 2019). Esse resultado destaca a proximidade entre os construtos, uma vez que a justiça organizacional se volta ao tratamento dispensado aos servidores durante as atividades realizadas, enquanto a PSO diz respeito à disponibilização de recursos para a realização das atividades profissionais (Cohen-Charash & Spector, 2001; Hochwarter, Witt, Treadway, & Ferris, 2006). Estes achados corroboram com o estudo de Eisenberger et al. (2020), que em sua revisão qualitativa reafirmaram a existência de forte relação entre esses construtos. Diante disso, a justiça processual se estabelece como um antecedente adequado para convencer os trabalhadores a respeito da visão positiva da organização acerca deles, sendo também importante ao contexto de segurança pública.
Dentre os resultados desta revisão foi possível identificar que a maior parte das pesquisas se dedicou a investigar o poder preditivo de PSO sobre outras variáveis organizacionais (n = 42), e dentre estas, a maior quantidade de estudos verificou a predição de PSO em relação ao bem-estar no trabalho. Utilizando a diferenciação feita por Warr (2013) entre medidas cognitivas e afetivas de bem-estar, os estudos revisados contemplaram apenas a avaliação de aspectos cognitivos no domínio específico do trabalho. A exemplo disso, destaca-se a relação de PSO com satisfação (p.ex., Kumar, 2017; Tomaževič, et al., 2014) e com bem-estar subjetivo (p.ex., Farr-Wharton et al., 2016; Srivastava, 2009). Diante disso, novas investigações a respeito de aspectos do bem-estar afetivo se fazem necessárias para uma compreensão mais ampla da importância da PSO pelos trabalhadores da segurança pública na promoção de afetos positivos no trabalho.
Alguns estudos utilizaram medidas de valência negativa de bem-estar e identificaram uma relação inversa da PSO com burnout (p. ex., Miller et al., 2017; Adams & Mastracci, 2019) e sintomas de estresse (p. ex., Hadiyan, 2019; Violanti et al., 2018). Além disso, quando há baixa PSO o estresse pode ser ainda mais prejudicial, pois reduz as chances do profissional buscar ajuda para lidar com os sintomas (Heffren & Hausdorf, 2014). Diante disso, é possível perceber os impactos positivos da PSO para a saúde mental dos profissionais da segurança pública. Estes achados corroboram com a literatura (Baran, Shanock, & Miller, 2012; Kurtessis et al., 2017) que indicam que a PSO pode atuar como um fator de proteção do trabalhador frente aos estresses e pressões no esgotamento, impactando positivamente a satisfação no trabalho (Stamper & Johlke, 2003; Wallace, Edwards, Arnold, Frazier, & Finch, 2009).
Na presente revisão foi possível identificar uma literatura consistente sobre a atuação da PSO como uma variável preditora de desempenho no trabalho. O desempenho no trabalho se trata de um construto multidimensional que pode ser operacionalizado a partir da performance na tarefa, do comportamento contextual, do comportamento contraproducente e da criatividade (Koopmans et al., 2011). Entre os estudos contemplados na presente revisão observa-se a avaliação do impacto da PSO em variadas dimensões. É possível verificar que a PSO não impacta somente a performance da realização das tarefas de trabalho (Boateng & Wu, 2018), mas também o desempenho de comportamentos contextuais, como por exemplo, o comportamento de cidadania organizacional (Indrawiani et al., 2018).
A PSO também se mostrou capaz de reduzir comportamentos prejudiciais à instituição, como é o caso de comportamentos antiéticos (Jacobs et al., 2014) e comportamentos de violação da lei (Boateng & Wu, 2018). A dimensão de desempenho relacionada à criatividade também foi contemplada em um estudo que avaliou o esforço do trabalhador para mudança (Homberg et al.,2019), fornecendo evidências iniciais de que a PSO contribui para a proposição de ideias inovadoras e resolução de problemas que favorecem a adaptação ao contexto de trabalho.
Uma quantidade limitada dos estudos se dedicou à avaliação da PSO como moderadora da relação entre outras variáveis (n = 6). Esses estudos também forneceram evidências alinhadas à importância desse construto para ampliar o desempenho no trabalho e o bem-estar dos policiais. A alta PSO foi capaz de minimizar efeitos negativos de variáveis como estresse (Hadiyan, 2019) e interferência política na organização policial (Laeeq et al., 2016), bem como de ampliar efeitos positivos da inserção de avanços tecnológicos na organização no desempenho dos trabalhadores (Laeeq et al., 2016). Além disso, a PSO minimizou o impacto de fatores contextuais que geram estresse aos trabalhadores (Adams & Mastracci, 2019), assim como potencializou os benefícios da inteligência emocional de policiais no equilíbrio entre vida pessoal e trabalho (Kumarasamy et al., 2016). Resultados similares foram relatados por Eisenberger et al. (2020), que destacaram o papel moderador da PSO entre estressores de trabalho e as reações afetivas, físicas e comportamentais.
Os estudos realizados com amostras transnacionais (n = 4) apresentaram evidências sobre as diferenças nos níveis de PSO entre policiais de diferentes nações (Boateng & Wu, 2018; Farr-Wharton et al., 2019). Além disso, a influência desse construto sob a performance do trabalhador não é a mesma em todas as culturas. A exemplo disso, a PSO se mostrou mais influente no desempenho dos policiais de Gana do que dos policiais na China (Boateng & Wu, 2018). Essa diferença pode ser explicada pelo forte endosso de valores culturais coletivistas compartilhados por policiais chineses. Diante disso, estudos transculturais são importantes para ampliar o conhecimento sobre PSO, uma vez que esse construto tenha sido investigado predominantemente em amostras individualistas e sua influência parece operar de forma distinta em países coletivistas (Eisenberger et al., 2020).
Por fim, cabe destacar que a tendência de crescimento nas pesquisas acerca do impacto da PSO no contexto da segurança pública decorre de sua grande contribuição. Seja pela demonstração de sua influência positiva em outros construtos de relevância laboral — a exemplo do aumento do bem-estar e da diminuição do burnout, contribuindo para a saúde mental do trabalhador. Também da diminuição de comportamentos antiéticos e aumento do desempenho organizacional (e de funções). A PSO também se aproxima de aspectos organizacionais imprescindíveis, a exemplo da percepção de justiça organizacional. Neste palmilhar, em razão da natureza dos encargos laborais dos servidores de segurança pública, que prestam serviços com capacidade de repercutir direta (e indiretamente) no convívio social, ampliar o conhecimento sobre a PSO nesses trabalhadores se reflete na qualidade do serviço recebido pela sociedade. Espera-se com isso um melhor entendimento deste contexto que ainda requer aprofundada investigação que possibilitem ações e/ou políticas públicas que impactem as organizações e, em consequência, o serviço disponibilizado aos cidadãos.
Considerações Finais
O objetivo desta pesquisa voltou-se a apresentar um cenário do conhecimento científico produzido sobre PSO entre policiais e bombeiros, nas duas últimas décadas, a partir de uma revisão integrativa da literatura nacional e internacional. Os resultados alcançados confirmam o papel protetivo que a PSO desempenha na saúde dos trabalhadores da segurança pública, justificando a sua importância para promover saúde mental a partir de características organizacionais. Visto que é claro na literatura a presença de altos níveis de estresse entre policiais (Dantas, Brito, Rodrigues, & Maciente, 2010; Oliveira & Bardagi, 2009), a promoção de PSO se apresenta como um caminho promissor para melhoria do bem-estar desses profissionais. Da mesma forma, conclui-se que a PSO atua positivamente sobre o desempenho dos trabalhadores, favorecendo não apenas a instituição policial, como também o serviço prestado à sociedade.
Destaca-se que vários dos resultados encontrados se apresentam em conformidade com o estudo de revisão realizado por Eisenberger et al. (2020) sobre PSO com amostras variadas de trabalhadores. Cabe ainda destacar a convergência dos achados deste estudo com outras revisões, e mesmo metanálises, voltadas à indicação do impacto positivo da PSO em variáveis de bem-estar do trabalhador, como satisfação no trabalho, redução de tensões e melhoria da saúde mental (Baran et al., 2012; Kurtessis et al., 2017; Rhoades & Eisenberger, 2002).
Foram verificadas limitações quanto aos achados envolvendo os bombeiros e outros profissionais da segurança pública - como o policial penal e mesmo os peritos criminais - em que pese existirem diferenças entre a segmentação de instituições (e de funções) a depender do país. Como agenda de pesquisa, sugere-se a investigação da PSO nas diversas instituições de segurança pública e os seus múltiplos cargos/funções. Por fim, estudos que avancem no entendimento sobre o papel moderador da PSO em variáveis organizacionais e/ou individuais que impactam no ambiente de trabalho também são importantes.