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Revista Psicologia Organizações e Trabalho

versão On-line ISSN 1984-6657

Rev. Psicol., Organ. Trab. vol.22 no.4 Brasília out./dez. 2022  Epub 02-Dez-2024

https://doi.org/10.5935/rpot/2022.4.23569 

Artigo

Relato de Experiência sobre as Avaliações Psicológicas em Certames da Polícia Rodoviária Federal

Experience Report on Psychological Assessment in Federal Highway Police Exams

Informe de Experiencia sobre Evaluación Psicológica en el Concurso de la Policía Federal de Carreteras

Daniela Cristina Bellio1 
http://orcid.org/0000-0002-3747-4344

Esdras Almeida De Paula Ribeiro2 
http://orcid.org/0000-0002-4983-3594

Maria Julia Pegoraro Gai3 
http://orcid.org/0000-0002-8481-1112

Cyntia Nunes4 
http://orcid.org/0000-0002-9150-2254

Roberto Moraes Cruz5 
http://orcid.org/0000-0002-4519-8570

1http://orcid.org/0000-0002-3747-4344 / Polícia Rodoviária Federal (PRF), Brasil

2http://orcid.org/0000-0002-4983-3594 / Polícia Rodoviária Federal (PRF), Brasil

3http://orcid.org/0000-0002-8481-1112 / Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Brasil

4http://orcid.org/0000-0002-9150-2254 / Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Brasil

5http://orcid.org/0000-0002-4519-8570 / Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Brasil


Resumo

O trabalho policial requer que os ocupantes do cargo tenham características psicológicas que se adequem à função, compondo uma estrutura complexa de competências requeridas dos policiais, às quais remetem-se fatores psicológicos cruciais e passíveis de avaliação por instrumentos validados. Tendo isso em vista, o objetivo deste trabalho é descrever o desenvolvimento do processo de avaliação psicológica do concurso para Policiais Rodoviários Federais entre 2019 a 2021. Trata-se de um relato de experiência dos policiais responsáveis pela Supervisão de Análise Comportamental em que se descreve os processos de avaliação psicológica continuada e as evoluções que ocorreram ao longo dos anos, visando o aperfeiçoamento da atividade. Nesse processo, fica ressaltado o interesse da Polícia Rodoviária Federal em melhorar a avaliação psicológica nos concursos para policiais ao considerar os benefícios para a instituição, profissionais e sociedade, podendo, inclusive, servir de modelo para outras instituições de segurança pública, ressalvadas as peculiaridades de cada instituição.

Palavras-chave avaliação psicológica; segurança pública; polícia; Polícia Rodoviária Federal

Abstract

Police work requires psychological characteristics that suit the function, with a complex structure of police competences, to which crucial psychological factors are referred and subject to assessment by validated instruments. The objective of this work is to describe the development of the psychological assessment process of the contest for Federal Highway Police (PRF) between 2019 to 2021. It is an experience report of those responsible for behavioral supervision in which continued psychological evaluation and the changes that continue over the years of evaluation are described, aiming at the improvement of the activity. In this process, the interest of the PRF in a psychological assessment in the examinations for police officers is highlighted, considering the benefits for the institution, professionals and society, and may even serve as a model for other public institutions.

Keywords psychological assessment; public security; police; Federal Highway Police

Resumen

El trabajo policial requiere que los ocupantes del puesto posean características psicológicas adecuadas a la función, organizando una compleja estructura de competencias requeridas a los policías, a las que se refieren factores psicológicos cruciales y sujetos a evaluación por instrumentos validados. Teniendo en cuenta lo anterior, el objetivo de este trabajo es describir el desarrollo del proceso de evaluación psicológica para el concurso de policías federales de carreteras entre 2019 y 2021. Se trata de un relato de experiencia de los policías responsables de la Supervisión de Análisis de Comportamiento en el que los procesos continuos de evaluación psicológica y las evoluciones que se han producido a lo largo de los años, buscando el perfeccionamiento de la actividad. En ese proceso, se destaca el interés de la PRF en mejorar la evaluación psicológica en los concursos para policías, considerando los beneficios para la institución, los profesionales y la sociedad, pudiendo incluso servir de modelo para otras instituciones de seguridad pública, salvo por las peculiaridades de cada institución.

Palabras clave evaluación psicológica; seguridad pública; policía; Policía Federal de Carreteras

As avaliações psicológicas em contextos de concursos, porte/manuseio de arma de fogo e de trânsito visam avaliar se uma pessoa tem capacidade e características psicológicas adequadas para realizar uma determinada função (Faiad & Alves, 2018). No caso de instituições de segurança pública, auxilia na busca por candidatos que se adequem ao perfil profissiográfico do cargo, necessário para execução do trabalho. Isso gera benefícios tanto para a instituição, como para os candidatos, já que o não alinhamento a essas aptidões necessárias à função pode gerar sofrimento e adoecimento físico e/ou mental (Thadeu & Ferreira, 2013), bem como elevado número de absenteísmos decorrentes de questões psicológicas e conflitos interpessoais que prejudicam o desempenho organizacional.

A contribuição também é voltada para a prevenção de problemas psicoemocionais que poderão surgir durante o exercício da profissão, corroborando o investimento nos recursos humanos dessas instituições, especialmente no que tange à saúde mental (Amorim, & Batista, 2020). Os benefícios se estendem à população, que é beneficiada ao passo que as pessoas selecionadas tendem a apresentar os requisitos necessários para o desempenho de seus cargos e funções de maneira adequada, atendendo, servindo e protegendo o cidadão (Amorim & Batista, 2020; Faiad, Coelho Junior, Caetano, & Albuquerque, 2012).

A avaliação psicológica realizada em concursos está prevista em lei, sendo regida pelas Resoluções do Conselho Federal de Psicologia, com instrumentos amparados e considerados favoráveis pelo Sistema de Avaliação de Testes Psicológicos (SATEPSI; Thadeu, Ferreira, & Faiad, 2012). Sabe-se da necessidade de conhecer e utilizar novos métodos de avaliação psicológica aplicáveis em concursos públicos, baseados em estudos científicos validados pela comunidade acadêmica e pelo Conselho Federal de Psicologia. Essa preocupação se dá pelo fato de que existem manuais de preenchimento e correção de vários testes comumente utilizados em concursos públicos que estão indiscriminadamente divulgados na internet, podendo comprometer a autenticidade dos resultados obtidos (Thadeu & Ferreira, 2013). Para minimizar esse problema, é necessário investimento na busca por evidências de validade dos instrumentos e processos utilizados a fim de assegurar que os resultados das avaliações sejam preditores confiáveis do desempenho nesse trabalho da área de segurança pública, caracterizado por ser uma profissão de risco (Thadeu et al., 2012).

As avaliações psicológicas nos concursos para cargos de segurança pública geralmente acontecem somente na primeira etapa do certame, após as provas escritas e os testes físicos. O Departamento de Polícia Rodoviária Federal (2009) editou a Instrução Normativa no 002/2009 - CGRH/DPRF, de 11 de agosto de 2009, que "Regulamenta a avaliação psicológica nos concursos públicos para provimento do cargo de Policial Rodoviário Federal" (p. 67). Essa Instrução Normativa foi peça integrante do concurso da PRF em 2009 e desde então é item constante nos Editais de concurso público para o cargo de PRE No artigo 12 desta Instrução Normativa fica estabelecido que

o candidato poderá ser submetido a avaliações psicológicas complementares, de caráter unicamente eliminatório, durante o Curso de Formação Profissional, caso apresente comportamentos incompatíveis e/ou inadequados com o exercício do cargo de Policial Rodoviário Federal (p. 67)

A PRF está na vanguarda da avaliação psicológica em processos seletivos para a segurança pública brasileira por meio da constituição de uma equipe multidisciplinar para Análise Comportamental e a formalização da Avaliação Psicológica Continuada, sendo uma alternativa para uma avaliação complementar sistematizada, com efeitos eliminatórios, operacionalizada a partir de 2019.

Cabe mencionar que nos concursos anteriores a 2019, caso algum candidato apresentasse incompatibilidade com o cargo policial ou algum transtorno psicológico que pudesse oferecer risco a si mesmo ou a outras pessoas durante o Curso de Formação Policial, a instituição não possuía estrutura para avaliação, no intuito de verificar a necessidade de desligamento do certame.

Desse modo, o objetivo deste trabalho é descrever o desenvolvimento do processo de Avaliação Psicológica Continuada do concurso para Policiais Rodoviários Federais entre 2019 a 2021. A relevância desse trabalho se dá pelo caráter inovador e inédito do projeto desenvolvido pela PRF no que concerne à Avaliação Psicológica dos alunos do Curso de Formação Policial (CFP) para Policiais Rodoviários Federais aprovados nas etapas anteriores do concurso. A realização desse processo com as etapas propostas pela PRF não foi identificada em outras instituições da segurança pública brasileira, o que ressalta o ineditismo da prática.

Método

Esse relato de experiência é realizado pelos dois Policiais Rodoviários Federais - coautores deste relato - responsáveis pela concepção e execução do projeto desde a sua formulação. Esses policiais também têm formação em Psicologia, mas não são cadastrados no Conselho Regional de Psicologia para exercer a profissão, visto que o cargo de Policial Rodoviário Federal exige, por lei, dedicação exclusiva. Na descrição dos processos desenvolvidos e aperfeiçoados é considerada a cronologia da implantação da Avaliação Psicológica Continuada ao longo dos três anos, incluindo os aspectos legais, contratuais, metodológicos e técnicos inerentes ao processo.

Na análise e discussão dos resultados são mencionados os pontos de inovação e aperfeiçoamento com base no ano anterior, incluindo os aspectos alterados e que ainda estão em processo de desenvolvimento. Cabe ressaltar que este trabalho possui autorização institucional fornecida pela Coordenação-Geral da Universidade Corporativa da Polícia Rodoviária Federal (UniPRF) para publicação e divulgação científica.

A primeira etapa do concurso compreende várias avaliações, com prova teórica, exames médicos, teste de aptidão física, investigação social, prova de títulos e avaliação psicológica. Algumas dessas avaliações também continuam durante o CFP. Matriculam-se no curso os aprovados nessas etapas anteriores, além dos candidatos que possuam liminares judiciais para matrícula, mesmo que reprovados em alguma das avaliações anteriores. Por força de edital, todos os candidatos matriculados no CFP participam da Avaliação Psicológica Continuada, que inicia nas avaliações psicológicas da primeira etapa do concurso e é concluída ao término do Curso de Formação.

A partir da matrícula iniciam-se as observações, que ocorrem em qualquer atividade desenvolvida no ambiente de treinamento, inclusive virtual. Qualquer docente - instrutor ou coordenador - do CFP, bem como cada integrante da equipe de psicologia, que perceba comportamentos considerados inadequados, relata o fato observado em um formulário padronizado denominado Formulário de Fato Comportamental Observado (FFCO), baseado no Inventário Dimensional Clínico da Personalidade (Carvalho, Sette, Capitão, & Primi, 2014) e no Perfil Profissiográfico da PRF. A apresentação, demonstração de preenchimento e elucidação de dúvidas do FFCO para as psicólogas e docentes é feita em um treinamento antes do início do curso, incluindo outras informações sobre a avaliação psicológica continuada.

Por inadequado, ou inapropriado, convencionou-se o comportamento que, considerando as categorias constantes no FCCO, destoasse do esperado para o desempenho das funções policiais ou mesmo do aluno, no momento do curso em que ocorreu o registro. Por exemplo, é natural que os candidatos apresentem certos níveis de insegurança ao se depararem com competências novas a aprender, como o uso de armas de fogo, especialmente nas primeiras oportunidades. Mas é igualmente compreensível que no decorrer do treinamento os alunos demonstrem aumento da proficiência no manejo das armas, bem como incremento no desempenho em estande de tiro. Caso essa evolução não fosse notada e os relatos indicassem que fatores como ansiedade exacerbada estivessem presentes nas situações em que o comportamento inapropriado se apresentou, isso se tornava um índice a ser considerado para a análise comportamental.

No formulário são registrados os dados do observador, do aluno em questão, identificação de outros docentes que possam ter presenciado o fato, a data e atividade do curso em que este comportamento ocorreu. Na sequência, apresenta-se a narrativa do comportamento em questão e quais aspectos foram observados. Para o apontamento de características relacionadas ao comportamento registrado, é disponibilizado um rol de construtos embasados no IDCP-2 e no Perfil Profissiográfico PRF. Essas características são seguidas dos indicadores associados e de situações contextualizadas típicas do Curso de Formação Policial.

Todos os construtos são apresentados de maneira semelhante, para que o observador, inclusive o leigo em Psicologia, possa correlacionar o fato que relata a categorias padronizadas de comportamentos de interesse à Equipe de Análise Comportamental. No treinamento prévio é explicado aos docentes que é esperado que registrem os fatos observados da maneira mais descritiva possível, com o mínimo de inferências, para que a partir destes relatos a equipe de Psicologia possa iniciar um processo de acompanhamento aproximado dos discentes em outras atividades do treinamento, no intuito de reunir um conjunto de informações que proporcionem a tomada de decisão em encaminhar ou não o candidato para um procedimento complementar de avaliação psicológica.

Em adição às observações in loco, visando uma avaliação integral, também são considerados os desempenhos das avaliações formais e informais, eventuais infrações regulamentares e qualquer outra informação disponível que aponte para possível inadequação ao perfil profissiográfico. Ao final do processo investigativo, emite-se um relatório à Coordenação-Geral do CFP, sugestionando o encaminhamento ou não do aluno para APC de acordo com os dados observados. Nos casos em que a APC é indicada, a Coordenação-Geral do CFP encaminha a solicitação à banca organizadora para a realização da avaliação e consequente emissão do laudo psicológico do aluno, atestando-o como apto ou inapto para o perfil do cargo PRF.

No intuito de salvaguardar ao máximo a privacidade, evitar estigmas e impactar o mínimo possível nas demais atividades do curso, os alunos encaminhados são notificados individualmente da convocação para a avaliação.

Vale ressaltar que a aptidão ou inaptidão não é determinada pelos comportamentos observados ou mesmo pelo conjunto de informações que compõem o relatório enviado à Coordenação-Geral do curso. Essa determinação é feita pela avaliação psicológica realizada pelas psicólogas da organizadora do concurso, conforme sua aderência ou não ao perfil profissiográfico.

Resultados

Os dados serão descritos com base no desenvolvimento do projeto de modo cronológico considerando os três anos de concepção e implementação do processo de Avaliação Psicológica Continuada na instituição.

O Início do Projeto em 2019

A Avaliação Psicológica Continuada (APC) nos concursos da PRF foi idealizada devido ao número de afastamentos por motivos psiquiátricos, psicológicos e a ocorrência de suicídios na PRF. A Divisão de Processos e Execução de Concursos (DIPEC/CGGP) junto com a Comissão Nacional do Concurso incluíram a APC no Edital n° 1/2018 com caráter eliminatório e de responsabilidade da banca organizadora do concurso.

Ao considerar essa necessidade, a Portaria n° 1239/2019/CGGP, de 07 de maio de 2019, instituiu uma Comissão composta por servidores com formação em Psicologia e/ou com experiência na área de saúde da Instituição, sendo a gestão realizada pela Divisão de Saúde e Assistência Social (DISAS/CGGP) que, em 2019, denominou-se Conselho de Análise Comportamental (Portaria n° 189/2019/DG de 23 de agosto de 2019). Inicialmente esse Conselho foi composto por uma PRF com graduação em Psicologia e pelo chefe da Divisão de Saúde e Assistência Social (DISAS/CGGP).

Esses profissionais iniciaram um processo de Análise Comportamental, em que eram feitas observações dos alunos durante sua permanência no curso, a fim de gerar dados comportamentais baseados no contexto das instruções do CFP, as quais possibilitam práticas vivenciais mais aproximadas da realidade da profissão de policial. Para auxiliar nesse processo criou-se o FFCO, conforme explicitado no método.

Nesse ano, haviam 1.151 alunos matriculados e foram preenchidos 42 FCCOs, sendo que 39 alunos foram mencionados nesses formulários preenchidos. A partir disso, 13 alunos foram encaminhados para a APC e, dentre esses, 6 foram considerados inaptos para o cargo PRF.

A partir dos dados coletados, notou-se que as alterações comportamentais dos alunos ocorrem com maior frequência a partir da segunda metade do curso. Isso pode ser intensificado pelas pressões psicológicas associadas à distância e falta de convívio com os entes queridos, provas e avaliações, além de ocorrência de imprevistos.

Nesse processo, desde os trabalhos iniciais, com a concepção do FFCO e de seus desdobramentos, destacou-se o empenho da área de Gestão de Pessoas da PRF em proporcionar a preparação e continuidade da atividade. Essa equipe atuou promovendo convocações complementares, orientações à correta execução do acompanhamento dos alunos, articulação entre as áreas do CFP, tratativas constantes junto à empresa organizadora do concurso com o fim de alinhar entendimentos e viabilizar todas as etapas para a consecução da Análise Comportamental.

Continuidade do Processo em 2020

Em 2020, os objetivos do trabalho e metodologia se mantiveram, com a equipe de servidores PRFs como membros do Conselho de Análise Comportamental, os quais realizaram as observações e registros de FFCOs, que se somaram aos registros realizados por coordenadores, instrutores e colaboradores durante o CFP. Neste ano, o processo tornou-se mais consolidado e ganhou força com a entrada de outro PRF com formação em Psicologia na equipe. Além disso, observou-se maior aderência dos instrutores e demais colaboradores para realização dos FFCO's, o que facilitou o processo de análise. A partir disso, criou-se um fluxograma das etapas da Análise Comportamental para facilitar a visualização das etapas e respectivos encaminhamentos de acordo com cada caso (Figura 1).

Figura 1 Fluxograma das etapas da Avaliação Psicológica Continuada durante o Curso de Formação Profissional. 

Nesse segundo ano de realização da Análise Comportamental, por meio das observações e acompanhamentos nas aulas, ficou demonstrado que alguns alunos apresentavam comportamentos inapropriados à função policial e que uma observação apurada e realizada por servidores com formação técnica na área da Psicologia se mostrou eficaz, possibilitando embasar os processos de tomadas de decisões em relação à indicação ou não desses alunos à submissão de Avaliação Psicológica Complementar. Além disso, corroborou-se a demanda por mais profissionais qualificados para execução dessa atividade em função da quantidade de servidores com graduação em Psicologia ser aquém do necessário ao se ter em vista o número elevado de alunos a serem acompanhados. Nessa edição, foram 674 alunos matriculados, 69 formulários preenchidos, 41 alunos apontados nos FCCO, 17 encaminhados para APC e 9 alunos considerados inaptos.

Um ponto que houve necessidade de revisão é sobre os encaminhamentos dos alunos para as avaliações até um mês antes do término do curso por não haver viabilidade de uma nova avaliação devido à falta de previsão contratual. Isso prejudicava a indicação de novos alunos que apresentavam necessidade de encaminhamento para avaliação, o que indicava ser um limite da atividade proposta em função dos prazos.

2021: Reforço da Equipe

Considerada a observação do ano anterior da necessidade de mais profissionais para realização das observações dos alunos e o aumento do número de ingressantes no curso, no ano de 2021, solicitou-se à banca organizadora do concurso a contratação de psicólogas para auxiliar nas observações comportamentais no decorrer do curso. A partir dessa solicitação, oito psicólogas foram contratadas para realização dessa função, visando a identificação de comportamentos desviantes seguindo o perfil profissiográfico da PRF.

Com a contratação de psicólogas externas à instituição para a realização das observações em 2021, houve aspectos a serem organizados para a otimização do processo de avaliação realizado até o momento. Para isso, foi necessária a apresentação do contexto e das especificidades da profissão de Policial Rodoviário Federal para a equipe no início e no decorrer do curso, assim como explicar como se dá o funcionamento do CFP e o processo de Análise Comportamental. A distribuição das psicólogas para observação nas turmas foi pautada no tipo de aula e objetivos de cada disciplina, considerando as atividades previstas no projeto pedagógico e no plano de aula. Priorizou-se atividades que possibilitaram a observação de aspectos comportamentais, evitando-se o acompanhamento em aulas teóricas.

Para organização dos dados e desenvolvimento do trabalho, a equipe de servidores da PRF, em conjunto com as psicólogas, manteve reuniões semanais a fim de manter um trabalho coeso e integrado. Essas observações trouxeram mais robustez à decisão da necessidade de encaminhamento dos alunos para a APC que era realizada por outras psicólogas, também contratadas pela banca organizadora do concurso. Essas psicólogas que realizaram as APCs continuavam sendo profissionais externas que não possuíam contato prévio com esses alunos, garantindo a isenção do processo avaliativo.

As APCs foram realizadas em duas datas previamente definidas, que foram somadas a outras duas datas com realizações de APCs Emergenciais, conforme previsto em edital, já que houve demanda com esse caráter. Diferentemente do ano anterior, foi possível o encaminhamento dos alunos para as avaliações em um momento mais ao final do curso, o que possibilitou corrigir uma limitação do processo observado no ano anterior.

Considerando que o número expressivo de 1.670 alunos matriculados, visando melhor direcionar a força de trabalho, foi implementado processo de classificação por níveis de atenção, oriundos de todos os escores produzidos pelos alunos durante o curso. Assim, considerando os resultados na avaliação psicológica da primeira fase, condições psiquiátricas relatadas na avaliação médica, desempenho nas avaliações durante o curso, cometimento de infrações ao regulamento do curso e demais informações que pudessem contribuir para compor a decisão de encaminhar candidatos à APC.

A cada grupo de escores relatados acima, os alunos recebiam 1 ponto no nível de atenção, o que permitia que as planilhas de registro dos comportamentos funcionassem como um monitor de riscos. Ressalta-se que não foi estabelecido um dado nível de atenção para que um aluno fosse automaticamente encaminhado para a APC, pois a decisão é tomada qualitativamente, conforme os comportamentos observados.

Em números, dos matriculados, 415 foram classificados com algum nível de atenção, 80 mencionados em FCCO e/ou outros documentos de acompanhamento pedagógico que contivessem conteúdo comportamental, 29 encaminhados para APC ou APE (emergencial) e 11 foram considerados inaptos.

Discussão

O modelo de concurso público, de modo geral, apresenta falhas nos processos de recrutamento e seleção, em que se destaca o aspecto de que as provas, apesar de rigorosas, tendem a ser desconectadas das demandas do cargo. Nessa lacuna, as estratégias como avaliações psicológicas possibilitam um aprimoramento do processo seletivo (Franco, 2018). Para um processo de seleção mais eficaz dentro da área de segurança pública se torna fundamental a utilização do perfil profissiográfico, mapeamento de competências e de aptidões necessárias considerando o desgaste psicológico do cargo (Faiad et al., 2012; Thadeu & Ferreira, 2013) e a possibilidade do surgimento de problemas psicoemocionais no decorrer da carreira (Amorim & Batista, 2020).

Com a relevância no investimento nos recursos humanos e na saúde mental de profissionais de segurança pública (Amorim & Batista, 2020) e a busca por políticas de gestão de pessoas que visem valorizar as competências imprescindíveis para o desempenho da função (Faiad et al., 2012), a PRF tem atuado no desenvolvimento desse modelo de análise continuada, que propõe uma inovação na metodologia utilizada em concursos da área. A quantidade de informações obtidas no decorrer dos dois primeiros anos de sua aplicação nos cursos de formação policial indicou a necessidade de um olhar mais especializado nas observações. A partir dessa preocupação, a inclusão de servidores e contratadas com formação em Psicologia para a realização das observações possibilitou aumentar a amplitude das análises comportamentais e dar mais embasamento para os encaminhamentos.

A elaboração do FFCO demonstra o alinhamento entre o processo de avaliação, as ferramentas utilizadas e o perfil profissiográfico (Thadeu & Ferreira, 2013), sendo uma ferramenta específica para o contexto e de uso exclusivo da instituição. O aumento de registros durante o curso, principalmente após as datas das APCs, impulsionou a inclusão de APCs Emergenciais. Uma dificuldade encontrada em 2019 foi que o processo de indicação de um aluno para a APC poderia ser realizado somente após o registro de um FFCO por um coordenador, instrutor ou colaborador, influenciando o desenvolvimento do trabalho do Conselho.

A inclusão das psicólogas externas na equipe cumpriu o seu papel em auxiliar nas observações e no desenvolvimento do trabalho realizado até aquele momento. O olhar clínico das psicólogas junto com a experiência dos servidores PRF resultou em um grande volume de informações utilizadas no encaminhamento, ou não, de um aluno à APC. A vivência em apresentar o contexto a profissionais externos da instituição proporcionou momentos para desenvolvimento da ferramenta FFCO e do processo como um todo para cursos futuros.

Percebe-se a inovação que essa metodologia de avaliação continuada oferece aos concursos na área de segurança pública desde a sua concepção e implementação. A Avaliação Psicológica Continuada viabilizou o acompanhamento de alunos que demonstraram comportamentos incompatíveis com a função policial durante o curso, tornando a seleção no concurso mais alinhada com o perfil profissiográfico exigido.

Dessa maneira, como perspectivas futuras para o processo de avaliação continuada na PRF há a formulação de novas formas de análises comportamentais dos alunos no decorrer do curso e a otimização da ferramenta de registro FFCO. Com a equipe de observação sendo composta por servidores PRF e psicólogas externas da instituição, torna-se necessário treinamento para alterações realizadas nas ferramentas, no processo de avaliação comportamental e no curso. Além disso, percebe-se a importância na realização de treinamento dos instrutores com o objetivo de apresentação do trabalho realizado pelos profissionais que fazem parte do Conselho e da equipe de psicólogas para maior aderência e consciência da relevância do processo.

Conclusões

Para descrever o desenvolvimento do processo de avaliação psicológica do concurso para Policiais Rodoviários Federais entre 2019 e 2021 por meio do relato da experiência dos policiais responsáveis pela concepção e execução deste projeto, abordou-se sobre como as tarefas foram executadas e as mudanças no processo ao longo dos anos e questionamentos feitos visando aprimoramento e evolução da Análise Comportamental.

A evolução ao longo dos anos é evidenciada pela robustez dada ao processo e reforço da equipe de profissionais de psicologia para as observações comportamentais. Nota-se que ao longo do curso os comportamentos diferentes do esperado acontecem com maior frequência, que se pode associar com a distância dos entes queridos, ocorrência de provas e avaliações constantes e o próprio cansaço físico, comuns da atividade policial e do curso de formação.

Nesse processo, observa-se o interesse da PRF em melhorar o processo de avaliação psicológica nos concursos para policiais em vista dos benefícios para a instituição, profissionais e sociedade, especialmente relacionados à saúde mental e segurança dos envolvidos. Ainda há diversos aspectos que podem ser aperfeiçoados para um acompanhamento mais rigoroso e mais amplificado, o que perpassa pela necessidade de mais profissionais especializados atuando nesta atividade, fato que já tem sido dirimido ao longo dos anos. Também vale ressaltar que não existem pesquisas internas no sentido de verificar eventual mudança no perfil dos candidatos oriunda da operacionalização da Avaliação Psicológica Complementar.

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Recebido: 18 de Janeiro de 2022; Revisado: 22 de Junho de 2022; Aceito: 21 de Julho de 2022

Daniela Cristina Bellio Polícia Rodoviária Federal (PRF), Delegacia Metropolitana de Colombo, Rodovia Regis Bittencourt (BR 116), km 12,5, Colombo, PR, E-mail: daniela.bellio@prf.gov.br

Esdras Almeida De Paula Ribeiro E-mail: esdras.depaula@prf.gov.br

Maria Julia Pegoraro Gai E-mail: mariajuliagai@hotmail.com

Cyntia Nunes E-mail: cyntia.nunes.psi@gmail.com

Roberto Moraes Cruz E-mail: robertocruzdr@gmail.com

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