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Revista Psicologia Organizações e Trabalho

On-line version ISSN 1984-6657

Rev. Psicol., Organ. Trab. vol.22 no.4 Brasília Oct./Dec. 2022  Epub Dec 02, 2024

https://doi.org/10.5935/rpot/2022.4.23473 

Artigo

Autoeficácia Discente e Acesso a Recursos no Ensino Remoto Emergencial: Escalas Psicométricas

Student Self-Efficacy and Access to Resources in Emergency Remote Education: Psychometric Scales

Autoeficacia del Estudiante e Acceso a Recursos Tecnológicos en Educación Remota de Emergencia: Escalas Psicometricas

Andresa Cristina Brascero de Souza1 
http://orcid.org/0000-0002-5801-1410

Raíssa Bárbara Nunes Moraes Andrade2 
http://orcid.org/0000-0002-4573-5372

Cristiane de Souza Lacerda3 
http://orcid.org/0000-0003-0248-4339

Flávia Helen Moreira da Silva4 
http://orcid.org/0000-0001-7416-2625

Thaís Zerbini5 
http://orcid.org/0000-0001-6799-3658

1https://orcid.org/0000-0002-5801-1410 / Universidade de São Paulo (USP), Brasil

2https://orcid.org/0000-0002-4573-5372 / Universidade Federal de Lavras (UFLA), Brasil

3https://orcid.org/0000-0003-0248-4339 / Universidade de São Paulo (USP), Brasil

4https://orcid.org/0000-0001-7416-2625 / Universidade de São Paulo (USP), Brasil

5https://orcid.org/0000-0001-6799-3658 / Universidade de São Paulo (USP), Brasil


Resumo

O Ensino Remoto Emergencial foi adotado durante a pandemia sem o devido diagnóstico, planejamento e investimento que envolvem as ações de Treinamento, Desenvolvimento e Educação de Pessoas (TD&E). Essa transição exigiu ações adaptativas no processo de aquisição de competências além de habilidades no uso dos recursos tecnológicos. O objetivo desse estudo foi construir e verificar evidências de validade de instrumentos de medida para avaliar a autoeficácia discente e o acesso aos recursos tecnológicos no processo de adaptação ao ensino remoto emergencial. A amostra compreendeu 324 discentes do ensino superior brasileiro. Após realizadas análises fatoriais exploratória e confirmatoria no SPSS, foram obtidos dois instrumentos, ambos com estruturas unifatoriais: um com 18 itens e com α = 0,94 e outro com 10 itens e α = 0,87. Esses instrumentos mostraram-se adequados para auxiliar no diagnóstico da autoeficácia discente e do acesso aos recursos necessários para a manutenção das práticas de ensino no contexto pandémico. A amostra do estudo apontou que os discentes apresentaram bons níveis de autoeficácia e consideram que possuem recursos adequados para as aulas on-line; contudo, sinalizam receber pouco apoio das Instituições de Ensino.

Palavras-chave autoeficácia discente; tecnologias de ensino; ensino superior

Abstract

Emergency remote teaching was adopted without the proper diagnosis, planning, and investment involving Training, Development and Education of People (TD&E) actions. This transition demanded adaptations in the process of acquiring competencies and skills regarding the use of technological resources. The objective of this study was to build and verify evidence of validity of measurement instruments to assess student self-efficacy and the access to resources required for the adaptation to remote education. The sample was made up of 324 students from Brazilian higher education. After exploratory and confirmatory factor analyses were carried out in SPSS, two instruments were obtained, both with single-factor structures: measurement instruments with 18 items and α = 0.94, and the other with 10 items and α = 0.87. These instruments proved to be adequate to assist in the diagnosis of student self-efficacy and in accessing resources necessary for the maintenance of teaching practices in the pandemic context. The study sample showed that students showed good levels of self-efficacy and considered that they have adequate resources for online classes; however, they indicate little support from educational institutions.

Keywords student self-efficacy; teaching technologies; higher education

Resumen

La Educación Remota de Emergencia fue adoptada durante la pandemia sin el debido diagnóstico, planeación e inversión adecuada para las acciones de capacitación, el desarrollo y la educación de las personas (TD&E). Esta transición requirió adaptaciones en el proceso de adquisición de competencias y habilidades en el uso de recursos tecnológicos. El objetivo de este estudio fue construir y verificar evidências de validez de instrumentos de medición para evaluar la autoeficacia del alumno y el acceso a los recursos tecnológicos en el proceso de adaptación a la enseñanza remota de emergencia. La muestra estuvo compuesta por 324 estudiantes brasileños de educación superior. Luego de realizar análisis factoriales exploratorios y confirmatorios en SPSS, se obtuvieron dos instrumentos de medida, ambos con estructuras unifactoriales: uno con 18 ítems y con α = 0,94 y el otro con 10 ítems y α = 0,87.Estos instrumentos resultaron adecuados para auxiliar en el diagnóstico de la autoeficacia de los estudiantes y el acceso a los recursos necesarios para el mantenimiento de las prácticas docentes en el contexto pandémico. La muestra del estudio mostro que los estudiantes presentan buenos niveles de autoeficacia y consideran que cuentan con los recursos adecuados para las clases on-line; pero, señalaron recibir poco apoyo de las Instituciones Educativas.

Palabras clave autoeficacia del estudiante; tecnologías de la enseñanza; educacíon superior

Amparado na história da humanidade, os períodos de crise, em muitos casos, serviram para alavancar novas tecnologias e instalá-las na vida diária dos indivíduos, seja em seus locais de trabalho, no contexto escolar ou em sua interação com a sociedade. Com a crise sanitária, social e econômica provocada pela pandemia da COVID-19 não foi diferente. O uso das tecnologias digitais que vinha tomando espaço em diversos contextos foi intensificado no mundo do trabalho, no campo educacional, dentre outros.

Diante desse cenário, as medidas de distanciamento social (MDS) foram ações imediatas e necessárias na contenção da transmissão do vírus SARS-CoV-2, e as interações sociais humanas passaram a ser mediadas pelas tecnologias digitais, afetando o setor educacional na transferência do ensino presencial para o ensino on-line (Toquero, 2020; Yan, 2020). No mundo do trabalho, muitas atividades passaram a ser realizadas em home office e a educação migrou para a modalidade de Ensino Remoto Emergencial (ERE).

Globalmente, contudo, o ERE foi adotado sem o devido diagnóstico, planejamento e investimento que envolvem as ações de Treinamento, Desenvolvimento e Educação (TD&E) (Hodges, Moore, Lockee, Trust, & Bond, 2020). Dentre os aspectos que devem ser levados em conta nessa adequação, segundo as contribuições da Psicologia Instrucional, estão os aspectos individuais do aluno ligados ao processo de aprendizagem, bem como as condições em que se dão tais processos (Coelho Junior & Borges-Andrade, 2015; L. B. Martins, Zerbini, & Medina, 2019). Pautando-se nesses princípios, este estudo tem como objetivo construir e verificar evidências de validade de instrumentos de medida para avaliar a autoeficácia discente e o seu acesso a recursos tecnológicos no processo de adaptação ao ensino remoto emergencial. Pretende-se que estas medidas auxiliem no processo de diagnóstico na transição do ensino, bem como os dados advindos de sua aplicação favoreçam a consolidação destas modalidades adequadamente.

A adaptação de professores e alunos exigiu ações tanto individuais quanto institucionais para atender as demandas e fornecer recursos que viabilizassem essa transição. Além do cenário pandêmico que por si só, já é carregado de incertezas, medo, ansiedade e estresse, os principais atores - professores e alunos - tiveram que rapidamente se adequar às tecnologias digitais usadas no ensino e na comunicação, bem como, dispor de recursos materiais (acesso à internet e equipamentos apropriados) e recursos cognitivos e emocionais, além do espaço físico para que pudessem, efetivamente, estabelecer sua rotina acadêmica (Yan, 2020).

Estudiosos se debruçaram sobre este cenário de forma a contribuir com investigações que auxiliassem na compreensão dos impactos desta transição, tanto para os alunos, quanto também para os docentes. Com foco nos docentes e nas práticas de ensino, Chiasson e Henningsen (2022) encontraram que a capacitação prévia favoreceu a autoeficácia docente, e esta característica por sua vez atuou como preditor da aproximação com os alunos.

Em um estudo que tinha como público-alvo estudantes, Heo, Bonk e Doo (2021) investigaram a relação do engajamento na aprendizagem e diversos aspectos da autoeficácia (AE) específica para o uso da tecnologia, para gerenciamento do tempo e para o ambiente de aprendizagem on-line. Os autores encontraram que a AE dos estudantes para o uso da tecnologia influencia negativamente o engajamento na aprendizagem e influencia positivamente a AE para estudar no ambiente de aprendizagem on-line. Alunos com AE para gestão do tempo tiveram maiores AE para o ambiente de aprendizagem on-line e também maiores níveis de engajamento na aprendizagem. O aluno ter AE em um ambiente de aprendizagem on-line também influenciou significativamente o engajamento na aprendizagem. Ou seja, em geral, os resultados indicaram o papel influente da autoeficácia no engajamento na aprendizagem de estudantes em um ambiente de aprendizagem on-line.

Uma grande preocupação quanto ao ERE são os recursos essenciais necessários para que ocorra a interação professor-aluno. Em países desenvolvidos como a Suíça, Áustria, Dinamarca, Islândia, Holanda e Noruega, 95% dos alunos relataram ter um computador em casa para o aprendizado on-line e, nesses países, a conexão com a internet é praticamente universal, segundo relatório do Programa de Avaliação Internacional de Alunos (PISA) da Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE, 2020). Nesse mesmo relatório a OCDE afirma que a grande parte dos sistemas educacionais ainda não estão aptos para a aprendizagem digital.

No Brasil, o levantamento sobre acesso à Tecnologia e Informação da Comunicação realizado pela Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD) no ano de 2021 relatou que cerca de 15,3% dos brasileiros não têm acesso à internet. A mesma pesquisa, em 2019, apontou que essa porcentagem era de aproximadamente 21%. O acesso à internet foi considerado como aquele realizado a partir de qualquer tipo de dispositivo, como celular, tablet e computador, o que não diz respeito à qualidade do acesso de 85% dos brasileiros. O acesso à banda larga de qualidade e o domínio das ferramentas digitais tornam-se necessários para o trabalho remoto de ensino-aprendizagem (Crawford et al., 2020).

Na atualidade, muitos alunos fazem parte da geração dos "nativos digitais" e há décadas estudiosos (Bennett, Maton, & Kervin, 2008; Laurillard, 2008) vêm sinalizando essa mudança de paradigma na educação, porém, o uso dos recursos tecnológicos nas salas de aula ainda é lento. Com a chegada da pandemia houve uma aceleração neste processo que de qualquer maneira já era proeminente na sociedade (L. B. Martins et al., 2019). A tecnologia deve transformar e aprimorar a experiência da aprendizagem (Dowling-Hetherington, Glowatz, McDonald, & Dempsey, 2020).

O estudo realizado por Henderson, Selwyn e Aston (2017) encontrou que alunos universitários apontaram positivamente a melhora no aprendizado sugerindo que o uso de recursos tecnológicos os ajudou na organização do estudo, na questão da flexibilidade em relação ao tempo e espaço de estudo. Na pesquisa de Dowling-Hetherington et al. (2020) 90% dos alunos universitários se sentem confiantes ao usar recursos tecnológicos para a aprendizagem, mas há consenso entre esses alunos de que a tecnologia não substitui as interações presenciais, sendo que 68% sugeriram que aprendem mais nas aulas presenciais, ou seja, o sistema híbrido é o mais adequado de acordo com esta amostra.

O estudo de Aldhahi, Alqahtani, Baattaiah e & Al-Mohammed comparou grupos de estudantes com altos e baixos escores de satisfação com a aprendizagem e encontrou diferenças significativas nos níveis de autoeficácia para a aprendizagem online. Altos escores de satisfação foram correlacionados com a autoeficácia nos domínios: gerenciamento de tempo, tecnologia e aprendizagem. Estes resultados indicam que a satisfação dos estudantes com a experiência de aprendizagem a distância é influenciada pela autoeficácia para aprendizagem no ambiente on-line.

Em consonância, nos Estados Unidos o sistema híbrido já era realidade antes da pandemia, 80% das instituições de ensino superior já utilizavam o blended learning (L. B. Martins & Zerbini, 2014). Há de se destacar que os estudos de Henderson et al. (2017) e de Dowling-Hetherington et al. (2020) foram anteriores à pandemia e os dados produzidos não levaram em conta os aspectos psicológicos e emocionais que impactarão no desempenho dos alunos atual e futuramente, considerando que o ERE foi uma alternativa para as MDS, e que não foi planejado como o ensino à distância (Ead) (L. B. Martins et al., 2019). É necessário distinguir, pois ambos são mediados pelas tecnologias digitais, porém, são completamente diferentes quanto à concepção e conceituação. A súbita proibição de aulas presenciais, sem tempo hábil para a adaptação, tem sido causa de diversos questionamentos (Cardoso Espinosa, Cortés Ruiz, & Cerecedo Mercado, 2020).

Além da necessidade de recursos materiais e acesso às tecnologias digitais, os indivíduos precisaram dispor de recursos cognitivos e comportamentais na execução de suas ações. Para tanto, esse estudo, embasou-se no conceito da autoeficácia discente, que nada mais é do que a crença na sua capacidade de organizar e executar ações relacionadas às práticas acadêmicas (Joly, Oliveira Serpa, Borges, & Martins, 2016; Pajares & Olaz, 2008). A autoeficácia no contexto acadêmico está relacionada à motivação para aprender por meio do questionamento e da autorreflexão do aluno sobre a sua própria capacidade (Costa & Boruchovith, 2006).

Os alunos que apresentam maior percepção de autoeficácia são mais comprometidos com os estudos e tendem a apresentar maior resiliência diante de obstáculos e barreiras no ensino, ademais, discentes com níveis mais elevados de autoeficácia demonstram maior engajamento com as tarefas e a aprendizagem (Iaochite, Costa, Matos, & Sachimbombo, 2016), melhores estratégias de aprendizagem (R. M. M. Martins & Santos, 2019) e maior habilidade no uso de aprendizagem em computadores (Guimarães & Abbad, 2015) e novas tecnologias digitais (Robinia & Anderson, 2010) associadas à percepção da crença da eficácia no ensino on-line, além de melhorar o desempenho acadêmico impactando positivamente na transferência das competências aprendidas para o contexto de trabalho (Cardoso Espinosa et al., 2020).

Nesse contexto, destaca-se a contribuição do conceito de suporte à aprendizagem que engloba o apoio de pares, superiores imediatos e da instituição aos recursos materiais, a qualidade da interação e o compartilhamento da aprendizagem (Coelho Junior & Borges-Andrade, 2015). A literatura tem apontado que o suporte psicossocial dos pares e dos professores em ações educacionais favorecem a aprendizagem (Bell, Tannenbaum, Ford, Noe, & Kraiger, 2017). Brandão et al. (2008) encontraram evidências de maior desempenho da aprendizagem em alunos que tiveram a percepção de suporte psicossocial e material. Características individuais e do contexto têm sido estudadas com o intuito de encontrar relações entre essas variáveis, tal como os preditores que provocam o aumento no desempenho da aprendizagem e sua transferência para o contexto específico (Bell et al., 2017; Chiaburu, Van Dam, & Hutchins, 2010; Coelho Junior & Borges-Andrade, 2015).

Diante do exposto, são necessárias pesquisas que apresentem resultados importantes para a ciência com contribuição prática para a gestão educacional (Toquero, 2020; Yan, 2020). Sendo assim, este estudo pretende trazer avanços sobre a temática de transição do ensino presencial para o ensino on-line, por meio de instrumentos de medidas que avaliem a autoeficácia discente e o acesso a recursos tecnológicos contribuindo para o desenvolvimento do campo teórico e metodológico das práticas de ensino mediadas por tecnologias digitais.

Método

Participantes

A amostra deste estudo foi recrutada via internet, nas redes sociais e o convite foi enviado por e-mail às instituições de ensino públicas e privadas para divulgação aos seus alunos de forma espontânea e voluntária. A amostra consistiu em 324 discentes do ensino superior brasileiro que passaram pela transição do ensino presencial para o ensino remoto emergencial. Na Tabela 1, apresentam-se as características da amostra.

Tabela 1 Caracterização da Amostra de Alunos 

Variável F %
Sexo
Masculino 231 71,5
Feminino 92 28,5
Área do curso em que está matriculado
Humanas 203 62,8
Exatas 71 22,0
Biológicas 49 15,2
Instituição de Ensino
Pública 204 63,0
Privada 120 37,0
Ano em que está matriculado
1 92 28,6
2 49 15,2
3 65 20,2
4 49 15,2
5 57 17,7
6 10 3,1
Experiência anterior em cursos a distância
Não 237 73,1
Sim 87 26,9
Acesso à internet
Em casa (banda larga) 292 90,1
Em casa (internet móvel) 26 8
Locais/redes públicas 6 1,8
Estado
São Paulo 280 86,4
Minas Gerais 14 4,3
Paraná 6 1,9
Rio Grande do Sul 4 1,2
Bahia 3 0,9
Ceará 3 0,9
Maranhão 3 0,9
Goiás 2 0,6
Outros 7 2,7
Idade
Mínima 16
Máxima 65
Média 25,8
Desvio-padrão 9,04
Moda 21

Nota. N: 324. Fonte: elaborado pelas autoras.

A Tabela 1 demonstra que os alunos são, em sua maioria, do sexo masculino, estudam ciências humanas, estão no primeiro ano e matriculados em uma instituição pública. Os dados mostram que a maioria não possuía experiência anterior em cursos ofertados a distância. Percebe-se que o acesso à internet é realizado em casa, com internet banda larga. Apesar de possuir representantes de 15 Estados brasileiros, o Estado de São Paulo se destaca com 86,4% dos participantes.

Instrumentos

Os instrumentos "Autoeficácia discente" e "Acesso a recursos para aulas remotas" foram construídos e ancorados pela Teoria da Autoeficácia discente (Joly et al., 2016) e submetidos à validação semântica e por juízes, de acordo com orientações de Pasquali (2003), resultando em um instrumento de 18 itens e um instrumento de 10 itens, respectivamente. Para a validação semântica, os instrumentos foram enviados para cinco pós-graduandos, com a solicitação de que estes julgassem os itens do instrumento em termos de precisão, clareza e objetividade. Para a validação por juízes, também chamada de análise de conteúdo, foram convidados três docentes, especialistas da área de Treinamento, Desenvolvimento e Educação de Pessoas, para avaliar a pertinência e adequação teórica dos itens construídos. A partir das considerações, os itens foram reavaliados.

Procedimentos de Coleta de dados e Cuidados Éticos

A coleta de dados nesse estudo foi realizada totalmente a distância, por meio da internet, fazendo uso de uma ferramenta gratuita do Google (Google Forms). Por meio da plataforma, os instrumentos de medida foram transformados em questionários para serem administrados de forma on-line pelos participantes da pesquisa. Os questionários ficaram disponíveis para a participação no período compreendido entre Maio e Junho de 2020. No que tange aos aspectos éticos para a realização de pesquisa, pontua-se que o projeto foi submetido e aprovado pelo Comitê de Ética local (CAAE: 31030620.2.0000.5407; Número do Parecer: 3.998.681).

Procedimento de Análise de Dados

Para aplicação dos procedimentos de análise de dados, foram consultadas as orientações de Tabachnick e Fidell (2018). Foram realizadas análises descritivas (média, desvio-padrão, moda, mínimo e máximo) e exploratórias para investigar a exatidão da entrada dos dados, a presença de casos extremos, a distribuição dos casos omissos, a distribuição de frequência das variáveis e o tamanho das amostras. Para a verificação de evidências de validade do instrumento de medida, foram realizadas análises fatoriais exploratórias, utilizando os métodos dos componentes principais (Principal Components - PC) e de fatoração dos eixos principais (Principal Axis Factoring - PAF). As análises descritivas, exploratórias e fatoriais foram feitas no SPSS (Statistical Package for the Social Science) versão 21.0. Foram realizadas também análises fatoriais confirmatórias (AFC; Método de Máxima Verossimilhança) e de consistência interna (Alfa de Cronbach: a). Para julgar a bondade de ajuste do modelo, as medidas incrementais de ajuste (Goodness-of- Fit Index [GFI], Comparative-Fit Index [CFI] e Tucker Luwis Index [TLI]) deveriam ter valores superiores a 0,90 (idealmente > 0,95) e as residuais (Root Mean Square Residual [ RMSR] e Root Mean Square Error Approximation [RMSEA]), inferiores a 0,08 (idealmente < 0,05) (Martins, Zerbini, & Medina, 2018). Para a AFC, foi utilizado o software SPSS AMOS versão 21.0.

Resultados

Análises Descritivas

O questionário de Autoeficácia Discente mensura o quanto o discente se sente capaz de participar e realizar as atividades propostas nas aulas remotas. O instrumento é composto por 18 itens, que questionam se o discente se sente capaz de realizar determinadas atividades. Os itens estão associados a uma escala de intensidade que varia de 1 (Sinto-me pouco capaz) a 5 (Sinto-me muito capaz). Os resultados descritivos podem ser visualizados na Tabela 2.

Tabela 2 Resultados Descritivos dos Itens Referentes ao Instrumento de "Autoeficácia Discente" 

Itens Média Desvio Padrão Moda
3. Acessar sites e plataformas utilizados para a disponibilização de material de estudo. 4,19 1,03 5
4. Utilizar ferramentas digitais para a interação com a classe e com o docente, como Skype, Zoom, Google Classroom e outros similares. 4,11 1,06 5
5. Utilizar o computador para adquirir novos conhecimentos ou habilidades promovidos pelas disciplinas do meu curso. 3,87 1,11 5
6. Utilizar a internet e seus recursos para adquirir novos conhecimentos ou habilidades promovidos pelas disciplinas do meu curso. 3,87 1,09 5
11. Pedir ajuda a outro aluno da minha classe quando não consigo entender o conteúdo de alguma disciplina. 3,83 1,19 5
15. Cumprir as tarefas propostas para o curso no prazo fixado. 3,82 1,21 5
7. Buscar o professor de maneira online para me dizer como proceder em relação a esta nova tarefa no computador ou internet. 3,41 1,26 4
9. Pedir ao professor, de maneira online, esclarecimento sobre conceitos ou conteúdos que não compreendi ou tive dúvidas. 3,32 1,33 5
8. Fazer os trabalhos remotos sozinho, sem pedir a ajuda de ninguém, mesmo que eu tenha dificuldades para realizar as atividades da aula. 3,21 1,35 3
1. Estabelecer formas alternativas de estudo diante da possibilidade de ter um rendimento acadêmico no curso abaixo do esperado. 3,08 1,15 3
16. Conciliar as atividades pessoais e profissionais com as tarefas exigidas pelo curso. 3,06 1,34 3
13. Definir metas para orientar minhas atividades em cada disciplina. 3,02 1,25 3
18. Elaborar um plano de estudo que oriente minhas atividades dedicadas a cada disciplina. 2,78 1,30 2
10. Examinar o conteúdo oferecido com antecedência para me organizar durante a aula. 2,78 1,41 1
14. Estudar juntamente com os outros alunos de maneira online. 2,72 1,40 1
17. Manter-me focado e produtivo no estudo apesar do estresse causado pelas preocupações ligadas à pandemia. 2,65 1,31 3
2. Prestar atenção nas videoaulas ou videoconferências quando me sinto cansado ou distraído com outros fatores do ambiente externo. 2,36 1,20 2
12. Manter atenção na aula até que ela termine, mesmo quando o conteúdo ou formato é tedioso e desinteressante. 2,35 1,26 1

Nota. N = 324. Fonte: elaborado pelas autoras.

O questionário de Acesso a Recursos mensura a percepção dos alunos acerca da qualidade dos recursos que eles têm disponíveis para participar das aulas remotas. O instrumento é composto por 10 itens, que questionam a qualidade do acesso pelos discentes a recursos físicos, tecnológicos, ambientais e psicológicos para realizar as aulas remotas. Os itens estão associados a uma escala de intensidade que varia de 1 (Nada adequado) a 5 (Muito Adequado). Os resultados descritivos podem ser visualizados na Tabela 3.

Tabela 3 Resultados Descritivos dos Itens Referentes ao Instrumento de "Acesso a Recursos" 

Itens Média Desvio Padrão Moda
1. Velocidade da internet para acessar vídeos, aulas ao vivo e compartilhamento de documentos. 4,12 0,97 5
3. Mesa, escrivaninha e materiais de apoio para organização dos estudos. 3,91 1,28 5
10. Tempo para assistir ou participar das videoaulas. 3,82 1,08 5
9. Qualidade dos materiais para estudo e atividades disponibilizadas pelo docente. 3,78 1,10 4
2. Espaço físico iluminado, ventilado, sem ruídos e confortável para as atividades de estudo. 3,71 1,19 5
4. Orientação docente e feedback com relação às atividades da disciplina. 3,71 1,12 5
8. Tempo disponível para realizar as atividades propostas em cada aula. 3,63 1,11 3
5. Orientação da instituição de ensino sobre a programação das atividades remotas. 3,59 1,17 5
7. Apoio da instituição de ensino frente às dificuldades tecnológicas encontradas por mim durante a realização do curso. 3,18 1,37 3
6. Apoio material (internet, computador) da instituição de ensino. 2,94 1,52 1

Nota. N = 324. Fonte: elaborado pelas autoras.

Analisando as médias obtidas na Tabela 2, que variam de 4,19 a 2,35, percebe-se que, em geral, os alunos apresentaram autoeficácia para participar de aulas remotas. Ganham destaque os itens 3 "Acessar sites e plataformas utilizados para a disponibilização de material de estudo." para o qual os participantes apresentam maior autoeficácia (M = 4,19 e DP = 1,03) e 12 "Manter atenção na aula até que ela termine, mesmo quando o conteúdo ou formato é tedioso e desinteressante" que obteve a menor média, ou seja, que indica a menor autoeficácia dos participantes (M = 2,35 e DP = 1,26). Os desvio-padrão com valores baixos demonstram que houve pouca variação nas respostas dos participantes.

Considerando a Tabela 3, temos as médias que variam de 4,12 a 2,94, indicando que no geral, os participantes consideram os recursos que possuem adequados para participar das aulas online. O item de maior média demonstra que o melhor recurso, segundo os alunos, é a velocidade da internet para acessar vídeos, aulas ao vivo e compartilhamento de documentos (M = 4,12 e DP = 0,97). Já o recurso menos adequado segundo eles é o apoio material (internet, computador) da instituição de ensino (M = 2,94 e DP = 1,52). Os desvio-padrão com valores baixos demonstram que houve pouca variação nas respostas dos participantes.

g - PAF) 53,51
N° de itens 18
Alfa de Cronbach (α) 0,94
KMO (Teste de Kaiser-Meyer-Olkin) 0,91
% da variância total explicada (Principal Components - PC) 47,45

Nota. Fonte: elaborado pelas autoras.

Análises Fatoriais Exploratórias

Autoeficácia discente. A PC inicialmente sugeriu uma estrutura empírica com 3 componentes que explicam, em conjunto, 53,51% da variância total das respostas dos participantes. A análise dos valores próprios e o scree plot confirmaram essa possibilidade. A análise paralela de Horn indicou a presença de dois fatores.

Foi realizada a PAF a partir dos resultados das análises prévias apresentadas. A solução inicial continha 2 fatores, sendo o Fator 1 com 16 itens e o Fator 2 com 2 itens. Contudo, um fator com apenas 2 itens não é recomendado pela literatura (Tabachnick & Fidell, 2018). No que tange aos aspectos teóricos, Bandura (2012) propõe que a medida seja unifatorial, pois o conceito é avaliado a níveis e gradações diferentes. Adicionalmente, todos os itens contemplam a definição de autoeficácia acadêmica de Joly et al. (2016). A literatura aponta que as escalas clássicas de autoeficácia, que tiveram evidências de validade testadas internacionalmente, como é o caso da Escala de Autoeficácia Geral Percebida -AEGP, são unifatoriais (Sbicigo et al., 2012). Assim, testou-se a estrutura unifatorial, e obteve-se um instrumento de 18 itens com o valor do índice de consistência interna (a) de 0,94, cujas cargas fatoriais variam entre 0,51 e 0,77. O fator único explica 47,45% da variância total das respostas aos itens do instrumento. A Tabela 4 demonstra a estrutura empírica encontrada após essas análises.

Tabela 4 Estrutura Empírica do Instrumento de "Autoeficácia Discente" 

Itens Cargas fatoriais Comunalidade (h2)
1. Estabelecer formas alternativas de estudo diante da possibilidade de ter um rendimento acadêmico no curso abaixo do esperado. 0,76 0,57
2. Prestar atenção nas videoaulas ou videoconferências quando me sinto cansado ou distraído com outros fatores do ambiente externo. 0,74 0,56
3. Acessar sites e plataformas utilizados para a disponibilização de material de estudo. 0,54 0,30
4. Utilizar ferramentas digitais para a interação com a classe e com o docente, como Skype, Zoom, Google Classroom e outros similares. 0,52 0,30
5. Utilizar o computador para adquirir novos conhecimentos ou habilidades promovidos pelas disciplinas do meu curso 0,70 0,48
6. Utilizar a internet e seus recursos para adquirir novos conhecimentos ou habilidades promovidos pelas disciplinas do meu curso. 0,73 0,54
7. Buscar o professor de maneira online para me dizer como proceder em relação a esta nova tarefa no computador ou internet. 0,68 0,46
8. Fazer os trabalhos remotos sozinho, sem pedir a ajuda de ninguém, mesmo que eu tenha dificuldades para realizar as atividades da aula. 0,60 0,36
9. Pedir ao professor, de maneira online, esclarecimento sobre conceitos ou conteúdos que não compreendi ou tive dúvidas. 0,67 0,44
10. Examinar o conteúdo oferecido com antecedência para me organizar durante a aula. 0,69 0,48
11. Pedir ajuda a outro aluno da minha classe quando não consigo entender o conteúdo de alguma disciplina. 0,51 0,30
12. Manter atenção na aula até que ela termine, mesmo quando o conteúdo ou formato é tedioso e desinteressante. 0,72 0,52
13. Definir metas para orientar minhas atividades em cada disciplina. 0,77 0,60
14. Estudar juntamente com os outros alunos de maneira online. 0,62 0,38
15. Cumprir as tarefas propostas para o curso no prazo fixado. 0,66 0,44
16. Conciliar as atividades pessoais e profissionais com as tarefas exigidas pelo curso. 0,77 0,59
17. Manter-me focado e produtivo no estudo apesar do estresse causado pelas preocupações ligadas à pandemia. 0,77 0,60
18. Elaborar um plano de estudo que oriente minhas atividades dedicadas a cada disciplina. 0,77 0,60
N° de respondentes 324
Eigenvalue (Valor Próprio) 8,54
% da Variância Explicada (Principal Axis Factoring - PAF) 53,51
N° de itens 18
Alfa de Cronbach (α) 0,94
KMO (Teste de Kaiser-Meyer-Olkin) 0,91
% da variância total explicada (Principal Components - PC) 47,45

Nota. Fonte: elaborado pelas autoras.

Acesso a Recursos

A PC inicialmente sugeriu uma estrutura empírica com 3 componentes que explicam, em conjunto, 70,52% da variância total das respostas dos participantes aos itens do questionário. A análise dos valores próprios e o scree plot confirmaram essa possibilidade. A análise paralela de Horn indicou a presença de apenas um fator.

Foi realizada a PAF testando a estrutura unifatorial, e obteve-se um instrumento de 10 itens com o valor do índice de consistência interna (a) de 0,86 e cargas fatoriais variando entre 0,46 e 0,76. O fator único explica 41,47% da variância total das respostas. A Tabela 5 demonstra a estrutura empírica encontrada após essas análises.

Tabela 5 Estrutura Empírica do Instrumento de "Acesso a Recursos". 

Itens Cargas fatoriais Comunalidade (h2)
1. Velocidade da internet para acessar vídeos, aulas ao vivo e compartilhamento de documentos. 0,54 0,32
2. Espaço físico iluminado, ventilado, sem ruídos e confortável para as atividades de estudo. 0,58 0,60
3. Mesa, escrivaninha e materiais de apoio para organização dos estudos. 0,56 0,57
4. Orientação docente e feedback com relação às atividades da disciplina. 0,76 0,61
5. Orientação da instituição de ensino sobre a programação das atividades remotas. 0,73 0,58
6. Apoio material (internet, computador) da instituição de ensino. 0,46 0,39
7. Apoio da instituição de ensino frente às dificuldades tecnológicas encontradas por mim durante a realização do curso. 0,58 0,51
8. Tempo disponível para realizar as atividades propostas em cada aula. 0,72 0,57
9. Qualidade dos materiais para estudo e atividades disponibilizadas pelo docente. 0,69 0,48
10. Tempo para assistir ou participar das videoaulas. 0,71 0,57
N° de respondentes 324
Eigenvalue (Valor Próprio) 4,70
% da Variância Explicada (Principal Axis Factoring - PAF) 70,52
N° de itens 10
Alfa de Cronbach (a) 0,87
KMO (Teste de Kaiser-Meyer-Olkin) 0,83
% da variância total explicada (Principal Components - PC) 41,47

Nota. Fonte: elaborado pelas autoras.

Análise Fatorial Confirmatória

Autoeficácia discente. O modelo hipotético inicial (estrutura empírica unifatorial com 18 itens e α = 0,94), não apresentou bons valores para os indicadores de ajuste. Sendo assim, foram consultados os índices de modificação, que indicou uma correlação entre os erros e5-e6 (r = 0,45), gerando o modelo reespecificado 1. Porém, ainda depois da inserção das correlações, os índices ainda não estavam satisfatórios. Consultando novamente os índices de modificação, foi sugerido a inserção das correlações entre os erros e3-e4 (r = 0,47) e e9-e7 (r = 0,55), gerando o modelo reespecificado 2. Neste último modelo, com a inclusão de correlação entre os pares de erros, obteve-se melhores valores dos indicadores de ajuste, em comparação com o anterior. Após a AFC, o instrumento permaneceu com 18 itens e suas cargas fatoriais variaram entre 0,46 e 0,82. A Tabela 6 e a Figura 1 demonstram esses resultados.

Tabela 6 Indicadores de Ajuste Para os Modelos Original e Reespecificados do Instrumento de "Autoeficácia Discente" 

Modelo χ2 df CMIN/DF GFI RMSR CFI TLI RMSEA
Original 1015,676 135 7,52 0,73 0,10 0,76 0,73 0,14
Reespecificado 1 812,952 134 6,06 0,77 0,10 0,82 0,79 0,12
Reespecificado 2 445,621 129 3,45 0,87 0,08 0,92 0,90 0,08

Nota. χ2 (qui-quadrado), gl (Graus de liberdade - df), CMIN/DF (χ2/df), GFI (Goodness-of-Fit Index), RMSR (Root Mean Square Residual), CFI (Comparative-FitIndex), TLI (Tucker Luwis Index), RMSEA (Root Mean Square Error Approximation). Número de participantes = 324.

Figura 1 Cargas fatoriais estandardizadas, coeficientes de correlação e erros padrão da análise fatorial confirmatória para o instrumento de Autoeficácia Discente (modelo reespecificado 2). Notas: AE1 a AE18 (itens do questionário de Autoeficácia Discente); e1 a e18 (erros do modelo). Fonte: elaborado pelas autoras. 

Acesso a Recursos

O modelo hipotético inicial (estrutura empírica unifatorial com 10 itens e α = 0,87), não apresentou bons valores para os indicadores de ajuste. Sendo assim, foram consultados os índices de modificação, que indicou uma correlação entre os erros e2-e3 (r = 0,77), gerando o modelo reespecificado 1. Porém, ainda depois da inserção das correlações, os índices ainda não estavam satisfatórios. Consultando novamente os índices de modificação, foi sugerido a inserção das correlações entre os erros e6-e7 (r = 0,76) e e8-e10 (r = 0,33), gerando o modelo reespecificado 2.

Nesse último modelo, com a inclusão de correlação entre os pares de erros, obteve-se melhores valores dos indicadores de ajuste, em comparação com o anterior. Após a AFC, o instrumento permaneceu com 10 itens e suas cargas fatoriais variaram entre 0,41 e 0,84. A Tabela 7 e a Figura 2 demonstram esses resultados.

Tabela 7 Indicadores de Ajuste Para os Modelos Original e Reeespecificados do Instrumento de “Acesso a Recursos” 

Modelo χ2 df CMIN/DF GFI RMSR CFI TLI RMSEA
Original 452,257 35 12,92 0,78 0,15 0,72 0,64 0,19
Reespecificado 1 267,186 34 7,85 0,85 0,12 0,84 0,79 0,14
Reespecificado 2 100,868 32 3,15 0,93 0,07 0,95 0,93 0,08

Nota. χ2 (qui-quadrado), gl (Graus de liberdade - df), CMIN/DF (χ2/df), GFI (Goodness-of-Fit Index), RMSR (Root Mean Square Residual), CFI (Comparative-Fit Index), TLI (Tucker Luwis Index), RMSEA (Root Mean Square Error Approximation). Número de participantes = 324.

Figura 2 Cargas fatoriais estandardizadas, coeficientes de correlação e erros padrão da análise fatorial confirmatória para o instrumento de Acesso a recursos (modelo reespecificado 2). Notas: AR1 a AR10 (itens do questionário de Acesso a recursos); e1 a e10 (erros do modelo). Fonte: elaborado pelas autoras. 

Discussão

Os resultados obtidos pelos instrumentos de medida contribuem na compreensão da importância das tecnologias de informação e comunicação e na manutenção das práticas de ensino, principalmente frente ao contexto inédito em que estas atividades passaram por adaptações necessárias e urgentes. No ano de 2020, uma pesquisa do Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação (CETIC, 2020) indicou que cerca de 30% dos domicílios não tinham acesso à internet, sendo que a falta de equipamentos tecnológicos e local adequado também foram apontados como barreiras na transição para o ensino remoto emergencial. Tal dado contrasta com informações mais recentes divulgadas por relatório do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), onde é apontado que 90% dos domicílios do país têm acesso a Internet, com alta de 6 pontos percentuais (p.p.) frente a 2019, quando 84,0% dos domicílios tinham acesso à grande rede. Na área rural, a proporção de domicílios com internet foi de 57,8% para 74,7%, entre 2019 e 2021, enquanto na área urbana, ela subiu de 88,1% para 92,3% (IBGE, 2022).

De acordo com dados apurados por este estudo, considerando o item que possui maior média em acesso a recursos, os discentes perceberam um acesso favorável a "velocidade da internet para acessar vídeos, aulas ao vivo e compartilhamento de documentos". Considerando que 93,8% dos participantes deste estudo residem no sul e sudeste do Brasil, regiões que possuem maior renda per capita do país, é importante ressaltar que amostras de outras regiões do país possam produzir resultados diferentes quanto ao acesso a recursos, evidenciando uma limitação metodológica do presente estudo. Dados do IBGE mostram que o menor índice de lares conectados à internet está no Nordeste, com 75,8% em 2019, crescendo para 85,2% em 2021 (IBGE, 2022). É necessário também considerar que as condições identificadas neste estudo podem refletir uma mudança de infraestrutura dos alunos em função da própria adaptação das atividades de ensino durante período emergencial iniciada em Março de 2020, considerando que a coleta foi iniciada em Maio de 2020, após alguns meses do início do período emergencial.

O item com a menor média apresentada demonstra que os discentes receberam pouco suporte material das instituições de ensino. A pesquisa de Brandão et al. (2008) identificou que quanto maior a percepção de suporte - psicossocial e material - mais competências são demonstradas no âmbito da aplicação dessas competências, ou seja, quanto mais o discente recebe apoio da instituição, dos pares e material, maior será a sua percepção de desempenho da aprendizagem, melhorando consequentemente seu nível de autoeficácia e motivação. O suporte à aprendizagem também aparece como variável tanto na busca direta pelo professor quanto na busca por pares.

Quanto à autoeficácia percebida, os discentes no geral se consideram capazes de utilizar as tecnologias digitais para realizar as atividades de ensino, corroborando os resultados do estudo realizado por Henderson et al. (2017) acerca dos "nativos digitais". As maiores médias obtidas dizem respeito à utilização do computador, ferramentas digitais, acesso às plataformas digitais. Em conformidade com os resultados, na revisão de literatura realizada por Guimarães e Abbad (2015) ficou constatada que a maior prevalência de estudos sobre autoeficácia no uso de computadores se dá em relação positiva com desempenho dos alunos e a aprendizagem, ou seja, quanto maior a percepção da autoeficácia, mais se evidencia os ganhos de aprendizagem. Pesquisas anteriores compiladas por Bandura (2012) apontam que estudantes com níveis elevados de autoeficácia obtêm melhores resultados de aprendizagem. Além disso, variáveis como engajamento dos alunos, estratégias de ensino e uso de computadores estão correlacionadas à percepção da eficácia no ensino on-line (Robinia & Anderson, 2010).

Os índices estatísticos do modelo apresentaram boas cargas fatoriais e a reespecificação do modelo apresentou índices aceitáveis de ajuste e de bondade para o instrumento de medidas Autoeficácia discente. A proposta unifatorial do instrumento segue a mesma direção dos estudos sobre autoeficácia elencados por Bandura (2012), portanto, as análises confirmam as evidências de validade e confiabilidade dos instrumentos de medida ressaltando a utilidade dos questionários para avaliação da autoeficácia discente para o contexto de transição do ensino presencial para o ensino remoto. No modelo reespecificado sugerido por meio de equação de modelo estrutural, a variância explicada é de 47,45% e as cargas fatoriais variam entre 0,46 e 0,76, o alpha de cronbach 0,94. Os itens 5 "utilizar o computador para adquirir novos conhecimentos ou habilidades promovidos pelas disciplinas do meu curso" e 6 "utilizar a internet e seus recursos para adquirir novos conhecimentos ou habilidades promovidos pelas disciplinas do meu curso" tiveram um alto índice de correlação entre os resíduos 0,70 o que pode indicar que os respondentes desta amostra encontraram similaridade entre os dois itens. Utilizar o computador e navegar na internet exigem a mesma competência, portanto, os discentes acreditam que ao serem capazes de utilizar o computador também são capazes de utilizar a internet e seus recursos. O mesmo aconteceu para os itens 7 e 9, respectivamente "buscar o professor de maneira online para me dizer como proceder em relação a esta nova tarefa no computador ou internet" e "pedir ao professor, de maneira on-line, esclarecimento sobre conceitos ou conteúdos que não compreendi ou tive dúvidas", cuja classe de comportamentos são semelhantes e exigem do respondente a mesma competência de buscar ajuda do professor/tutor. O que poderia alterar a percepção de autoeficácia seria pedir ajuda por escrito e pedir ajuda oralmente durante a aula síncrona, portanto, aconselha-se que os itens sejam redigidos novamente em futuras aplicações.

O instrumento de medida Acesso a Recursos apresentou boas cargas fatoriais e a reespecificação do modelo apresentou bons índices de ajuste e de bondade, também apresentou uma estrutura unifatorial com alpha de cronbach 0,87, com 10 itens. No modelo reespecificado sugerido por meio de equação de modelo estrutural, foram inseridos as correlações dos erros e-2 e e3 que apresentaram 0,77 de correlação dos resíduos, esses itens "espaço físico iluminado, ventilador, sem ruídos e confortável para as atividades de estudo" e "mesa, escrivaninha e materiais de apoio para organização dos estudos", isso quer dizer que os respondentes consideraram os itens semelhantes entre si e não houve diferenciação por parte destes respondentes entre o mobiliário e a adequação do espaço físico. Em aplicações futuras, algumas propostas para melhorar a redação dos itens podem ser inseridas, assim como "apoio material (internet, computador) da instituição de ensino" e "apoio da instituição de ensino frente às dificuldades tecnológicas encontradas por mim durante a realização do curso" também apresentaram alto índice de correlação residual, 0,76, apresentando similaridade de conteúdo semântico.

As informações obtidas por estes instrumentos de medidas poderão apoiar a decisão de dirigentes de instituições de ensino no sentido de apontar quais fatores exigem uma intervenção, de forma a manter a qualidade do ensino superior. Yan (2020) alerta para os efeitos da utilização das tecnologias digitais no comportamento humano e a mudança de comportamento na aprendizagem humana e no ensino à distância em larga escala: acredita-se que práticas adotadas durante o período da pandemia, tenderão a instalar-se na sociedade. As limitações do estudo estão relacionadas ao grande número de participantes do Sudeste brasileiro, especialmente do estado de São Paulo. Pesquisas futuras devem ampliar a amostra e aplicar os questionários em outras regiões do país a fim de buscar evidências desses resultados em regiões diferentes.

Por fim, os instrumentos de medida construídos visam ampliar a contribuição teórica, metodológica e empírica de estudos na transição de ensino presencial para o ensino remoto, além de contribuir com implicações práticas no desenvolvimento e manutenção das estratégias de ensino que envolvam as tecnologias digitais.

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Recebido: 16 de Dezembro de 2021; Revisado: 11 de Novembro de 2022; Aceito: 13 de Novembro de 2022

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