Por que pesquisamos, escrevemos e publicamos artigos científicos? Literalmente, para compartilhar descobertas científicas que sejam relevantes ao avanço do conhecimento e seus produtos (técnicos e tecnológicos), assim como para comunicar os possíveis benefícios de seus resultados à sociedade. Em termos práticos, para os pesquisadores, estudantes e profissionais que pesquisam, significa divulgar para a comunidade científica e profissional o que se pensa e produz em uma determinada área do conhecimento, a fim de obter reconhecimento por suas contribuições teóricas, metodológicas ou técnicas. Mas, também, significa ampliar a sua participação nas redes de pesquisadores nacionais e internacionais, obter boas avaliações técnicas na academia e nas agências de fomento à pesquisa, adquirir suporte tecnológico, econômico e recursos humanos necessários e suficientes à produção e divulgação do conhecimento científico.
Produzir conhecimentos científicos é a “matéria-prima” do trabalho do pesquisador. Uma vez difundido nos periódicos científicos, o conhecimento produzido e compartilhado à sociedade está pronto para ser transformado e valorizado social e economicamente na prestação de serviços profissionais, no ensino, na elaboração de projetos e programas, na sustentação teórica-técnica de métodos e recursos técnicos. A publicação científica, por sua vez, é uma espécie de certificação material do conhecimento produzido. Ela é avaliada, em seu mérito, por membros da comunidade científica, por meio da revisão às cegas de pares, em função da sua relevância, rigor metodológico, resultados e contribuições para a sociedade.
Aqueles que produzem conhecimentos, em todas as áreas, realizam o esforço permanente de publicarem seus estudos em periódicos científicos. Há uma busca persistente, dentro e fora das universidades, por visibilidade social, reconhecimento na carreira e saliência nas contribuições teóricas, metodológicas e instrumentais, sustentadas em pesquisa básicas ou aplicadas. Pesquisadores, em início de carreira ou aqueles mais experientes, podem se sentir perdidos e confusos ao receberem mensagens conflitantes e, em meio à pressão para publicar o máximo e o melhor possível, eles percebem que a qualidade da pesquisa e a inovação exigem tempo e esforço. Para tanto, é importante garantir que o esforço para publicar seja dirigido a periódicos qualificados na comunidade científica.
Nesse contexto, “publique ou pereça” (publish or perish), expressão consagrada na comunidade científica, descreve a pressão sobre os pesquisadores para produzirem e publicarem constantemente, a fim de avançar em suas carreiras acadêmicas, permanecerem competitivos em sua área de conhecimento ou, simplesmente, tentar manter-se produtivos, em termos de produção científica, ao longo do tempo. Inicialmente cunhada por Coolidge (1866-1928), educador e diplomata americano, em 1932, foi popularizada nos anos 1950 na comunidade internacional e, ao longo das últimas décadas, praticamente, se tornou um “mantra”, internalizado no modus operandi dos pesquisadores, para obter reconhecimento público por seu trabalho e, de certa maneira, influenciar o pensamento científico e as práticas profissionais, assim como gerar informações para produzir políticas e ações em diferentes contextos organizacionais (Aliukonis et al.,2020; Clapham, 2005; Miller et al., 2011)
Uma das consequências negativas do “publique ou pereça” foi desencadear uma intensa competitividade e produtivismo na academia e entre os pesquisadores. As tentativas de pesquisar e publicar, de forma cada mais acelerada, têm levado a um incremento substantivo de submissões de artigos aos periódicos científicos. Em contrapartida, verifica-se uma perda de qualidade nos manuscritos enviados - uma parte expressiva com carências técnicas, teóricas e metodológicas, incompatíveis com as exigências mínimas para serem certificadas e publicadas, com base nas avaliações por pares. Não é por outra razão que os periódicos científicos estão cada vez mais atentos e devem promover os cuidados com os “vieses de imaturidade” dos manuscritos - plágio, precariedade na escrita científica, dados e informações insuficientes, inconsistências teóricas, análises simplificadas, argumentos ausentes ou incompreensíveis, relevância ou mérito obscuros (Cruz et al., 2020a; Cruz et al., 2020b).
Publicar um artigo em um periódico científico é o resultado de um conjunto de esforços, por parte de autores e editores. Requer empenho, motivação, dedicação, disciplina, organização, conhecimentos, habilidades técnicas e compromisso ético com o mérito da atividade de pesquisa e com a difusão do conhecimento científico na sociedade. Há desafios importantes a serem considerados na edição de um periódico científico altamente demandado, como é o caso da rPOT: a manutenção de uma equipe de editores e assistentes técnicos dedicados à sua organização interna e manutenção e, especialmente, a necessidade suporte financeiro às suas atividades editoriais (serviços profissionais de revisores e tradutores, taxas relativas ao processo de diagramação e editoração dos artigos, pagamento do Digital Object Identifier [DOI], dentre outras obrigações).
Em oito de fevereiro de 2023, ocorreu Assembleia Extraordinária da Associação Brasileira de Psicologia Organizacional e do Trabalho (SBPOT). Um dos assuntos pautados foi a sustentabilidade da Revista Psicologia Organizações e Trabalho (rPOT). Esse assunto já tinha sido objeto de discussões em mesas ocorridas durante os Congressos Brasileiros de Psicologia Organizacional e do Trabalho (CBPOT). Tais discussões permitiram o amadurecimento da análise sobre os problemas dessa sustentabilidade. Delas emergiu proposta de solução que foi detalhada pelo Editor Chefe da rPOT. Ela foi apresentada pela Diretoria da SBPOT na mencionada Assembleia, visando a tomada de decisão.
A rPOT reduziu substancialmente seus gastos nos últimos anos, relativos à diagramação, depósito e cadastro de DOI, salário do assistente editorial e honorários de tradução, por exemplo. A revista publica trimestralmente 14 artigos e um editorial, totalizando 56 artigos e quatro editoriais ao ano. O custo estimado atual de cada artigo publicado é de cerca de R$ 920, com um custo total de aproximadamente R$ 51.000, ao ano, à SBPOT (valores apresentados em Assembleia). Com isso, a rPOT representa o segundo maior custo da Associação. Essa despesa foi tradicionalmente coberta pela cessão de direitos autorais de vários livros, cujos recursos são destinados à manutenção da Revista. Entretanto, ano a ano esses recursos têm diminuído, em decorrência da crise do mercado editorial de livros. Já não são suficientes para garantir a sustentabilidade da rPOT.
A proposta aprovada em Assembleia foi a instituição de um valor inicial de R$ 600,00 (seiscentos reais) - a partir do segundo semestre de 2023 – a ser cobrado por cada artigo aceito para publicação. Os associados da SBPOT - que figuram como primeiro ou o segundo autores dos artigos – obterão um desconto de 50% desse valor. No contexto de editoração científica, esse tipo de contribuição é denominado de Taxa de Processamento de Artigos, ou Article Processing Charge (APC). No caso da rPOT, não haverá qualquer taxa para submeter ou avaliar os manuscritos submetidos.
As APCs são comuns em periódicos de acesso aberto na Internet, que não cobram pelo acesso aos artigos que publicam, mas que também não têm fontes contínuas de recursos financeiros que garantam a sua sustentabilidade. Na falta desses recursos, os autores dos artigos - ou instituições de vínculo ou financiadoras, na maioria dos casos - pagam essa taxa para cobrir os custos dessa publicação. As APCs usualmente servem para cobrir custos com serviços de digitalização, revisão, formatação e indexação, por exemplo. Inexistem evidências de que a adoção dessa cobrança reduza a quantidade de artigos publicados nesses periódicos (Khoo, 2019).
Em março de 2023, de acordo com dados do Directory of Open Access Journals (DOAJ), mais de dez mil periódicos, dentre os quase dezessete mil nele listados, cobravam APCs. Essas Taxas são cobradas pela maioria dos periódicos de acesso aberto, de modo a garantir tal acesso - para artigos de boa qualidade - em periódicos sustentáveis. As políticas sobre APCs e os seus valores diferem entre países e áreas de conhecimento. Tem aumentado o percentual dos artigos publicados por brasileiros em periódicos com APCs - valor médio de US$ 960 (Pavan & Barbosa, 2018). O valor pago por artigo cresceu em 79%, entre 2012 e 2019, mas essa elevação é atribuída a periódicos comerciais - valor médio de US$ 1500 - e não a periódicos sem fins lucrativos (Alencar & Barbosa, 2021).
A pesquisa desempenha um papel crucial no desenvolvimento e nas inovações em sociedade. Por sua vez, o destino da pesquisa depende de sua qualidade e sucesso na publicação. Em meio às exigências de manutenção de periódicos científicos de acesso aberto, mas sem as condições financeiras necessárias para respondê-las adequadamente, a instituição de uma taxa para a publicação de artigo aceito na rPOT representa uma decisão difícil, mas que se tornou inevitável.