O desenvolvimento rápido na comunicação e tecnologia, bem como o avanço da internet abriram caminho para a proliferação das equipes remotas via teletrabalho, nas últimas décadas (Grant & Parker, 2009). Em contextos sem crises, o teletrabalho tem sido visto como uma opção viável e com benefícios intrínsecos, a exemplo da redução dos custos pessoais e organizacionais; aumento da produtividade e diminuição do tempo gasto em deslocamento (Silva et al., 2020). Também se constitui uma estratégia de conciliar trabalho e vida pessoal, como um agente redutor do conflito trabalho-família (Gagendran & Harinson, 2007).
A despeito das vantagens, a literatura aponta alguns riscos do teletrabalho, tais como redução do bem-estar e isolamento, com progressiva perda das relações sociais e prejuízos no relacionamento entre gestores e teletrabalhadores (Silva et al., 2020). Além disso, o teletrabalho impacta diferentemente os trabalhadores e, no período pandêmico, muitas pessoas precisaram se adaptar a essa nova condição de trabalho, sendo identificados tanto aspectos protetivos quanto de risco (Santana & Roazzi, 2021), incluindo entre esses os riscos para a saúde mental dos teletrabalhadores (Barbosa et al., 2022). Nesse contexto, é preciso considerar que a intrusão do trabalho na vida pode gerar atrito para os teletrabalhadores, demandando a definição de prioridades-chave para apoiar o trabalho remoto (George et al., 2022).
A pandemia da COVID-19 acarretou a adoção rápida de medidas de prevenção ao contágio, tais como quarentena, distanciamento social e isolamento (Fisher & Wilder-Smith, 2020). Assim, o teletrabalho compulsório, como arranjo de trabalho remoto ganhou adesão de governos e empresas, para proteger trabalhadores da contaminação e garantir a continuidade das atividades produtivas. Na Europa, quase quatro em cada dez trabalhadores entraram em teletrabalho em decorrência da COVID-19 (Eurofound, 2020). No Brasil, em maio de 2020, 22,5% dos 84,4 milhões de pessoas ocupadas encontravam-se afastadas de suas atividades, sendo 82,9% em função das medidas de distanciamento social (Góes & Sena, 2020).
Diferente do teletrabalho em contextos habituais, a abrupta e obrigatória adoção do teletrabalho na pandemia da COVID-19 afetou profundamente o cotidiano do trabalhador e das suas relações familiares (Santana & Roazzi, 2021; Silva et al., 2020) fazendo desaparecer algumas vantagens características do trabalho remoto (George et al., 2022), deixando trabalhadores mais vulneráveis e causando transtornos emocionais que impactaram seu desempenho laboral (Barbosa et al., 2022). O conflito trabalho-família foi intensificado pela permanência de filhos em aulas remotas e pelo fato de ter mais de um membro da família em teletrabalho, disputando os espaços da casa (Wang, Liu, Qian, & Parker, 2021). Além da falta de espaço físico, em termos ergonômicos, muitos teletrabalhadores não dispunham de equipamentos e móveis adequados ao exercício do teletrabalho.
Gestores e organizações foram impelidos a lidar com a limitada ou inexistente interação presencial, o que se configurou um problema potencial para o bem-estar dos trabalhadores, seu desempenho e das organizações (Carnevale & Hatak, 2020). Desenhos e fluxos de trabalho precisaram ser revistos para viabilizar a ampliação e o gerenciamento da autonomia dos teletrabalhadores, distribuir as tarefas de maneira equitativa, acompanhar e avaliar seus desempenhos com recursos tecnológicos de controle de fluxo e tarefas (Pimenta de Devotto et al., 2020; Wang et al., 2021). Nesse sentido, o teletrabalho compulsório na pandemia, trouxe demandas distintas para gestão do trabalho remoto e a mobilização de recursos pessoais e organizacionais também diferenciados.
O modelo teórico de Demandas e Recursos do Trabalho (J-DR) preconiza como o equilíbrio dinâmico entre as demandas e os recursos impactam no desempenho e no bem-estar dos trabalhadores. Contextos de trabalho de alta demanda (por exemplo, carga de trabalho mental e física) consomem recursos físicos e psicológicos, elevando o estresse e reduzindo o bem- estar do trabalhador (Bakker & Demerouti, 2007). Os efeitos adversos das altas demandas de trabalho podem ser reduzidos pela ampliação dos recursos de trabalho, contribuindo para estimular o engajamento e o equilíbrio trabalho-família. Na modalidade de teletrabalho, é importante prover aumento de recursos por meio de práticas como feedback, controle de trabalho, suporte social, chances de autodesenvolvimento, oportunidades de carreira e aumento da autonomia (Schaufeli et al., 2013). A demanda por esse tipo de suporte foi também encontrada em estudos com teletrabalhadores de 95 organizações públicas brasileiras durante a crise sanitária causada pela COVID-19 (Mourão et al., 2021).
Considerando o Modelo JD-R como suporte teórico central da pesquisa e a diversidade de aspectos que podem ser discutidos no âmbito do teletrabalho compulsório, optamos por enfocar as necessidades psicológicas de competência, autonomia e relacionamento, bem como o redesenho do trabalho, ambos como recursos pessoais e/ou como demandas. O desempenho profissional e o bem-estar no trabalho, por sua vez, são considerados como possíveis elementos impactados pela modalidade de teletrabalho.
A produção científica sobre teletrabalho (p. ex.: Pimenta de Devotto et al., 2020; Sandall & Mourão, 2020) aponta que esta modalidade proporciona maior flexibilidade e exige mais confiança na capacidade de autogestão de cada trabalhador. Nesse sentido, é aconselhável desenvolver novas estratégias, redesenhando o trabalho para atender às necessidades básicas psicológicas que, quando satisfeitas, segundo a teoria da autodeterminação, estimulam a motivação e o bem-estar humano (Chinelato et al., 2020).
A necessidade de autonomia refere-se à liberdade para se manifestar e defender ações ou opiniões. O redesenho do trabalho também abarca as contribuições em decisões ou escolhas em como as coisas são feitas. A necessidade de competência, diz respeito à capacidade de dominar ou gerenciar seu trabalho e superar seus desafios e metas. Por fim, a necessidade de relacionamento é representada pelas interações significativas, ou seja, relações estáveis e duradouras de gestores e colegas que fornecem suporte social (Popovici & Popovici, 2020).
Diante das necessidades psicológicas básicas de autonomia e competência, organizações e gestores podem apoiar os teletrabalhadores ao prover um ambiente de confiança no trabalho autônomo; oportunidades de escolha; livre expressão de ideias e sentimentos; expectativas e feedback claros sobre o desempenho. Alterações em processos e fluxos de trabalho, comuns na transição do trabalho presencial para o remoto, podem afetar a necessidade psicológica de relacionamento ao inibir a socialização organizacional (Veronica Popovici & Alina, 2020). Nesse processo, espera-se que o gestor discuta problemas e preocupações abertamente, esteja disponível e observe atentamente a saúde mental dos seus colaboradores (Magnan et al., 2020) e seu desempenho.
O desempenho individual no trabalho é impactado pelo movimento dinâmico das demandas e recursos do trabalho (Bakker & Demerouti, 2007) e está associado a indicadores de produtividade, competitividade e bem-estar (Malvezzi, 2016). Diz respeito a comportamentos individuais no trabalho, voltados para a realização de tarefas e atividades, que dependem das condições ofertadas pela organização (Campbell, 2012). Nesse sentido, o desempenho depende da interação entre recursos organizacionais – infraestrutura e suporte gerencial e de colegas, e recursos do trabalhador – conhecimentos, habilidades, características pessoais (Demerouti et al., 2001; Mourão et al., 2021).
A imposição abrupta do teletrabalho na pandemia da COVID-19 pressionou o trabalhador a identificar quais atividades deveria realizar e/ou priorizar para que a instituição continuasse atingindo seus objetivos. De acordo com Sandall e Mourão (2020), também ocorreu, em algumas organizações, uma pressão adicional por desempenho para compensar a ausência de indicadores de assiduidade e pontualidade. Para esses autores, gestores podem contribuir para melhorias em cada uma das dimensões do desempenho propostas pelo modelo de Campbell (2012): técnica; comunicativa; de iniciativa, persistência e esforço; contraproducente; de liderança e de gestão.
O redesenho do trabalho tem sido uma importante estratégia no manejo do teletrabalho compulsório por reduzir as demandas e potencializar os recursos do trabalho. Consiste em mudanças que os trabalhadores realizam nas suas cognições, tarefas ou relações de trabalho de maneira proativa (Bakker, 2017). A possibilidade de reformular e adequar o trabalho considerando suas características específicas, propicia condições mais favoráveis para o bem-estar, a satisfação e a melhoria do desempenho (Wang et al., 2021). Embora o construto redesenho no trabalho seja uma variável situada no nível de análise individual, o papel da organização e dos gestores em prover condições para sua expressão ou mesmo operar em parceria no seu processamento tem sido acentuado no contexto do teletrabalho compulsório.
Considerando a contextualização e o modelo teórico apresentados, o objetivo desse estudo foi caracterizar o impacto do trabalho remoto compulsório no desempenho e no bem- estar de teletrabalhadores no que diz respeito às necessidades psicológicas e no redesenho do trabalho. Assim, a presente pesquisa contribui para a compreensão dos desafios impostos na transição do trabalho presencial para o teletrabalho obrigatório no serviço público brasileiro. Tal discussão pode ser útil para lidar com crises futuras.
Considerando a natureza interdisciplinar do objetivo desta pesquisa, os resultados podem contribuir com gestores e demais profissionais que atuam nas organizações de trabalho. Também há reflexões úteis para aqueles que desejam conhecer a modalidade de trabalho a distância, suas relações com a organização do trabalho e as formas de gestão, bem como suas consequências em termos de desempenho e bem-estar dos teletrabalhadores.
Método
Para atingir os objetivos dessa pesquisa, foi realizado um estudo de caso que tem, por natureza, caráter exploratório e descritivo. Realizamos também uma circunscrição ao contexto alvo da pesquisa, o Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região (TRT/RJ).
O TRT/RJ, órgão da Justiça do Trabalho, é responsável por julgar e conciliar ações que envolvem conflitos entre trabalhadores e empregadores decorrentes das relações de trabalho, com jurisdição em todo o estado do Rio de Janeiro. Antes da COVID-19, o judiciário brasileiro já havia regulamentado o teletrabalho, a partir de adesão experimental e parcial à modalidade em atividades de cunho intelectual (CSJT, 2012). Em regra, o trabalho presencial ocorria uma vez por semana e o restante à distância. No contexto da COVID-19, foi publicada a Instrução Normativa nº 65 do Ministério da Economia que implementou o programa de gestão do teletrabalho nos órgãos integrantes do Sistema de Pessoal Civil da Administração Federal.
Dados do Portal da Transparência de outubro de 2019 mostram que uma pequena parte de servidores (659 servidores do total de 3.634) já atuava na modalidade remota. No entanto, a crise sanitária impôs o teletrabalho a uma expressiva parcela dos servidores, sem que tenha havido a possibilidade de realizar um período de transição e adaptação. Dessa forma, o teletrabalho compulsório demandou a aprendizagem de novas tecnologias em tempo real, bem como o estabelecimento de novas formas de gestão e de padrões de relacionamento interpessoal no contexto laboral.
No caso do TRT/RJ, houve uma decisão de teletrabalho com as implicações legais (normatizações e envio de equipamentos) e não apenas a implantação do trabalho remoto como ocorreu para a maioria dos trabalhadores. Embora a adesão ao teletrabalho fosse uma tendência que já vinha apresentando-se no Poder Judiciário brasileiro, de maneira optativa para alguns servidores, novas regras foram estabelecidas pelo setor, viabilizando a continuidade das atividades na pandemia para todos os servidores. Considerando que houve uma adesão desse formato de trabalho, configurou-se a necessidade de estratégias que permitissem o redesenho do trabalho de forma a atender às necessidades básicas psicológicas.
Com o interesse em facilitar a transição do trabalho presencial para o teletrabalho compulsório, o TRT/RJ adotou diversas ações de desenvolvimento e de aprendizagem para os servidores. Dentre essas ações, foi ofertado um curso de Gestão do Teletrabalho na modalidade de educação a distância (EAD) com carga horária de 30 horas. O curso foi elaborado e ministrado pela primeira autora do presente estudo. Os fóruns usados para estimular trocas no treinamento foram desenhados para servirem também como coleta de dados. De modo a favorecer a qualidade das trocas, previamente aos debates estimulados, os participantes foram encorajados à leitura dos textos do conteúdo programático que abordavam desempenho profissional, necessidades psicológicas básicas e redesenho do trabalho.
Participantes
A pesquisa foi realizada com 33 servidores públicos, inscritos no curso “Gestão do Teletrabalho”, como referido anteriormente. A amostra foi composta majoritariamente por mulheres (n = 20) e 13 servidores exerciam função de gestão. A maioria (n = 19) tinha mais de 10 anos de tempo de serviço; seguidos pelos (6) que tinham de 6 a 10 anos; sendo que apenas dois participantes tinham até dois anos de trabalho no TRT. A maioria dos participantes (n = 24; 73%) não dispunha de experiência prévia em teletrabalho.
Instrumento
O instrumento de pesquisa consistiu em três fóruns de discussão, sendo compostos por uma pergunta indutora cada um, a saber: 1) Quais as necessidades psicológicas básicas mais afetadas pelo teletrabalho compulsório?; 2) Quais as dimensões do desempenho que foram mais afetadas – positiva ou negativamente – pelo trabalho remoto? e; 3) Em relação ao redesenho do trabalho, escolha uma de suas dimensões – tarefas, relações ou reformulação cognitiva, e comente estratégias utilizadas para recriar seu próprio trabalho. Além das perguntas específicas, os participantes foram instruídos a responder sobre o momento da transição do trabalho presencial para o teletrabalho compulsório na eclosão da pandemia da COVID-19 no Brasil.
Procedimentos de Coleta de Dados e Cuidados Éticos
As perguntas foram lançadas, uma por semana, na plataforma Moodle 3.9.6+, para que os participantes fizessem suas contribuições de forma assíncrona e por escrito. A apresentação de uma pergunta indutora em fóruns de discussão visa desencadear reflexão e problematização do conteúdo a partir da interação com os pares. A pesquisadora atuou como moderadora, estimulando os participantes a responder à pergunta, fazer réplicas ou tréplicas em resposta a um colega ou novo comentário livre, desde que relacionado ao foco da discussão. A interação e a articulação nos fóruns ocorreram diariamente, pelo prazo de aproximadamente duas semanas cada um.
Foi utilizado um corte seccional com perspectiva longitudinal. Assim, a coleta foi feita no momento da discussão nos fóruns (outubro/2020), resgatando dados e informações experienciados a partir de março/2020, focalizando o fenômeno - transição do trabalho presencial para o teletrabalho - e a forma como se caracterizou (Vieira & Zouain, 2006).
O projeto de pesquisa obteve a anuência do TRT da 1ª Região e foi aprovado por Comitê de Ética (CAAE nº 34311620.7.0000.5289). Todos os preceitos éticos foram seguidos, sendo condição à participação no estudo assentir com os termos do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.
Procedimentos de Análise de Dados
As análises foram realizadas com o software Iramuteq, versão 0.7 alpha 2 (Camargo & Justo, 2013). O corpus para as análises foi formado pelas falas produzidas nos três fóruns de discussão e foi processado usando a análise de similitude e a classificação hierárquica descendente (CHD). A primeira permite visualizar as relações entre as formas linguísticas do corpus, evidenciando a estrutura do conteúdo discursivo dos tópicos investigados. Já a CHD realiza uma análise de agrupamentos (clusters) sobre os segmentos de texto, de modo a obter uma distribuição estável de tais segmentos em classes lexicais homogêneas, segundo o vocabulário utilizado (Sousa, Gondim, Carias, Batista, & Machado, 2020).
Previamente à análise foi realizado um processo de lematização (redução das formas verbais ao infinitivo e das formas nominais ao singular masculino). As chaves de análise selecionadas foram adjetivos, formas não reconhecidas, substantivos comuns e verbos. O conjunto de interações foi compilado em um corpus único que sofreu refinamento prévio à análise a fim de favorecer a qualidade das análises.
Foram corrigidos eventuais erros de digitação e estabelecidos padrões de significado comum para as palavras usadas pelos participantes, a saber: (a) substituição de nomes próprios por termos genéricos, por exemplo, “colega”; (b) adoção de seis expressões para qualificar a palavra “trabalho” a fim de representar o sentido utilizado em cada contexto (trabalho_tarefa, trabalho_carga trabalho_local, trabalho_equipe, trabalho_doméstico, trabalho_presencial); (c) adoção de duas expressões para a palavra “redesenho” (redesenho_de_tarefa e redesenho_da_relação); (d) adoção de expressões para qualificar a palavra “dimensão” (p. ex.: dimensão_comunicativa); (e) nomeação de cada dimensão de acordo com o efeito (positivo ou negativo) na transição para o teletrabalho compulsório (p. ex.: dimensão_comunicativa_negativa); (f) unificação de diferentes termos utilizados para designar uma mesma palavra (p. ex.: WhatsApp); (g) exclusão de linguagem de função fática (ex.: bom dia); (h) agrupamento de palavras de significados comuns (p. ex.: “abandonado” e “sozinho” ou “aumentado” e “ampliado”).
A análise de similitude foi adotada por permitir inferir a estrutura de construção do texto a partir da coocorrência entre as palavras. Já a classificação hierárquica descendente (CHD) organiza as palavras por afinidade em classes, principalmente pelo seu vocabulário característico (léxico) e pelas variáveis e o uso de formas lexicais semelhantes, vinculado a representações ou conceitos comuns (Reinert, 1987). Sua utilização foi possível, pois o corpus era suficientemente volumoso, tinha coerência temática e era homogêneo em suas condições de produção (Dalud-Vicent, 2011).
Resultados e Discussão
A interação e a articulação nos fóruns resultaram em um total de 187, 162 e 121 participações individuais, respectivamente para o primeiro, segundo e terceiro fóruns. Assim, o corpus foi constituído por um total de 591 participações individuais, com média de 18 interações por participante. O corpus apresentou um total de 1.027 segmentos de texto e 4.261 palavras, com alto percentual de retenção (75,7%), além de um percentual de hápax correspondente a 41,1%. Considerando essas informações iniciais, apresentaremos a interpretação dos resultados, primeiramente através da Análise de Similitude obtida por meio da Árvore da Coocorrência e, em seguida, a CHD, que fornece uma análise mais parcimoniosa e consistente dos resultados.
A árvore de coocorrência representada na Figura 1 apresentou duas comunidades, sendo uma em torno do termo “teletrabalho” e outra em torno do termo “trabalho_tarefa”. Essas comunidades guardaram uma conexão expressiva entre si. O tema teletrabalho apresentou elevado número de ramificações associando-se com palavras tais como colega, equipe, pandemia e gestor, mas sua conexão de maior destaque foi com o termo “trabalho_tarefa”, que dá origem a uma segunda comunidade. Nesta segunda comunidade, encontramos associações com “gestão_do_tempo” e “redesenho_da_tarefa”. As palavras como tempo, momento, tarefa e mesmo se destacam, sinalizando para um período em que as pessoas tiveram que se organizar para realizar múltiplas tarefas ao mesmo tempo.
Tomando o resultado das duas comunidades, observamos que o teletrabalho apresenta uma associação mais explícita com as relações sociais do contexto laboral, com palavras como colega e equipe. Já a segunda comunidade, que diz respeito à realização das tarefas de trabalho remetem ao desafio que foi organizar-se para o trabalho remoto. Uma interpretação desses resultados sinaliza para a busca por manter o espírito de equipe apesar da distância.
Como exemplos, observa-se o relato do “Participante 4” (Servidor, 6 a 10 anos de serviço) ao explicar que em relação aos colegas de trabalho há “um grupo de WhatsApp no qual um tenta ajudar o outro e, quando necessário, realizam ligações, videoconferência... a equipe é unida e solidária.”; e a opinião da “Participante 18” (Gestora, mais de 10 anos de tempo de serviço) ao falar que “o que manteve o espírito de equipe e a entrega de resultados satisfatórios e oportunos, com certeza, foi o fato de se ter um relacionamento fortalecido onde as questões pessoais eram prontamente compreendidas por todos.”
Outra interpretação diz respeito à realização de audiências virtuais, que aparecem nos relatos como um dos principais desafios técnicos impostos na transição do trabalho presencial para o teletrabalho compulsório. Alguns depoimentos registrados nos fóruns explicitam essa dificuldade inicial com a realização desse tipo de tarefa central no âmbito da organização pesquisada, como é o caso do relato do “Participante 7” (Servidor, mais de 10 anos de serviço), o qual afirmou que “quem mais precisou se adaptar durante o teletrabalho em razão da pandemia, foram os secretários de audiência.... a função de secretário de audiência foi a que mais exigiu treinamento e novos saberes.” De forma semelhante, o “Participante 9” (Servidor, mais de 10 anos de serviço) diz que “toda a adaptação em termos de equipamento, programas e, principalmente o fato de se fazer audiências telepresenciais, foi bastante grande, exigiu aprendizagem rápida de novas competências e redesenho do trabalho.”
Os relatos enfatizaram o uso das ferramentas de comunicação, a gestão do tempo e a necessidade de buscar equilíbrio entre as esferas pessoal e profissional. Destacaram- se como parte desses discursos de adaptação ao novo contexto de trabalho temas relativos à ergonomia e à interação presencial como elementos influentes no desempenho. Alguns trechos acentuam os impactos sofridos pela perda da estrutura física do local presencial do trabalho e do suporte social na convivência com os colegas, assim como se observa no relato do “Participante 12” (Gestor, 3 a 5 anos de serviço) que “como ninguém havia trabalhado à distância, foi algo bem diferente (...) nem todos possuíam a estrutura necessária para o trabalho em casa. Alguns pegaram notebook do Tribunal, outros o seu próprio equipamento e alguns utilizam o acesso remoto.” Neste mesmo sentido afirmou a “Participante 18” (Gestora, mais de 10 anos de tempo de serviço) que “a força do relacionamento nesse momento de pandemia é fundamental para que todos possam passar da melhor forma possível pelas dificuldades (...) É muito bom poder ter uma rede de apoio nessas horas.”
A análise de similitudes permite concluir, portanto, que o redesenho da tarefa se impôs na nova modalidade e o tempo foi um fator importante que possibilitou a participação em cursos para a obtenção de habilidades e competências que favoreceram o redesenho. As subcomunidades, representadas pelos vocábulos horário e colega, simbolizam, portanto, os desafios da gestão do tempo e do redesenho da relação.
Assim, pode-se concluir que nos fóruns restou caracterizado o esforço de adaptação dos participantes à nova modalidade de trabalho, principalmente no que diz respeito ao relacionamento entre colegas e com o gestor, buscando ferramentas virtuais. Assim é que, para além das reuniões e até audiências que tiveram que assumir o formato remoto, a palavra comunicação também aparece associada à ferramenta WhatsApp e à palavra grupo denotando novas estratégias que diferenciam daquelas em que a comunicação ocorria quase que exclusivamente de forma presencial no ambiente de trabalho.
Outra conclusão refere-se a uma demanda de adaptação a fim de equilibrar vida pessoal e profissional, ante à invasão do ambiente doméstico pelo trabalho. Nesse sentido, palavras como casa, rotina, filho, horário, tempo apareceram associadas a tarefa e a “trabalho_tarefa”, em uma clara evidência de tentativa de conciliação trabalho-família e família-trabalho.
Após essa análise inicial, avançamos para a Classificação Hierárquica Descendente (CHD), emergiram do corpus cinco classes, organizadas em um eixo central com duas ramificações. A primeira ramificação concentra quatro classes em cerca de 80% dos segmentos de texto (ST) e diz respeito ao Trabalho na pandemia, enquanto a segunda ramificação traz a Classe Conciliação trabalho-família (19,79% dos ST).
O eixo do Trabalho na pandemia subdivide-se em dois subeixos, um deles voltado para a temática da Comunicação – compreendendo as classes Comunicação virtual e Ferramentas de comunicação, com respectivamente 17,38% e 12,67% dos ST; e o outro subeixo denominado Novas condições laborais – que engloba as classes Relacionamento e Redesenho do Trabalho, respectivamente com 28,17% e 21,99% dos ST. Chama a atenção que essas duas últimas classes, embora com a menor quantidade de palavras de coocorrência significativa, compõem o subeixo com maior volume de ST (50,16%). O dendrograma (Figura 2) mostra essa representação das cinco classes, agrupadas nos eixos e subeixos descritos, com a listagem dos termos cujo valor do qui-quadrado foi significativo.

Figura 2 Dendograma do corpus integrado dos fóruns apresentando os eixos, subeixos e classes provenientes da Classificação Hierárquica Descendente, bem como os lemas e respectivos qui-quadrados, os quais foram todos significativos
Uma vez apresentada a organização dos eixos e subeixos, vamos agora nos deter a cada uma das cinco classes que emergiram dos dados. A classe Comunicação virtual reúne vocábulos (comunicação, expressão, presencial, gesto) que apontaram para a dimensão do desempenho mais negativamente afetada na transição do trabalho presencial para o teletrabalho compulsório no contexto da pandemia: a “dimensão_comunicativa”. Em alguns depoimentos os servidores expressaram comparações avaliativas entre a interação presencial e virtual, destacando aspectos prejudiciais no fluxo de comunicação e no grau de suporte social disponível no cotidiano de trabalho. Esses elementos são abordados por Mourão et al. (2021) como centrais para o teletrabalho, com uma recomendação de que possam ser considerados em situações de trabalho remoto, inclusive como lições aprendidas a partir da pandemia.
A respeito desse suporte social, a “Participante 32” (Gestora, 6 a 10 anos de tempo de serviço) relatou que “na verdade, o trabalho presencial tem o olhar e o sentimento, que são essenciais para o acolhimento do servidor no momento de angústia e problemas pessoais.” Nesta linha de pensamento, o “Participante 3” (Servidor, 6 a 10 anos de tempo de serviço) declarou que no longo prazo, não veria “como a comunicação não ser impactada negativamente pelo teletrabalho, pelos motivos que foram expostos: a ausência da comunicação presencial, que se vale de mecanismos de expressão de gestos e aumenta a possibilidade de ruídos.”
Esses resultados encontram consonância com o que foi discutido por Wang et al. (2021), que apontam a comunicação eficaz como um dos maiores desafios do trabalho remoto durante a pandemia. Isso porque as comunicações mediadas por tecnologias digitais tornaram-se a única opção já que relações face a face ficaram restritas por questões sanitárias. No caso da organização pesquisada, esse desafio também foi evidenciado pelos relatos dos participantes. A falta de interação presencial foi alvo de comentários e queixas e, dentre as diversas dimensões do desempenho apontadas por Campbell (2012), a da comunicação foi indicada como aquela mais negativamente afetada nesse contexto pandêmico.
Pesquisadores de trabalho em equipe virtual já sinalizavam, antes da pandemia, que a comunicação remota não é tão rica quanto aquela realizada de forma presencial. Também atestaram que os problemas tradicionais como conflito e coordenação podem aumentar rapidamente na modalidade virtual. Nesse sentido, é importante criar estruturas para alinhamento de equipes, mitigação de conflitos e garantia de processamento seguro e completo de informações (Martins et al., 2004). No contexto pandêmico, considerando a natureza compulsória do teletrabalho, essa preocupação com a comunicação mediada por tecnologias digitais fica ainda maior, mas é possível estabelecer estratégias que tornem o processo comunicativo mais eficaz (Sandall & Mourão, 2020).
A comunicação está no topo da lista de lições de liderança no contexto da crise atual e a sua manutenção constante tem o papel de aliviar o estresse e resolver as preocupações. Uma pesquisa sobre a comunicação dos líderes durante a pandemia concluiu que eles precisam se comunicar com honestidade e transparência, manter a calma, liderar pelo exemplo, ajudar os liderados a se manterem seguros e saudáveis e serem claros e diretos (Dirani et al., 2020).
Destarte, o teletrabalho no ambiente de crise sanitária requer mensagens alinhadas, realistas, positivas e equilibradas, além de uma escolha adequada em termos dos canais apropriados. Também é preciso explicar a estratégia de resolução de crises e a visão do líder e da organização para enfrentar os desafios atuais e futuros. Assim, o líder pode ganhar a confiança dos que lidera e ampliar os níveis de delegação para a equipe, com orientações eficientes e que contribuam tanto para o alcance de metas quanto para o desenvolvimento de equipes mais motivadas e comprometidas (Dirani et al., 2020).
Na classe intitulada Ferramentas de Comunicação, houve a predominância de vocábulos que demonstravam a preocupação com a comunicação, que passou a se utilizar de ferramentas como: “WhatsApp”, “e-mail” e “Cisco Webex”. Tais ferramentas são úteis para a realização de reunião de trabalho no formato virtual, mas elas impactam os relacionamentos no ambiente laboral. Algumas falas deixam claro que as ferramentas são usadas com propósitos distintos. Por exemplo, o WhatsApp apareceu como a principal ferramenta utilizada para tirar dúvidas, receber e dar ordens ou orientações, apresentar resultados, ou mesmo manter a interação entre os membros da equipe.
Alguns participantes chegaram a relatar que ele substituiu o contato físico, como se observa na declaração da “Participante 10” (Gestora, mais de 10 anos de tempo de serviço) ao dizer que “conversei com todos a fim de ressaltar a importância de nos mantermos conectados através do e-mail institucional, assim como do WhatsApp. Realizamos algumas chamadas de vídeo e também reuniões na plataforma digital Hangouts a fim de nos conectarmos nesse momento”; e, também, na fala da “Participante 6” (Gestora, mais de 10 anos de tempo de serviço) que relatou que a dimensão_comunicativa “foi, inicialmente, bastante afetada negativamente, porque a comunicação tradicional era a presencial e, no contexto de pandemia, teve que haver uma adaptação repentina para a forma eletrônica, prioritariamente, por WhatsApp, videoconferência”.
No contexto do teletrabalho, a habilidade de comunicação eletrônica do gestor envolve a clareza de comunicação e o gerenciamento do seu fluxo, sendo desejável que os líderes estabeleçam estratégias de comunicação personalizada com métodos robustos de interação (Mourão, Abbad e Legentil, 2021). De fato, a comunicação clara e frequente, por meio de diferentes canais, é considerada uma das melhores práticas de liderança eletrônica para lidar com os desafios adaptativos como o da pandemia da COVID-19 (Fernandez & Shaw, 2020).
No entanto, é preciso que haja cuidado para não sobrecarregar os teletrabalhadores. Se por um lado, o uso de diversos canais pode aumentar a comunicação e a interação com a equipe; por outro, essa estratégia requer um controle das narrativas, para evitar confundir os teletrabalhadores. Nesse sentido, seria uma atribuição dos líderes zelar por informações corretas e atualizadas, alimentando a equipe de informações, mas com a devida moderação para evitar provocar ansiedade ou medo (Dirani et al., 2020).
Na classe Relacionamento surgiram vocábulos como necessidade, psicológico, relacionamento, gestor e confiança; que demonstram que a necessidade psicológica de relacionamento foi impactada na transição para o teletrabalho compulsório. Essa foi a classe que reuniu o maior percentual de ST nos fóruns de discussão (28,17%). Além disso, a maioria dos participantes (53,34%) indicou o relacionamento como a necessidade mais impactada pelo teletrabalho compulsório, seguida de competência (33,33%) e autonomia (13,33%). No tocante ao relacionamento, segundo o “Participante 3” (Servidor, 6 a 10 anos de tempo de serviço) “além da necessidade psicológica que se tem de contato pessoal, ...a criação de confiança entre gestores e equipe fica prejudicada com o isolamento”. Neste mesmo sentido, completou o “Participante 1” (servidor, 1 a 2 anos de tempo de serviço) “a necessidade que sentiu mais dificuldade de adaptação foi o relacionamento, tendo em vista que o isolamento_social está sendo um grande obstáculo à manutenção das relações presenciais.” Vários outros participantes deram depoimentos semelhantes e concordaram que teletrabalho compulsório, de fato, impacta no relacionamento conforme os índices apurados na pesquisa.
A classe Redesenho do Trabalho recebeu este nome por apresentar termos e palavras como “redesenho_da_tarefa”, “redesenho_da_relação”, curso, audiência, e “secretário_de_audiências”. Os relatos nos fóruns de discussão evidenciaram que o momento de crise demandava mudanças no contexto laboral, de forma a estabelecer novas formas de realizar as tarefas e de manter as relações profissionais. Destarte, ficou evidenciada nessa classe que adaptação era uma necessidade premente e que o desempenho e o bem-estar no trabalho dependiam do uso de novas estratégias que outrora não eram frequentes no grupo.
Novas aprendizagens e suporte recíproco foram também demandados dos teletrabalhadores, que desenvolveram algumas competências para lidar com esse novo cenário do mundo laboral. Alguns depoimentos apresentados nos fóruns de discussão evidenciam essas mudanças, tais como, o relato do “Participante 9” (Servidor, mais de 10 anos de serviço) que ao falar sobre o “redesenho_da_relação” afirma que “o suporte mútuo aconteceu por meio da utilização do WhatsApp e dos contatos telefônicos”; e, a declaração do “Participante 1” (Servidor, 1 a 2 anos de tempo de serviço) ao dizer que “assim como outros colegas também é secretário_de_audiência, e para o redesenho_de_tarefa teve que fazer cursos sobre a plataforma de audiências, Cisco_Webex e também sobre outras ferramentas que possibilitassem o exercício da sua função.”
Os resultados confirmam, portanto, estratégias de redesenho do trabalho, que se manifestam através de comportamentos específicos de mudança no nível de demandas e recursos com o objetivo de os equilibrar (Tims & Bakker, 2010). Os comportamentos voltados para esse redesenho, segundo Tims, Bakker e Derks (2013) se intensificam quando as condições são desfavoráveis e o trabalho precisa alterar demandas e recursos do trabalho, exatamente como ocorreu no contexto do teletrabalho compulsório na instituição pesquisada e em muitas outras organizações durante a pandemia.
Por fim, a classe Conciliação trabalho-família apresentou- se em um eixo distinto das demais. Uma provável explicação para essa separação diz respeito ao fato de que todas as classes se referem à esfera de vida trabalho, mas essa quinta classe englobou também outra esfera de vida – a família. Assim, verificamos a utilização de palavras como filho, doméstico, casa, pai, estressante, cuidar, espaço e tempo. Os segmentos de texto em que essas palavras aparecem demonstram a existência de desafios surgidos quando o trabalho invadiu o âmbito familiar/doméstico. Há diversos relatos de dificuldade de conciliação e de adaptação à nova modalidade, acumulada com as tarefas domésticas, acompanhamento de filhos com aulas online e cuidados com parentes doentes. Tais palavras também remetem à necessidade de manejar as fronteiras entre a vida profissional e a vida pessoal, assim como aspectos emocionais decorrentes desse manejo.
Como parte dessa necessidade de adaptação aparecem também os aspectos ergonômicos e os novos desafios surgidos com o teletrabalho. Muitos participantes fizeram menção ao controle da jornada e a uma demanda por gestão do tempo que caracterizaram a adaptação a esse período em que o distanciamento social se tornou uma necessidade. O ponto de vista do “Participante 3” (Servidor, 6 a 10 anos de tempo de serviço) ilustra um exemplo de mudanças de rotina ocorrida na vida dos trabalhadores, visto que, segundo ele, “o teletrabalho também alterou sua rotina, por já não estarem tão claros os limites entre o que eram o espaço e os horários de trabalho e de lazer e tempo com a família.” Com este mesmo pensamento, depôs a “Participante 18” (Gestora, mais de 10 anos de tempo de serviço) que “não é fácil conciliar as tarefas domésticas, ensino dos filhos a distância, doença na família, preocupações com tudo isso e ainda ter que manter a produtividade como antes.”
Os depoimentos dos participantes estão em consonância com o recomendável equilíbrio entre trabalho e vida pessoal que pode ser afetado pelo trabalho à distância, sobretudo em função de uma intensificação ou sobrecarga do trabalho (Veronica Popovici & Alina, 2020). A esse respeito Sandall e Mourão (2020) sinalizam que, para um melhor equilíbrio de demandas e recursos no trabalho, os indicadores de desempenho devem representar efetivamente a contribuição do trabalhador, sem interferência de recursos ou sistemas externos. Nesse sentido, é importante que seja dada atenção a fatores externos apontados pelos participantes, tais como cadeira, espaço, estrutura e escritório, que estão diretamente ligados ao ambiente de trabalho e que podem afetar o desempenho laboral.
Considerações Finais
O objetivo desse estudo foi caracterizar o impacto do teletrabalho compulsório no desempenho e no bem-estar de teletrabalhadores quanto às necessidades psicológicas e de redesenho do trabalho. O distanciamento social imposto pelo período pandêmico e o decorrente do teletrabalho compulsório impactaram diretamente na necessidade psicológica de relacionamento. Por consequência, a comunicação foi impactada e os teletrabalhadores passaram a utilizar ferramentas que até então eram pouco adotadas, como aplicativos de mensagens de texto e teleconferências.
A invasão do espaço doméstico pelo profissional emergiu como um dos elementos centrais do teletrabalho compulsório durante a crise sanitária. Esse novo contexto demandou uma capacidade de adaptação por parte dos trabalhadores e das organizações, ampliando a demanda por maior autonomia ao teletrabalhador; adaptação ergonômica do ambiente doméstico de trabalho e, também, maior equilíbrio entre os campos pessoal e profissional. Outra conclusão do estudo refere-se à demanda pela aprendizagem de novas competências, dentre elas, as habilidades para lidar com plataformas digitais e a capacidade de fazer uma gestão de tempo eficaz. Tais competências foram associadas ao manejo da sobrecarga e do estresse, com potencial de impactar o bem-estar no trabalho. Tais aprendizagens subsidiam elementos voltados para o redesenho tanto das tarefas, quanto dos relacionamentos laborais.
Nesse ínterim, a presente pesquisa contribui para o entendimento de como o teletrabalho compulsório afetou a vida de profissionais que atuam no setor jurídico no Brasil. Apesar de ser um estudo de caso, é possível que o estudo traga reflexões também para outros contextos, posto que a pandemia ensejou a adoção de trabalho remoto em diferentes setores e tipos de organizações. O manejo das condições de trabalho, a busca por adaptação ao novo contexto laboral, seja em termos de novas aprendizagens, seja em termos do equilíbrio da relação trabalho-família pode contribuir para o desempenho e o bem-estar no trabalho.
A presente pesquisa apresenta ainda contribuições teóricas e práticas sobre os comportamentos de redesenho do trabalho. Estratégias de redesenho do trabalho e o conhecimento das necessidades psicológicas dos trabalhadores em um contexto de crise podem contribuir para reduzir a ansiedade e o estresse. Estratégias eficazes de comunicação, e de regulação do ambiente de trabalho virtual, podem contribuir para melhores resultados tanto para os trabalhadores quanto para as organizações. Como implicação prática, a presente pesquisa ajuda a entender como as crises podem impactar o desempenho e o bem-estar no trabalho e, em decorrência, pode contribuir para o desenvolvimento de um modelo de intervenção para melhorar o trabalho em equipes virtuais.
É assim que o redesenho da forma de trabalhar na modalidade remota pode permitir uma otimização dos sistemas técnicos e sociais, permitindo que o teletrabalhador tenha mais controle sobre o seu trabalho de forma a melhorar seu desempenho e aumentar seu bem-estar no trabalho. Para tanto, nesse redesenho seria importante adotar alguns princípios para a organização do trabalho, considerando a compatibilidade entre o desenho, os processos e os objetivos do trabalho, como uma especificação crítica que permita a garantia do desempenho. Para tanto, tal redesenho precisa também preservar o fluxo de comunicação, de forma que a informação chegue para quem dela necessita para que o teletrabalho funcione a contento.
Ressalte-se que a pesquisa qualitativa, embora seja rica de dados e permita uma avaliação mais profunda do tema investigado, apresenta como uma de suas limitações a representatividade da amostra. Mas se por um lado os dados não podem ser generalizados, por outro, o estudo de caso nos desafia a compreender um determinado fenômeno em seu contexto particular. No caso da pandemia, que ensejou tantos impactos na vida das pessoas e das organizações, a adoção desse método pode ser interessante para apresentar as singularidades do que ocorreu em uma determinada organização e, simultaneamente, levantar reflexões acerca da gestão de pessoas de organizações que vivenciaram situações semelhantes. Portanto, mediante uma crise como essa provocada pela COVID-19, não se pode olvidar que o presente estudo contribua para outros contextos para além da pandemia.
A questão do redesenho do trabalho e das necessidades psicológicas associados ao teletrabalho compulsório que foram caracterizados no presente estudo encontram respaldo em diversos estudos sobre como a pandemia afetou os contextos de trabalho. A crise sanitária acelerou o processo de desenvolvimento de ferramentas que facilitam e agilizam o teletrabalho. A despeito do ambiente de caos que as pessoas vivenciaram nesse período, em termos laborais, houve a comprovação de que a modalidade do teletrabalho pode ser estendida para diferentes tarefas com possibilidade de manter a produtividade, além de estar associada a outros tipos de benefícios. No entanto, para que tais resultados positivos sejam alcançados é importante cuidar dos relacionamentos interpessoais e de como as tarefas são realizadas, demandando, portanto, redesenho das tarefas e dos relacionamentos.
Por fim, o presente estudo confirma uma necessidade de adaptação a novos modelos de vida e de trabalho. Tais modelos requerem que as organizações estejam dispostas a implementar ações e adotar comportamentos e práticas que aprimorem os processos de trabalho a distância com a garantia de bem-estar aos teletrabalhadores. Da mesma forma, os indivíduos também devem estar abertos a novas aprendizagens demandadas por esse novo contexto. Em ambos os casos, isso se torna premente diante da constatação de que o trabalho remoto, como as pesquisas indicam, deverá ser a modalidade laboral mais utilizada no futuro.