O Comportamento Seguro (CS) no trabalho foi expresso na literatura científica como comportamentos e atitudes para atividades de segurança (Thieme, 2021), construto bidimensional, de acordo com autores clássicos (Hu et al., 2016; Neal & Griffin, 2006). Ações tomadas para autoproteção com base nas teorias do desempenho de trabalho (Bley et al., 2007; Neal & Griffin, 2006; Shen et al., 2017) e indicador de segurança a trabalhadores e instituições (Geller & Robinson, 2015; Harsini et al., 2021).
O investimento em medidas que avaliem ou ferramentas que propiciem a manifestação de CSs tem o potencial de reduzir gastos no campo laboral, considerando as probabilidades de minimizar as ocorrências de acidentes, adoecimentos e crises, os chamados eventos indesejáveis (EI), além de preservar o patrimônio e, o mais importante: vidas e bem-estar dos trabalhadores (Barros-Delben, 2018; Cattabriga & Castro, 2014; Pearce & Cooper, 2021), ampliando o conceito de people first (Sem & Kliksberg, 2010) para a proposta de valor humano, que coloca o ser humano em primeiro lugar e valoriza-o com foco na saúde e na segurança de maneira sistêmica. Para a validação de novas teorias ou modelos, contextos em que há elevado nível de controle de variáveis são recomendados e crescentes os estudos relacionados a riscos em ambientes de isolamento, confinamento e extremos (ICE), laboratórios naturais (Barros-Delben et al., 2020a), a exemplo de estações antárticas ou plataformas de petróleo.
Os EI são produtos e produtores de atos e condições inseguras que podem gerar ou agravar os riscos com nexo causal estabelecido com as atividades de trabalho, a exemplo dos psicossociais, como depressão ou prejuízos cognitivos e violências (Cruz & Barros-Delben, 2021). São os grandes desastres, porém, como o vazamento de radiação da usina de Chernobyl, na Rússia (Simonelli et al.2016), ou o incêndio que destruiu a Estação Antártica Comandante Ferraz – EACF - em 2012 (Freitas, 2012), que movimentam a ciência da segurança com foco no fator humano, partindo de uma análise pós-ocorrência, retrospectiva, em detrimento das medidas de preventivas (Barros-Delben et al., 2020a; 2020b; Barros-Delben, 2018). As análises reativas permitem enxergar todo o processo de um EI, porém, exigem que o EI ocorra para então impedir futuros EI.
Os acidentes geralmente apontam para o comportamento de segurança como elemento crítico de prevenção, considerando um mapeamento prévio e monitoramento. Não se trata de “se”, mas de “quando” novos EI vão ocorrer (Barros-Delben, 2018) e as repercussões de EI em contextos ICE têm visibilidade global, impactando ainda na economia e na imagem das organizações e dos países envolvidos (Cruz & Barros-Delben, 2021), que reflete o investimento em modelos de atenção ao comportamento humano, inclusive em situações de pandemia, destacando a da COVID-19 (Barros-Delben et al., 2020c; Pearce & Cooper, 2021), modeláveis.
Modelos conceituais simplificam a realidade, desenvolvidos para representar processos, sistemas e teorias, embora parcialmente, pois a realidade não pode ser por completo simulada. Logo, diante da lacuna identificada quanto a definição precisa do construto CS na literatura especializada (Bley, 2004; Cooper, 2009; Neal & Griffin, 2006) e a importância de estudos relacionados à saúde e segurança do trabalhador pelo viés da psicologia - especialmente em ambientes ICE - este estudo tem como objetivo descrever os avanços do modelo conceitual de CS BDC, proposto em 2018. Como objetivo secundário, sustentar a modelagem lógica de um programa de gestão de riscos em saúde e segurança com o modelo BDC, perspectivando contextos ICE para sua implementação (Barros-Delben et al., 2019; Cruz & Barros-Delben, 2019; Cruz & Barros-Delben, 2021). A construção de um banco de dados para armazenamento, processamento, tratamento, interpretação e geração de informações foi considerada como medida estratégica no planejamento do desenvolvimento, visando análises preditivas e prescritivas eficazes.
Método
Essa é uma pesquisa de delineamento descritivo para o desenvolvimento teórico (Gil, 2002). A construção conceitual, com base analítica crítica e reflexiva do aparato bibliográfico disponível explorado, extraiu termos similares, suas definições e os horizontes de contribuição científica de base e aplicada. Os procedimentos e abordagens de elaboração modelo detalhado são citados, a partir de experiências empíricas de imersão no ambiente ICE, ilustrado pela Antártica e pela pandemia da COVID-19 (Barros-Delben & Cruz, 2022; Barros-Delben et al., 2020c).
A primeira versão do modelo, publicada em nível de mestrado (Barros-Delben, 2018), norteada pelo Raciocínio Qualitativo (RQ) e Teoria Qualitativa dos Processos (TPQ), de mudança dos valores qualitativos pela passagem do tempo (derivada), ou pela intensidade (magnitude) de variação dos construtos (Forbus, 1984), foi revista para a proposição de avanços e aperfeiçoamentos. A magnitude e a derivada expressam a quantidade e a direção de mudanças no tempo, respectivamente em valores qualitativos e categóricos. Tais valores podem assumir derivada em direção negativa “-“, estável “O” e positiva “+” e, ainda, magnitude, ou acúmulo, em quantidade nula (zero), baixa (B), média (M) e alta (A).
Essa esquematização compreende a sustentação do programa proposto, sob a perspectiva de um Modelo Entidade Relacionamentos (MER), de Peter Chen, para a implementação em contextos ICE de difícil acesso (Chen, 2002). O desenvolvimento do modelo perpassou a (1) definição conceitual de CS, (2) a hierarquização das dimensões envolvidas e sua reordenação pós discussões, para que então (3) o esboço do programa para gestão de riscos em saúde e segurança pudesse ser confeccionado. Um panorama sobre os conceitos existentes de CS e expressões similares se faz necessário previamente à apresentação da modelo final de CS, culminando em algoritmos e plataformas digitais que se valem desse esforço anterior, considerando a noção de produção de dados para sistemas preditivos sobre comportamentos, humanos ou não, em um entendimento sistêmico de fenômenos, que antecipa requisitos de modelos lógicos. Esse processo facilita a projeção de implementação e gerenciamento de bancos de dados com base em Linguagem estruturada de pesquisa, tradução livre para Structured Query Language (SQL), a mais conhecida linguagem para sistemas de bancos de dados para superar as redundâncias, dificuldade de acesso, integridade lógica deficiente e insegurança (Rob & Coronel, 2011).
Resultados e Discussão
Os resultados deste estudo teórico foram organizados concomitantes à discussão do trabalho em três partes: 1) trazidos à luz da literatura os principais conceitos de CS no contexto laboral, que por sua vez alimentou as reflexões e análises para a proposição de um modelo; 2) o modelo conceitual de CS-BDC e seus avanços e aperfeiçoamentos teóricos; 3) perspectivas para um programa de atenção à saúde e segurança sustentado pelo modelo CS-BDC e guiado pela Modelagem Entidade-Relacionamentos (MER).
Conceitos de Comportamento Seguro no Trabalho
O estudo de Harsini et al. (2021) avaliou um total de 28 modelos teóricos publicados de 2000 a 2019 para explicar o CS, destacando o modelo de Wu et al. (2011). O problema conceitual do CS, entretanto, revela uma lacuna científica com implicações práticas no campo do trabalho, neste estudo ilustrado pelo ambiente ICE de espaços de atividades do Programa Antártico Brasileiro (PROANTAR), uma organização complexa (Freitas, 2012).
Embora alguns trabalhos utilizem os termos desempenho de segurança, como sinônimo para CS, o comportamento de segurança é mais amplo, abarca o CS e o comportamento inseguro, adjetivos ou graus do comportamento alvo (Bley et al., 2007). O desempenho de segurança é classificado como um comportamento geral da organização (Wu et al., 2008), enquanto o comportamento de segurança, seguro ou inseguro, está relacionado ao indivíduo no trabalho, em níveis de gestão e operacional. O CS no trabalho é resumidamente descrito como ações pessoais tomadas para autoproteção e que seguem as normas de segurança (Geller & Robinson, 2015), com base nas teorias do desempenho de trabalho (Borman & Motowidlo, 1997). É um construto, considerado por autores clássicos de base cognitiva (Neal & Griffin, 2006; Zhang et al., 2021), bidimensional – modelo mais utilizado, após elaboração do estado da arte - constituído pela conformidade em segurança e pela participação em segurança.
A dimensão conformidade se refere a ações de cumprimento de regras e procedimentos, que visam a manutenção de segurança no trabalho em dada atividade e se associa à redução dos índices de acidentes direta e formalmente (Hu et al., 2016). Há uma tendência à redução da conformidade com a segurança quando a pressão de produção ou de desempenho do supervisor é demanda crítica (Harsini et al., 2021; Zohar & Luria, 2003). A participação em segurança é a dimensão que considera o engajamento voluntário dos trabalhadores em atividades que visam segurança e pode ser interpretada como cidadania organizacional (Bogler & Somech, 2019), sem garantias de recompensas (Manapragada et al., 2019), exceto pela satisfação pessoal. Práticas espontâneas para promover segurança (Griffin & Curcuruto, 2016; Hu et al., 2016).
Ambientes ICE exigem mais da participação autônoma, pois geralmente não contam com supervisão direta e o socorro é remoto (Barros-Delben et al., 2021), além de ser exigida a chamada “prontidão 24 horas” (Barros-Delben, 2018), semelhante a condição de plantão. A especificidade do contexto norteia a elaboração de um modelo que considera as características inerentes do local de atuação humana, ainda a idiossincrasia aos trabalhadores em função do ambiente em que estão expostos em interações e as tendências de alterações por influência de elementos latentes. Logo, um planejamento minucioso de cenários possíveis para resolução de problemas deve ser protocolado, com base em mapas de riscos e fatores (de risco e protetivos).
O comportamento inseguro é comumente mais abordado nos trabalhos, se comparado ao foco no CS (Mohammadfam et al., 2021; Zhang et al., 2021), disponíveis meios para mensurar as consequências negativas diretas, tais quais os EI, enquanto que a inexistência desses elementos é menos tangível (Simonelli et al., 2016). O comportamento dos trabalhadores é responsável por 80% a 90% dos acidentes de trabalho (Dekker, 2019; Mohammadfam et al., 2021). Um programa gerencial do CS equivale a uma estimativa de menos de 1% em relação aos custos de acidentes, prevenindo outros EI. O Behavior-based safety BBS (Segurança Baseada em Comportamento), por exemplo, baseado na teoria comportamental de Skinner (1983), é largamente utilizado em trabalhos de plataformas de petróleo offshore - um ambiente ICE (Thieme, 2021), visando eliminar as contingências que geram comportamentos inseguros pelo reforço positivo (Choi et al., 2017; Simonelli et al., 2016), mas é criticado pela dificuldade de implementação que exige capacitações e tem caráter subjetivo de observações.
Comportamentos de risco, bem como comportamentos inseguros, compreendem um conjunto de ações que elevam as chances de EI, quando as normas de segurança são burladas (Mohammadfam et al., 2021). Se o meio de trabalho for afetado por aspectos de alta imprevisibilidade ou de baixa equidade, típicos de ambientes ICE, a atenção aos comportamentos de risco deve ser redobrada. Os impactos são da ordem de perdas de vida, em primeira instância, e da produção, gerando comprometimentos geopolíticos ambientais (França & Santos, 2014), que poderiam ser prevenidos com a promoção do CS.
No Brasil, Bley (2004) conceituou o CS como a capacidade de controle de fatores que atuam na interação entre trabalho e acidentes de maneira a evitar os incidentes por parte do indivíduo, de um grupo, ou de uma organização. O CS é compreendido pelas ações observáveis e padronizadas, refletindo percepções compartilhadas em direção à segurança. Os atos inseguros, por outro lado, são definidos como comportamentos desviantes dos procedimentos seguros estabelecidos e pela participação rasa ou nula em atividades de segurança, o que propicia a criação ou a potencialização de condições inseguras (Choi et al., 2017), conforme preconiza a teoria dominó de Heinrich (Dekker, 2019). Explicitam erros, que correspondem ao modelo de Reason (1995), baseados em habilidades, receptividade, imprudência e em violações excepcionais, de acordo com o Sistema de Análise e Classificação de Fatores Humanos - HFACS (Zhan et al., 2017).
Os modelos que foram desenvolvidos ao longo das últimas décadas para análise de comportamento de segurança são tanto para o CS quanto o comportamento inseguro, seja pela compreensão de uma régua gradual de um extremo a outro, seja pelo entendimento de um comportamento geral de segurança. Os modelos são classificados de acordo com sua base teórica, comportamental, cognitivo e sistêmico, e apresentam indicadores de precursores do CS.
Modelo Conceitual de Comportamento Seguro BDC
O aparato sistematizado da literatura científica forneceu as ferramentas para a definição pelos autores do modelo Barros-Delben & Cruz (BDC) de CS. O modelo é decomposto em 6 ações específicas (Barros-Delben, 2018), elaborado especialmente a partir das duas dimensões do comportamento de segurança - a participação em segurança e a conformidade em segurança (Neal & Griffin, 2006). As ações e seus atributos indicam o grau geral do CS, que nessa perspectiva é mediado, influenciado e, em certa medida, determinado, por: recursos, riscos, e fatores de risco relacionados ao Fator Humano, destacando nesse modelo os erros humanos (intencionais e não-intencionais) e os desfechos indesejáveis.
O CS, no Modelo BDC, é enunciado como “ações de exposição controlada ao risco, real ou iminente, orientadas a evitar eventos aversivos e lesivos à pessoa e ao ambiente, diante de recursos disponíveis, adequados e suficientes” (Barros-Delben, 2018, p.66; Cruz & Barros-Delben, 2021). Elementos do CS do modelo BDC compreendem as entidades: Cumprimento; Autocuidado; Heterocuidado; Zelo; Reporte; Gerenciamento. Seguem as especificações de cada constituinte, reordenados hierarquicamente de acordo com as revisões críticas, priorizando as vidas humanas no sistema:
1. Cuidar de Si (Autocuidado)
Ação de sobrevivência e priorização do esforço para gerar, potencializar, ou manter o bem-estar pessoal e o desempenho ótimo, não restrito à relação com o trabalho (Bezerra et al., 2018). Indivíduos adultos têm a capacidade de cuidar de si próprios (Callaghan, 2003), entretanto, o autocuidado apoiado pela organização, reduz a probabilidade de EI (Araújo-Araújo et al., 2016; Bezerra et al., 2018; Jaarsma et al., 2020) e consiste num investimento com custos inferiores aos exigidos quando na ocorrência de EI. Condições mínimas de vida prejudicadas, tenderão a comprometimentos em cadeia, com associação a taxas de erros e acidentes (Kao et al., 2016). A ação é decomposta nos comportamentos: Oferecer/ recorrer a serviços de saúde do trabalho; Oferecer/ Ingerir recursos básicos à autopreservação; Oferecer/ utilizar/ desenvolver soluções ergonômicas; Oferecer/ acessar condições em prol: da higiene pessoal; da prática de exercícios físicos; do lazer e do entretenimento; de práticas religiosas ou mentais; do direito à privacidade; do direito a interações sociais; respeitar o ciclo descanso-expediente e o ciclo sono-vigília.
2. Cuidar de Terceiros (Heterocuidado)
Se o trabalhador cuida de si ele pode cuidar dos outros, seguindo a analogia de orientações em emergência aeroespaciais. Seres sociais cuidam de terceiros e o heterocuidado – “segurança pró-social” ou “comportamento de segurança altruísta” - expressa aspectos emocionais e práticos da vida em sociedade (Bazzoli & Curcuruto, 2020). Os benefícios do cuidar extrapolam benefícios de salários ou promoções, muito mais importante é o reconhecimento cívico (Bezerra et al., 2018). Desde a confecção de informes a alertas verbais sobre os riscos, o cuidar de outros garante uma das formas mais diretas de prevenção de riscos (Bley et al., 2007; Geller & Robinson, 2015) e amplia a consciência em segurança. São comportamentos específicos decompostos: Definir/autorizar se/ quantas pessoas podem auxiliar/ estar no entorno da tarefa; Disponibilizar/ exigir o uso de EPI necessários a terceiros (colegas ou visitantes) que estiverem realizando/ no entorno da tarefa; recomendar terceiros o autocuidado; alertar terceiros a respeito de atos inseguros ou condições inseguras presentes.
3. Zelar por Instalações e Instrumentos
O conceito de zelo está mais para a manutenção de elementos inanimados, ao contrário do cuidar, relacionado ao humano. Pessoas, entretanto, interagem com instalações, sistemas e instrumentos. Logo, o CS proativo se apresenta diante de elementos não e estáticos (Parker et al., 2019). Zelar significa limpar, vistoriar, conservar e testar, investigando a longevidade de itens e sistemas e possíveis falhas. Geralmente uma pessoa é responsável pelo zelo, mas em alguns contextos, essa é uma responsabilidade crítica compartilhada (Choudhry & Zahoor, 2016). As ações específicas do zelar consideram: manter em funcionamento condições sanitárias básicas para a permanência humana; organizar e limpar instalações, equipamentos e ferramentas; vistoriar e testar instalações, equipamentos (EPI) e ferramentas com periodicidade, buscando avarias, defeitos e outros.
4. Gerenciar Riscos e Crises:
O gerenciamento de riscos prevê uma tomada de decisões consciente posterior à identificação sistemática de incertezas e cenários possíveis de dado contexto (Barbosa et al., 2021), e requer treinamentos (Fang et al., 2015; Zohar, 1980), embora a atenção à rotina deva prevalecer, para que não haja um afrouxamento dos comportamentos com relação à baixa incidência de EI. Hábitos automatizam as ações e, portanto, podem classificar-se tanto em comportamentos de segurança quanto de risco (Hyten & Ludwig, 2017), pelo “viés de meliorização” (Zohar & Luria, 2003). Riscos urgentes e consequências graves e imediatas leva ao gerenciamento de crises, marcado pelo fator emergencial (Couto, 2003). A tomada de decisões, processo cognitivo racional que media as questões em ambas as formas de gerenciamento (riscos e crises), é influenciada por aspectos emocionais e de repertório coletivo e individual (Barbosa et al., 2021; Zohar & Luria, 2003), que pode ser influenciada pela percepção de custos imediatos menores que permitem subestimar os riscos (Bley, 2004; Mohammadfam et al., 2021; Zohar & Luria, 2003). A ação se decompõe em: mapear riscos e desfechos possíveis ante a realização de atividades que abarquem os recursos e realocações econômicas de esforços empregados; desenvolver/ aperfeiçoar protocolos de segurança; avaliar periodicamente a eficácia de comportamentos automáticos (rotinas); evitar situações de ameaça (não se colocar ou terceiros em risco); disponibilizar/ explicitar informações sobre acidentes já ocorridos, ou possíveis; oferecer/ realizar treinamentos para situações de emergência e críticas, mediante histórico de EI.
5. Reportar Aspectos Inseguros
Diversos erros e falhas foram se acumulando quando uma frase de Jack Swigert - astronauta da Nasa em viagem à Lua - tornou-se famosa “Houston, nós temos um problema”. A autodenúncia está relacionada com o CS, reforçando aos próprios trabalhadores e a seus colegas os aspectos inseguros da atividade que foi reconhecida no gerenciamento anterior (Haas & Mattson, 2016). Se a comunicação previne EI, o silêncio dos trabalhadores leva ao contrário, prevalecendo a noção de punição como barreira para a comunicação (Manapragada et al., 2019). Incentivos organizacionais são facilitadores do reporte (Jausan et al., 2017) e o autocuidado, o heterocuidado, o zelo e o cumprimento das normas reforçados pelo ato de denúncia, aumentando a percepção de riscos e das consequências, garantindo um histórico retrospectivo das situações. Os comportamentos específicos desta ação são reportar: atos inseguros cometidos por si, colegas ou terceiros que possam gerar ou potencializar riscos de EI; condições inseguras, falhas, erros e aspectos ambientais incontroláveis; EI em geral.
6. Cumprir as Normas de Segurança
Tem caráter intersubjetivo e prescrito na conduta coletiva. Apresenta especificidade, validade de vigência e valorização social (Choi et al., 2017). A principal ação específica é o uso de Equipamentos de Proteção Individuais (EPI), fornecido sem ônus pela organização. Também, cabe aos responsáveis pelo trabalho ofertar manuais e treinamentos para que os trabalhadores possam utilizar equipamentos e máquinas, bem como realizar serviços específicos, ainda que métodos informais de transmissão de conhecimento sejam eficazes. A ação se decompõe em: Oferecer/ Usar EPI em conformidades técnicas, de estado e certificados emitidos; Oferecer/ Seguir manual/ procedimentos padrões de segurança em instalações e serviços, coerente à formação do trabalhador; Oferecer/ seguir manual/ procedimentos de utilização de equipamentos e máquinas, coerente à formação do trabalhador.
Nota-se que o reporte recapitula as demais ações do CS, embora didaticamente detalhado em penúltima ordem, pois o cumprimento é fundamental, porém, menos urgente que as demais ações. Insere a percepção de conhecimento das atividades e dos riscos para o cumprimento, desde que priorizado o autocuidado e só então o heterocuidado pode transcorrer, concomitante ao zelo e ao gerenciamento de riscos que vai mediar as ações anteriores. Treinamentos para as emergências previstas e a eficaz contenção de EI ou minimização de impactos são sugeridos ou recomendados em um programa posterior, reunindo protocolos, métodos e outros conceitos. A primeira etapa deste estudo consistiu-se na descrição da reestruturação do modelo conceitual, definição de entidades, a exemplo dos recursos e fatores protetivos relacionados à incidência de EI e do CS, hierarquias, atributos essenciais e desfechos.
Modelagem Lógica MER para Perspectiva Aplicada de um Programa Sustentado pelo Modelo de CS-BDC em Contexto ICE
O projeto lógico abarca as etapas de modelagem com a técnica MER para análise de dados e de projeto de banco de dados a partir de agrupamentos posteriores a abstração da realidade por descrições (Chen, 2002). A descrição das interações, “configurações”, em conjunto com a direção de ação entre as entidades, propicia o cenário para a construção do banco de dados e algoritmos de softwares subsequentes. O desfecho secundário, EI, é influenciado por variáveis intermitentes: desastres naturais; falhas de equipamentos e sistemas; mal súbito, erros e baixa incidência de EI, gerando falsa sensação de segurança. Na figura 1, o modelo de relações-entidades de um programa para gestão de riscos em saúde e segurança baseado no modelo CS-BDC é apresentado em sua estrutura resumida.

Figura 1 MER de um programa de gestão de riscos em saúde e segurança baseado no modelo CS-BDC com decomposições de entidades e relacionamentos principais
O modelo permite acompanhar ao longo do tempo (derivada) a intensidade (magnitude) da variação das ações do CS e dos construtos constituintes dos fatores, a partir de scores gerais e específicos. Os momentos definidos para esse acompanhamento abarcam, mas não se restringem a: pré-atividade, início da atividade, evento crítico, final da atividade e pós-atividade. A sistematização para o acompanhamento, para simulações, predições, ou monitoramento, compreende o programa originado do modelo. A proposta avança para a implementação em um contexto ICE de difícil acesso, dadas as possibilidades típicas para o controle mais elevado das variáveis em uma situação não simulada com seres humanos voluntários (Barros-Delben et al., 2020a) para auxiliar nos processos de seleção e preparação de expedicionários, avaliação, monitoramento e ações preventivas a EI.
O modelo relacional (Codd, 1983), preconiza dados organizados em coleções de tabelas bidimensionais, ou relações, linhas e colunas, baseando-se em lógica e na teoria dos conjuntos. As linhas são chamadas de tuplas, compreendendo os registros, todos os dados requeridos por uma determinada ocorrência de entidade em particular. Já as colunas correspondem às unidades que armazenam um tipo específico de dado, um valor, ou não armazenam nada se for nulo. Colunas não-chave são aquelas em que seus valores podem se repetir em outras linhas da tabela. Chaves-primárias (CP) são atributos que identificam registros de maneira exclusiva, de modo a não haver duplicação de registros, a exemplo de identificadores de usuários, um código ID ou um CPF. As chaves estrangeiras (CE) se relacionam com CP e em determinadas circunstâncias são analisadas como CP também. Relacionamentos, por fim, consistem na associação entre as relações, conectadas por CP e CE. Toda a estrutura citada é prévia a codificação para softwares.
No processo de modelagem é fundamental a realização de uma análise de requisitos, fase em que são definidos os elementos constituintes, entidades, atributos e relacionamentos do banco de dados. Essa fase compreende nesse estudo as investigações em campo de 2014 a 2019 (Cruz & Barros-Delben, 2021) e inferências dos pesquisadores pautadas em documentos, entrevistas e outros acessos.
As convenções para a modelagem de entidades, relacionamentos e atributos (Chen, 2002) foram mantidas e iniciado o processo em 3 níveis: 1ª modelo conceitual do programa, modelagem em que a realidade é representada por uma visão simplificada; 2º modelo lógico, em que os conceitos são compreensíveis e há independência do Sistema de Gerenciamento do Banco de Dados (SGBD), definindo os tipos de dados em um diagrama entidade relacionamento (retângulos = entidades, círculos = atributos, losangos = relacionamentos e números ou “n” para a quantidade de relacionamentos), representado na figura 2, com base em estudo de Destaque de Iniciação Científica; E 3ª e último nível de modelagem, que comporta o modelo físico, componentes de estrutura física do banco de dados, tabelas, campos, tipos de valores, restrições, etc. são detalhados. Esse artigo se atém aos níveis 1 e 2.
A aptidão ou inaptidão sugerida para um determinado contexto é relativa à bibliografia disponível e estudos de caso e de profissiografia para que se encontre os perfis ideais. Por exemplo, um indivíduo hipotético do PROANTAR revela alta motivação no ponto de partida (pré-atividade), essa motivação permanece estável (0) no início da missão, apresenta scores médios (-) no momento crítico, eleva seus escores no momento final (+), e mantém esse nível máximo no pós-atividade, o que equivale a uma estabilidade (0), conforme ilustrado na figura 3. Isso implica em um comportamento seguro observável que pode ou não estar se influenciando pela motivação e outras tendências.
As influências (I) são representadas com setas e sinais positivo (I+) e negativo (I-) que indicam uma propensa causalidade entre uma quantidade sobre outra. Nessa fase, é necessário associar entidades ou quantidades para compreensão das forças atuantes. Considerando que a motivação tenha uma influência positiva (I+) na expressão do CS (desfecho principal), um atributo da personalidade, a impulsividade, em níveis elevados, teria influência negativa (I-) na manifestação do CS e influência positiva (I+) nos precursores dos EI.
O mapeamento de recursos se torna uma tarefa crucial quando consideramos os níveis de influência, além do mapeamento de riscos, prévio à definição de quais fatores serão investigados ou monitorados. As pesquisas iniciadas em 2014 (Barros-Delben, 2018; Cruz & Barros-Delben, 2021) auxiliaram na elaboração de um mapa de riscos, de recursos, de fatores de risco e de proteção do ambiente ICE da Antártica, contudo, estes devem ser realizados continuamente para atualizações e aprimoramentos, pois a dinâmica de alterações naturais e artificiais do meio interferem nos produtos das interações, seguindo guias de classificação de risco padronizados. São os aspectos negativos, fatores de risco e EI, os mais tangíveis no processo de avaliação e monitoramento. Todos os fatores consistem em identificar extremos de risco, alto, para evitar a manifestação do fenômeno grave ou intervir precocemente.
Há uma tendência para o aumento de estudos envolvendo o conceito de CS em situações de crises sanitárias, tal como a da COVID-19 (Pearce & Cooper, 2021), propiciando a necessidade de sistematização de protocolos específicos. Os elementos constituintes do modelo de CS são comuns a cenários não ICE, entretanto, o grau de risco e, logo, a atenção a determinadas características, são particulares. Estudos epidemiológicos, fontes de informações que auxiliam no mapeamento de riscos de cada contexto, não eliminem a importância de auditorias presenciais que identifiquem precisamente os fatores a serem considerados em função dos riscos específicos e dos produtos da interação humana com o ambiente.
Considerações Finais
O esforço de modelagem evita generalizações imprecisas, contribuindo também para a elaboração de hipóteses e de modelagens quantitativas. Os resultados de dados da coleta triangulada serão projetados em uma equação para indicar quais precursores do CS ou ações do CS são mais influenciadores do CS geral, encontrando o fator de impacto do sistema e interpretado por inteligência artificial para otimização das análises. Dados são fatos armazenados em uma representação primária, que após organizados de maneira a produzir significados são então denominados de informações. Uma coleção organizada de dados consiste em um banco de dados, composto por objetos distintos, esquemas, tabelas, relatórios, procedimentos, entre outros, protegidos e mantidos por um SGBD.
Os avanços no modelo de CS-BDC incluem uma reordenação hierárquica mais precisa que deflagra a importância do fator humano como prioridade nas organizações, sejam em ambientes ICE ou empresariais. A busca evidências de validade consequencial do modelo exige a análise de dados coletados comparados às simulações elaboradas - dois grupos distintos em dois ciclos completos de momentos que incluam o mapeamento, as avaliações e monitoramentos.
A contribuição de um modelo teórico repercutiu na oferta de ferramentas eficazes desenvolvidas para maior controle e prevenção aos EI em contexto laboral de contextos de difícil acesso especialmente, que requerem maior autonomia, como a Antártica. Nessa direção, sustentada uma estrutura lógica de um programa de gestão de riscos em saúde e segurança, e o modelo de CS-BDC incorpora elementos de inovação tecnológica e projeção de pesquisa aplicada. O MER se apresentou como um meio viável de organização tanto do banco de dados para análises preditivas e prescritivas, quanto de método para coleta dos dados padronizado.
Os países que investem na promoção do CS podem se beneficiar deste conceito protocolar nos chamados “laboratórios naturais” ICE cada vez com mais presença humana provisória ou permanente, como um direcionamento estratégico e inteligente para economia, em comparativo com os custos de medidas reativas na ausência de propostas preventivas de programas ou planos. Os precursores do CS, embora presentes no arcabouço selecionado, exigem um aprofundamento do ambiente de trabalho estrito para a descrição completa, associado às especificidades do contexto.
As contribuições teóricas-aplicadas tanto do modelo quanto do programa proposto são ímpares, no que tange a prevenção de EI, especialmente em locais que exigem a autossuficiência. Contudo, algumas limitações desse estudo orientam para que pesquisas futuras possam superar as restrições do campo conceitual, com a validação e concomitante adaptação das tecnologias para comportar os elementos da realidade modelada.