O mundo está vivenciando uma enorme transformação demográfica resultando em um crescente segmento de pessoas mais velhas. No Brasil, em 2060, estima-se que um quarto da população tenha 65 anos ou mais de idade, chegando a alcançar 25,5% (58,2 milhões) da população. Já os jovens (0 a 14 anos) deverão representar 14,7% da população (33,6 milhões) em 2060 (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística [IBGE], 2018).
Além das mudanças demográficas, o mundo do trabalho tem recebido influências da globalização, de inovações tecnológicas e de mudanças ambientais e climáticas, gerando uma mudança sem precedentes (Organização Internacional do Trabalho [OIT], 2019). Diante desse cenário, diversas são as iniciativas que devem ser levadas em consideração, desde a elaboração de políticas à estruturação de medidas que auxiliem os trabalhadores mais velhos a expandir suas escolhas, otimizar suas chances e oportunidades para trabalhar em condições que garantam a qualidade de vida.
A aposentadoria pode ser percebida de diversas formas, sendo um período vantajoso ou desvantajoso para quem se aposenta. Por um lado, a importância que a sociedade dá ao trabalho faz com que algumas pessoas percebam a aposentadoria como um período de muitas perdas; sejam elas econômicas, emocionais ou psicossociais. Por outro lado, parar de trabalhar pode ser percebido como uma oportunidade de recomeçar a vida, com liberdade tempo para relacionamentos e atividades de lazer (Amorim & França, 2019; França, 2012).
Planejar a aposentadoria implica em um processo de tomada de decisão em que o trabalhador mais velho escolhe basicamente uma das três opções: permanecer trabalhando postergando a aposentadoria, se aposentar e adotar o emprego ponte ou trabalho combinado, ou se aposentar definitivamente (Beehr & Bennett, 2015; França et al., 2013; Menezes & França, 2012; Wang et al., 2008). O momento de decisão do trabalhador mais velho sobre sua carreira requer muita reflexão, considerando o impacto causado em sua vida (França, 2012), e envolve diversos fatores em níveis macrogovernamentais, meso-organizacionais e microindividuais (França et al., 2013; Henkens, 2022; Macêdo et al., 2020; A. P. Souza & França, 2020; Shultz & Wang, 2011; Wang & Shi, 2014).
L. B. C. Souzaetal. (2020) realizaramumarevisãointegrativa de literatura sobre fatores para postergar a aposentadoria de trabalhadores idosos brasileiros e identificaram que a decisão de aposentadoria desses trabalhadores envolve cenários governamentais, organizacionais e do trabalho, individuais e sociofamiliares. Os autores concluíram que a decisão de aposentadoria é um processo dinâmico, no qual há uma carência de estudos longitudinais, sendo necessário a realização de pesquisas mais robustas nacionais com trabalhadores mais velhos. Apontaram, ainda, a emergência de acompanhamento de estudos qualitativos, que possam aprofundar e ampliar o conhecimento sobre o processo de aposentadoria e seus resultados, o que corrobora com as recomendações de Sousa-Ribeiro et al. (2022) sobre futuros estudos longitudinais qualitativos acerca de pesquisas empíricas e o planejamento de carreira tardia entre trabalhadores mais velhos.
Diante do exposto e da necessidade de pesquisas sobre os determinantes que influenciam a intenção dos trabalhadores mais velhos de continuar trabalhando (Solem et al., 2016; A. P. Souza & França, 2020); destaca-se a relevância de estudos direcionados aos trabalhadores mais velhos e a sua permanência no mercado de trabalho (Henkens, 2022; Jansen et al., 2019). Essas informações são fundamentais para o preenchimento de lacuna sobre esse fenômeno.
Nesse sentido, o objetivo do presente estudo é apresentar uma revisão dos artigos científicos nacionais e internacionais contemplando o estado da arte da tomada de decisão na transição de carreira-aposentadoria, sob o ponto de vista qualitativo. Ao final dessa revisão, serão apontadas lacunas e oferecidas alternativas e propostas de desdobramentos para o crescimento teórico e empírico sobre esse tema emergente na sociedade em todo o mundo.
Método
A revisão sistemática de literatura deve responder a uma pergunta clara, definir uma estratégia de busca, estabelecer critérios de inclusão e exclusão dos artigos e, além disso, fazer uma análise criteriosa da qualidade da literatura selecionada (Hidayat et al., 2021; Schuabb & França, 2020). Nessa revisão, o problema de pesquisa foi sintetizado na seguinte pergunta: como tem sido abordada por estudos psicológicos empíricos qualitativos a tomada de decisão de carreira-aposentadoria dos trabalhadores mais velhos?
Foi utilizado o fluxo de diagrama do modelo PRISMA para o desenvolvimento da revisão de literatura sistemática. Assim, foram realizadas as seguintes etapas: 1) identificação de registros nas bases de dados e em fontes adicionais, 2) triagem e exclusão de artigos duplicados, 3) elegibilidade de artigos para serem lidos integralmente e 4) inclusão de artigos selecionados ao final (Liberati et al., 2009). Entretanto, algumas adaptações foram utilizadas, a fim de proporcionar um melhor esclarecimento das fases dessa revisão. Conforme apontado por Stewart e Clarke (1995) modificações dos itens do checklist ou do fluxograma serão necessárias em circunstâncias específicas.
Estratégias de Busca
Inicialmente foi efetuada uma análise com os 200 primeiros artigos que emergiram em cinco sites de busca, como recomendado por Haddaway et al. (2015). O levantamento utilizou os sites Google Scholar, Oxford Academic, Scientific Electronic Library Online (Scielo), Periódicos Eletrônicos de Psicologia (Pepsic) e Portal BVS, sendo dividido em quatro etapas principais de busca, descritas a seguir.
Coleta de Dados
Na etapa de identificação, foi utilizado na primeira fase o operador booleano "AND" com os seguintes descritores: "decision making", "career planning", "retirement", "older workers" nos sites de busca, sendo identificados 420 artigos. Na segunda fase foi feita a busca utilizando o operador booleano "OR" com as seguintes palavras chaves: "decision making", "career planning", "retirement", "older workers", sendo encontrados 1092 artigos. Na terceira fase foram realizadas as combinações de palavras, tais como: "decision making" AND "career planning"; "decision making" AND "retirement"; "decision making" AND "older workers"; "career planning" AND "retirement"; "career planning" AND "older workers"; "retirement" AND "older workers", na qual foram identificados 3.803 artigos. Visando ampliar a revisão, foi inserida uma quarta fase de busca com as seguintes combinações: "retirement and decision", "retirement and planning", e "retirement and career", na qual foram encontrados 2.877 artigos. No total foram analisados 8.198 artigos segundo os critérios de inclusão e exclusão.
Critérios de Elegibilidade
O primeiro critério de inclusão foi selecionar artigos da área de psicologia em qualquer ano. Assim, foram identificados 831 artigos. Um outro critério aplicado foi a obrigatoriedade de o artigo ser científico e, por conseguinte, foram selecionados 665 artigos. Após análise e seleção das pesquisas com metodologia qualitativa, restaram 91 artigos. Desse total, foram selecionados 58 artigos relacionados à temática de tomada de decisão na transição carreira-aposentadoria. Na etapa de triagem e exclusão de artigos duplicados, foram excluídos 39 artigos repetidos. Enquanto na etapa de elegibilidade de artigos para serem lidos integralmente, restaram 19 artigos para análise completa. A Tabela 1 apresenta os critérios de inclusão e exclusão utilizados nessa análise, e a Figura 1 apresenta o Fluxo de diagrama, adaptado conforme a metodologia PRISMA.
Tabela 1 Critérios de Inclusão e Exclusão
Critério de Inclusão |
1. Artigos relacionado à área de Psicologia em qualquer ano 2. Artigos científicos publicados em periódicos 3. Estudos empíricos qualitativos 4. Estudos voltados para a temática de tomada de decisão na transição carreira-aposentadoria |
Critério de Exclusão |
1. Artigos científicos que estudam a aposentadoria sob o viés econômico, médico, envelhecimento, lazer e que também estudam decisão e carreira de jovens, adolescentes e adultos |
Resultados e Discussão
Nessa revisão sistemática de literatura, foram aplicados critérios de inclusão e exclusão e selecionados 19 artigos voltados para pesquisa empírica com trabalhadores mais velhos utilizando a abordagem metodológica qualitativa. Desse modo, constatou-se a escassez de publicações científicas qualitativas na área da psicologia no cenário brasileiro e internacional versando sobre a tomada de decisão de carreira-aposentadoria por meio desse método de investigação.
Os artigos que atenderam aos critérios para essa revisão foram, então, classificados em nove categorias que orientaram as análises: 1) ano de publicação; 2) objetivo do estudo; 3) público-alvo; 4) setor investigado; 5) cargo dos participantes; 6) método aplicado no estudo; 7) técnicas de coletas de dados; 8) resultados e 9) recomendações apresentadas pelos estudos. Para visualização do panorama total dos artigos, a Tabela 2 compila algumas informações consideradas chaves nessa revisão (autor, ano, público-alvo, tipo de estudo, instituição e cargo).
Tabela 2 Síntese dos Estudos Nacionais e Internacionais sobre a Tomada de Decisão na Transição de Carreira-Aposentadoria dos Trabalhadores mais velhos
Autor | Ano | Público - Alvo | Tipo de Estudo | Instituição | Cargo |
---|---|---|---|---|---|
Sousa-Ribeiro et al. | 2022 | Oito auxiliares de enfermagem suecos com 55 a 61 anos | Transversal | Casa de Repouso- Municipal | Auxiliar de Enfermagem |
Sousa et al. | 2021 | 41 portugueses, de 55 a 70 anos. Sendo que 26 estavam trabalhando | Transversal | Organizações Públicas e Privadas | Bancárias e financeiras, técnico, assistente administrativo, enfermeiro, militares e saúde. |
Seidl et al. | 2021 | 33 trabalhadores brasileiros de 47 a 69 anos | Transversal | Educação; elétrico, judiciário e saúde. | |
Jansen et al. | 2019 | 20 participantes suecos antes e após aposentadoria | Longitudinal | Organizações com fins lucrativos em diversos setores da economia. | Gerente sênior, consultor sênior e arquitetos de software |
Bonifácio & Scorsolini-Comin | 2019 | Um participante brasileiro antes da aposentadoria | Transversal | Escola | Professor |
Nascimento & Polia | 2019 | 11 professores brasileiros universitários antes da aposentadoria | Exploratório | Universidade | Professor |
Moreno & Bambula | 2019 | 12 aposentados colombianos em empregos de ponte com dois anos de aposentado | Transversal | Indeterminado | Diversas ocupações |
Antunes et al. | 2018 | Seis casais brasileiros aposentados, há pelo menos, um ano | Transversal | Indeterminado | Diversas ocupações |
Boehs & Silva | 2017 | 13 aposentados brasileiros participaram | Transversal | Empresa multinacional | Técnico, analista, gerente / coordenador, diretor presidente |
Krawulski et al. | 2017 | Oito participantes brasileiros aposentados | Transversal | Universidade Federal | Professor |
Macêdo et al. | 2017 | 283 servidores brasileiros aptos a se aposentar ou próximos | Transversal | Escola | Professor e técnico-administrativo |
Leandro-França et al. | 2016 | 20 funcionários públicos brasileiros antes da aposentadoria com 50 anos ou mais | Transversal | Órgão Público - Governo Brasileiro | Indeterminado |
Furunes et al. | 2015 | cinco participantes noruegueses antes da aposentadoria, de 58 a 70 anos | Longitudinal | Diversas organizações | Diversas ocupações |
Park et al. | 2012 | 12 participantes coreanos aposentados e jogadores atuais | Transversal | Clube | Jogador de tênis da elite |
França et al. | 2012 | Seis garis brasileiros, com 45 anos ou mais e que estavam no mínimo a dois anos da aposentadoria | Transversal | Empresa de limpeza urbana | Garis |
Liu et al. | 2012 | 14 participantes de vários países antes da aposentadoria | Transversal | Diversas organizações | Profissionais liberais e gestores |
Zientara | 2009 | 20 participantes: 10 empresários e 10 funcionários poloneses antes da aposentadoria | Transversal | As empresas operavam em serviços, construção e fabricação especializada | Empresário e funcionário |
Furunes & Mykletun | 2005 | 20 participantes noruegueses antes da aposentadoria | Transversal | Hotéis e restaurantes | Gerente |
August & Quintero | 2001 | 21 participantes vários países; Dois casos ilustrativos, em cinco anos antes da aposentadoria | Transversal | Escolas e hospitais | Enfermeira, professora e terapeuta |
Ano de Publicação
Quanto à categoria ano de publicação: dos 19 artigos selecionados, 16 foram publicados nos últimos 10 anos, ou seja, essa maioria demonstra a relevância do tema estudado na atualidade. Esse resultado foi confirmado pela pesquisa de Amorim e França (2019) na revisão sistemática de literatura que investigou as variáveis que provocariam o bem-estar na aposentadoria, e assinalou a emergência e complexidade do tema bem-estar na aposentadoria. Importante assinalar que as lacunas identificadas por essas autoras eram relacionadas justamente à decisão de se aposentar e sua adaptação.
Objetivo do Estudo
Quanto ao objetivo do estudo, verificou-se que essa categoria se baseou no momento em que os participantes se situavam na transição da aposentadoria. Ou seja, participantes que ainda estavam na transição trabalho-aposentadoria, aposentados que continuavam trabalhando e participantes totalmente aposentados. Constatou-se que 14 estudos (73,7%) abordaram os participantes em fase da aposentadoria e os objetivos estavam centrados na compreensão que esses trabalhadores tinham com relação à tomada de decisão e na identificação dos fatores que influenciam esse período. Três estudos (15,78%) pesquisaram os aposentados, a identificação da fase de planejamento e o significado da vida pós-carreira. Um estudo (5,26%) realizado com aposentados que continuam trabalhando teve por objetivo levantar as motivações que os levaram a permanecer no mercado de trabalho e outro estudo (5,26%) foi com aposentados e trabalhadores em transição trabalho-aposentadoria, tendo por objetivo avaliar se a flexibilidade interferia na permanência do trabalhador no emprego. O número maior de pesquisas com participantes em fase da aposentadoria é corroborado pelos autores Sousa et al. (2021) que recomendam a realização de estudos futuros, com participantes em três momentos distintos - antes, próximo e a após aposentadoria.
Público-alvo
Quanto à categoria público-alvo identificou-se que as pesquisas foram aplicadas com os seguintes públicos: 14 pesquisas com participantes antes da aposentadoria (73,68%), três estudos com participantes aposentados (15,79%) e duas pesquisas utilizaram os dois grupos de participantes (10,53%). Esse dado corrobora com resultados anteriores, sendo que a diversidade dos participantes na transição da aposentadoria pode estar relacionada ao fator conveniência, que pode ocorrer na coleta de dados sobre transição na aposentadoria quando o pesquisador opta por aceitar participantes em diferentes estágios da transição da aposentadoria (Schuabb & França, 2020).
Setor Investigado
Em relação à categoria tipo de organização, constatou-se que sete artigos foram relacionados ao setor privado (36,84%); seis artigos realizados com o setor público (31,58%), três artigos estavam vinculados aos setores público e privado (15,79%) e três pesquisas não identificaram o setor (15,79%). Esse fato pode ocorrer pela confidencialidade e o anonimato adotados por empresas e pesquisadores, o que leva a omissão de informação.
Quanto ao setor investigado constatou-se que sete estudos foram realizados em diversas organizações (36,84%); cinco estudos em escolas/universidades (26,32%); enquanto quatro pesquisas (21,05%) realizadas em hotéis, restaurantes, órgão público e clube. Apenas três estudos não identificaram (15,79%) o setor investigado. A diversidade de organizações e setores investigados reflete a transversalidade do tema da aposentadoria, alvo de interesse em todos os espaços de trabalho.
Cargo dos Participantes
Quanto à categoria cargo identificou-se nos artigos diversas ocupações, tais como: professores, gerentes, consultores, garis, mulheres executivas, dentre outras. Foi observada uma predominância no cargo de professor com sete artigos (37%). Esse resultado foi corroborado pela revisão de literatura nacional de Schuabb e França (2020), que investigou o planejamento financeiro para aposentadoria, sob o viés da Psicologia, revelando a predominância de estudos com trabalhadores de universidades. Esse fenômeno pode ocorrer pela conveniência, onde os pesquisadores têm facilidade na coleta de dados, pois estão inseridos no contexto educacional, além do tema ser relevante para a academia.
Método Aplicado no Estudo
Em relação à categoria método aplicado no estudo identificou-se dois estudos longitudinais internacionais (10,5%); 16 estudos transversais (84,2%) e um exploratório (5,3%). Esse resultado é corroborado pela pesquisa realizada por L. B. C. Souza et al. (2020), na qual ressaltam que a decisão de aposentadoria é um processo dinâmico, existindo uma carência de estudos longitudinais a ser suprida por pesquisas mais robustas nacionais com trabalhadores mais velhos.
Técnica de Coleta de Dados
Considerando as técnicas aplicadas nos estudos, observou-se a predominância de entrevistas em 16 estudos, ou seja, 84,2%. Dois desses estudos utilizaram grupos focais, ou seja, 10,5% e outro estudo aplicou um questionário contendo questões abertas on-line, equivalente a 5,3%. A entrevista, utilizada como diagnóstico-caracterização, é uma técnica para obter informações em diversas áreas da vida, proporcionando o acesso a percepções subjetivas e o modo como o indivíduo se expressa através do discurso, incluindo as emoções, influências interpessoais, intenções e ideias proporcionando momentos de introspeção (Amado & Ferreira, 2013).
Resultados Encontrados pelos Estudos
Boehs e Narbal (2017) identificaram quatro fatores principais que influenciam a satisfação de vida na aposentadoria: o financeiro, a rede social de apoio, a voluntariedade/involuntariedade da decisão de se aposentar e o trabalho voluntário. Sousa-Ribeiro et al. (2022) ressaltam que o ambiente psicossocial do trabalho foi percebido como estressante e um risco à saúde de longo prazo, mas a expectativa de boa saúde e a capacidade para o trabalho foram considerados determinantes para o planejamento da carreira tardia, sendo os recursos pessoais e o apoio social fatores de proteção às demandas do trabalho. As finanças pessoais e significado do trabalho foram considerados aspectos para o planejamento de final de carreira.
Macêdo et al. (2017) destacaram a existência de padrões de significados de aposentadoria entre aqueles que têm a intenção de se aposentar e de usufruir a vida com mais qualidade. Já o adiamento vem em resposta ao sentir-se atuante no trabalho, enquanto estratégia contra a ociosidade. Sousa et al. (2021) observaram a existência de três perfis distintos para a permanência: 1) experiências positivas no trabalho, 2) não ter dependentes e 3) o cônjuge/companheiro não ser aposentado que foram associados à aposentadoria mais tardia. Para o trabalho de ponte, Jansen et al. (2019) demonstraram que os significados e o valor do trabalho combinado com a flexibilidade do local de trabalho são preditores importantes.
Com relação aos preditores de bem-estar na aposentadoria em garis, França et al. (2012) identificaram que o relacionamento familiar era o principal preditor, seguido da promoção da saúde que, por sua vez, estava diretamente relacionada às condições de trabalho e que precisam ser revistas pelo empregador. Para os garis, o lazer estava em segundo plano, embora existisse a esperança de que na aposentadoria teriam mais tempo para o lazer e recursos para viajar.
Bonifácio e Scorsolini-Comin (2019) concluíram, com base na Psicologia Positiva, que os programas de preparação para aposentadoria (PPA) devem focar a promoção do bem-estar e o desenvolvimento de potencialidades para o indivíduo lidar melhor com as adversidades que podem surgir durante o processo de aposentadoria. Para Seidl et al. (2021) o planejamento da aposentadoria contém várias dimensões; o PPA deve ser disponibilizado pelas empresas de várias formas, sendo priorizado nesses programas a qualidade das relações familiares e o tempo para se cuidar; as práticas de recursos humanos devem incluir a gerência de equipes intergeracionais e o emprego ponte deve ser cada vez mais considerado como opção na decisão da aposentadoria.
Antunes et al. (2018) apontam a relevância no contexto de vida como fator determinante na decisão da aposentadoria, visto que as referências apresentadas pelos participantes transitaram pelas experiências de outras pessoas do convívio. Observaram diferentes concepções e ideias sobre os significados da aposentadoria, sejam elas a possibilidade de usufruir o tempo livre, quanto a percepção das perdas a partir do desligamento com o trabalho e suas consequências à vida do indivíduo. Esses autores destacam o contexto relacional do trabalhador e do aposentado na intervenção, e a captura das condições potencialmente facilitadoras e/ou dificultadoras da adaptação a esse período. Moreno e Bambula (2019) corroboraram com Antunes et al. (2018) observando ainda que o pós-carreira é um processo de adaptação e transição em que o aposentado é autor de seu projeto pessoal, de trabalho e de vida social, onde o trabalho continua a desempenhar um papel relevante e central na vida dessas pessoas. Para esses autores o planejamento requer uma adaptação do trabalhador e ressaltam a necessidade de investimentos de estudos e projetos a serem desenvolvidos pelas universidades. A participação das universidades é compartilhada ainda por Nascimento e Polia (2019) que destacam o reforço na percepção dos ganhos em detrimento das perdas.
Furunes et al. (2015) ressaltaram que o emprego intermediário é uma prática que pode ser oferecida pelo empregador para que o trabalhador mais velho possa ter uma transição mais tranquila para aposentadoria. Tais descobertas sugerem que os planos para a decisão de carreira e aposentadoria surgem e amadurecem nos poucos anos anteriores à aposentadoria. Krawulski et al. (2017) apontaram que a continuidade do exercício profissional docente reduzida se configura principalmente como uma transição em direção à desvinculação total das atividades desenvolvidas. Embora aposentados, os docentes exercem a docência voluntária como estratégia de trabalho de ponte em direção ao desligamento definitivo do trabalho e da instituição. As demandas de trabalho e aprendizagem foram avaliadas e as decisões de aposentadoria foram adiadas por um ano, entretanto apenas alguns participantes mudaram completamente de opinião.
Leandro-França et al. (2016) avaliaram a eficácia de três tipos de programas (longo, breve e testemunho). Os autores argumentaram que participantes de um PPA que utilizou o modelo transteórico de Prochaska e DiClemente (1983) apresentaram mais alternativas de mudanças no planejamento da aposentadoria e progrediram por mais estágios de mudanças que os participantes que estavam no programa breve e no programa de testemunho. Park et al. (2012) revelaram que para atletas no final de carreira esportiva, a tomada de decisão é um processo dinâmico, acompanhado por diversas respostas emocionais que requerem diferentes estratégias de enfrentamento. O modelo transteórico auxiliou na explicação da decisão dos atletas na aposentadoria do esporte e sugeriu a necessidade de fornecer diferentes intervenções em diferentes estágios.
August e Quintero (2001) identificaram vários fatores contextuais importantes, incluindo a associação organizacional, ocupacional, os colegas de trabalho e o histórico de oportunidades. Dependendo das circunstâncias, tais fatores podem aumentar ou diminuir as opções relacionadas à aposentadoria. Ressaltam para o reexame de políticas, o combate ao etarismo e o incentivo ao redesenho de empregos. A pesquisa de Zientara (2009) concluiu que os empresários reconhecem o valor dos trabalhadores mais velhos e a necessidade de acomodar esses trabalhadores, proporcionar treinamento e desenvolvimento de novas habilidades.
Furunes e Mykletun (2005) destacaram que nas organizações que empregam uma força de trabalho com idades variadas, os gestores têm uma postura mais positiva do que negativa quando existe equilíbrio na força de trabalho com trabalhadores mais jovens e mais velhos e a complementação das gerações. Esses resultados foram corroborados por Liu et al. (2012), que identificaram uma transição de carreira com efeitos positivos e negativos no que diz respeito ao bem-estar e qualidade de vida.
Estudos longitudinais foram sugeridos por diversos autores por ampliar o conhecimento sobre o impacto de bem-estar na aposentadoria e a construção de modelos de intervenção para pré-aposentados e aposentados. Apesar dos pesquisadores brasileiros (Amorim e França, 2019; França et al., 2012; Macêdo et al., 2017) apontarem a relevância desses estudos, é importante considerar a escassez de recursos financeiros das agências de fomento de pesquisas estaduais e nacionais e em contrapartida, que tais estudos precisam ser realizados com a participação de grupos de pesquisadores que juntos podem vencer as barreiras provocadas por essa escassez.
Dos 19 artigos analisados foram identificados a necessidade da realização de estudos de intervenção com trabalhadores mais velhos. Park et al. (2012) sugerem a identificação de aspectos detalhados da prontidão para a aposentadoria e a utilização de avaliação da eficácia das intervenções fundamentadas no modelo transteórico. Macêdo et al. (2017) apontaram a necessidade de promover o desenvolvimento da reflexão gradativa sobre o tema envelhecimento, como uma etapa do ciclo da vida, onde a aposentadoria está inserida nesse contexto. Cumpre aos responsáveis por tais intervenções contribuir para o desenvolvimento de concepções realistas sobre aposentadoria, minimizando o impacto de representações negativas. Nesse sentido, Bonifácio e Scorsolini-Comin (2019) sinalizaram a importância da utilização de estratégias apoiadas na Psicologia Positiva nas intervenções de preparação para a aposentadoria. O fato exposto se traduz na relevância do tema para esse público e em uma lacuna de conhecimento, que visa proporcionar e desenvolver ainda mais momentos de reflexão sobre a tomada de decisão na transição de carreira-aposentadoria dos trabalhadores mais velhos.
Recomendações Apresentadas pelos Estudos
Quanto à categoria recomendações apresentadas pelos estudos observou-se a necessidade de aprofundar esse fenômeno junto aos trabalhadores mais velhos, conforme descrito brevemente a seguir e detalhado na Tabela 2. Sousa-Ribeiro et al. (2022) recomendam a realização de estudos longitudinais qualitativos sobre o planejamento de carreira tardia entre trabalhadores mais velhos. Isto foi recomendado também por Sousa et al. (2021) que identificaram que estudos longitudinais contribuiriam para a compreensão de como os fatores individuais e relacionados ao trabalho mudam sua importância ao longo do tempo para diferentes grupos de indivíduos e sugerem que os participantes devem ser entrevistados em três momentos distintos, para explorar as expectativas em curto e longo prazos, bem como uma análise retrospectiva do processo de tomada de decisão da aposentadoria.
Alguns autores propõem recomendações para melhor compreender o complexo processo de aposentadoria. Utilizando os princípios da Grounded Theory, Antunes et al. (2018) apontaram a importância de investigar o processo da aposentadoria em pessoas de diversos contextos sociais e o cenário em que elas se inserem. Jansen et al. (2019) propuseram futuras investigações sobre a relevância de trabalhar com flexibilidade de horários e se esses resultados poderiam ser generalizados em gênero e em diferentes gerações. Os autores sugerem ainda investigar o significado do trabalho, as diferenças entre emprego de ponte e trabalho voluntário, os motivos pelos quais os aposentados desejam trabalhar e se a busca de emprego é consistente. Moreno e Bambula (2019) ressaltaram como importante para estudos futuros identificar os motivos pelos quais os trabalhadores mais velhos desejam permanecer trabalhando, as categorias que explicam o fenômeno do pós-carreira e o trabalho de ponte. Por fim, Seidl et al. (2021) apontaram que rigorosos estudos qualitativos poderiam envolver antecedentes individuais, sociais e/ou organizacionais e aspectos consequentes do planejamento da aposentadoria, tomada de decisão, adaptação e satisfação na aposentadoria.
No caso da aposentadoria de professores foi destacada a necessidade de estudos sobre a continuidade no mercado de trabalho após aposentadoria, de forma voluntária, com docentes aposentados de outras universidades federais, além de particulares, estudos comparativos com docentes e profissionais aposentados de outras áreas de atuação (Krawulski et al., 2017; Macêdo et al., 2017). Esses últimos autores ressaltaram o papel social e o grupo profissional na composição das representações sociais da aposentadoria e na decisão de aposentar-se. Nascimento e Polia (2019) destacaram a investigação sobre os fatores que impedem a aposentadoria e a percepção de ganhos em detrimento das perdas percebidas. Boehs e Silva (2017) apontaram a necessidade de realizar pesquisas que contemplem aposentados de diferentes configurações (empresas privadas e públicas de portes distintos, profissionais liberais e autônomos) sobre os fatores que influenciam a satisfação de vida na aposentadoria.
Estudos longitudinais foram destacados por Furunes et al. (2015) e a análise do significado do trabalho em trabalhadores mais velhos e suas influências no processo de decisão de aposentadoria, ressaltando a necessidade do acompanhamento de indivíduos até a aposentadoria, investigando a relação entre as intenções e o comportamento na aposentadoria e a relação entre a qualidade do processo e a qualidade de vida após o evento. Ressalta-se ainda a relevância de pesquisa sob a perspectiva do empregador quanto às práticas de RH para manter os funcionários mais velhos no trabalho ou emprego ponte (Seidl et al., 2021).
No Brasil, há algum tempo, pesquisadores vêm apontando a relevância de estudos longitudinais na transição da aposentadoria em todos os níveis de trabalhadores, quer gerencial, técnico ou operacional, comparando os indicadores de satisfação e bem-estar dos participantes que passaram ou não por um programa de preparação para a aposentadoria (França et al., 2012) e avaliar os programas de preparação para aposentadoria (Leandro-França et al., 2016), utilizando grupo experimental e de controle, além da replicação do estudo em várias amostras representativas e em diferentes culturas. Liu et al. (2012) acrescentaram ainda a relevância dos estudos sobre as transições de carreira de mulheres profissionais. E, ainda, Zientara (2009) recomendou pesquisas futuras que abordem a extensão da vida profissional dos trabalhadores mais velhos e como proporcionar o aumento dessa força de trabalho.
Outras recomendações apontaram a realização de intervenções e práticas com trabalhadores na transição carreira-aposentadoria. Uma delas, identificou aspectos detalhados para a prontidão para a aposentadoria e o exame da eficácia do modelo transteórico (Leandro-França et al., 2016; Park et al., 2012). Outro ressaltou o uso da Psicologia Positiva em intervenções utilizando constantes follow-ups (Bonifácio & Scorsolini-Comin, 2019).
Em um estudo pioneiro, August e Quintero (2001) assinalaram a relevância do redesenho do trabalho e as oportunidades para decisões que envolvam a participação dos trabalhadores mais velhos. Furunes e Mykletun (2005) sugeriram estudos sobre o desenvolvimento de força de trabalho e o equilíbrio etário, inserindo práticas de retenção de pessoal visando minimizar os possíveis estereótipos e atitudes negativas em relação aos mais velhos. A elaboração de planos para as decisões de carreira e da aposentadoria podem surgir e amadurecer nos anos anteriores à aposentadoria (Furunes et al., 2015).
Considerações Finais
Essa revisão sistemática de literatura viabilizou um método de trabalho com os artigos que proporcionou maior clareza e domínio na sistematização dos conteúdos a serem estudados pela pesquisadora, considerando a sintetização do problema de pesquisa na pergunta: como tem sido abordada por estudos psicológicos empíricos qualitativos a tomada de decisão na transição carreira-aposentadoria dos trabalhadores mais velhos?
Considerando a complexidade da tomada de decisão na transição de carreira-aposentadoria por trabalhadores mais velhos, essa revisão trouxe à tona que a maioria das pesquisas nacionais é de natureza transversal, o que denota uma lacuna na realização de estudos com outros delineamentos sobre planejamento de carreira. Assim, apresenta-se como primordial que os pesquisadores busquem identificar se as intenções relatadas nos discursos dos trabalhadores mais velhos se transformarão em comportamento no momento da aposentadoria e na identificação dos fatores que influenciam a intenção dos trabalhadores mais velhos de continuar trabalhando.
Diante do exposto, conclui-se pela necessidade de estudos mais robustos para suprir essa lacuna. São necessários, especialmente, estudos direcionados na identificação das expectativas dos trabalhadores mais velhos frente à aposentadoria, melhor compreensão do processo de tomada de decisão, dos fatores que determinam a participação da vida profissional desses trabalhadores e que afetam a decisão sobre a extensão da vida profissional. Considerando esse cenário, é fundamental estudos longitudinais qualitativos direcionados aos trabalhadores mais velhos e a investigação de sua participação e permanência no mercado de trabalho.
O presente trabalho apresenta como limitação ter analisado especificamente e detalhadamente o estado da arte sob o viés psicológico, excluindo os estudos de outras áreas do conhecimento. Contudo, frente à relevância do tema, contribui para a compreensão da natureza complexa da transição carreira-aposentadoria dos trabalhadores mais velhos e amplia o conhecimento sobre esse processo de tomada de decisão em trabalhadores mais velhos sob a ótica qualitativa.